Capítulo 26
Rebeca
"Quero te ver" foi a mensagem que eu recebi naquele meio de tarde. "Onde posso te encontrar? Já estou em Roma."
Meu coração acelera. Eu esperava que ele me ligasse, mas não. Ele passou por cima de tudo.
Caminho em direção ao escritório de Don Carlo quando me deparo com Miguel.
― O Don mandou te chamar ― avisa-me.
― Estava justamente indo falar com ele. ― Seu toque foi leve em meu cotovelo passando-me confiança.
Era hoje.
Você tem condições de matar alguém, Rebeca?
A porta já estava aberta com Don Carlo, dona Caterina e Adriano conversando quando eu cheguei.
― Senhor, mandou me chamar?
― Tem algo para me dizer? ― pergunta-me como se não soubesse.
― Matteo me escreveu pedindo para me ver. Hoje! ― Não havia sombras de dúvida que ele não soubesse. E tudo aquilo era um teste.
― E você respondeu o quê?
― Nada. Estava vindo justamente para perguntar como eu devo proceder. ― Eu queria dizer que eu passei a ser uma grande mentirosa, mas não. Eu dizia a verdade.
― Ele foi rápido e mais decisivo ― Caterina responde. ― Pensei ao menos que tivesse a decência de ligar antes, mas tudo bem. Deve ser o desespero. ― Caterina, apesar de não aparecer tanto, ela é uma mulher ativa e que Don Carlo respeita suas opiniões, ou ao menos é o que ele deixa aparecer mesmo quando mostra sua total antipatia por ela.
Ninguém comenta enquanto minha mente processa todos os planos que eu planejei sem sequer ter a certeza se vai dar certo. Basta uma falha e tudo vai por água abaixo.
― Marque com ele na sua suposta casa, Rebeca. ― Don Carlo fala. ― Veja a melhor forma de eliminá-lo nem que precise transar com ele. Ninguém os incomodará enquanto vocês estiverem em seu ninho de amor. ― Era irônico o jeito de falar.
― Posso sugerir algo? ― Minha interpretação tinha que ser muito boa para dona Caterina não perceber. Ela era a mais astuta de todos ali. Don Carlo era ambicioso e mau, mas ela era mais perigosa. ― Eu deduzo que ele não veio sozinho, estou certa?
― Sim ― Adriano é quem responde. ― Ele veio de avião particular, e até poderia ter trazido mais gente, contudo, do avião, só desembarcaram os três da tripulação e Lucca.
Eu imaginava isso.
― Não podemos excluir a possibilidade de outros chegarem em um avião comercial nas próximas horas, ou mesmo ter vindo entre tantos outros voos que já chegaram. ― Miguel completa. ― Matteo a viu ontem a noite, e somente agora está aqui. São horas para planejar e todos nós sabemos que Matteo é um excelente estrategista. Não acredito que viria somente com o irmão.
Eu acredito que sim, até porque ele não teria apoio do pai dele.
― E o que sugere, Miguel?
― Precisamos pensar em um jeito de fazê-lo se encontrar com Rebeca sem que ninguém saiba onde.
Ora, ora. Miguel, sem querer, estava me ajudando e isso era excelente.
― Eu pouco me importo. ― Claro que Don Carlo não se importaria. Não era o dele que estava na reta.
― Posso sugerir algo? ― digo, aproveitando a oportunidade. ― Eu sei qual o meu objetivo final e o farei, Don Carlo ― Minha voz saiu sem qualquer dúvida, afinal, vontade de matar Matteo não me faltava. ― Só que eu quero ter ao menos uma chance de fugir, e quero meu dinheiro.
― Você o terá quando matá-lo ― fala e eu faço de conta que acredito.
― Não importa quantos estejam no grupo com ele. Lucca é o único que devemos ter cuidado. Sua ligação com o irmão é muito grande e ele não vai deixar o irmão sozinho comigo, ou sem ao menos saber onde o irmão está ― lembrar de Lucca em ação, sua frieza na forma como age é confirmar a arma letal que ele é. E lembrar das palavras de Matteo ao dizer que ele ainda é pior é se arriscar muito.
