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Capítulo 21

Matteo

―Você não fez isso! ― papai exclama em seu escritório assim que eu terminei de relatar meus últimos feitos.

Pense em um estresse por causa do restaurante? E pense em minha felicidade quando o vi sendo destruído para a colocação dos alicerces para a fundação do futuro Centro Comercial Lorenzo Macinni.

E agora eu quebrava mais uma regra.

― O plano de Andrea de usar nossa empresa de logística para trazer cocaína era tão absurda e tão cheia de falhas que eu ignorei e neguei o pedido. ― Eu só não preciso contar que todos os executivos à frente das nossas várias empresas estão cientes que tudo que meu pai ou Andrea pedir, tem que passar pela minha aprovação.

― Você não tem esse direito, Matteo. Você está à frente da holding para acelerar, facilitar nosso trabalho e não ficar prejudicando.

― Exatamente. Só que sem arriscar nosso negócio. ― Eu já tinha tomado a decisão de ser uma pedra no sapato de Andrea, e para fazer isso, teria que usar dos termos legais e não como eu desejava – meter uma bala no meio da testa do filho da puta, claro que fazendo de um jeito que não prejudique nossa organização

― Que risco tínhamos? ― Sério que ele estava me perguntando aquilo?

― Usar nossos contêineres, parar no porto de Tauro onde a fiscalização sai do nosso controle e vir de caminhão até a Sicília cruzando de norte a sul a Itália, inclusive Calábria cujo Fernandes nos odeia principalmente depois de eu ter matado seu tio. Isso não é arriscado? Realmente eu não sei mais o que é arriscado no dicionário de vocês ― meu tio perdeu a noção e papai parece um idiota que abaixa a cabeça para tudo.

Por isso fui cínico.

― Você sabia que nós já tínhamos tudo esquematizado, e que a droga viria muito bem acomodada em equipamentos.

É muito falta de noção mesmo.

― Há muito que estamos sendo visados, papai. Estamos sendo investigados pela polícia internacional e qualquer vacilo nós podemos perder tudo ― meias verdades afinal, tudo é um pouco exagerado.

― Você pode perder seu lugar na empresa, Matteo ― aquilo era uma ameaça? Do meu pai!

Sorri.

― Eu não sei como posso perder meu posto. Aliás, só lembrando, eu tenho 26% das ações da empresa, meu irmão tem mais 25% totalizando 51%. Por causa desse pequeno detalhe ― ironizo ― somos a maioria, e eu não acredito que ele vai tirar seu apoio de mim.

Ele solta um longo suspiro.

― Você está indo de contra a seu pai, o Don da Cosa Nostra. ― E agora apela para a autoridade suprema.

― Verdade. ― Vamos para a mais pura honestidade. ― Desde que o Don perdeu a coragem de enfrentar um babaca como Andrea e aceita tudo que ele diz mesmo sendo algo que vai de contra a maioria, ou mesmo prejudica nosso perfeito andamento dos negócios?! Sim.

Papai chega a inchar de raiva.

― Olha bem, Matteo, eu ainda sou seu pai e exijo respeito ― diz com dedo em riste, apontando bem diante dos meus olhos.

― Me castigue. Leve-me para um dos seus esconderijos e mandem me torturar ― ameacei cansado daquela conversa. — Só falta exigir isso porque está difícil.

Foi quando ele percebeu que fez uma grande tolice.

― Sabe que eu jamais faria isso a um filho meu. ― Eu sabia.

Eu sabia que o fato de ser seu filho me colocaria em uma situação um tanto confortável. E o que mais incomoda é que ele sabe que eu estou com a razão.

― Por que não me passa a direção da máfia, papai? Não percebe que para se livrar desse inferno, só saindo e me entregando. ― Ele me olha e baixa a cabeça, negando. ― Não consegue, né? O negócio saiu completamente do controle de suas mãos.

Ele sequer fala alguma coisa.

― Esse é o problema de ceder a uma chantagem. O chantagista sempre aumenta o seu preço e o chantageado sempre arranja um jeito de pagar.

― Estou protegendo a nossa família ― alega algo absurdo.

― Não! Eu estou protegendo nossa família. O nome da nossa família. O senhor só está protegendo a sua pessoa, quiçá o de minha mãe ― isso em partes. Lucca acredita que em uma eventual denúncia, minha mãe pode ser inocentada se meu pai assumisse todo o erro. Mamãe foi somente uma vítima ao ser usada por papai, coisa que sabemos que não.

Mama entra no escritório já arrumada e nos informa que alguns convidados estão chegando. Hoje é o aniversário de papai e ela resolveu fazer um coquetel para alguns poucos amigos e associados mesmo que o clima não fosse para festas. Acho que por isso papai permitiu.  Usar aquela data em um ameaça velada e mostrar quem ainda estava no controle já que algumas pessoas começaram a se mostrar reticente com algumas atitudes da cúpula – ou melhor, do papai e Andrea.

