Capítulo 4
Matteo
― Merda! ― Esbravejo diante da milésima ligação que eu ignoro da minha esposa.
― Ela não vai parar de te ligar, Matteo. Você está fugindo da lua de mel. ― Como se eu desejasse viajar com aquela cobra.
― Foda-se! Se eu pudesse enviar Graziella para o quinto dos infernos numa viagem só de ida, eu o faria.
― Acontece que nesse inferno, você é o acompanhante, irmão ― lembra-me como se fosse possível esquecer .
Raiva.
Cancelo mais uma vez a ligação esperando com ansiedade o guincho retirar o carro. Por se tratar de um carro blindado, o peso está dificultando o trabalho que já deveria ter sido finalizado.
― Matteo, mama está ligando. O que eu digo? ― Lucca me pergunta mostrando o celular com a foto dela.
― A verdade.
― E qual é a verdade? ― Ele questiona e eu tomo o celular da mão dele.
― Diga, mama. ― Atendo sem qualquer paciência. ― Estou muito ocupado agora.
― Mas sua esposa está aqui esperando por você. Esqueceu que há um voo esperando para levá-los?
E?
― Não, mãe. Não esqueci que viajaria numa suposta lua de mel. Acontece que houve um acidente e eu estou averiguando.
― Eu pouco me importo, Matteo. Volte agora!
Eu já estava ficando de saco cheio de tudo isso.
― Sinto muito, mama.
Sempre fui um filho exemplar de acordo com a minha mãe. As ordens de ambos sempre foram obedecidas, principalmente do meu pai que além de pai é o don. E por causa dessa minha complacência, eles me deram liberdade de fazer o que eu queria, dizer o que eu pensava, agir como minha cabeça me guiava desde que eu não envergonhasse a autoridade deles ou passasse por cima. Errei. Por diversas vezes eu errei quando criança e por isso sofri muitas penalidades. Mas cresci tendo meus pais os únicos que estavam acima de mim. O resto eu esnobava, pisava, humilhava, rebaixava, machucava.
Contudo agora, diante da notícia do sumiço da única mulher que realmente eu amei, me vi obrigado a desobedecer a uma ordem direta.
― Como? ― Claro que mamãe não aceitaria de bom grado. Mas o que ela pode fazer? Meu castigo já foi dado – casei obrigado. Me bater é algo que não condiz, se bem que usamos desses subterfúgios até hoje.
Foda-se.
― Eu não vou, mama. Estou ocupado agora. ― Repito. ― Agora eu preciso ir ― e desligo o telefone.
Meu irmão solta um longo assobio ao me ver me rebelando contra minha mãe.
― Matteo, já vi homens perderem suas vidas da pior forma por muito menos. Você está louco? Se papai sabe de algo assim...
― Vai mandar me matar? Vai me levar para um dos cárceres e me torturar até obter um pedido de desculpas? Pouco me importa, Lucca.
Lucca nega e me chama a atenção para o carro que acaba de ser tirado. E não precisa ser um expert para ver que os quatro pneus foram destruídos por um acessório para esse objetivo. Os quatro pneus estavam dilacerados.
―Meu irmão ― Lucca se aproxima ―, temos um homicídio. Cabe agora investigarmos por que e por quem, e então confirmarmos se estamos em guerra.
― Não, meu irmão. Eu já estou em guerra.
Conversamos, eu e Lucca, e achamos por bem retirar a denúncia de roubo de carro e confessar a existência de outro corpo, somente do soldado de tio Andrea, assim, ficaríamos livres de justificar o motivo pelo qual uma imigrante ilegal estaria conosco. Mesmo que tivéssemos muitos associados da polícia e da justiça em nossas mãos, sempre há alguém que busca brechas para nos expor, incomodando como mosquitos. E caso esse desgraçado esteja pensando em se esconder, nada melhor que termos a polícia ao nosso lado.
E quando eu o achar, farei questão de eliminá-lo.
Já estava amanhecendo quando eu cheguei em casa. O avião particular nos levaria até as Maldivas, viagem escolhida por Graziella para uma porra de lua de mel. O que ela não sabia era que ela ficaria lá sozinha e eu viajaria até a Alemanha para negociar pessoalmente a remessa de um lote de armas de um traficante. A verdade é que há muito que todos os meus esquemas somente são de conhecimento de Lucca. Nem meu pai fica sabendo, apenas pede que eu resolva algo e deixa ao meu critério. E essa viagem veio muito bem a calhar.