― E o que sugere, Rebeca? ― Miguel pergunta.
― Eu escrevo para ele dizendo que passarei para buscá-lo onde quer que ele esteja.
― Isso não o impede de achá-lo, Rebeca. Hoje em dia, o sinal de GPS está ativo. Posso te encontrar em qualquer lugar do mundo.
Eu também pensei nisso.
― Não se eu tiver em meu carro um bloqueador de sinal.
― Mas aí eu tampouco saberia onde você está, Rebeca ― Caterina comenta e eu tenho vontade de estapeá-la.
― E para onde eu iria se não fosse para a casa que nós preparamos? Estou aqui há quase dois anos sem nunca ter posto o pé para fora de casa. A única vez que eu saí foi ontem com Don Carlo e mesmo assim tive um soldado ao meu encalço todo o tempo ― Até então eu não menti, somente omiti.
Adriano confirma.
― Sem esse sinal, somente vocês saberiam para onde eu o levei, fiz meu trabalho e ainda terei tempo de sobra para sumir conforme o combinado ― digo olhando para Don Carlo. Mesmo Caterina sendo ouvida, era Don Carlo que eu precisava convencer.
― Acha que Lucca não a seguirá quando você pegar Matteo? ― Miguel pergunta. ― Ambos alugaram um carro.
Isso era óbvio.
― Para isso, vou precisar da sua autorização, Don Carlo, e de você, Adriano. ― Ele não entende e ainda franze o cenho. ― Você tem um Camaro amarelo-canário assim como seu filho, Don Carlo.
― Você não acha que eu emprestaria um carro para você, acha?
― Deixe-a concluir, Carlo ― Caterina pede e eu agradeço a chance mesmo sabendo que ela está mais interessada em saber até aonde quero chegar.
Ela te observa, Rebeca.
"Você é a pintora. Nóssó somos seus financiadores."
Ela observa sua obra com prazer. A questão é por quê?
― Apesar de modelos diferentes, eles têm a mesma cor e mais ou menos o mesmo estilo na traseira. Se eu o pego com o carro de seu filho, Lucca com certeza vai me seguir, e é aí que você entra, Adriano. Nos encontraremos em algum lugar onde eu possa me esconder e você seguir caminho passando por mim.
― Acha que ele cairá nessa? ― Adriano desdenha.
― Se fosse Matteo dirigindo, não. Matteo sabe diferenciar um modelo do outro nas pequenas coisas. Lucca pode amar carros e até ter um pouco de conhecimento, mas não chega a esse nível de detalhe. ― Meu coração batia a mil por hora. ― Eu o pegaria no final da tarde, com tudo claro, quando ainda posso dirigir sem os faróis acesos, e ele não notaria a diferença que há no modelo da lanterna traseira. ― Quando acende, chama mais a atenção.
― E por que o carro do meu filho? ― Don Carlo argumenta como se aquela merda fosse o melhor carro do mundo. ― Nossos carros para os seguranças são todos iguais. E são tão bons quanto.
Você não conhece Matteo como eu conheço.
― Matteo deve ter alugado um carro bom e não vai sair do conforto do carro dele para um carro de menor qualidade ― sem falar que todos os carros que seus homens têm não são de empresas italianas e Matteo é antipático nesse quesito. ― Eu preciso que ele entre no meu carro para eu bloquear o sinal de GPS. Além disso, eu preciso de um carro que o atraia e um esportivo, mesmo que não seja uma Ferrari, sempre o atraiu.
― Você pensou em muitos detalhes, Rebeca ― Caterina comenta e eu chego a me arrepiar de tal comentário. ― Quanto tempo ficou pensando sobre isso?
― Não muito, senhora. Mas não posso negar que a primeira vez que eu saí com Matteo, ele me levou para conhecer sua coleção de carros e seus esportivos eram um sonho. ― A encaro olhando em seus olhos. ― E não é novidade para ninguém minha paixão por carros. Eu e Matteo sempre discutíamos sobre automóveis, divergindo em opiniões a ponto de rirmos como se as montadoras precisassem de nossa ajuda. ― Ela também me encara, sondando no mais íntimo, buscando minha mentira. ― Eu sou a pessoa mais interessada em que tudo dê certo, e com o dinheiro que vou receber vou ser rica, vou passar um tempo em algum lugar bem paradisíaco, desfrutando de uma vida que qualquer ser humano deseja, sem preocupação, sem estresse, sem cobranças. ― E então eu mudei a tática. ― Ou será que nunca esteve em seus planos minha fuga? ― Don Carlo nega.
