Capítulo 22
Rebeca
― Você entendeu? ― Don Carlo pergunta depois de me explicar por alto o que eu deveria fazer na Sicília. ― Eu não posso te proteger caso você suma, ou seja, você só vai ser a isca para o atrair para cá.
Isso na hora de ir embora para não correr o risco de haver uma retaliação como se Matteo fosse disso.
― Entendi ― eu não sou burra.
― Você vai no lugar da Catarina como minha secretária. Não posso pôr em risco a vida da minha esposa. ― Como se você a amasse! ― Você vai ficar todo tempo no hotel. Nada de sair, de se expor.
Eu não aguento mais viver trancada. Só suportei porque ainda não coloquei meu plano em prática.
― E se ele não for para a reunião? ― Todo esse plano para Matteo sequer se dar o trabalho de se encontrar com o Don.
Se bem que eu não sei o que anda acontecendo. Vai que eles precisam mesmo se encontrar.
― Não importa! O pai não sai sem a companhia de um dos filhos. Geralmente é o irmão quem o acompanha ― o canalha do Lucca. Quem sabe seja mais fácil se fosse ele mesmo. ― Ou seja, Matteo saberá de um jeito ou de outro. A única coisa que eu preciso é que você só se exponha quando eu mandar.
Eu iria vê-lo. Atraí-lo para cá e dar fim nele. E ao acabar com a vida dele, o Don da máfia Siciliana não teria como culpar Don Carlo porque ele não sabe o que eu vivi com Matteo, como se eles fossem burros.
Acontece que a corda sempre arrebenta do lado mais fraco. Eu seria culpada de qualquer jeito, até porque meu ódio por Matteo ainda existe.
Só não sabia se teria coragem de apertar o gatilho.
Ele mantou te matar, Rebeca. Ele e toda a família.
― E se ele me ignorar? ― Ele não conta com essa possibilidade. ― Lembrando que ele me mandaria pra você de qualquer jeito e cá estou eu.
Ele me olha já cansado de tanta indagação.
― Não seja burra, garota! ― Don Carlo me repreende e eu tenho vontade de rir.
Eu, burra? Eu até posso acabar com os Mancini, mas você também vai junto e aí vamos ver quem é a burra.
― Ele vai vir atrás de você nem que seja para perguntar como escapou com vida ― quem sabe? ― E você já sabe o que vai contar.
― Sei, senhor. ― Isso já estava na ponta da língua. Nunca, jamais confirmar que Michelle me achou e me pegou lá. Invasão de território é um problema.
― Espero que não tenha mais perguntas. ― Nego. ― Ótimo. Amanhã partiremos antes do almoço. ― Ele olha para Adriano e Miguel que estavam presentes todo tempo, observando tudo. ― Eu não posso levar muita gente. Seria uma afronta chegar no território deles com um grupo grande de seguranças, principalmente depois de pedir uma reunião amigável para tratar de coisas de nosso interesse.
― O que o senhor precisar, Don. Estamos aqui para servi-lo.
― Leve só mais um para ficar cuidando de Rebeca. Não que ela seja burra e saia do quarto do hotel, mesmo assim, temos a esposa do alucinado que é uma incógnita. ― Estamos falando da megera da Graziella. ― Não sei como ela reagirá ao saber que Rebeca vive.
― Claro, senhor. Escolherei um soldado que fará a segurança dela enquanto eu e Adriano faremos pessoalmente a sua. ― Miguel responde e Don Carlo assente.
― Vamos ver a reação do filho da puta quando descobrir que está viva, Rebeca ― ele toca em meu queixo. ― Vamos ver o quanto ele sente saudade dessa sua boceta.
Não aposto minhas fichas nisso. Mas uma coisa era certa, ele viria me procurar nem que fosse para perguntar como eu escapei, e então eu o pegaria.
***
Era tarde.
Tínhamos feito amor um tanto selvagem. Na verdade, eu comecei a atiçá-lo ainda do escritório, insinuando, jogando charme.
Eu precisava dele. Eu precisava que ele me ajudasse.
― Eu preciso vê-la. ― Era meu pedido, minha única chance, minha esperança.
Cat.
― Não vou me arriscar, Rebeca.
― Risco? Isso não é nada perto do que fizemos aqui! ― Alego e ele para, respira fundo. ― Eu só quero dar um abraço na Cat, dizer que estou viva, bem-cuidada, trabalhando. Eu só preciso de alguns poucos minutos, por favor.
