Capítulo 32
Matteo
Não consigo lembrar de um dia que eu passei tanto medo, que fiquei à beira do desespero.
Eu jamais agiria diante daquela situação, sequer cogitei a possibilidade de arriscar a vida deles, ou seja, eu não permitiria que ela se sacrificasse, contudo, ao ver Miguel partir em direção à Don Carlo que tinha a mira em nossa direção, e acabou atirando para cima tamanha rapidez com que agiu, e Lucca em direção a Graziela, eu corri.
Puxei a arma de Graziela e a segurei pelo pescoço até meu irmão a imobilizar. Eu a mataria se Filipo não tivesse berrado e eu, ao ver Rebeca sangrando no ombro, só pensei que o tiro a tivesse atravessado.
Eu não queria perder Rebeca e muito menos nosso filho. Só que um tiro em um bebê é infinitamente mais perigoso do que em um adulto.
Fui rápido ao examiná-lo e ele só tinha mesmo tomado um susto, ou até mesmo doído os ouvidos pelo som alto e seco.
Já Rebeca, numa reação natural de mãe, protegeu o filho que nunca viu, dando sua vida por ele. E mesmo sangrando ela demonstrou alívio quando percebeu que o filho não havia se machucado mesmo depois de entrar em desespero sem entender por que ele chorava.
Peguei meu filho de seus braços e coloquei um pano sobre a ferida dela, pressionando para segurar o sangramento. O tiro tinha acertado seu ombro, o que indicava que não tinha atingido algum órgão vital.
Só que isso foi depois de uma surra daquele animal.
Eu tinha acabado de achá-la e não queria voltar a perdê-la.
Nunca mais.
A levanto sustentando todo o seu peso, cuidando de Filipo que ainda chorava muito quando ela para diante de Miguel.
― Mate-o! ― Nunca pensei que minha morena pudesse se tornar aquela mulher fria, seca. Eu a amava pela doçura que era e ainda tinha isso dentro dela quando protegeu nosso filho, mas lamentei o quanto sua inocência havia se perdido.
― Eu assumo a autoria para que você não tenha problemas ―falo, sabendo que se ele quisesse continuar em seu trabalho para o sucessor de Don Carlo, ele não teria o menor risco de que alguém soubesse por mim sobre tudo aquilo.
Não.
― Não preciso de ninguém tomando meu lugar. Há muito que eu desejo acabar com esse merda. ― Então eu percebo que o grupo dele também há traidores querendo tomar o poder do outro.
Assinto.
Rebeca olha para Lucca, para Graziela que eu não sei o que fazer para que sinta o tamanho do meu ódio. Não consigo pensar em nada agora para acabar de vez com sua raça. E naquele momento, eu só queria tirar eles daqui, levar Filipo e Rebeca para o hospital. Minha cabeça não estava raciocinando direito diante de tanta revelação, do medo e susto que passei.
Sou um homem racional, mas perdi a racionalidade e o sangue-frio quando meu filho entrou no meio.
― Merda, inseto? ― Rebeca diz cheia de desprezo e eu não posso negar o meu. O que Graziela fez foi desprezível. ― Posso pedir algo, Matteo?
Ora, meu amor... o que você quiser.
― Claro, maluquinha ― e ainda brinco com ela que me aceitou segurá-la e ainda me aproveito beijando-a. ― O que você quiser.
― Quebre os dois braços dela, as duas pernas e a jogue na rede de esgoto viva. ― Puta que pariu... Ela foi mais rápida. ― Quem sabe ela entenda o que fez com um bebê que sem condições de se defender, passou pelo que passou.
E eu a achava burra, tola... Eu fui o grande idiota.
― Você não podia pedir algo tão perfeito. ― Olho para Lucca que sorri em concordância. ― Lucca, você pode fazer isso?
― Não tenho vontade alguma de obedecer a Rebeca, mas vou acatar a decisão por achar uma ideia muito boa. Morrer atolada na merda será bem interessante.
Graziela começa a tentar se soltar quando eu ouço o estalo do primeiro osso quebrando seguido do grito de terror, o que faz Filipo chorar mais alto ainda.
― Miguel, por favor, me ajuda. ― Seu desespero era uma melodia ― Eu não contei seu segredo, lembre-se disso, por favor. ― Ora, ora, ainda havia mais coisa podre entre esses dois.
― Precisa de ajuda, senhor? ― E pelo jeito, ela também era odiada por ele.
Com a ordem dada, eu os levei para o hospital. Seria tudo no particular sem restrição para o melhor tratamento, quarto e tudo que eles tivessem direito.
Rebeca poderia não ser minha ainda, mas eu iria conquistá-la, e para isso, eu precisava tê-la viva e saudável. Nosso filho precisava de uma mãe que o ame.
