Capítulo 11
Capítulo onze
Meu reflexo me mostrava vestida de noiva e pronta para o casamento.
Olhava-me no espelho e não acreditava que elas conseguiram costurar aquela beleza de vestido em tão pouco tempo.
O pano era delicado que pensei ser uma espécie de cetim, o modelo era justo no tronco e rodado da cintura para baixo. Dos meus ombros caía a capa branca anexada ao vestido e um cinto com flores de lótus deixava-o acinturado e ainda mais bonito.
Meu cabelo cacheado apresentava-se em uma trança fofa, com alguns fios soltos e pequenas flores brancas penduradas a ele. No meu rosto fizeram uma maquiagem característica dos casamentos em Flós, feita com um palito muito fino e tinta preta que usaram para fazer o delineado em meus olhos, com um fino traçado que ia quase até a raiz do cabelo e me deixou com um olhar intenso que gostei muito.
Já a minha boca, pintaram esfregando um morango, passando a fruta diversas vezes, esperando secar e passando de novo, até ficar de um rosa bem escuro, quase vermelho.
Mica disse que esse ritual era para que o noivo ficasse louco para experimentar a boca da noiva, depois falou que Iran ia amar. Senti-me envergonhada e mudei de assunto exclamando que aquele dia estava quente. Realmente estava.
Nas maçãs do rosto, quase perto dos olhos, esfumaram um pó dourado, feito de uma mistura extraída das flores. Mariev disse que significava: "Que meus olhos vissem riqueza e fartura".
Já pronta para tudo o que me esperava, alisei o vestido, encarei mais uma vez meu reflexo no espelho e falei:
— Nunca na minha vida vi algo tão lindo.
— Gostou mesmo, Rainha? Podemos mudar o que quiser, talvez atrase, mas tentaremos — disse Mariev.
— Não tem nada para mudar, está perfeito! Se fosse em outro momento eu estaria muito feliz em me casar usando este vestido.
— Você está incrível, Vida — Mica disse me olhando.
Sorri.
— Vocês todas também. — Fitei as mulheres a minha volta, havia umas dez, e todas usavam vestido coloridos, cada um de uma cor e de cores vibrantes.
Mica usava um lilás, mas para completar o tom mais claro, fios dourados adornavam os arremates do vestido.
— Ainda não acho que esteja digno de uma rainha, mas foi o melhor que consegui fazer com o tempo disponível. — Mariev juntou as mãos na frente do corpo e me admirou.
Ia responder que estava muito mais do que eu merecia, mas minha atenção foi tomada por um barulho alto de tambores do lado de fora.
— O que é isso? — perguntei assustada.
As mulheres a minha volta sorriram.
— O casamento vai começar — Mica falou animada, sorriu e aplaudiu. — Os tambores anunciam a chegada do noivo.
Suspirei ao pensar em Iran e a ansiedade percorreu meu corpo.
— Eu não sei nada dos rituais ou coisa assim. Como devo me comportar? Não aprendi nada. — De repente um pequeno desespero me atingiu.
— Fica tranquila, Rainha. Todas as mulheres em Flós aprendem cada parte das tradições com suas mães conforme os anos vão passando. É normal você não saber de nada — disse Elica, uma das ajudantes na cozinha.
— Eu, por exemplo, nunca vi um casamento feliz, aprendi as danças e tradições com a minha mãe, mas nunca tinha realmente colocado em prática. A fome e a tristeza em Flós não nos deixava viver esses momentos. Por isso hoje nos vê tão feliz. — Mica apontou para as mulheres a nossa volta. — Vou enfim dançar para a noiva. — Aplaudiu.
Sorri.
— Mas e eu? O que devo fazer?
— Só seguir para o noivo e sorrir — Mariev instruiu.
Balancei a cabeça em positivo, não fazia ideia de como era a cerimônia, mas o barulho vindo do lado de fora fez um arrepio percorrer meu corpo e eu estava pronta para ver o que me aguardava.
Quando enfim fiquei pronta, saí do quarto e de ambos os lados do corredor vi mulheres posicionadas, entoando cantos e batendo palmas no ritmo. Seus sorrisos quando me viram se tornaram radiantes, enquanto eu, me senti sem jeito e insistentemente ponderava se era digna de toda aquela ovação.