Ele nega.
Era arriscado, verdade. Eu estava proibida de me encontrar com alguém, conversar ou mesmo me expor, o que dirá falar com minha única amiga.
― Eu não sei como posso fazer isso. ― Retruca. ― Você estará no mesmo quarto que o Don, e como acha que ele vai reagir ao se deparar com uma amiga sua trocando confidências? Você morre e ela também, e a última coisa que eu quero é te machucar.
― Você teria coragem? ― Claro que sim, idiota. Ambos sabemos que nos usamos e até nos gostamos, mas diante de uma ordem, quem de nós não cumpriria.
Ele abre um sorriso de lado.
― Não. Por isso eu não posso vacilar, Rebeca. Parece que você não deseja mais fugir comigo.
Toco em seu rosto lindo, barbeado, com os cabelos desalinhados, tão diferente do homem compenetrado que protege o Don.
― Eu quero sim. Muito. ― Beijo seus lábios. ― Mas antes de dizer não, eu bolei um plano e queria que você me ouvisse.
― Não tem plano, Rebeca! Você não ficará sozinha. Se ao menos o chefe me mandasse ficar na sua segurança.
― Me ouça, primeiro! ― Peço segurando seu rosto e ele solta um longo suspiro. ― Minha amiga gosta de dinheiro, e mesmo que ela não faça mais programas, ela abre uma exceção dependendo do valor a ser pago.
Ele se levanta, pega a calça e começa a vesti-la todo tempo negando.
― E você quer que eu a contrate como parte desse plano louco? ― ri como se aquilo fosse uma loucura.
E era. Olhando de um ângulo acima, aquilo era uma doideira sem precedentes.
― Preste a atenção. Você vai ligar para ela, vai dizer que quer uma hora com a melhor Drag queen do estado, mas para isso, ela precisa vir fantasiada de camareira.
Ele solta uma gargalhada.
― Isso é ridículo ― diz ainda com o rosto que era um sorriso só.
Sorte é que é bem tarde e que meu quarto é do outro lado da mansão cujo acesso é limitado.
― Não, não é. Eu a conheço para saber que ela vai aceitar porque ela adora um desafio, interpretar um papel qualquer em seus sonhos de ser atriz. ― Ele nega mais uma vez. ― E na recepção você vai permitir a entrada dela pedindo sigilo, afinal, não é qualquer homem que pede um serviço desse num hotel de luxo da cidade.
Eu só não sabia se realmente ela aceitaria. Ela precisava aceitar.
― Você deve estar louca!
― E eu prometo que não levarei mais de dez... ― ele nega mais uma vez ― cinco minutos com ela.
― Esqueceu que você terá um segurança à sua porta.
― Don Carlo mandou eu não me expor e não passar fome. Eu não vou almoçar com vocês, então eu acho que durante o almoço dele com sei lá quem, eu tenha direito de pedir nem que seja um bruschetta.
Sua forma de me olhar mostrava que ele estava pensando na possibilidade.
― Por isso ela vai entrar de camareira com um carrinho, uma bandeja. Peça discrição tanto para ela como para o hotel que eles farão sem problema.
― Não sei, Rebeca. Temo por você.
― Não tema por mim. Eu preciso dizer à única pessoa que realmente gostava de mim que eu estou viva. ― Faço todo um drama. ― Eu te contei que ela ia assumir o meu filho como pai. Consegue entender o tamanho da nossa amizade? ― ele assente.
Ele veste a camisa pronto para sair.
― Não vou lhe garantir nada, Rebeca ― e me beija deixando meu quarto.
***
Fazia frio quando chegamos em Palermo.
De óculos escuros, gorro, sobretudo, luvas, era difícil me reconhecer coberta como estava, e como eu vim de avião particular saindo de Roma, sequer precisei mostrar meus documentos na saída do aeroporto. Nós tínhamos ciência que pessoas do grupo rival monitoravam nossos passos.
Chegamos ao hotel, e tampouco fizemos o check-in. Miguel foi quem se apresentou ao balcão munido do documento do chefe e fez tudo sem precisar que chegássemos perto. E como eu não passava de uma acompanhante sexual, sequer valia a pena ter nos registros de entrada do hotel mesmo que eu tivesse vestida muito formal.