― Não é o carro que me incomoda, Rebeca, até porque eu posso descontar do montante que te darei para o conserto do carro ou mesmo para a compra de um Camaro novo ― Eu sei, imbecil, por isso não pedi emprestado o seu carro que por sinal é igual ao da sua esposa. ― É o fato de você ficar invisível até para nós.
Não consegue confiar em mim mesmo, né, imbecil? E está certo. Uma cobra, mesmo que alimentada todo tempo, não deixa de querer dar o bote na primeira oportunidade.
Eu sou a cobra.
― Eu pensei que eu tivesse ao menos um pequeno voto de confiança. Mas tudo bem, façamos conforme sua vontade. Só não pense que farei qualquer coisa contra Matteo se Lucca estiver junto ou ao menos próximo. ― Ele não gosta da minha atitude, minha afronta. ― Eu quero viver ― digo agora com a voz levemente embargada, mostrando que eu desejava mais que tudo sair daquela e estava disposta a qualquer coisa.
No fundo eu pouco estava me lixando. Vou morrer mas vou levar gente comigo.
― Ela não é louca, meu bem ― Caterina fala. ― Nós a acharíamos e ela já sabe do que somos capazes. Pedir ajuda a Matteo não é lá uma coisa inteligente a se fazer, afinal, ela já sabe que Andrea Mancini está conosco e Grazi não é uma candura de pessoa ― Grazi? Filha da puta. ― Você morre, Rebeca, da pior forma que uma pessoa poderia suportar ― ameaça.
― Adriano, Miguel, ajeitem tudo para que ela possa sair daqui em no máximo duas horas. Assim que despistarem Lucca, vão até a casa e confirmem que ela fez o trabalho. ― Don Carlo se aproxima de mim ficando a centímetros de distância. ― Ela quer o dinheiro? Ela precisa concluir o trabalho, caso contrário, matem os dois.
Abri meu melhor sorriso.
― Só não esqueçam de levar a minha nova identidade ― eu não sei como falei aquilo depois de tê-lo afrontado, acontece que depois de tanto tempo, nós descobrimos que essa espécie de gente adora se deparar com monstros como ele, de preferência depois de tê-los ensinado.
***
Eu parei diante do hotel que ele estava hospedado e como imaginava, ele me esperava dentro de um Alpha Romeo modelo clássico.
― Te sigo? ― pergunta-me já que eu só fiz abaixar o vidro do meu carro ao encostar ao lado do seu.
― Não! ― Meu coração, que até então batia descompassadamente, agora, encolhia com uma dor inexplicável. ― Eu te levo. Entra!
Ele não questionou. Saiu do carro e entrou no meu do lado do carona.
Eu estava dando as ordens agora e ele havia de obedecer se realmente quisesse falar comigo.
Olho pelo retrovisor e lá está ele – Lucca.
― Eu queria...
― Poupe-me de ouvi-lo enquanto eu estiver dirigindo. Teremos muito tempo para conversarmos. ― Saí dali cantando pneus. Apesar de há muito eu não pegar em um carro, eu adorava aquela sensação.
A velocidade.
O motor silencioso.
Eu só torcia para que um policial não me pegasse, apesar de saber que se Don Carlo quisesse, ele me tiraria daquela.
Na verdade, eu estava disposta a fugir de qualquer um imbecil que tentasse me parar, e para melhorar, nem multa eu tomaria – eu retirei a placa do carro - do meu e do Adriano. E isso chama mais a atenção que a lanterna traseira.
― Eu só queria dizer que estou muito feliz que esteja viva ― o trânsito era um caos naquela hora do dia. ― E que eu não te esqueci.
Prefiro abstrair tudo que ele fala, olhando atentamente as ruas, cronometrando os minutos que eu precisava chegar até Adriano.