Beca foi logo levada para o centro cirúrgico para a retirada da bala e ainda passou por uma ressonância para avaliar os danos possíveis causado pela surra. Já Filipo foi mais simples, e com a medicação certa, receberia alta ainda naquela noite sem qualquer problema.
Já eu no quarto do hospital, depois de ver meu filho dormir tranquilo, penso no que fazer enquanto espero a mãe voltar do centro cirúrgico. Papai, assim como os outros conselheiros ficarão chocados com toda a revelação que eu soubera.
Ia ser um inferno. Andrea tinha muita gente em suas mãos e eu não sei o que ele faria com tanta informação, em quem confiar.
Lucca me ligou depois de fazer o que tinha pedido, contou que Miguel colocou fogo na casa apagando todas as provas, e que nós não nos preocupássemos com o desfecho da situação daqui de Roma.
Nós tínhamos os nossos próprios problemas, e eles tinham o seu.
O bom é que Lucca já estava com menos raiva de Rebeca, e pediu que eu cuidasse dela e a protegesse, mesmo que ainda quisesse brigar por ter me sequestrado.
Ele voltou para Palermo ainda na madrugada.
Rebeca saiu da mesa cirúrgica e foi levada para o quarto. A bala tinha chegado a se alojar na escápula, contudo não atravessou dando a tranquilidade aos médicos de sua plena recuperação. Os hematomas no corpo eram o sinal do quanto ela fora machucada, só que tudo superficial. E olhando para o corpo da minha morena agora, com aquela camisola de hospital, ela era uma massa de músculo muito bem definido sem tirar seus contornos. E como apanhou de um velho que tinha tomado uma surra antes, não foi tão grave.
Ao menos foi o que o médico falou, isso não diminuía meu ódio.
Ela se recuperaria rápido se seguisse as recomendações de repouso e os medicamentos.
E ao lado deles, eu pude descansar sem problemas.
***
Filipo, como sempre, fora o primeiro a acordar o que a despertou em seguida.
Ele tinha fome e logo a enfermeira trouxe seu desjejum que Rebeca, mesmo machucada, fez questão de alimentá-lo.
Ela queria passar o máximo de tempo com o filho, e olhando para eles dois, numa cena tão simples e linda, eu desejei mais aquela vida.
Eu queria uma família de verdade.
Sempre gostei de ser filho de quem sou. Sempre gostei da autoridade que eu exercia, do medo que as pessoas tinham ao me ver e principalmente do respeito, entretanto hoje eu queria somente ser alguém comum. Du desejei estar movido pelo ódio de ter visto a mulher que amo ser baleada por um assaltante, um doente que saiu atirando, não por ter sido vítima do ambiente que eu vivo.
Rebeca foi vítima e quase morreu por causa do meu mundo.
― Sente alguma dor? ― pergunto e ela nega sem tirar os olhos do filho que baba e balbucia coisas sem sentido. ― Precisa de alguma coisa.
― Ainda não ― ela encosta o nariz dele no do filho e ele agarra seus cabelos e babando o rosto dela numa espécie de beijo. ― Quem escolheu o nome dele?
― Eu! ― Graziela sequer fez questão. Fingiu estar cansada do parto rápido e doloroso que teve no hotel e dormiu. ― Acho um nome bonito e forte.
― E é. ― Filipo começa a choramingar e ela o coloca sentado entre suas pernas, dando-lhe toda a atenção mesmo que às vezes ela sinta alguma dor, incômodo.
― Acredito que você receba alta amanhã ― informo. ― Vou levar você para Palermo comigo.
Ela sorri desacreditada.
― Eu sei que errei muito, Rebeca. Sei que fui fraco, tolo quando não lutei por você. Vou passar o resto da minha vida lamentando tudo que te aconteceu. ― Ela não falava nada, só negava. ― Sei que pedir uma chance para nós dois assim, é um tanto complicado, mas acho que você vai querer estar ao lado do nosso filho e permitirá que eu a mantenha. Eu quero te dar tudo que você merece.
Eu estava sendo sincero. Eu não era idiota para imaginar que ela abriria os braços e me aceitaria tão rapidamente, só desejava que ela ao menos me desse a chance de tentar.
― Você pode ficar na fazenda...
― Aquela que você me disse que eu não poderia entrar porque pertencia aos patrões e eles não permitiam qualquer um entrar?
Rancor. Havia rancor em seu peito.
― Beca... eu sei que eu só pisei na bola com você.
― Sabe, Matteo. Sem ressentimentos ― eu queria acreditar naquilo, principalmente pela forma como falou. ― Só não prometa nada que não possa cumprir, por favor.
Só que não dava para acreditar. Rebeca estava magoada e com razão.