O casamento era para salvar o povo, apenas isso, e me perguntava se aquelas pessoas comemorando felizes, não lembravam que o povo de Trigo gemia de fome naquele mesmo momento.
— Já te conheço o suficiente para saber no que está pensando. Não se martirize, o povo de Trigo também está feliz com o casamento. Fique feliz conosco, porque essa alegria já é a comemoração da vitória — Mica falou, bem perto do meu ouvido para que somente eu a ouvisse.
Encarei-a e dei um meneio de cabeça, tentando ver aquilo tudo com os olhos deles e assim, pensar que apesar das circunstâncias aquele casamento era motivo de alegria.
Imaginei como Iran devia estar se sentindo...
Será que se sente muito triste por se casar comigo?
Respirei fundo, tentei não pensar e falei para Mica:
— Tudo bem, me leva para o meu noivo.
Mica riu.
— Te levarei até lá com alegria.
Ela se posicionou na minha frente, uma mulher mais velha ergueu um braço e gritou:
— Vivatsmus adus sponsi et spontsael. — Olhei para Mica para que traduzisse aquela língua, que até então eu não havia ouvido assim tão nitidamente, só em resmungos e pequenas frases do Iran.
Mica sussurrou a tradução para mim:
— Viva a noiva e o noivo.
— Qualê adul Fertilitalti.
— Que sejam férteis.
— Iubentium.
— Saudáveis.
— Pugnabit enilm regnumin.
— Lutem pelo reino.
— Amaant se iduln sempiternun.
— Se amem eternamente. — Mica sorriu largamente ao traduzir essa parte.
Todas as mulheres gritaram juntas com rostos felizes e a seguir começaram a cantar uma música alegre, em que batiam palmas, gritavam e dançavam com o ritmo.
Mica se posicionou na minha frente novamente e com um meneio de cabeça indicou que eu a seguisse. Ela dançava passos coreografados e cantava a mesma música que as mulheres enquanto andava pelo corredor.
A segui e conforme fui andando, as mulheres enfileiradas no corredor me seguiam, formando uma procissão de lindas viventes de Flós usando roupas coloridas, cabelos bem arrumados e sorrisos felizes.
A música parecia ser cantada na mesma língua com que as palavras foram proferidas e mais uma vez fiz uma nota mental de aprendê-la depois.
Descemos as escadas e cada vez eu era seguida por mais e mais mulheres, porém quando chegamos ao salão principal Mica me parou:
— Agora você fica aqui dentro e quando ouvir três batidas de tambor, será para anunciar a sua entrada, então você segue pelo corredor entre as pessoas e anda em direção ao arco, onde Iran te espera.
Assenti e não consegui falar. Sentia-me nervosa e tomada por uma emoção indescritível.
Mica lançou-me um largo sorriso, depois me deu um abraço rápido e seguiu com as demais mulheres para o lado de fora do castelo, deixando-me apenas com o silêncio que se formou após a partida delas.
Parada a alguns metros da porta, como um filme os dias que passei ali e tudo que vivi em tão pouco tempo tomaram meus pensamentos, mas foi a lembrança de antes de tudo que me emocionou.
Fechei os olhos e me lembrei dos olhos azuis lindos de Bravo, de como ele cuidou de mim no outro mundo quando fiquei sozinha e de como ficou ao meu lado, mesmo quando o mandei ir. Nunca imaginei que viveria isso.
Abri meus olhos quando ouvi uma batida forte de tambor, seguida de outra e mais uma... Chegou a hora.
Respirei fundo...
Dei um passo...
Depois outro...
Saí na claridade do dia, que já se encontrava no final e até o céu parecia estar em festa com suas nuances. Caminhei em direção a multidão que me aguardava eufórica e era muita gente, para onde se olhava via-se cabeças e sorrisos.
Olhei ao longe, na direção em que eu tinha que seguir e a primeira pessoa que avistei foi Iran, mal conseguia vê-lo, mas sabia que exibia seu rosto sério costumeiro.
