Capítulo 43
Rebeca
— Oi, filha — mamãe entra em minha casa depois de eu mandar uns três recados pedindo que ela viesse urgentemente.
Ela e a praga do irmão.
Isso depois de três dias que eu saí de casa e moro na minha que fica na mesma rua que a dela.
— Eu te mandei recado do hospital. Por que não me respondeu? — cruzo os braços pedindo ao menos uma resposta por consideração, coisa que ela ignora.
— Ora, ora. — Tio Jamil entra e olha tudo em volta. Minha sala está perfeitamente arrumada com coisas de excelente qualidade mesmo para um lugar simples. Matteo saiu para uma reunião já que a internet daqui é horrível e eu agradeci sua ausência aqui nesse momento, e ainda ficou de pegar meu filho na creche enquanto eu tinha essa conversa com minha mãe. — Não é que o gringo tem dinheiro!
— Ele ganha em euro, Jamil. Qualquer salário por lá é uma fortuna por aqui — minha mãe e meu tio é só no que pensam.
— Eu sei, Pat. Mas eu pensei que ele fosse morar lá em casa depois que o vi filando a boia da mãe. — Mamãe ri enquanto meu tio se dirige à cozinha e volta com uma garrafa de vinho que Matteo comprou para deixar aqui.
— A gente pode conversar?
— Vinho premiado em 2012 — tio Jamil tira a rolha e bebe da própria garrafa.
Graças a Deus Matteo não está.
— Vinícola italiana famiglia Mancini — diz em voz alta depois de soltar um arroto alto e fétido. — Aprovado.
— Cadê o homem? — mamãe pergunta.
— Está perguntando pelo seu neto, mamãe? — porque ela sequer perguntou sobre ele.
— Esse deve estar na escola, graças a Deus. E eu sei que é meu neto, filha, mas sabe que eu não tenho muita paciência com criança: barulho demais, gritaria demais e choro que não para.
Não tem paciência, amor, carinho, consideração... nada.
— Por isso que não me atendeu quando eu pedi para vir me ver? Ficou com medo de eu pedir para cuidar do neto enquanto eu cuidava da avó?
— Não, filha. Mas você já sabe que sábado e domingo as coisas são complicadas para mim.
Nem vou perguntar o que eles tanto fazem nos fins de semana. Coisa boa não é.
— A vó tá morrendo — digo sem rodeios para ver se eles me dão atenção e parece que eu falei com as paredes.
— Tem alguma coisa boa pra comer? Estou faminta. — Tio Jamil volta para a cozinha e traz um pedaço de queijo que eu comprei para Matteo que adora comer enquanto degusta do vinho.
— Vocês me ouviram?
— Você acredita? A UPA daqui pode até ser boa, mas eles chutam laudo já que os exames demoram a ser feitos.
— Acho que vocês não entenderam... — respiro fundo impaciente. — Eu levei a avó para uma clínica especializada em tratamento gastrointestinal. Lá ela fez uma endoscopia, ultrassonografia, e mais uma série de exames...
— Tem algum refrigerante na geladeira, Jamil? Não gosto de vinho uma hora dessas.
— QUE INFERNO VOCÊS DOIS! — grito impaciente. — Vovó tem câncer de estômago em estado terminal. — Só assim eles me olham.
"Os médicos fizeram um batalhão de exames." Continuo. "O caso dela não tem mais jeito. Mesmo que ela fizesse cirurgia e retirasse o estômago, ela não sobreviveria já que ela está muito debilitada".
Ambos, apesar de continuarem comendo e bebendo, estão prestando a atenção. Exigir mais disso não é possível.
— Não pode fazer uma quimio?
— Não! Até porque já alcançou o pâncreas e esse, mesmo que tratável no início, é difícil, e piora porque ele já é metástase.
— Você está me dizendo que mãe vai morrer? — Minha mãe pergunta parece que acordando para a realidade.
— Na verdade, mãe, os médicos sequer sabem como ela ainda está viva — curta e grossa.
