Capítulo 40
Rebeca
Eu ainda estava sorrindo quando cheguei em casa. Pelo silêncio, minha avó já deveria estar dormindo e minha mãe e meu tio não haviam chegado em casa.
Guardo meu cartão de crédito em um lugar seguro para que meu tio e minha mãe não o vejam, chegando à conclusão de que eu devo guardar segredo sobre Matteo, ou o máximo que eu conseguir sobre sua identidade. Tomo um banho e deito-me no sofá esgotada, mas não consigo dormir.
Eu estava eufórica. Matteo veio nos ver.
Matteo está aqui e disse que ainda me ama.
Mas ele continua envolvido na merda que você denunciou.
Não quero pensar nisso agora.
Minha vida está mesmo de cabeça para baixo e eu achando que estava tudo entrando nos eixos.
Doce ilusão.
Eu só quero tempo. Eu preciso de um tempo.
Tento dormir e não consigo. As horas estão passando e nada da minha mãe chegar.
E mais uma vez eu acredito que eu e minha mãe nunca seremos uma família. Ela mal olha para Filipo, sequer me pergunta como estou, se preciso de alguma ajuda. E ainda se incomoda com o barulho que meu filho faz.
Não! Minha mãe sequer se importa com a minha avó. Ela é uma mulher narcisista que só se aliou com o irmão cafajeste porque ambos não prestam.
E você disse que não gostaria de ver seu filho sendo criado num ambiente como o de Matteo quando lá houve uma mãe que matou e assumiu tudo para proteger o filho.
Merda!
Ponho a almofada sobre a cabeça e parece que as vozes falam mais alto.
Ódio!
Levanto-me porque está impossível dormir, acordo minha avó que se surpreendeu por eu estar cumprindo minha palavra ao levá-la para a clínica. Ela nunca foi a melhor avó do mundo, e mesmo que fosse a pior, ela era uma senhora idosa que está muito doente e precisando de ajuda.
E eu faria isso por uma estranha.
Ainda não havia amanhecido quando chegamos à clínica, e já havia uma fila de pessoas esperando para ser atendido.
Minha avó trouxe uma cadeira e ficou sentada por horas. Eram mais de nove da manhã quando conseguimos ser atendidas, mas a endoscopia só daqui a dois meses, isso porque o médico pediu urgência.
Durante esse tempo eu recebi três mensagens com foto de Filipo e Matteo juntos desejando-me um "bom dia", um "faltando você", e outro "amamos você".
Aquilo mexia comigo, me fazia suspirar como também me assustava. Eu cheguei a sonhar com um nós lá atrás e o que eu recebi em troca?
Eu ia pirar se continuasse pensando nisso. Matteo estava me confundindo, preenchendo um espaço que há muito estava vazio. Eu tinha Filipo e achei que estava completa, com motivos de sobra para sorrir, sonhar, lutar.
Descobri que estava enganada. Faltava alguma coisa... alguém.
Cheguei ao trabalho quase onze da manhã no meu terceiro dia de emprego.
Merda! Junior, filho de Tulio, estava sentado na cadeira que teoricamente me pertencia.
— Bom dia, Junior. — Ele desliga o telefone. — Algum problema? — Ele agora era quem mandava na oficina depois que o pai meio que se aposentou.
— Rebeca, minha filha — ele coça a cabeça. — Eu sei que meu pai e seu avô eram muito amigos. Eu sei que meu pai prometeu ajudá-la assim que seu avô faleceu, eu conheço sua história.
— Eu sei, Tulinho. — Era a forma carinhosa que eu o chamava quando era uma criança e ele já um rapaz que ajudava o pai na oficina.
— Mas você não está me ajudando a te ajudar. Ontem você saiu cedo, hoje chega agora...
— Eu sei — reconheço que estou toda errada. — Só precisei levar minha avó na clínica e acabei atrasando, sabe como é o serviço público.
Ele assente.
— Conseguiu atendimento? — assinto. — Graças a Deus. — sorri — Eu estava vendo a hora dela morrer sozinha, porque sua mãe e seu tio, sinceramente...
— Eu sei. — Coloco minha bolsa no armário. — Desculpa, Junior. Eu só preciso acertar algumas coisas e prometo cumprir com o horário.