― Por isso eu não disse que a levaria para minha casa. Eu e Graziela morávamos com meus pais e acho que lá você não iria ― ela solta uma risada ruidosa. ― Mas a fazenda é minha, somente eu faço uso dela, Graziela tinha horror a ela e nesse momento, um pouco de ar puro só te fará bem. A você e a Filipo.
Seu riso sem graça me chama a atenção.
― Ah, Matteo, você é tão tolo ― eu controlo minha irritação diante de sua ironia ― Acha mesmo que você voltará para sua cidade, comigo ao seu lado, fingindo uma família feliz. ― Eu tenho consciência que será uma luta, ao menos no início, mas depois que eu revelar tudo, as coisas possam ser mais bem aceitas.
― Eu sei que não será fácil...
― Matteo, pare! ― Havia irritação em sua voz. ― Você poderia vir com esse papinho pra cima de mim antes, mas como eu já disse, aquela Rebeca que você conheceu não existe mais.
― Eu sei. ― Confirmo consciente que a mulher que eu conheci lá atrás está bem diferente da mulher de hoje. ― Eu imagino o quanto você sofreu.
― Não é por mim que eu falo isso, Matteo, nem pelo que eu passei porque honestamente eu daria tudo para mudar radicalmente minha vida. Eu digo isso porque eu mudei, você não. ― Não entendo essa sua afirmação. ― Eu lembro você me silenciando para me proteger porque não podia me defender.
― Espere aí, Rebeca, nós já falamos sobre isso e você parecia que tinha...
― Deixa eu terminar! ― Ela me interrompe todo o instante e sou eu quem não a deixo terminar? ― Eu não disse que você não queria me defender, eu disse que você não podia me defender. ― Ao menos ela entendeu isso. ― Eu vivi dentro do seu mundo, e vi o quanto os homens, mesmo não concordando, mesmo odiando o que precisava ser feito, acatavam as ordens sem sequer questionar. Eu vi homens respeitados, fortes e até respeitados serem eliminados porque um dia contrariou uma ordem proferida.
― Ele é meu pai ― lembro-a e ela somente nega com um olhar de quem discorda daquela afirmação.
― Eu vi mulher e filhos baixarem a cabeça porque marido e pai precisavam de exemplos, e o exemplo começa em casa. ― Seu argumento é verdadeiro. ― Uma esposa que aceita a puta de seu marido morando embaixo do mesmo teto, mostra o nível de submissão mesmo sendo ouvida quando precisava tomar uma decisão importante. E creia, ela era respeitada quando o marido dava a ela a liberdade de agir desde que não fosse de contra a ele. ― Inspiro profundamente ao vê-la refletir algo tão comum em minha casa. ― Não é assim ou estou mentindo?
Eu poderia argumentar que eu faria tudo diferente a partir de agora.
― Verdade ― ela falou somente verdades.
― A sua palavra, o seu desejo, a sua vontade, o seu querer é grande, mas nunca pode ser maior que a do seu pai. Você age, manda, brinca, joga no limite que ele te impôs e sempre será assim.
Era difícil olhar por aquele ângulo. Eu sabia que tudo era verdade, eu só, até então, não conseguia me ver como um animal adestrado.
― Você não entende, Rebeca. Eu concordo com tudo que você falou, só que agora será diferente. Eu juro que estou disposto a brigar por nós.
― Não jure algo que não pode cumprir, Matteo. ― Havia tanta convicção e brandura no seu tom de voz. ― Há tantas coisas que você não sabe, sequer imagina.
― Andrea será eliminado por traição ― digo.
― Andrea! Você acha que Andrea é seu maior problema? ― Eu não entendi. ― Você não tem ideia do tamanho do problema.
― Você está falando dos documentos que pegou de Carlo? ― seu sorriso era uma confirmação. ― Tem mais coisas que eu não saiba?
Ela beija o pé do filho que ao sentir cócegas, abre o maior sorriso.
― Se você me ajudar a desmascarar todos, Rebeca, eu posso assumir de uma vez por todas a posição que tenho de direito, e garantir melhor sua proteção.
E como eu teria a ajuda dela, quem estivesse ao meu lado aceitaria facilmente sua posição mesmo ela não sendo de família tradicional.
Você só quer expandir sua jaula, Matteo e colocá-la dentro.
― E acha que mandando na coisa toda será um caminho para eu me aproximar de você e sonhar um conto de fadas? ― Ela nega me dando um banho de água fria. ― Do seu mundo bizarro, perverso, maquiavélico, eu quero me afastar, correr léguas se possível. Esquecer que existe.
― Não é assim, Rebeca ― não é tão ruim assim.
Não, Matteo? Pense em sua vida depois que a conheceu. Não teve o direito sequer de escolher a esposa. Isso estava fora de sua zona de falsa liberdade.