Entro em meu quarto e a vejo dormindo em uma camisola de seda preta, curta e transparente. Seus cabelos escuros e lisos tomam todo o travesseiro. Seus olhos fechados e sua respiração tranquila é um convite à morte. Sua vulnerabilidade me atrai.
― Matteo? ― Ela desperta comigo a encarando.
Ódio. Ódio porque eu tenho a certeza que ela está por trás de tudo.
― Vou fazer uma pergunta e quero que me responda com honestidade. ― Ela se senta na cama ajeitando-se como se ao melhorar sua cara amassada fosse mudar algo dentro de mim.
― Matteo, meu amor.
― Onde está Rebeca? ― Ela olha para mim mostrando-se surpresa ― E não faça essa cara de quem não está entendendo porque eu sei que não é burra.
― Você está louco? ― Ela até tenta se levantar quando eu agarro o seu braço e a mantenho sentada. ― Que porra é essa, Matteo?
― Você me ouviu. Onde está Rebeca?
― E eu vou saber? ― Contesta irritada. ― Eu estava comemorando nossas bodas ontem quando você sumiu, e... ― olha as horas no celular ― chega uma hora dessas me questionando onde está ― e faz cara de desprezo ― Rebeca?! Me poupe, Matteo.
Apoio as duas mãos na cama e a encaro de frente.
― Não me tome por idiota, Graziella. ― Praticamente cuspo as palavras. ― Eu lembro bem da sua ceninha de ontem. Sua atitude de preocupada com o bem-estar da máfia não condiz com a cobra que você é.
― E o que você quer que eu diga? ― Ao menos tive uma reação por parte dela. ― Ou o que você esperava que eu fizesse diante da mulher que roubou seu coração de mim? ― Eu ri da sua infantilidade. Graziella nunca teve meu coração. ― Era óbvio que eu a entregaria. Era óbvio que eu a usaria para me promover diante de seus pais, dos conselheiros, da máfia.
Vontade de estrangulá-la não me faltava. Mas dentro da máfia temos um código de ética: e proteger, cuidar, preservar a integridade da esposa está nela exceto quando elas traem.
― Ela não foi entregue à Casamonica?
― Pensei que seu segurança tivesse te informado sobre o paradeiro de Rebeca. ― Até que ela parecia surpresa.
― E por que eu entraria em contato com um dos homens do papai? Você me vê falando com qualquer um deles? ― Isso era verdade. Graziella se achava tão superior que sequer olhava para seus seguranças, motoristas ou qualquer um que a servisse.
Precisava mudar a abordagem porque eu estava com a paciência por um fio e aquela conversa não levaria a nada. Então, vamos da verdade.
― Houve um acidente, ou melhor, um homicídio premeditado. ― Começo meu discurso olhando nos olhos dela. ― O carro que a levava, teve seus pneus rasgados por uma fita de pregos ou algo parecido. Marco perdeu a direção do carro e capotou na estrada, só que as evidências mostram que o carro parou muito antes de cair da ponte e então arrastado até o rio.
Ela arqueia as sobrancelhas e abre um sorriso, mostrando sua verdadeira face.
― O corpo de Rebeca e do seu segurança não foram encontrados. ― Me aproximo dela. ― Onde está Rebeca?
E seu rosto iluminou.
―Querido, você não acha que eu a manteria viva, acha?
― Então não vai negar que foi você?
Ela ri, se levanta da cama e pega uma escova de cabelo e começa a escová-los.
― Graziella!
― Meu amor. Eu disse a você que mataria todas as mulheres que cruzassem o seu caminho.
― É. Acho que você já me disse algumas vezes, mas sabe como é que é... Ignorei.
― Então. O que esperava? Viver num inferno eu já estava vivendo sem a sua presença. ― Ela era completamente louca ou totalmente doente. ― Há muito que eu sonho com seu toque, seu cuidado, seu convívio, entretanto, eu aguentava a distância para te ver feliz em seus estudos, seus objetivos. Confesso que eu também gostava do glamour que era ser desejada, paparicada, bajulada ― suspira. ― Acontece que há profissões perversas que te excluem quando você ainda é muito jovem, e modelo é uma delas. Há muitas meninas não tão lindas quanto eu, mas que fazem pela metade do preço aquilo que eu fazia com perfeição. ― Tenho vontade de gargalhar diante dos delírios de grandeza de minha esposa.