Caminhei pelo espaço livre que deixaram para a minha passagem e fui contemplando tudo o que via.
Muita cor... nas roupas, nas pessoas, nas muitas flores que decoravam tudo, inclusive o chão que eu pisava. Todo o povo cantava e batia palma para eu passar e provavelmente viam em meu rosto, toda a curiosidade que eu sentia e falta de experiência com aquilo tudo.
Após andar alguns metros depois de sair do castelo, chegou o momento em que eu entraria na reta que me levaria diretamente para Iran. Meu corpo formigava.
Assim que virei para entrar no caminho entre os bancos, a primeira pessoa que vi foi ele. Estava vestido todo de branco, camisa de botões, de manga comprida e de um pano fino, como linho. A calça era um pouco solta, mas desenhava seu corpo, deixando claro o quanto ele tinha músculos. Calçava botas pretas e na cintura levava um cinto muito parecido com o que eu usava, com a diferença de que o dele não havia flores, apenas folhagens de um verde bem escuro e o cabelo...
Sorri ao ver.
Como eu pedi, seu cabelo apresentava-se preso em uma trança que o deixou com um ar ainda mais másculo, bravo e... lindo... Muito lindo. Pegava desde o alto da cabeça e findava na nuca. Um verdadeiro guerreiro.
Continuei andando, ouvido a música a minha volta, mas os meus olhos estavam em Iran, o meu Bravo, o meu lobo. Nunca tinha o visto tão lindo e uma timidez tomou meu corpo ao imaginar que estava me casando com ele. Um casamento arranjado, mas ainda sim... estava me casando com meu lobo.
Meus pensamentos corriam a mil enquanto eu andava em sua direção e em um deles, relembrei o que acontecia entre um homem e uma mulher, toda a intimidade que teríamos e que eu não sabia de nada.
Respirei fundo e tentei deixar para pensar nisso depois.
Nos primeiros bancos avistei Mica, Valery, Mariev com todas as mulheres do castelo que me arrumaram e até Záia estava presente, me olhando com sua sobrancelha arqueada e seu olhar cheio de mistério de quem sabe tudo e ao mesmo tempo diz não saber de nada.
Sorri para eles, mas um riso contido que demonstrava muito do que eu vivenciava e sentia: receio e ansiedade pelo que estava por vir.
Aproximei-me do arco florido na frente de todos e Iran deu dois passos ao meu encontro, após pegou minha mão direita onde pousou um beijo que arrepiou meu corpo.
Nunca tive um contato tão íntimo com ninguém e novamente o pensamento sobre o que aconteceria naquela noite, ao final do casamento, tomou a minha mente.
Ele me ajudou-me a subir os três curtos degraus que levavam até o ancião que celebraria o casamento, mas antes desse momento sussurrou:
— Ainda pode desistir.
— Você também.
— Nunca faria isso, agora menos ainda. E... você está muito bonita. — Olhou diretamente para os meus lábios rosados.
Seu elogio desajeitado me fez segurar o riso e pensei se ele ainda pensava em desistir, porém logo nos aproximamos do ancião e o ouvimos dizer:
— Que a flor dos nossos antepassados viva, floresça e nunca pereça em nós.
— Flós. Flós. Flós! — Todos gritaram em uníssono e erguendo suas mãos para o alto.
O ancião ergueu uma de suas mãos, como se pedisse silêncio.
Dentro do meu peito, meu coração saltitava.
— Como o mais velho do reino, é com alegria que estou aqui para realizar este enlace que será além de festivo, a salvação de todos nós. Sabemos que alguns dos nossos estão neste momento comemorando de longe e esperando que os frutos venham.
Quando o homem de aparência cansada a nossa frente citou fruto, Mica apareceu com uma cesta com morangos, parou próxima a nós e o ancião continuou a falar:
— Começo a cerimônia dizendo que por Flós seremos o fruto, nos multiplicaremos, deixaremos a herança e a história do nosso reino. — Apontou para a cesta de morangos.
Engoli em seco e não fazia ideia do que era para fazer, então Iran me olhou entendendo meu impasse, pegou ele primeiro um dos morangos da cesta e colocou na minha boca, a seguir entendi o ritual e fiz o mesmo, ao mesmo tempo que seus olhos encaravam fixamente os meus.
