Capítulo 4
Passamos a galope pelos portões do castelo e quando chegamos em frente a porta principal, o cavalo parou subitamente freado pelas rédeas nas mãos de Iran.
Ele desceu primeiro do animal e depois ergueu os braços em minha direção para me ajudar a descer.
— Vamos entrar o mais rápido possível.
— Não estamos seguros aqui? — perguntei.
— Sim, até onde eu sei, mas como está tudo muito incerto, é melhor sermos cautelosos. — Assenti.
Seguimos para dentro e Iran ficou a todo tempo muito perto de mim. Olhava para todos os lados, como se à procura de qualquer coisa que pudesse me fazer mal. Seu rosto transmitia seriedade e parecia até mesmo com raiva.
Mica andava a nossa volta com os olhos cheios de lágrimas e sentindo-se culpada por algo que ela não tinha culpa nenhuma.
Assim que entramos no salão principal, fomos recebidos por um homem, alto e branco de não mais que trinta anos, seus cabelos eram dourados e seus olhos azuis, mas não como o azul do Iran, era de um azul escuro quase preto. Exibia um sorriso receptivo no rosto e disse assim que me aproximei:
— Majestade. — Fez uma reverência. — Sou Valery, o guardião do trono, e me sinto honrado em enfim conhecê-la.
— A honra é toda minha — respondi envergonhada e admirada com sua beleza. Quando pensei em um guardião, não imaginei que pudesse ser tão jovem.
Notando o semblante preocupado de Mica e o rosto sério do Iran, logo o sorriso de Valery se apagou e ele os perguntou olhando de um para outro:
— Tem algo de errado acontecendo?
Iran lhe contou o que sabia, depois Mica contou tudo o que o homem no vilarejo do Trigo nos contou e eu completei contando sobre uivos horripilantes e a névoa densa que me cercou.
— Malditos Cineres — Valery esbravejou, olhando para um ponto fixo, como se pensasse no que faria a partir de tudo o que tinha ouvido.
— Não era para estarem conseguindo novamente — Bravo disse pensativo. — Nem para estarem do nosso lado.
— Não.
— O povo de Trigo precisa de nós. Estão sofrendo. — Mica tinha a voz embargada pelo choro.
— Precisamos fazer o que o senhor de Trigo disse, conversar com um mago ou um ancião — sugeri. — Saber o que está faltando para quebrar de vez a maldição. Talvez eu nem seja a rainha e por isso não deu certo.
— Você é — Iran falou com certeza, eu o olhei. Ele encarava ao Valery.
Agia como se estivesse irritado comigo ou nervoso com alguma coisa que não fosse apenas pelo fato de eu quase ter sido atacada.
— Foi por pouco, Valery, eles quase a pegaram. O vilarejo de Trigo está debaixo de fuligem, estão novamente nas cinzas e se não fizermos nada, logo seremos todos nós novamente. Temos que protegê-la e deixá-la segura — disse Iran.
— Quem é o morador mais velho de Flós? E o mago, temos um? Precisamos falar com eles o mais rápido possível — falei.
Sentia que aquela luta era minha e queria achar um jeito de vencê-la. O olhar do senhor magro não saía da minha cabeça.
Valery pareceu pensar em outra coisa que não o que perguntei, não me respondeu e voltando seu olhar para Mica, pediu:
— Me conta novamente o que o homem em Trigo te disse.
Mica começou a contá-lo tudo de novo, nervosa e transmitindo muito medo, já eu estava ficando irritada, parecia que todos simplesmente me ignoravam, me tratavam como um amuleto que não podia se quebrar e não como a rainha que diziam que eu era.
Continuei parada ao lado deles, enquanto perguntavam tudo apenas para a Mica e permaneciam me excluindo de toda a conversa. Eu sentia a raiva borbulhando dentro de mim, queria ajudar, queria defender o que para mim naquele momento era a minha casa e a minha família, pois eu não tinha nada nem ninguém fora aquele reino e o povo de Flós.
Foi então que Iran sugeriu a Valery que ambos fossem até a sala onde guardavam as escrituras, lá investigassem tudo o que os antepassados deixaram escrito sobre a maldição e tentassem achar o que estava acontecendo e o motivo de as cinzas terem voltado.
— Iran, leve a rainha para o quarto e deixe alguns guardas de vigia na porta, depois me encontre na sala de escritos.