Não dormiríamos no hotel. Deveríamos partir depois do jantar, entretanto Don Carlo reservou um quarto para eu ficar, deixando bem claro que aquele custo era meu, e que eu deveria pagar com alguma coisa que preste. Só que ele usufruiu do mesmo ao entrar, tomar um banho, me usar alegando estar excitado com o fato de comer a mulher do cara que ele vai foder em breve. Ele queria ter como irritar Matteo com se Matteo ainda me quisesse, me desejasse.
E ele me bateu enquanto me tomava. Foi agressivo, chamando-me de todos os nomes possíveis enquanto me fodia, e até apertou meu pescoço num prazer que o levou ao orgasmos depois de muito tempo ao me asfixiar como se eu fosse adepta daquele fetiche doentio.
Havia um sorriso diabólico na forma como me olhava através do espelho.
E eu o odiava cada vez mais.
Ele saiu conforme combinado para uma reunião e eu fui tomar um banho, desesperada para tirar de mim o cheiro dele que impregnava minha pele.
Foi então que eu entendi: ele queria me apresentar como sua piranha só que em imagens – Meu pescoço estava roxo das marcas de seus dedos.
― Serviço de quarto ― meu coração pula de alegria ao ouvir a voz dela.
Ele conseguiu.
Abro a porta do quarto tentando esconder meu rosto, olho para o segurança que está entretido como o celular, e quando me viro para ela, precisei tapar sua boca para ela não gritar.
― Não grite, não fale, não reaja. Tenho no máximo cinco minutos para falar com você e preciso de sua total atenção ― ainda atordoada como se tivesse visto fantasma, ela confirma e eu tiro a mão da boca dela.
― Vaca, piranha, cadela ― praticamente sussurra e então me abraça e começa a saltar sem fazer muito barulho. ― Eu pensei que você estivesse morta ― e começa a chorar.
― Pelo amor de Deus, Cat. Não chore, não agora. ― Ela enxuga os olhos cuidando para não tirar os cílios estravagantes. ― Eu deveria estar morta. Aquele filho da puta do Michelle me achou e me levou, e eu precisei me submeter as piores atrocidades para estar viva, sem poder ter contato com ninguém.
Ela toca em meu pescoço onde estão as marcas e não comenta.
― E o bebê? Nosso bebê? ― Eu queria dizer que havia superado, mas aquilo era uma ferida nada cicatrizada dentro de mim. Eu sentia dores, eu acordava ouvindo gritos e quase sempre uma angustia me dominava quando nada estava errado, ou melhor, diferente do que sempre foi.
Somente nego.
― Sinto muito ― me abraça, e queria muito ter tido esse abraço quando o perdi.
Eu nunca o vi.
― Tudo bem. ― Puxo para sentar com ela na cama. ― Preste atenção, amiga, eu sei que eu sumi, pega por aquele energúmeno e ainda presa. Percebeu que há um homem aí na porta.
― Eu vi. Quem é ele?
― Um soldado do Don da Casamonica. ― Ela põe a mão na boca. ― Sim, caí nas garras do Don ― evito dizer que Michelle já era. ― Mas agora preste a atenção porque se você demorar, ele vai vir aqui e eles não perguntam antes de atirar, e como eu não tenho autorização de falar com ninguém, já viu, né?!
Ela assente, amedrontada.
Pego um envelope que eu escondi dentro da minha mala. Infelizmente não é muito, mas é uma série de provas que já dá para fazer um pequeno estrago
― Aqui dentro tem um pen-drive com um arquivo chamado "Guia culinário" ― Ela nega sem entender e eu seguro sua mão acalmando-a.
― Rebeca...
― Nesse arquivo há um passo a passo do que você tem que fazer. ― Entrego as provas físicas originais depois de ter tirado xerox e colocados no cofre no lugar delas. Sim, eu fiz um estudo bem detalhado. A maioria eu escanei, claro, mas alguns dos documentos eu retive o original. Eram provas incontestáveis para serem somente enviadas uma cópia ou um documento digitalizado. ― Cada grupo desses tem um bilhete ― mostro para ela o postite ― com o nome do lugar para onde esses documentos precisam ser enviados.
― O que é isso, Rebeca? ― Ela tinha medo até de pegar.
― Provas. Provas de suborno, assassinatos, e tudo mais que você sequer pode imaginar.
Ela nega.
― Você pode morrer. ― Ela tenta rejeitar aquele documento.
