Capítulo 20
Rebeca
Eu me odeio.
Eu me odeio principalmente nessas horas.
Tenho o caralho dele na minha boca e o que me impede de arrancar e cuspir o toco do pênis que ele tem? Minha covardia.
Gemo como se eu estivesse sentindo prazer quando na verdade estou enojada. O arrepio vem das entranhas.
Nojo e raiva.
O celular toca e ele, mesmo sentado em sua cadeira como um rei, tendo a mim entre suas pernas, tateia em busca.
AM é o nome que tem no visor e eu não sei se agradeço ou se amaldiçoou, porque o negócio está tão ruim de subir que o desconcentrar depois desse esforço hercúleo é fatal. Fatal pra mim, porque o pau está morto há tempos.
— Diga! Estou ocupado agora — e me obriga a continuar ao empurrar minha cabeça contra ele.
Argh!
— O QUÊ? — e se levanta derrubando-me no chão. — Como você permitiu?
Ele levanta as calças arreadas e eu me encolho sem saber o que fazer. Quando ele está assim, com esse ódio insano, bufando que nem um touro raivoso, todo cuidado é pouco. Já apanhei somente por estar na passagem.
— Eu já estou de saco cheio desse filho da puta. — Algo muito sério estava acontecendo. — Já deveríamos ter o eliminado.
Eu não tenho a menor ideia o que essa criatura fez - o filho da puta - mas por ter me tirado dessa situação asquerosa, torço para que ele fuja e sobreviva.
— Chega! Eu deixei tudo por sua conta, mas já deu. Sua filha que me perdoe, mas não tem condições.
Eu deveria sair dali porque pode sobrar para mim, entretanto, estou curiosa por mais informação.
"O inimigo do meu inimigo é meu amigo" já dizia o ditado.
― São anos esperando por esse momento. ― Que momento?
Eu daria tudo para ouvir a outra pessoa, esse tal de AM, o que não é possível, infelizmente.
Don Carlo caminha de um lado para o outro negando, irritado. Algo não estava saindo como ele planejava.
― Porra, caralho! Juro que estou cansado. ― Eu também estou, velho nojento. ― É a última vez. Se livra desse enfado.
Foi então que ele parou e me encarou.
— Eu tenho um trunfo nas mãos, e esse não tem como nos atingir. — Eu deveria ter saído porque era certeza que sobraria para mim.
Levanto-me para sair já que a minha presença foi notada e ele manda eu continuar sentada no chão esperando por ele.
― Sua última chance. Eu até gosto de sua filha, mas tudo tem limites — e desliga o telefone subitamente.
Quem é essa filha que ele gosta? Deve ser uma cobra da pior espécie a ponto de ser querida por esse monstro.
Ele caminha em minha direção e me puxa pelo cabelo, obrigando a me levantar.
― Vamos ser útil em alguma coisa? ― Está me perguntando sobre minha utilidade?
E como uma idiota, otária, respondo:
― Claro, senhor. ― Me deixa sair por uns dias somente. Só isso preciso disso para pôr tudo em prática.
Destruir você e muito mais... A merda vai ser jogada no ventilador. Claro que eu gostaria de sair dessa com vida, mas se tiver que me foder, ao menos levo um monte de gente comigo.
― Em breve você vai ser acionada. Prepare-se! ― e me empurra, dispensando-me.
Saio do escritório, deparando-me com Adriano e Miguel do lado de fora prontos para agirem no mínimo movimento.
― Tudo bem, gata? ― Miguel me pergunta e eu tenho vontade de gritar, perguntando se há como ficar bem diante da merda da minha situação, depois de chupar o pau de um cara nojento, asqueroso, e ainda ser tratada como lixo.
― Ela eu não sei, mas o chefe deve estar bem mansinho, não é, linda? ― mostro o dedo médio para Adriano que cai na gargalhada.
― Tomar no cu, Adriano ― A gargalhada soou mais alta ainda.
― Qualquer dia desses eu vou te colocar para lutar com ela e vou adorar vê-la quebrar sua cara, Adriano ― Miguel brinca tentando amenizar o clima. ― E de preferência quando ela estiver assim, nesse bom humor de hoje.
― Os dois vão se foder ― e saio dali deixando os dois rindo enquanto eu estou fervendo de raiva.
***
Estava tudo muito estranho.
Don Carlo não queria sequer me olhar na cara desde o telefonema. Seu horror a mim era evidente como se eu fosse a causa do seu estresse.
Fui levada a uma espécie de chácara nos arredores da cidade e minha obrigação era pôr um toque de pobreza e cafonice igual a que eu tinha na Sicília – palavras ditas por Caterina ao entrar naquele ambiente comigo.