― E aí você achou que estava na hora de vir atrás de mim. ― Ela abre um sorriso, assentindo. ― Pule, Graziella, me poupe dessa parte. Você me cansa.
― E no dia que ele foi formado ― passa a mão sobre o ventre, lembrando-me que ela estava grávida ― eu soube que havia outra.
― Nunca houve outra. ― Ela se surpreende com minha resposta. ― Rebeca foi a única ― E ela baixa a cabeça. Quem a via naquela posição, teria pena.
Eu não.
E por alguns segundos, ela acariciou o ventre, tocou na borda do minúsculo baby doll, até que sua expressão decaída foi se transformando e terminou com um sorriso diabólico, enfrentando-me.
― Uma pobre, negra e estrangeira de país subdesenvolvido?! ― Ela não fala, ela declama em alta voz. ― Acha mesmo que eu perderia você para um alguém como ela?! Eu sei que os italianos têm fascínio pelas queimadinhas, paciência, mas chegar a trocar uma mulher do meu nível, da minha estirpe por aquilo?
Realmente, eu estava diante de uma louca que não entende nada do que eu falo.
― Você não chega aos pés dela, Graziella. Rebeca, além de linda é carinhosa, cheirosa, gostosa, amável, simples, encantadora. Até os defeitos dela são superiores à sua melhor virtude.
Graziella mudou completamente de expressão. Agora ela destilava ódio por todos os poros a ponto de trincar os dentes.
― Pois eu a matei! ― rosna. ― Fui eu sim que mandei matá-la. Fui eu quem contratei um grupo para dar fim nela.
Sinto minhas narinas inflarem da raiva.
― Como? Como sabia o que iria acontecer? ― Agora era eu quem estava cheio de ódio. ― Como sabia para onde eu mandaria ela?
Ela ri cinicamente.
― Fácil, querido esposo. Quando eu a trouxe para cá, eu queria colocá-la diante de ti para mostrar o quanto eu posso ser perigosa, vingativa. Que você aprenda de uma vez por todas que eu não sou mulher de meias palavras.
― COMO? ― gritei.
― Eu sabia que você iria protegê-la. Eu sabia que você faria de tudo para postergar a vida medíocre dela, e até imaginei que carregaria Lucca para que a mentira fosse mais convincente. ― Graziella parecia outra mulher ― Então eu fiz uma cena, é verdade. Deixei você atuar como um perfeito ator o que foi bem interessante. Acontece que todos os nossos soldados têm GPS em seus celulares por isso eu mandei que ele fosse. Ele era a isca que eu precisava para levá-los até ela. E eles a encontraram.
― Onde ela está? Quem são eles?
― Morta e eles são um grupo de mercenários que fazem algo por uma grana e somem ― diz como se aquilo fosse uma tolice. ― E quero deixar bem claro: foi proposital a forma escrota do acidente. Eu queria que você soubesse que teve meu dedo ali no fim daquela nojentinha. Eu mandei que confirmassem a morte da pobretona e caso sobrevivesse, matassem e a jogassem em qualquer vala.
― Você não fez isso! ― A sacodi pelos ombros. ― Você não pode ter feito isso.
― Posso como fiz. ― Ela ri de forma totalmente sem graça. ― Amanhã, ou melhor hoje, o caso será arquivado como acidente. Já pedi ao papai para resolver isso.
Pior é saber que ela não está blefando. Crimes mais medonhos já mandamos arquivar.
― Eu vou acabar com você, Graziella ― ameaço-a, apertando-a pelo pescoço.
― Vai? E o nosso bebê? Vai matá-lo também? ― sussurra e só então eu a solto.
Tenho certeza de que esse filho não é meu, mas até nascer, eu preciso mantê-lo em segurança como prova de sua traição, e então usá-lo para acabar com ela.
― Sabe o que eu acho?
― Pouco me importo ― entro no closet para pegar algumas roupas minhas. Não posso estar com ela em um mesmo aposento. Não posso conviver com ela se preciso mantê-la viva.
― Mesmo assim eu vou dizer. ― Continua ― Você tem raiva, Matteo, e eu até te entendo, só que essa raiva não é de mim.