— Eu só preciso que meus homens não achem que estou te protegendo por você ser mulher e de sobra quero pegar você. — Em outras épocas eu poderia achar asqueroso um homem tão velho, mas depois de transar com Don Carlo, Junior era um menino. — Minha esposa não conhece sua história, e honestamente eu estou cheio de trabalho para aguentar uma mulher ciumenta pedindo sua cabeça.
— Não! — Mais uma mulher ciumenta em minha vida seria o fim. — Eu vou me acertar, prometo.
— Outra coisa — ele fala assim que se levanta para me ceder o lugar — Aquele rapaz que veio ontem aqui e passou um tempão conversando é o pai do seu filho?
Assinto com a cabeça.
— Ele deve gostar muito de você — por que ele está me dizendo isso? — Eu amo muito meus filhos, Rebeca, mas eu não perderia tempo conversando com a mãe deles se eu não a amasse. Então pense direitinho se realmente quer ser mãe solteira? — Eu não sabia o que dizer. Seu Túlio era quem me dava conselhos quando eu vinha para cá depois de meu avô ter morrido, e Tulinho só ficava me olhando de longe, poucas vezes ele se aproximou ou trocou comigo mais que uma dúzia de palavras. — Nós homens temos uma enorme tendência de fazer merda — não pude deixar de concordar — e muita. Seja lá o que esse homem fez a você, o que ele precisa é de uma mulher forte e decente que o coloque no eixo, algo que Jonas, seu avô, te ensinou muito bem a ser.
— Obrigada — era só o que eu diria naquele momento. Ele jamais precisava saber o que eu vivi. — E eu prometo ser mais pontual em meus horários.
— Ótimo. Essa semana eu dou um desconto em teus atrasos para que você coloque sua vida em ordem, mas na próxima semana eu vou te cobrar e ainda descontarei dos seus atrasos.
O que eu podia fazer?
— Obrigada mais uma vez.
***
Matteo chegou com Filipo já de banho tomado, uniforme que ele comprou já que eu não tinha ainda comprado, além de cheiroso, penteado, com uma mochila que era maior que meu pequeno e uma lancheira repleta de lanches para três dias.
— Mamãe — meu filho correu para me abraçar deixando tudo para trás.
— Como você está lindo! — Beijo meu filho por quem sou apaixonada. — O que seu pai andou fazendo com você?
Matteo, de bermuda jeans, camisa de malha e mocassins parecia o homem que eu conheci lá atrás, quando eu ainda pensava que não passava de um segurança.
— Apenas nos divertimos e compramos algumas coisas que ele precisava. — Ele me beija na testa. — Vamos almoçar?
Era quase uma da tarde, hora de levar Filipo para a escola e meu filho não havia comido?
— Filipo ainda não almoçou?
— Não! Claro que não, mesmo que a mãe não tivesse me dito nada sobre a rotina dele. —Seria uma bronca bem-merecida se seus olhos não demonstrassem puro divertimento. — Ele almoçou às 11:30 depois que eu liguei para a escola e pedi que me enviassem o almoço dele já que eu não sabia o que ele podia comer, e mesmo eles dizendo que isso não era um costume deles, a diretora autorizou.
Eu não estava acreditando naquilo.
— Você não fez isso?! — Ele sorri e eu nego desacreditada. — Deixa pra lá. Ah propósito, ele pode comer tudo, Matteo. Filipo não tem qualquer restrição alimentar.
— Mas ele tinha quando era... — nego. Meu filho tinha restrição ao lixo que aquela bruxa dava, não ao alimento. — É bom saber que meu filho pode comer uma boa massa ao molho carbonara que só um italiano sabe fazer.
— Um italiano que não se chame Matteo Macini, porque se me lembro bem, você só sabe fazer café e olha lá.
— Ei, morena. Claro que eu sei fazer um molho carbonara, provavelmente melhor que você mesmo sabendo que cozinha bem.
— Bom, meu filho adora um prato de espaguete com molho carbonara e cheio de queijo parmesão ralado por cima— digo, dando um brilho nos olhos do pai babão. — A única coisa que ele não puxou ao pai é a adoração pelos carros italianos. O carro que ele mais gosta é um Porsche 911 — o brilho apagou e a careta apareceu.