Pessoas estavam sendo silenciadas; drogas, armas e outras coisas ilícitas estavam chegando à nossa área fora do nosso controle; lugares que antes nós tínhamos sob nossas ordens estavam sendo um tanto negligenciadas e se rebelando a ponto de usarmos de subterfúgios que há muito não usávamos; e até antigos e fiéis colaboradores estavam começando a negar nossas recomendações alegando impedimento ou mesmo que não tinham mais o que fazer.

Tudo estava muito estranho.

Estávamos perdendo forças.

― Por favor, Matteo, não entre em conflito com seu tio. ― Aquilo era quase impossível. Eu e Andrea juntos em um mesmo ambiente estava sendo cada dia mais difícil de suportar.

Saímos do escritório em direção ao salão principal sem qualquer resposta minha.

― Meu amor ― Graziella se aproxima e enrosca seu braço ao meu fingindo uma união que não existe. A maioria que estava ali sabia que nosso casamento era uma grande fachada.

Mesmo assim a acompanho evitando mais burburinhos.

A festa ainda estava começando. Pessoas do nosso convívio já circulavam por todo o ambiente. Eu preferia me manter ao longe, observando tudo. Somente quando um se aproximava é que eu conversava.

Foi quando ouvi minha mãe cair na gargalhada chamando a minha atenção.

― Gina, que penteado é esse no Filipo! ― meu filho aparece nos braços da babá e somente sua presença me tranquiliza mesmo que seja uma criança tão frágil.

Filipo, desde a queimadura, sempre volta para o hospital. Sua saúde só tem deteriorado. Exames e mais exames mostram problemas ora no sangue, ora no intestino, ora no fígado e eu nunca peguei alguém prejudicando-o. As câmeras instaladas no quarto do Filipo só mostram o quanto Gina e a outra enfermeira cuidam do meu filho, e mesmo assim, meu filho só adoece.

Até Graziella passou a ser mais cuidadosa com o filho e menos fútil, entretanto, Filipo só perde peso e não se desenvolve tanto quanto deveria. Ele já está com mais de nove meses e não engatinha, sequer fala papai ou mamãe. O único som que sai de sua boca é o choro o que faz muito. O pediatra o encaminhou a um neuro e já estão avaliando a possibilidade de um atraso no desenvolvimento mental.

― Filho, já viu o cabelo de Filipo? ― Mama chega com ele no colo e eu não posso deixar de rir ao vê-lo.

Amo meu filho e me arraso em vê-lo tão magro, tão doente. Tenho feito de tudo para acompanhá-lo aos médicos só que nem sempre eu consigo.

― Vem para o papai ― e estendo meus braços pegando-o de minha mãe, acalentando-o.

Como eu o amo.

― O que esse menino está fazendo aqui, Gina? ― Graziela pergunta irritada pela presença do filho no aniversário do avô. ― E que porra de cabelo é esse?

Gina, constrangida, estende seus braços para pegar meu filho e eu nego.

― Pode deixá-lo aqui um pouco, Gina. ― digo e quero ver Graziela passar por cima da minha ordem. ― E ele está lindo.

Meu filho nasceu com uma vasta cabeleira. Caiu tudo deixando-o praticamente careca e agora voltou a crescer um tanto rebelde.

― Desculpa, senhora. ― Gina ainda se desculpa com essa desalmada de mãe. ― E o cabelo dele está crescendo e cacheando. Não sei mais o que faço com tantos cachinhos.

Cachinhos? Foi então que eu notei que Filipo realmente tem o cabelo totalmente diferente do meu e da mãe, o que eu imaginei ser algo bem típico de bebê. Eles mudam muito à medida que cresce, ficando parecido com alguém da família. Acontece que Filipo tinha herdado um cabelo que ninguém da nossa família tem.

Cachos?

― Ele está lindo demais ― mama brinca com ele. ― Cada vez mais parecido com Matteo quando era dessa idade, sem esses cachinhos, não é amor ― e fala com a voz infantilizada tentando tirar um sorriso do meu filho, coisa que é rara de acontecer.

― Mas ele não pode ter contato com outras pessoas. Recentemente teve uma bronquite, esqueceu?!

― Um pouquinho só não tem problema, Graziela. ― e ele encosta sua cabecinha em meu ombro.

― Meu amor, deixe-me levá-lo para o vovô. Quero aproveitar e tirar uma foto com ele e Giancarlo ― mama toma mais uma vez de mim e eu deixo.

Por causa da série de doenças, Filipo fica muito tempo no quarto e mama tem evitado entrar e sair por conta de sua saúde tão debilitada.

Papai recebe meu filho nos braços e o beija com carinho, tira foto com ele nos braços e mamãe ao seu lado.

Andrea, junto a Paola, observa meus pais e sua expressão de desgosto me chama a atenção.

E mais um movimento estranho, perturbador e aparentemente involuntário..., lembrando-me algo dos vários arquivos que eu li:

"Doença de Huntington se inicia com abalos ou espasmos ocasionais, e depois evolui para movimentos involuntários mais pronunciados. O gene da doença de Huntigton é dominante, ou seja, se um dos pais tem a doença, o filho tem 50% de desenvolvê-la."

