Capítulo 15
Capítulo quatorze
A claridade do dia entrava pelas frestas da porta da sacada e iluminava o cômodo que eu dividia com Iran.
Eu já havia acordado há algum tempo e relembrei que no outro mundo diversas vezes dormi na cama enquanto Bravo se aconchegava no tapete aos meus pés, da mesma maneira que estávamos naquele momento.
Ainda que muito grande também dormíamos juntos na cama, enquanto eu ouvia sua respiração de lobo e me aconchegava nos seus pelos macios.
Sorri e senti saudade.
Durante a noite eu mal consegui dormir e me mantive praticamente na mesma posição, ouvindo a festa animada que durou quase até de manhã, o que também dificultou meu sono.
Claro que eles não pensavam estar atrapalhando os noivos dormirem, já que acreditavam que Iran e eu também festejávamos no quarto.
Senti minha barriga roncar de fome e olhava para a comida do outro lado do quarto, mas tinha medo de me mexer, acordar o homem dormindo no chão e assim ter que interagir com ele. Entretanto, lembrei-me que isso teria que acontecer, já que ficaríamos dias trancados ali.
Levantei-me apoiada nos cotovelos a fim de ver se Iran já estava acordado, mas só consegui ver seus pés e pernas esticados, então bolei um plano e decidi andar pé com pé até a mesa e pegar uma fruta.
Sentei-me na cama com o maior cuidado e estiquei o vestido para que ele não me atrapalhasse andar. Dei um passo de leve, depois outro, até que quando fui dar o terceiro, a minha capa, que fazia parte do modelito noiva, enganchou na cama, me fez tropeçar no vestido e cair no chão, completamente desengonçada. Com o tombo, um barulho alto que acordou o Iran.
— Ai — gemi, esfregando o braço que bateu na madeira da cama.
Iran levantou-se em um pulo e correu até mim, tinha os olhos inchados de quem acabou de acordar ou de quem, assim como eu, não dormiu.
— O que você está fazendo? Você está bem?
— Estava tentando chegar até a mesa para comer, sem te acordar.
— Eu não estava dormindo. — Iran examinou meu braço. — Vai ficar roxo.
Ri.
— Vão pensar que você me bateu na lua de mel.
Ele ergueu as sobrancelhas.
— Eu nunca faria isso.
— Eu sei, estou brincando. Não precisa levar tudo tão a sério.
Separei-me dele e levantei, depois fui em direção a mesa, mas foi só eu ficar de pé que me deu uma grande vontade de fazer xixi e se tinha uma coisa em Flós que eu não gostava muito era o banheiro.
Não era de todo ruim, era até ajeitadinho, exibia um forro de madeira como o do quarto, uma mesa de madeira com uma cuia feita em pedra, um espelho e um pequeno banco de madeira, no entanto, o que não me agradava era que ao invés do vazo sanitário de cerâmica que havia na minha antiga casa, ali tinha um quadrado de pedra com um buraco no meio e um cano que levava os dejetos até a fossa. Sendo assim, levando em consideração que eu estava com um vestido de noiva cheio de panos esvoaçantes e capa, não seria fácil usá-lo.
— Você está bem? — Iran perguntou, notando meu silêncio.
— Preciso ir... ao banheiro.
Levantou uma sobrancelha para mim, como se perguntasse qual o problema e eu continuei:
— Não consigo desabotoar o vestido e preciso trocar de roupa. Não vou conseguir usar o banheiro com isso tudo. — Olhei para o vestido.
— Posso te ajudar a desabotoar.
Fiquei em silêncio pensando na possibilidade dele me ver sem roupa, até que falei:
— Só os primeiros botões, depois vire-se de costas para eu me trocar.
Iran sorriu.
— Esqueceu que sempre se trocou na minha frente quando eu era apenas o Bravo? Não há nada em você que eu ainda não tenha visto.
Fiquei com o rosto em chamas. Ele tinha razão, por diversas vezes me troquei na frente de Iran, imaginando que ele fosse apenas um lobo de estimação.
Já tinha me visto nua e eu nem sequer imaginava isso.
— Ai, que vergonha.
— Não precisa, não tem nada em você com que precise se envergonhar e eu era apenas um lobo.
— Você sabe que não é assim... simples.
Cruzou os braços na frente do peito, claramente deliciando com a minha vergonha.
— Por quê? Eu era seu amigo... Continuo sendo. Eu sou o mesmo de sempre.
Fiquei séria.
— Definitivamente não é. — Virei-me de costas. — Bom, já que não posso sair e você é o único aqui que está disponível para me ajudar, pode, por favor... — Apontei para os botões.
Sabia que ele estava se divertindo com o meu desconforto. Ouvi seus passos pesados andando em minha direção, até que se posicionou muito perto de mim. Senti uma de suas mãos hábeis puxar minha trança bagunçada para o lado e a seguir seus dedos delicadamente se posicionaram no primeiro botão e o abriram.
Um arrepio tomou meu corpo quando tocou a minha pele no processo e os arrepios já eram característicos quando eu estava perto do Iran.
— Está com frio?
— Sim.
— Mas o clima está agradável.
— Eu sinto bastante frio.
Percebi que estava rindo, só por seu tom de voz. Ele sabia que o arrepio foi causado por seu toque, mas tinha que perguntar e esfregar a vergonha em minha cara.