Saber disso me fez chorar horrores sozinha no banheiro da clínica.
— Podemos procurar outra opinião — Jamil comenta e minha mãe confirma.
— Minha avó foi levada para uma clínica particular referência aqui no Rio. Além disso, três médicos pegaram o caso dela e os três foram unânimes em dizer que para ela não tem mais jeito, e que o melhor é que ela voltasse para casa e tivesse o nosso apoio, o carinho dos amigos e familiares.
— Quem pagou a consulta? — Jamil pergunta como se o dinheiro fosse o mais importante.
E era... para ele.
— Quanto tempo de vida ela ainda tem? — minha mãe pergunta mostrando-se verdadeiramente preocupada.
Eu acho
Lembro-me do quanto eu fiquei péssima ao ouvir o médico dar o laudo. Lembro-me da tranquilidade com que vovó recebeu a notícia e do quanto aquilo me deixou quebrada por dentro quando fora ela que me acalentou. Lembro-me do médico me chamar no privado e pedir que ela tivesse a maior das tranquilidades nesse fim de vida que ainda lhe restava, que a poupasse de infortúnios e tudo que a deixasse triste. Lembro-me do abraço de Matteo quando me pediu para ser forte, e que eu não me preocupasse com os custos de absolutamente nada, que tudo ficaria à cargo dele assim como os medicamentos fortes para a dor, para dormir, para acalmar, para tratar os sintomas indesejados já que a cura não existe.
Ele foi mais companheiro, amigo e preocupado que meu tio ali presente.
— Como eu disse, mãe, os médicos falaram que ela está viva por um milagre então ela pode falecer a qualquer momento.
Meu tio termina a garrafa de uma vez e eu prefiro acreditar que aquilo é para afogar a dor de saber que em breve a mãe morrerá.
— Ela precisa de alguém que cuide dela todo o tempo, mãe. Sua alimentação precisa ser a mais light possível, pouca e sempre. Se acaso ela vomitar, ela precisa ir ao ...
— Todo o tempo?! — mamãe questiona indignada. — Eu não posso cuidar de sua avó todo o tempo, Rebeca. Eu tenho uma vida.
— Se seu namorado pagou essas consultas em uma clínica particular, eu imagino que ele possa pagar uma enfermeira para cuidar dela — Jamil completa e eu, estarrecida, não acredito que estava ouvindo aquilo.
— Minha avó precisa dos filhos dela, ao menos os que moram aqui com ela — argumentei.
— Você está me pedindo para fazer as coisas em casa? Comida? Dar remédio?
— Minha avó não está inválida, está morrendo! — Estou a ponto de gritar. — Ela fez tudo por vocês, agora no final da vida dela, não acha que ela merece um pouco de consideração de ambos.
— E acha que não temos consideração pela mãe? — mamãe se espanta fazendo toda uma encenação. — Só que eu não sei cozinhar, não sei cuidar de doente, não sei sequer como agir em caso de... sei lá.
— Meu Deus! É a sua mãe!
— Se está achando ruim, por que não cuida dela?
— E acha que eu passar o fim de semana em um hospital foi o quê? Mesmo eu tendo um filho pequeno que precisa de mim, isso sem falar que eu trabalho.
— Então você precisa trabalhar e acha que eu não? E seu filho está na creche o dia todo...
Meu Deus! O que eu fiz para merecer uma mãe como ela?
— Pera aí vocês — tio Jamil se pronuncia. — Vamos fazer um acordo nós três? — Meu tio fazendo acordo?
Eu pensei em responder tamanha ironia, mas resolvi me calar e ouvir o que poderia sair desse inútil.
— A gente está sempre em casa, ao menos pela manhã — soltei uma risada consciente que aquilo era uma mentira.
— Estamos em casa toda a manhã, Rebeca — mamãe confirma emburrada.
— Vocês chegam cedo, é verdade, mas se trancam no quarto e dormem que o mundo acaba e vocês não ouvem, e só se levantam depois das duas para almoçar.