Eu odeio essa família. Eu odeio todos. Lamentavelmente eu não conseguiria atingir Caterina como eu esperava. Com certeza a mídia cairia em cima de toda a família, mas a justiça não a atingiria. Caterina era somente a esposa exemplo de um mafioso assassino, chantagista, corrupto, traficante de armas e drogas. Os Mancini pela mesma forma. Isso sem falar das várias famílias abastadas da sociedade italiana que tinham o rabo preso com esses dois grupos.
Sim, eu filtrei cada informação. Fiz um dossiê com suas respectivas provas e as guardei em envelopes separados. A mídia as receberia – toda ela – até porque muitas delas deviam alguma coisa a esses canalhas.
E por último, de forma digital, a polícia internacional. E sabendo que eles agiriam com cautela, eu precisava mandar com antecedência. Acontece que eu não tinha permissão de sair de casa, e a internet do meu chefe era toda monitorada.
Ele monitorava os uploads e os downloads, por isso eu baixava receitas. Queria cansar quem quer que olhasse o que eu fazia para quando houvesse necessidade, pudesse passar em branco.
Só que a quantidade de informações que eu tinha era muita.
Olho para a casinha bem maior que a que eu tinha na Sicília e até mais agradável se não fosse o frio congelante. O mão-de-vaca mandou instalar um aquecedor simples além da lareira. Matteo, se caísse na armadilha, viria me ver e não poderia desconfiar que aquilo era uma farsa. Até as panelas que tinham na minha despensa foram compradas usadas, de alguém que já morava ali algum tempo assim como os poucos móveis.
― Terminou, Rebeca? ― um dos soldados de Don Carlo, que tem me acompanhado na arrumação da casa, pergunta-me. ― Precisamos voltar.
Assinto e entro no carro com vidros escuros, escondida como uma criminosa.
***
― Você pode ficar com essa, se couber, lógico. E essa ― dona Caterina me entrega algumas roupas de seu enorme closet. ― Acho que essa vai ficar bonita em você também ― e me mostra um vestido longo belíssimo, justo e amarelo. ― Comprei e nunca usei, acredita? Ele é perfeito, mas não me destacou.
Pego porque preciso, contudo o jeito como ela me entrega é tão forçado. Tudo bem que ela nunca me deu porcaria ou roupa sequer gasta. Esse vestido amarelo ainda tem a etiqueta.
― Obrigada, senhora ― Admiro o tecido macio, de excelente qualidade. ― Ele é tão lindo, só não sei quando terei a chance de usá-lo.
Para ficar dentro de casa? Presa nessa jaula luxuosa.
― Você vai usar muito em breve, Rebeca. ― Ela sai do closet deixando-me sem entender e para diante de uma fotografia dos filhos dela e sorri saudosa.
Era a única hora que eu via o coração dessa megera. Quando os filhos estão aqui ela é supercarinhosa, extremamente atenciosa.
― Deve ser difícil passar tanto tempo longe deles ― comento e ela somente assente.
― Nem fale. Mas eu prefiro que estejam longe daqui. ― Observo a foto que ela tem nas mãos e vejo o quanto o filho mais velho é a versão jovem do pai e o mais novo não tem nada.
― Seus filhos são maravilhosos ― não menti. Adoro os meninos dela, principalmente o caçula que é um doce de criança. Nem parece que tem os pais que têm. ― E seu mais velho parece tanto com o seu esposo ― e mostro a única foto de Don Carlo sorrindo de forma genuína – a foto da senha.
Ela pega a foto de Don Carlo sorrindo e faz cara de desprezo causando-me surpresa.
― Essa foto foi quando ele a conheceu? ― Jogo verde sabendo que aquilo era impossível. ― É tão raro vê-lo sorrindo.
A risada dela chega a soar totalmente sem graça.
― Nada. ― Ela olha para mim como se me sondasse. ― Essa foto foi tirada quando ele ingressou na máfia.
― Ahhhhh ― como se eu não soubesse.
― A senhora o conheceu muito tempo depois? ― Dada a diferença de idade entre ambos – vinte anos – ela era um bebê quando ele entrou na máfia.
Ela me encara e parece que tenta descobrir o que eu estou pensando.
― Não. ― Responde sem tirar os olhos de mim. ― Ele me pegou nos braços ainda recém-nascida.
Minha expressão de surpresa, ou seria choque, me denuncia. Como um homem pode se casar com uma mulher que embalou?
― Papai já participava da organização quando Carlo entrou. ― Então essa merda originou de sua família! Interessante. ― Na verdade, papai e Pietro foram os homens que a estruturaram como se vê hoje.