Como se eu fosse mesmo um objeto, Iran assentiu para o Valery, virou-se em direção à porta e com um sinal com a mão chamou alguns guardas que estavam por ali, depois virou-se para mim e com um meneio de cabeça indicou que eu passasse a sua frente e subisse para meu quarto.
Sem dizer nada, nem perguntar minha vontade, apenas indicando o que eu devia fazer.
Parada onde estava, pensei que eu podia ser nova ali e não conhecia nada desse negócio de reino e de ser rainha, mas pelo pouco que eu sabia, rainhas deveriam ao menos ter poder de fala.
Movida pela indignação e me sentindo subjugada, fiquei exatamente onde me encontrava.
— Majestade... — falou, como se chamasse a minha atenção, e quando o olhei ele indicou a escada.
Soltei o ar impaciente e a passos largos fui até o guarda que havia acabado de parar próximo a mim, depois sem que ele esperasse tal movimento, puxei a espada que levava na bainha e a empunhei.
— Pode me emprestar a sua espada? — perguntei já com ela na mão, de queixo erguido e encarando o confuso guarda a minha frente, que assentiu parecendo com medo.
Depois encarei ao Iran e sustentei a espada erguida em sua direção, fazendo-o me olhar de volta com espanto.
— Majestade, algum problema? — Valery perguntou preocupado, provavelmente imaginando que eu estava possuída por algum espírito Cinere.
Iran tinha conhecimento de que eu manuseava bem uma espada. Por diversas vezes no outro mundo enquanto ele era apenas o Bravo, me viu treinando para passar o tempo, por isso naquele momento me olhava com atenção.
Contudo, para acalmá-lo abaixei a espada e a entreguei de volta para o guarda, que exibia o rosto coberto por uma expressão de surpresa.
— Bela espada — elogiei e o pobre homem apenas assentiu.
Eu já tinha conseguido a atenção que precisava, sendo assim, falei com a voz calma:
— Me diga você, Guardião, se têm algum problema comigo, pois todos dizem que sou a rainha, mas não me ouvem ou me dão atenção. Me tratam apenas como um amuleto que não pode se quebrar. Se eu sou a rainha, vou começar a agir como tal, mas não a rainha que manda e desmanda, mas a que luta junto aos seus, é ouvida, ajuda no que for preciso e o principal, que faz tudo por seu povo.
Todos ficaram em silêncio, claramente sem saber o que me dizer, então repeti:
— Se querem que eu seja a rainha de vocês não vou permitir que finjam não me ouvir quando dou a minha opinião ou que me tranquem em um quarto como se eu fosse um objeto ou uma prisioneira. Eu serei a rainha e quero ser ouvida.
Olhei para a Mica que tinha os olhos com um brilho de admiração, já Iran e Valery me encaravam com o que eu pensava ser um misto de vergonha e compreensão. Depois ambos se olharam como em uma conversa silenciosa e em seguida os vi dar um meneio de cabeça sem graça.
— Nos perdoe, Rainha — Valery falou, enquanto Iran só me encarava.
— Não por isso. Não quero perder tempo lendo escritos enquanto o povo de Trigo sofre, quero falar com o meu povo e saber o que os mais velhos sabem, quero ouvir um mago e saber o que ele pode fazer para quebrar a maldição ou ao menos nos dizer o que falta para que possamos quebrá-la. Enfim... quero ouvir pessoas. Já passei tempo demais com livros e escritos.
— Rainha, não temos um mago — Valery me informou. — O último morreu.
— Mas temos uma bruxa — Mica lembrou, receosa em dar sua opinião.
— Valery, eu pedi para que todos me chamem apenas de Vida. Apenas Vida. — Olhei para Iran que insistia em se referir a mim como majestade.
— Tudo bem, Vida. — Valery me lançou um sorriso discreto.
— Mica, você será a minha conselheira e meu braço direito. Pode me levar até a bruxa?
Vi seu rosto se iluminar.
— Claro, Rainha... Vida.
— Vida, nunca tivemos uma conselheira mulher e tão jovem — Valery contou.
— Eu acredito que a mudança pode trazer benefícios. Você continua como guardião do trono e responsável pela segurança do castelo, junto com Iran que é o chefe da guarda, não é?
Balançaram a cabeça afirmando.
Iran não parecia feliz.
— Alguma objeção? — perguntei de maneira geral.
— Nenhuma — Iran foi o único que respondeu.
Sem mais os dois assentiram e quando olhei para a Mica novamente ela irradiava alegria.
— Agora temos que ir até a tal bruxa.
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