― Não é assim? Olha para seu filho! Eu não sou idiota a ponto de achar que fora do seu mundo não há gente ruim que tem prazer de machucar uma criança. ― Nega. ― Entretanto, em seu mundo só existe ganância, prepotência, arrogância, maldade. Não existe respeito por amor, não existe divergência sem medo, não existe ajuda sem um preço, não existe briga sem morte. Seu filho será como você que obedecerá sem sequer argumentar, crescendo como um valentão, mas por dentro é um covarde afinal, o teu respaldo não está na sua grandeza de espírito, mas na violência que te acompanha.
Puta que pariu! Aquilo foi pior que um soco.
― Entendi ― o nó é formado na garganta e eu concordo sem saber o que falar e ainda entalado pelas verdades ditas. ― Eu sinto muito e reconheço que você tem razão.
Ela dá de ombros não desdenhando, mas mais como alguém que lamenta.
― Só que eu prometo...
― Não prometa, Matteo. Já falei para não prometer aquilo que não pode cumprir! ― adverte-me e eu percebo que não é por esse caminho que eu preciso chegar a seu coração.
Eu preciso provar a ela, e preciso provar com atitudes, e principalmente, eu preciso sair das amarras da organização.
― Posso ao menos te ajudar? Quero provar a você que não sou mais esse covarde que fui tão acusado ― não só por você como por minha ex-mulher.
― Não precisa me provar nada, Matteo. Viva somente o que você foi doutrinado.
E com aquelas palavras, ela baixou a cabeça e começou a brincar com Filipo como se eu tivesse sumido dali, e eu calei-me diante da vergonha.
Eu me achava importante, poderoso, contudo eu só era a sombra daquilo que meu pai permitiu eu projetar. Eu era um exemplo a ser seguido, eu era a extensão do seu braço, eu era uma cópia dele, daquilo que ele permitiu que eu fosse.
Aquelas verdades me levaram a um estado de introspecção. De repente eu senti raiva de mim, da minha subserviência, da minha incapacidade escondida atrás de um manipulador mesmo que ele fosse meu pai.
Somente no fim da tarde é que eu acordei daquele estado ao receber uma mensagem de Lucca seguida de uma série de links de várias manchetes de todo o tipo de jornal.
"Família Mancini e seus segredos obscuros";
"O mundo do crime por trás do advogado e empresário de sucesso";
"Magistrados e políticos envolvidos em um dos maiores escândalos de tráfico de influência";
"Assassinatos, drogas, queima de arquivo – A máfia siciliana nunca morreu".
Era um link atrás de outro que eu só conseguia abrir, ver o título, algumas fotos e fechar para ver outro pior.
Que merda era aquela?
Olho para Rebeca que me observa sem demonstrar qualquer coisa. Uma expressão longe e vazia.
― O delegado da polícia à frente do caso já está apurando a veracidade das provas recebidas pelas mídias, mas já se comenta que esse caso sairá de suas mãos depois que uma emissora de notícias locais recebeu arquivos que provam que o mesmo recebe propinas para arquivar e adulterar provas que prejudiquem qualquer um dos seus associados ― o âncora do telejornal fala, chamando minha atenção.
Minha cabeça começa a processar tudo de forma rápida sem conseguir achar solução alguma. A voz do jornalista parecia que gritava no meu ouvido.
Meu telefone toca e eu, ainda inerte, atendo:
― Matteo ― era Lucca ―, não sei se você está assistindo o jornal, só sei que tudo está uma loucura aqui em Palermo e nós precisamos de você agora! Papai não para de receber chamadas de todos os nossos associados e parceiros. ― Olho para a TV e vejo cenas de transações comerciais ilegais de pessoas nossas, questionando-me como algo daquele tipo pôde ser gravado e o filho da puta não viu? ― Mas principalmente, temos consciência que não foi Carlo que entregou porque há várias provas incontestáveis dele também. E nós sabemos quem vazou.
Encaro Rebeca e seu semblante era de alguém que não se arrependia do que havia feito, mas de alguém aliviada por tê-lo feito.
Era sua vingança.
― Traga-a, Matteo! Papai pessoalmente quer vê-la ― e desliga o telefone.
Inerte, eu baixo o telefone perdido na avalanche de coisas que estava acontecendo.
― Eu disse ― abre um sorriso sincero. ― Não prometa.
E eu? Eu me questiono também. E agora, Matteo?
Meninas,
eu li as várias teorias sobre Miguel e seu segredo. Somente uma leitora, até agora, acertou em cheio, tanto que eu escrevi para ela mas apaguei para não dar spoiler para outras.
No mais, estamos na reta final.
XÊro.
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