— Vamos mudar isso, meu amor? — Ele fala com o filho que sequer o entende. — O papai já encomendou para sua mãe uma Ferrari 812 — O quê? — para ela aprender que os carros italianos são melhores que os alemães.
— O que você está falando, Matteo? — Que porra era aquela?!
— Nada! Não posso ter uma conversa de pai para filho? — Eu ainda esperava uma resposta decente. — Um protótipo de brinquedo, morena. Eu lembro do quanto você se encantava com as lojas da Ferrari lá em Palermo e seus brinquedinhos. Mandei fazer um especial para você.
Era bom saber que ele se lembrava do meu fascínio pelos carros e das nossas longas conversas sobre as várias exposições de carros de luxo que eu fui, mas aquilo era muito estranho.
Matteo era muito confiante, mas chegaria a esse nível? Definitivamente, não. Não mesmo.
Deixamos Filipo na escola que chorou, para variar, ao ficar na escola, e Matteo, em sua cabeça louca, achou que meu filho chorava porque poderia estar sendo maltratado como se uma criança, em seu terceiro dia de aula, ainda não chorasse por se afastar dos pais.
Pais! Que maluquice.
Como eu não queria demorar para voltar ao trabalho, e ali não tinha restaurante à altura dele, eu o convidei para irmos almoçar na casa da minha avó depois de ligar para ela e perguntar se tinha comida e se meu tio e mãe estavam em casa.
Ele aceitou somente depois que eu permiti que ele depositasse uma ajuda de custo, só que eu o fiz prometer que não depositaria um valor absurdamente alto na minha conta, alegando que o leão comeria meu rabo por culpa dele, o que tirou uma gargalhada alta dada capacidade que ele tem de resolver isso facilmente no país dele.
Eu estava cedendo aos seus caprichos, aos seus encantos e ele adentrando cada vez mais em meu mundo.
Vovó estava terminando de esquentar a comida quando chegamos, e mesmo sem se entenderem, eles se cumprimentaram e Matteo ainda elogiou a comida simples que vovó havia feito tirando dela um sorriso.
Olhar para minha avó era doloroso.
— Conseguiu ser atendida pelo médico? — Matteo pergunta assim que vovó nos deixa sozinhos na cozinha.
— Sim. Ela já está tomando remédios, só que o exame só daqui a dois meses.
— Dois meses?! — Pela entonação, seria um milagre se ela chegasse lá.
Eu também sentia isso.
— Infelizmente.
— Rebeca, me permite pagar esse exame? — Nego. — Não por você, mas por ela, por essa gentileza em te receber, em me receber em sua casa.
— Matteo, você não tem obrigação alguma.
— Não é por obrigação. — Eu queria dizer não.
Olho para o vazio pensando que meu orgulho poderia levar minha avó a óbito. Penso no quanto a minha mãe a explora, e ela se cala. Penso no monte de docinhos e salgadinhos que ela fez para a festinha de Filipo na escola e seu sorriso doce ao ver os meninos comendo com tanto prazer enquanto ela sentada, sofria calada porque ela sofre com a dor. Penso no cuidado que ela teve nesses poucos dias em cuidar do meu bem-estar e do Filipo a ponto de querer ceder o quarto dela para eu dormir lá.
— Eu vou aceitar porque estou vendo minha avó definhando — ele segura minha mão. — E eu não quero me culpar acaso algo muito ruim aconteça por causa do meu orgulho em aceitar sua ajuda, Matteo.
— Não vai. Ela terá o melhor tratamento que o meu dinheiro puder pagar.
Aquilo era tão constrangedor. Eu me sentia sendo comprada mais uma vez.
— E você não precisa achar que me deve alguma coisa — era como se ele tivesse lido meus pensamentos. — É como eu já disse: é pela bisavó do meu filho que eu estou fazendo isso.
Foi nesse momento que eu ouvi minha mãe entrar e eu lamentei estar com Matteo em casa.
Merda!
Tio Jamil foi o primeiro a aparecer na cozinha.
O sorriso cínico dele só não foi pior que o ódio que Matteo deixou transparecer, e foi por isso que eu segurei sua mão e a apertei forçando-o olhar para mim.
— Ora, ora..., mas o que temos aqui?