― Senti tua falta, Rebeca. ― Cheguei ao ponto de encontro. ― Todos os dias.
Faço a volta e vejo o carro de Adriano guardando uma vaga. Entro e Adriano sai em disparada.
― Não acha que vai fugir de Lucca, acha? ― Ri quando o carro de Lucca passa direto. ― Ele não vai nos incomodar, só é o jeito dele de cuidar de mim.
Ligo o aparelho que bloqueia qualquer sinal de wi-fi, rede, GPS.
― Eu não acho. ― Olho para ele. ― Tenho certeza.
Volto pelo mesmo caminho que vim e então pego a estrada a toda velocidade. E mesmo que eu estivesse ao lado de Matteo, era a primeira vez que eu tinha aquela sensação de liberdade.
Livre.
Abri a janela do carro e deixei o vento entrar mesmo que o barulho incomodasse àquela velocidade. Sim, eu corria a mais de 160 km/h.
Só que em vez de pegar a estrada para a minha casa, eu peguei a outra, do lado inverso, sempre monitorando se não tinha um capanga de Don Carlo me seguindo. Fim de tarde é ruim de dirigir por causa da posição do pôr do sol que atrapalha a visão, contudo até nisso eu pensei quando eu peguei a direção contrária.
Matteo, ao meu lado, parecia tranquilo mesmo depois de pegar o celular e ver que não havia qualquer sinal. Ele era muito autoconfiante e eu gostava disso nele.
Cat, minha amiga. Eu confio em você.
Não é que eu quisesse salvar Matteo. Não é que eu desejasse estar com ele.
Não!
Tudo fazia parte do plano.
Uma das coisas que eu pedi a Cat era que ela alugasse uma casa para mim naquelas redondezas. Eu não podia sair pesquisando aquilo para não ter histórico, mas o pequeno povoado a duas horas de Roma não era um lugar tão difícil de achar. A questão agora era encontrar a casa que ela alugou para mim, e para isso, eu pedi a ela que o dono da casa pintasse a porta da frente de vermelho vivo para eu a reconhecer.
E como era noite, aquilo estava sendo um pouco difícil.
Eu não saberia quanto tempo mais eu levaria para encontrá-la.
Não importa. Eu a acharia.
E foi então que eu vi a imagem da santa Inês, a padroeira das vítimas de violação, a santa que minha amiga era devota, brilhando ao longe, em frente a uma casa simples cuja porta era de cor vermelha.
Eu ainda tinha alguém que se importava comigo. Não que eu tivesse dúvida... Porra, eu tinha. Eu tinha medo que ela, ao ler, temesse pela vida dela.
Parei o carro em frente a santa. Algo bem cafona para se ter na porta de uma casa, mas numa cidade tão devota, aquilo era comum.
Limpei as lágrimas que teimaram em descer, e sem sequer ter dúvida de onde achar a chave da casa, eu me agachei e procurei por baixo do manto a chave escondida – abertura que Cat tinha em sua santa para ter acesso ao interior dela e guardar o dinheiro que ganhava.
― Você não mora aqui ― Matteo fala olhando para mim que tento abrir a porta. ― E pelo jeito nunca esteve aqui antes.
Tateio o interruptor de luz até achá-lo e somente quando acendo a luz, ele entra.
― O que está acontecendo, Rebeca? Por que tudo isso? ― Era tão doce. Era meu Matteo, aquele homem que eu lembro de cuidar de mim no hospital, em casa, desfrutando de momentos nossos na cama antes de eu saber sua verdadeira identidade.
― Porque eu vou matar você, Matteo ― Eu não disse aquilo, disse? Estraguei tudo mesmo?
E com a tranquilidade de alguém que acabou de ouvir uma declaração de amor, ele se aproxima de mim, pega minha mão que treme com aquele contato, beija-a antes de passar por seu rosto.
― Não. Não vai. ― Ele olha em meus olhos, enxuga uma lágrima que cai. ― Nós vamos conversar e depois de fazermos amor, nós vamos pensar em um jeito de sairmos dessa. Eu e você, juntos.
Não, Matteo. Não existe mais nós.
Disso eu tenho certeza.
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