Um botão após o outro Iran desabotoou o vestido em silêncio, chegou até a minha cintura e pareceu tocar em minha pele nua propositalmente.
— Pronto, acho que já dá para você tirá-lo.
Segurando o vestido na frente do corpo, andei até o armário onde as mulheres do castelo deixavam as minhas roupas e peguei uma calça preta que ficava justa ao corpo e uma espécie de bata azul turquesa.
Antes de fechar a porta, observei que do outro lado do móvel os pertences do Iran, que não eram muitos, haviam sido arrumados, fazendo a constatação do casamento ser ainda mais real.
Observei se ele me olhava e quando vi que não, deixei o vestido cair no chão, dei um passo para fora dele e coloquei rapidamente a bata, depois a calça. Sabia que precisava de um banho, mas iria deixá-lo para mais tarde.
Imediatamente imaginei o quão constrangedor seria o momento, já que a banheira ficava no quarto.
— Pronto, pode se virar se quiser — falei após estar completamente vestida e segui para o banheiro.
Fechei a porta pesada de madeira, fiz xixi e depois a minha higiene bucal usando a água do jarro deixado especialmente para isso.
A limpeza dos dentes era feita com uma mistura de ervas refrescantes, como alecrim, hortelã e folhas de menta, que eu gostava muito. Lavei meu rosto para me livrar da maquiagem do casamento e soltei a trança que parecia uma verdadeira bagunça, depois penteei meus cachos e os umedeci para prendê-los em um coque alto.
Quando saí do banheiro encontrei Iran sentado no chão e com o rosto um pouco entediado. Logo que saí, levantou-se e seguiu para o banheiro também.
Sentia-me morrendo de vontade de abrir a porta que dava para a sacada, deixar a claridade do dia entrar e até sair para saber como estava o povo de Trigo. Queria conversar com Mica, saber o que o povo estava falando do casamento e tantas outras coisas, mas eu tinha que ficar ali presa com o meu Bravinho. Ri.
Dirigi-me para a mesa e tudo parecia muito suculento e delicioso, afastei uma cadeira e servi-me de suco e uma fatia de pão que tinha uma casca dura por fora e era macio por dentro.
Perguntei-me se devia esperar meu marido para o café, mas ri comigo mesma ao ver Iran como marido.
Não esperei e comecei a comer.
Logo ele saiu do banheiro, andou até a mesa e sentou-se na minha frente.
— Acordou com fome mesmo — constatou.
— Sim. — Imediatamente parei o pão no caminho para a boca e perguntei: — Tinha alguma tradição que eu devia ter feito antes de começar a comer?
Ele riu.
Ele riu? Bravo feliz.
— Não dessa vez.
— Iran... mais uma vez preciso me desculpar. Não quis desrespeitar quando falei das tradições. — Pedi desculpas novamente, porque quando pedi antes não foi como naquele momento em que eu me sentia mesmo arrependida.
— Eu sei. Peço desculpas por minhas insinuações também. Sei que fui rude... algumas vezes.
Começamos a comer em silêncio, Iran se serviu de frutas e uma delas era o morango. Ele olhou para a fruta, em seguida para mim e eu corei lembrando do nosso beijo no casamento. Achei que ele fosse fazer como na noite anterior e fingir que os beijos não aconteceram ou dizer que foi apenas para seguir tradições, mas parecia ter acordado com mais vontade de conversar.
— O beijo do casamento fazia parte da tradição — explicou sem que eu perguntasse.
Encarei-o.
— Sim, você já me disse isso ontem.
— Mas o da cobertura de flores não.
Senti um frenesi tomar meu corpo e fitei seus olhos que me encaravam com apreensão, mas antes que pudéssemos continuar a conversa ouvimos o barulho de três batidas de tambor e um burburinho alegre vindo do lado de fora do castelo.
Juntei as minhas sobrancelhas sem saber o que estava acontecendo e Iran me iluminou:
— Viram a prova de castidade. Estão felizes que nosso casamento deu certo.
— Ah. — Fiquei tímida, mas completei sem olhá-lo. — Espero mesmo que tenha dado certo.
— O que faz você pensar que não? — Colocou um pedaço de pão na boca.
— Isso. — Apontei para a sacada onde o pano havia sido exposto. — Não consumamos. O casamento é uma mentira.
Iran ficou em silêncio, quando ouviu a palavra mentira, sua leveza pareceu ter sido tirada com a mão, fazendo com que seu olhar carrancudo tomasse seu rosto novamente, mas além da seriedade costumeira, vi algo parecido com culpa ou vergonha.
— E se tivesse que consumá-lo? — perguntou, me olhando intensamente.
— Eu faria. — Segurei seu olhar e nos encaramos até que quebrei o contato visual e olhei para as minhas mãos sobre a mesa. — Mas sei que isso não é algo que você gostaria. — O ouvi respirar fundo, soltar o ar e não me corrigiu.
Terminei de comer em silêncio, até que levantei-me da mesa após terminar o suco, sentindo o meu corpo inquieto, a ponto de querer sair dali.
Simplesmente não havia nada para fazer naquele quarto. Dois dias inteiros seriam uma tortura.
Andei até a cama e me deitei nela, vi Iran levantar-se da mesa também e em seguida deitar-se no chão. O silêncio era ensurdecedor e cada minuto uma eternidade, mas era assim que eu ficaria até que os dias passassem e eu pudesse sair do quarto para longe da presença sufocante de Iran.
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