Mamãe entra logo em seguida.
— Jamil — meu tio estende a mão para Matteo que sequer o cumprimenta ignorando-o. — Mal-educado seu amiguinho, sobrinha.
— Eu não tirava os olhos de Matteo implorando que não fizesse nada com meu tio. Aquilo mataria de uma vez a minha avó.
— Rebeca, quem é o rapaz? — mamãe pergunta e eu noto que eles deveriam estar voltando da saída de ontem a noite.
— Mãe, a senhora esqueceu que eu levaria a vó para o médico hoje e a senhora ficaria com Filipo? — ela põe a mão na cabeça fingindo que esqueceu enquanto o tio ri mexendo nas panelas.
— Desculpe, filha. Nem me lembrei.
Matteo volta a almoçar assim que minha avó entra na cozinha.
— Tô faminto, mãe — tio Jamil diz e minha avó começa a preparar o prato dele como se ele fosse doente dos braços e pernas. Só falta dar a comida na boca.
— Rebeca me levou para o médico hoje — vovó comenta.
— E o trombadinha ficou com quem? — trombadinha?
— Com o pai — e aponta para Matteo que mesmo alheio a conversa, sentia a tensão no ar.
Não! Ele era a própria tensão.
— Odio questo figlio di puttana — Matteo diz olhando em meus olhos sem qualquer constrangimento. Eles até poderiam não entender o idioma, mas pelo tom não deixava dúvida.
— Matteo, per favore. È il figlio di mia nonna.
— Ele é o pai do pivete? Por isso o menino é bonito. — Eu odiava os termos que mamãe se referia ao meu filho, contudo qualquer coisa que eu falasse ali, poderia desencadear uma guerra, e Matteo não teria um pingo de dor na consciência. — Ele tem dinheiro?
Tio Jamil sequer agradece minha avó ao entregar o prato feito para ele.
— Se tivesse dinheiro, acha que estaria comendo essa bosta de comida? — Tio Jamil responde deixando-me péssima. — Provavelmente é um fodido que nem nós.
— O que ele faz da vida, Rebeca? — mamãe me pergunta e eu tento ser gentil porque cada gesto meu era bem observado por Matteo.
— Ele é segurança de um empresário lá em Palermo.
— Foi com ele que você aprendeu a se defender — vovó comenta.
— E ele está hospedado onde? Não vai ficar aqui, vai?
— Não, mãe. Ele alugou um quarto-sala pelo Airbnb — quanta mentira!
— Ah, tá. E ele vai ajudar na pensão do menino?
— Mãe, ele só veio ver o filho, saber como o filho está e sim, ele me ajudará com o Filipo.
— Ele não entende português, né? — Nego, olhando para Matteo que franze o cenho tentando entender o que estamos falando, e eu finjo um sorriso mostrando que está tudo bem. — Mas ganha em euro. — Ela olha para Jamil que sorri confirmando. — Tira o máximo que puder dele, filha.
— Obrigada pelo conselho, mamãe.
— Se eu tivesse tido a oportunidade...
— Oportunidade? — tio Jamil corta. — Você é uma piranha, Patrícia, que abre as pernas para qualquer um de olho azul assim como sua filha.
— JAMIL! — Mamãe repreende e depois cai na gargalhada.
— Bom, eu vou trabalhar — e sair daqui antes que tudo exploda. Não sei o quanto Matteo luta, mas só ao me lembrar de Lucca, tio Jamil viraria picadinho. — Andiamo.
Matteo se levanta, agradece à minha avó pela gentileza e me segue sem sequer cumprimentar meu tio e mãe.
— Se esse filho da puta tocar em você, eu mato, Rebeca. Esqueço a pobre da sua avó e acabo com a raça dele — sua ameaça era verdadeira. — E eu não gosto da sua mãe.
Respiro fundo.
— Minha mãe é fútil, Matteo, e com relação a tio Jamil, deixa que com ele eu me viro.
Matteo segurou minha mão, me deixou na oficina e saiu só Deus sabe para onde.
E a tarde nunca foi tão comprida.
E aí , meninas, o feriadão foi bom? O meu foi maravilhoso já que eu consegui dar uma descansada do tanto que tenho trabalhado.
Desculpa a demora.
Xêro
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