Não!

Se ele tem, Graziela pode ter, e como é uma doença que os sintomas geralmente aparecem entre os 30 e 55 anos, ela não desenvolveu... isso não quer dizer que não possa aparecer enquanto criança.

Filipo!

Calma, Matteo. Pense.

"Recomendo um neuropediatra para fazer uma avaliação."

Observo meu filho com mama que o leva para Paola e ela olha o neto com tanto desdém que me incomoda. E então eu começo a buscar na memória quando a vi com ele nos braços? Nem quando ele nasceu ela quis pegá-lo alegando ter medo de pegar um recém-nascido.

E agora?

Meu filho pode ter uma doença degenerativa.

Paola toca na cabeça do meu filho como se ele fosse um cachorrinho, vira as costas e deixa mamãe junto de Andrea que o despreza completamente. Até quando minha mãe tenta fazer meu filho ir para os braços do avô, ele se afasta como se meu filho fosse um leproso.

Ódio.

Aquele bebê é neto dele. A nojenta da filha dele provou com o DNA que o filho é meu, e mesmo sem DNA, não dá para negar minha paternidade, mesmo assim ele o despreza.

DNA.

Meu tio se afasta do meu filho, pega uma taça de vinho, conversa com alguns até chegar próximo à janela ficando lá sozinho.

Pense, Matteo.

Aproximo do imbecil.

― Eu não sei se o senhor entendeu, mas eu precisei mesmo barrar a vinda da encomenda ― tentei ser amigável. ― Era muito arriscado.

Meu tio me ignora e continua a degustar do vinho.

― Claro que eu estou a negociar com os fornecedores um jeito melhor e mais seguro para todos nós.

Mais um gole e eu me delicio do seu desdém.

Deguste.

― Não foi pessoal, tio Andrea. ― Teve um quê de pessoal sim. ― Então, sem ressentimentos. Eu tanto quanto o senhor só pensamos no crescimento de nossa organização.

Foi quando do garçom passou e ele colocou a taça na bandeja e eu a peguei de volta dispensando o garçom e meu tio fica sem entender quando eu levanto o copo.

― Há algumas doenças que nós conseguimos descobrir com um estudo aprofundado da saliva, substância que está impregnada na borda dessa taça.

Ele chega a inflar o nariz de raiva.

― Já pensou que aquilo que vovô pensou realmente não era verdade?

― Olha bem, seu moleque...!

― Olha bem, você! Se pensa que sua doença vai nos prejudicar, sinto lhe dizer que antes de isso acontecer, eu já te destituí do cargo...

O tapa que ele deu na minha mão fez a taça voar longe, chamando a atenção de todos.

― Eu tenho te aguentado esses anos todos por causa da minha filha, moleque, mas ela que me perdoe... eu cansei.

— Cansou? — abro um sorriso de lado. — Cansou do seu sobrinho, do CEO da empresa que te sustenta ou do pai do seu único neto que você despreza tanto? — Mostrei a minha indignação e o encarei.

Raiva.

— Aquele fedelho nunca será meu neto — naquele instante, eu precisei de todo meu controle para não o matar ali.

E sai a passos firmes, atropelando algumas pessoas, dando-me a certeza da sua enfermidade e do seu ódio por mim e por meu filho.

Você já era, titio.

— Meu amor, nem no dia do aniversário do tio Giancarlo você poupa meu pai.

— Seu pai é um escroto, Graziela. — Respondo. — pouco me importo como ele me trata, mas não posso suportar a forma como trata meu filho. Você é a mãe dele mesmo? — Aquela pergunta foi irônica, sem sentido, mas mais sem sentido foi a forma como Graziela reagiu.

Parecia perdida em uma pergunta ilógica.

— Você é um idiota — e me deixa, imitando os passos do pai.

Que porra foi aquilo?!

Eu devo estar mesmo imaginando coisas sem sentido.

— Vai me fazer raiva também? — Lucca brinca ao se aproximar.  — Pai, sogro e esposa em uma tarde que só está começando?

Era uma ironia. Não tem sentido.
Ou tem?

— Lucca, eu sei que você confirmou o dia do nascimento de Filipo. — Ele estranha meu comentário. — Investigue mais a fundo.

Ele estranha mais ainda

— Eu sei que é um pedido inusitado, mas depois  de saber que Rebeca morreu grávida de mim, Graziela teve um filho meu quando eu sequer lembro de ter algum dia transado com ela — porque até hoje eu nunca a procurei, inclusive dormimos em quartos separados — vai que eu engravidei outra mulher.

— Você está louco, Matteo! Voltou a imaginar coisas?

— Deixa pra lá. Melhor eu fazer outro exame de DNA em um laboratório aqui.

— Matteo!

— Aliás, farei um exame completo de mãe e filho, tirando todas as minhas dúvidas.

Era o melhor a se fazer.





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