― Cat, preste atenção. Eu queria dizer que você não corre risco, e quem sabe eu esteja sendo bem filha da puta ao te colocar nessa, mas eu estou presa há mais de um ano sem direito a sequer sair de dentro de uma casa, me submetendo a todos os fetiches nojentos de um homem asqueroso que... ― solto um suspiro quando ela aperta a minha mão. ― Preciso foder esse cara. Preciso destruir todos esses filhos da puta que só me... ― Eu não tenho palavras para descrever tudo que eu sinto.
― Eu entendo, amiga.
― Não, você nunca entenderia. Se eu tivesse a oportunidade de te contar o que eu tenho vivido esse último ano, você poderia ter um vislumbre da minha angústia.
Ela me olha nos olhos e assente, pegando os documentos.
― Só uma pergunta: e Matteo?
― Também há algumas provas aí contra a família dele.
― Eu não sei se você sabe, mas ele sofreu com sua morte ― nego. ― Rebeca, eu o vi parado onde supostamente você morreu, e sua cara era de alguém arrasado.
Nego mais convicta.
― Não, Cat. Antes de eu ser pega por Michelle, ele me prendeu para me entregar para Don Carlo ― ela franze o cenho mostrando que não estava entendendo nada. ― Creia, essa família não presta.
― Eu sei, mas... ele não parecia alguém que...
― Cat, por favor, não temos tempo. Você precisa cair fora, mas antes, guarde isso bem guardado. E a propósito, faça isso de um jeito que ninguém chegue a você. ― Ela assente. ― Procure um cara fera em informática que não deixe vestígios.
― Não tem medo de te culparem? Sabe que a possibilidade de isso acontecer é grande, e só Deus sabe o que eles são capazes de fazer.
Não. Eu não tenho mais medo de morrer.
― Se vou morrer, que ao menos seja levando um monte de gente comigo. ― Ela olha para os documentos. ― Posso confiar em você?
Ela assente e me abraça.
― Agora que eu te vi viva ― eu me acomodo em seu peito, feliz em saber que alguém me amava. ― Eu tenho tanta coisa pra falar, pra te contar.
Coloco minhas mãos em seu rosto, silenciando-a.
― Cada segundo que eu vivi em sua casa foram os mais felizes da minha vida. Você foi a melhor coisa que me aconteceu, Cat, e sua amizade é uma das minhas maiores riquezas. Eu daria tudo para passar a tarde, a noite, a madrugada e quem sabe o resto da semana só te ouvindo, mas eu preciso que vá. ― Ela enxuga as lágrimas. ― Não se preocupe com seu juiz. Não há nada que o possa prejudicar aí ― mesmo sabendo que havia uma lista de magistrados que fazem parte da cúpula da canalhice, escondendo provas, alterando testemunhos, subornando, ameaçando.
E eu pensando que só no Brasil tinha gente tão ruim.
Abro a tampa do prato, pego uma bruschetta para parecer que estava mesmo comendo, abro a porta do quarto e depois de entregar para ela uma nota enrolada como gorjeta, ela me deixa.
O segurança me observa e eu só mostro a torrada dando uma mordida logo em seguida.
Agora era pedir a Deus que tudo desse certo.
***
Meu cabelo estava liso depois que eu o escovei – sem cachos ou mesmo uma pequena ondulação. Isso sem falar das mechas douradas que dona Catarina exigiu que eu colocasse para chamar a atenção e sobressair meu rosto, deixando-o mais maduro.
A roupa seria decente se ao menos eu tivesse uma camiseta por baixo do terninho superdecotado. Mas eu precisava chamar a atenção e aquilo era fundamental.
Ele queria me apresentar como a secretária-puta que ele tinha através da minha imagem.
A saia era curta, mas não tão curta para não parecer ainda mais vulgar, e os sapatos altos fechavam o figurino.
Se o jantar não fosse aqui, não sei como suportaria o frio.
"Elegância, Rebeca, é a chave."
Eu o vi de longe ao lado da esposa que conversava toda sorridente.
Meu coração acelerou somente com a sua imagem.
E meu desejo de correr para bem longe, ou quem sabe para cima dele xingando-o por tudo que tinha me acontecido aconteceu quando ele me viu.
Respirei fundo e como quem anda em uma passarela, eu me aproximei, chamando a atenção de todos à mesa.
― Boa noite ― ao menos minha voz não medenunciou.
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