Todo o povo gritou:
— Flós! Flós! Flós!
O ancião continuou:
— Que sejam juntos a alegria do reino e o pulso forte que manterá Flós em ordem.
Mica de novo se aproximou e trouxe com ela a bandeja, dessa vez com duas doses de uma bebida de cor verde e sem dizer nada o ancião apontou e eu soube que eu teria que bebê-la.
Peguei o pequeno copo e sem titubear virei de uma vez a bebida, que parecia álcool puro, mas tinha gosto de hortelã.
Tentei disfarçar a careta, mas creio que não consegui já que Iran me olhou e conteve um sorriso, depois virou sua bebida também, sem demonstrar nenhum desconforto.
— Por último, todos aqui presentes desejamos o bem. Aquele que vai unir e tornar dias tristes em felizes, o que vai transformar o mau em bom e o ódio em amor... Desejamos amor. — O ancião apontou para nós com um sorriso feliz e disse: — Se tornem um casal.
— Flós! Flós! Flós! — a multidão gritou como comemoração.
Fiquei em dúvida do que fazer, mas logo Iran deu um passo em minha direção, ficou bem perto a ponto de seu cheiro tomar meu nariz, depois o vi engolir e notei que aquele momento era difícil para ele, como era para mim.
Passou o dedo de leve em meu rosto, pedindo permissão, e nesse momento foi como se todas as pessoas a nossa volta tivessem sumido.
Iran deslizou com o dedo até o meu queixo, me puxou para perto e delicadamente colou seus lábios nos meus.
Senti meu coração disparar e meu corpo todo reagir ao seu toque, fiquei arrepiada e a sensação foi... boa. Tão boa que eu queria mais.
Ele se manteve parado apenas com seus lábios nos meus. O gosto de hortelã e morango era presente e involuntariamente senti vontade de abocanhar seus lábios e beijá-lo como nas novelas que eu assistia no outro mundo, queria sentir seu gosto a fundo e queria que ele me tomasse em seus braços de forma mais firme, no entanto, depois de alguns segundos Iran separou-se alguns centímetros e voltou a juntar nossos lábios, para depois afastar-se novamente.
Abri meus olhos e o encontrei ainda perto com os seus fechados, porém logo se abriram para me encarar e separou-se imediatamente, retomando a postura fria, olhar sério e parecendo tão distante como se nunca tivesse se aproximado.
Meu coração pulava dentro do peito e eu me xingava mentalmente por ter tido aqueles pensamentos em relação ao Iran, quando nosso casamento era apenas um arranjo para acabar uma maldição.
A nossa volta a multidão comemorava gritando e aplaudindo. Os tambores eram tocados a toda altura e o dia que era quase completamente noite, foi iluminado por diversas tochas que foram acesas ao redor do espaço onde estávamos.
— Vocês estão casados. Pelo poder investido a mim por minha experiência neste mundo, eu declaro que vocês são um casal, rei e rainha de Flós. Pode floreá-lo, você é a flor de seu rei — disse o ancião, sorrindo para mim.
— O quê? — perguntei, completamente perdida.
— Pegue uma flor do seu cinto e coloque no meu — Iran instruiu.
— Ah!
Tirei uma flor de lótus amarela e me aproximei dele para colocar em seu cinto, enquanto eu fazia isso, ele disse em alto e bom som:
— Minha flor, cor do meu mundo e... — Olhei para cima, para encará-lo, quando terminei de prender a flor, encontrei Iran me observando muito intensamente e completou: — Luz na minha escuridão.
Perdi uma batida do meu coração e mais uma vez Iran colou nossos lábios como e fosse algo muito normal.
Eu não sabia mais se era real, se ele sentia a mesma intensidade que eu, se era tudo combinado ou se era mesmo só o ritual do casamento, entretanto, o olhar com que me encarou ao dizer que eu era a luz na sua escuridão, tocou meus sentimentos de tal maneira que dificilmente ele voltaria a ser como era antes daquilo tudo acontecer.
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