A encarei nos olhos.
― Não?! Teste!
― Tenho certeza. ― Ela aponta seu dedo em meu peito e pressiona sua unha grande e fina como uma garra. ― Essa raiva você direcionou para mim. Você me olha e vê em mim sua covardia.
Ela atraiu minha atenção.
― O que você está dizendo? ― Eu sentia que estava pronto para explodir.
― Eu, por amar você, lutei para te ter ao meu lado... ao nosso lado ― e passa a mão no ventre. ― Já você, por falta de coragem, abandonou a mulher que dizia amar para não contrariar ordens. ― Aquelas palavras me machucaram.
Penetraram no fundo da minha alma.
― Cale a boca, Graziella ― eu não queria ouvir. ― Agora, saia da minha frente!
― E para piorar, a deixou morrer acreditando que fora você seu mandante ― ela conseguiu me atingir.
― CALE A BOCA!
― Fui muito mais mulher em um dia do que você fora como homem em toda sua vida.
Meu ódio foi tanto que eu sequer pensei, e quando vi, eu já tinha dado um tapa em seu rosto que a derrubou no chão.
E ela gargalhou, gargalhou tanto que se deitou.
― Viu? Viu como você é covarde? ― falava sem parar de rir. ― Bater na própria esposa grávida por ela falar a verdade.
― Vá para o inferno, Graziella.
― Dói, né. Dói perder quem ama ― ela ri como uma louca. ― Pensei que morreria quando eu descobri sobre ela ― gargalha. ― Mas no final, eu venci.
E eu perdi.
Graziella conseguiu me atingir no meu ponto mais fraco.
― Venciiiiiii ― gargalha. ― Você é meu. Todo meu.
Eu deveria sentir pena, ódio, horror. Mas a vendo naquele estado e na atual dor da perda que me consumia, eu não conseguia sentir qualquer coisa por ela. Não havia qualquer sentimento.
Nada.
― Você tem razão ― confesso. ― Eu fui um covarde ― ela para de rir e me olha com um sorriso nos lábios. ― Eu fui covarde diante de uma ordem. Eu fui treinado a obedecer mesmo que de contra a minha vontade. Eu precisava ser um exemplo. ― Eu estava sendo sincero.
Ela assente.
― Fui obrigado a casar com uma mulher que desprezo para cumprir o compromisso. ― Ela assente mais uma vez. ― Mas há uma coisa no contrato de casamento que você não está levando em conta.
Ela franze o cenho, indagando.
― Eu nunca vou te tocar ― digo ― durante todo o tempo que nós dois estivermos juntos. Eu nunca mais te procurarei como mulher se é que algum dia eu te busquei.
Seus olhos se abrem diante daquela afirmação.
― Você não pode fazer isso. Eu digo a todo mundo... ― Me ameaçando?
― Que eu não sou macho? ― Agora fui eu quem sorri. ― Homem? ― Nego. ― Provo toda a minha virilidade para qualquer mulher lá fora, enquanto você será conhecida pela mulher linda e fria como uma pedra de gelo a ponto de o esposo sair em busca de outras. ― Ela começa a bufar como um bicho. ― E ai de você se me trair, Graziella. Graças aos céus que nosso mundo é machista suficiente para aceitar a traição de um homem, mas jamais de uma mulher.
― Canalha! Filho da puta.
― E outra coisa: que essa criança nasça e prove ser meu, porque, querida esposa, eu estou sonhando em apertar esse seu pescocinho fino, e ouvir sua voz chata sumindo até que não sobre nada. ― Ela nega. ― Aborto espontâneo não é uma solução para se livrar do que te espera. Mato você da mesma forma.
― Matteo...
― Você já era.
― Ah, e antes que eu esqueça, vamos morar na fazenda. Acho que você precisa de ar fresco para ter uma gestação tranquila. ― Ela parecia que tinha tomado um choque.
E tinha. Morar no campo era seu pior pesadelo.
― Quer medir forças comigo? Então vamos brincar. ― Seguro seu queixo e a obrigo a me encarar. ― Vamos ver quem ganha, esposinha.
Amores,
Desculpa meu sumiço, mas sabe como é... essa semana foi meu aniversário, aniversário do meu amor e ainda fizemos 16 anos juntos. Vou tentar, a partir da próxima semana, postar de 2 a 3x por semana.
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