— A gente pode mudar isso... sei lá. Dormimos na sala...
— Você dorme na sala, Jamil. Eu não abro mão da minha cama — e o acordo que ele está propondo só desaparece com a irmã narcisista que só pensa em seu bem-estar.
— Ok, Patrícia. Eu fico na sala para caso mamãe precisar de algo, mas você faz o almoço.
— Almoço? Não! Sabe quanto eu odeio fazer comida, aliás, eu não sei nem cozinhar.
— Legumes cozidos, arroz branco e carne grelhada não é mistério, mãe!
E eu ainda chamei a avó para passar uns dias aqui em casa, coisa que ela negou.
— Você pode fazer então, Rebeca. Aliás, mamãe já falava que você era uma cozinheira de mão cheia quanto ela. Acho que você deveria fazer a comida da gente.
Aquela conversa durou muito tempo e não chegou a lugar nenhum. Mamãe, como eu já sabia, não abriu mão de seu conforto, de alterar sua rotina. Tio Jamil, que mesmo se mostrando menos pior, por incrível que pareça, mandou minha mãe se foder e foi embora de casa culpando-a por vovó estar doente, já que se ela tivesse acompanhado a avó para o médico desde o início dos sintomas, como se ele não pudesse fazer, isso não teria acontecido.
E sabe o que foi pior? Foi eu passar na casa da avó para deixar uma canja e saber que nenhum dos dois voltou pra casa para sequer conversar com ela.
***
— Deixe o emprego! — Matteo fala assim que eu conto para ele o ocorrido. — Sei que gosta de se sentir independente, só que agora há uma situação de exceção.
Respiro fundo sem aceitar muito aquele conselho. Minha avó tem filhos, dois moram na casa com ela.
— Você é minha mulher, Rebeca, e o que é meu é seu. Sou um homem rico que posso te dar tudo que você quiser, sonhar, imaginar, mas não a saúde restaurada da sua avó.
Minha avó é só um milagre.
— Nós sabemos que você voltar para a Itália comigo é só uma questão de tempo, que não há nada aqui que te prenda, e sim lá que te afasta, coisa que eu já jurei que não te tocará.
— Não sei, Matteo — nós dois praticamente estamos morando juntos. Há tanta cumplicidade e intimidade entre a gente que eu sinto que estamos vivendo isso há anos.
— Rebeca... — ele toca meu rosto delicadamente. — Para! — Não havia imposição diante de suas palavras mesmo sendo imperativo. — Nós vamos embora assim que sua avó falecer, então, viva esses últimos minutos que ela tem da melhor forma possível. Conheça essa mulher que casou com o seu querido avô e ficou com ele até o final de vida. Lembrem-se dele, sorriam, chorem juntas, carregue lembranças da sua avó. Ela é a única.
Matt?
— Não acredito que o cara sem coração, abusivo, exigente, grosso está me falando assim. — ele abre um sorriso lindo.
— Eu tenho um coração e ele é totalmente seu, — meu Matt fofo está mais fofo ainda — mas o resto continua o mesmo — e franze o cenho sério, demonstrando toda sua frieza e impiedade que se eu não conhecesse o outro lado, temeria por minha vida.
— Sabe que eu gosto desse seu lado mau? — ele ri. — Sabe por quê? — Encosto-me nele e ponho minha mão sobre seu pescoço apertando-o levemente — Porque você desperta em mim meu lado mais sombrio e é nele que eu confio se eu precisar me defender.
No que eu havia me tornado?
— Não sabe quanto isso me agrada, me excita — e fui jogada na parede com força em um beijo tórrido. — Você é minha — seus lábios exploram meu corpo a medida que ele vai tirando minha roupa — e eu sou totalmente seu.
E naquela loucura de um medindo forças, chegamos ao ápice do prazer.
***
Meu coração ainda está acelerado do nosso sexo de agora.
Não sei como Filipo não acordou com o nosso barulho, com os meus gemidos altos, com o italiano excitante dele a sussurrar em meu ouvido enquanto me virava pelo avesso.
Matteo, às vezes, é bruto no sexo, principalmente quando puxa meu cabelo e bate forte em minha bunda antes de me penetrar com força. Só que a dor, se é que eu sinto, me proporciona muito prazer.
— E se ela demorar? — pergunto olhando para ele que fita o teto ainda extasiado.
Adorava mostrar meu lado bruto também, principalmente quando eu montava nele e ditava o movimento.
Eu mudei... Muito. Até nisso.
— O quê? — ele vira o rosto para mim. — Do que você está falando?
Sorri percebendo que eu tinha retornado a conversa sem que ele desse conta.
— Se minha avó demorar a morrer. Você vai ficar esperando? — Não que eu quisesse que ela morresse logo, longe disso.
— Eu vou esperar o tempo que for preciso, mas só volto com você — sorrio diante de sua confissão. — Você não entendeu isso ainda, Rebeca?
— Entendi só não sei se acredito — ele faz um bico de irritado.
— Quer uma prova do meu amor? — Mais? Depois de tudo que estava fazendo por mim, por nós? — Case-se comigo.
Casar?
— Rebeca Monteiro, minha morena amada, mãe do meu filho, que bagunçou minha vida, aceita ser minha esposa?
Agora era eu quem ficava zonza.
— Está louco, Matteo?
Ele ri e nega.
— Não acredita que estou falando sério?
— Acredito que está sendo precipitado — retruco.
— Precipitado! Eu? — Ele se vira para o outro lado, se abaixa e pega algo no bolso da calça. — Acha mesmo que eu sou precipitado — e abre uma caixinha da Cartier com uma aliança dentro cujo brilhante sobressai de tão grande.
— Você... você pirou? — chego a me sentar estática.
— Pirado, louco por você... Sim — e se ajoelha na cama completamente despido. — Aceita casar comigo?
Meu coração acelerou ainda mais.
Ele pega minha mão delicadamente e insere a aliança no dedo.
— Perfeito como minha morena merece — olho para aquela joia sem acreditar. — Só preciso ouvir uma resposta.
Eu não sabia se ria, se gritava, se chorava...
— Eu nunca imaginei receber um pedido de casamento na cama onde ambos estão completamente nus. — Na verdade, eu nunca sonhei com um pedido de casamento.
Ele se aproxima e me beija rapidamente os lábios.
— É para não perder tempo em tirar a roupa para tentar te convencer se acaso disser não. E se disser sim, não quero perder tempo tirando a roupa na comemoração — gargalhei olhando aquela joia tão linda.
— Eu não posso usar isso aqui, Matteo.
— Não pode usar isso aqui? — ele me olha de lado. — Isso quer dizer que você aceita?
O que eu poderia dizer?
— Sim — mil vezes sim. Eu estava muito feliz.
Era algo inacreditável para alguém como eu.
Ele se aproxima para outro beijo.
— Vamos comemorar? — Sou colocada presa entre seus braços.
— Já? — Olho para ele de lado, desafiando-o.
— Acha que eu não aguento — meu olhar o questionava. — Ah, safada! Você vai ver.
E Deus, nos amamos por toda a noite, tanto que acordei esgotada com um Filipo chorando pedindo a mamadeira, e eu só tive tempo de pedir as contas.
Eu ainda não era, mas em breve eu seria uma Mancini, e já ralei muito para dar uma de orgulhosa.
Viveria o que a vida tinha para me oferecer de melhor.
PS.: Sei que estou em falta com vocês. Ainda bem que agora é só o desfecho e o felizes para sempre. Infelizmente (ou melhor, felizmente) comecei a trabalhar e isso tem me tomado tempo, tanto que viajei semana passada para um treinamento. Está punk mas eu prometo terminar. Não gosto de deixar minhas coisas pela metade.
Xêro
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