― Pietro?! ― Sei que esse é nome que está atrás da foto, mas não sei nada sobre ele.
― Pietro Mancini. ― Meu queixo caiu. ― Sim, da família Mancini, mais precisamente o tio de Matteo.
Eu não sabia o que pensar, como sequer arrumar a frase.
― Eu..., eu não sabia que eles eram rivais ― fui honesta.
Ela ri.
― Rivais? ― Nega. ― Eu não vou dizer que eles eram parceiros, até porque a Cosa Nostra é algo que vem de anos, estruturada desde meados do século passado, enquanto o Casamonica é recente. Tanto que esse nome só veio depois que Pietro faleceu.
Não consigo entender a ligação entre eles.
― Então devo deduzir que Pietro também a viu crescer? ― Ela abre um sorriso saudoso.
― Sim. Era pequena, mas tinha paixão por ele. Pietro fazia truques de mágica que me encantava, sem falar dos brinquedos que sempre trazia ao vir falar com meu pai. ― Me atento a cada palavra que ela fala, tentando entender um pouco mais essas famílias tão diabólicas. ― Pietro veio morar em Roma com a família ainda jovem para tratar de uma doença do pai. Lembro-me que eles eram bem ricos, mas por conta da doença, eles gastaram muito a ponto de pedir a Andrea que os ajudassem.
― Andrea? ― Era tanta gente nova.
― Andrea Mancini, o irmão mais nove de Pietro que ficou na Sicília com o tio.
AM! Andrea Mancini?
― Ele ajudou?
― Sim, muito. E ainda conseguiu que o tio ajudasse o irmão. Infelizmente, era uma doença que não tinha cura e esse veio a falecer anos depois.
― E o que aconteceu com Pietro? ― Eu não sei se algum dia aquela informação viria a me ajudar, mas conhecimento nunca é demais.
― Por que essas perguntas?
― Só curiosidade mesmo. ― Dou de ombros mesmo que esteja morrendo por dentro. ― Se incomoda falar sobre isso, a gente muda de assunto.
Ela ri dando a entender que não acreditou em nada na minha mentira.
E era uma mentira.
― Não me incomodo, e até acho interessante você saber o quanto essa família é maquiavélica, perigosa. ― Qual família? A sua ou a dele?
"Pietro era um jovem negociante que havia começado um pequeno negócio. Ambicioso, ele conseguiu prosperar rapidamente mesmo sendo tão novo. Sua capacidade de negociar, de tratar as pessoas, sua simpatia, não sei bem qual característica chamou mais a atenção de meu pai.
― Ele tinha mais irmãos além desse Andrea.
― Acho que ele tinha uma irmã, ou duas, não me recordo. Elas eram figuras apagadas que eu nunca vi na vida ou se as vi, não guardei na memória. Acho que se casaram e foram embora da Itália assim que o pai morreu, mas não tenho certeza.
Tá! Andrea Mancini não tem qualquer irmão relevante.
― E como ele conheceu seu pai?
― Papai tinha uma fábrica de laticínios e alimentos industrializados que Pietro comprava para revender. Um armazém simples num bairro da periferia. ― E eu deduzo que para entrar nessa rede, alguma coisa ilegal ambos compartilhavam. ― Foi assim que eles se conheceram.
― Foi seu pai que o integrou à organização?
― Sim. Papai foi quase que o tutor de Pietro ― ela ri. ― Papai me contou uma vez, que Pietro não precisava de ninguém o ensinando. Ele tinha tino para o negócio. Estava no sangue a visão, a ambição, só precisando de um nome forte que o acompanhasse já que o pai dele não quis saber de nada da Cosa Nostra quando ainda morava na Sicília.
― E por que eles não se juntaram? Os Mancini? ― Porque no mínimo eram gananciosos demais para dividir os lucros.
Ela olha para cima, faz um bico engraçado de quem busca na memória as lembranças e tenta arrumar numa frase.
― Pietro tentou. Só que quem já estava a frente do negócio era o pai do Matteo, um canalha que junto com Andrea não aceitou a ideia de juntarem mesmo com o aval do avô de Matteo, o antigo Don.
― Eles brigaram? ― Se mataram?
― Eu não sei, de verdade. Infelizmente, a mulher é somente uma figura apagada nesse mundo. A pouca informação que eu soube foram anos depois porque Carlo me contou, e ele ainda não era alguém tão importante, que estivesse na cúpula para saber os detalhes.
― Eu sei. E desculpa eu perguntar, mas esse tal de Pietro morreu de quê?
Ela me encara irritada.
― O laudo disse que foi acidente, mas eu tenho certeza de que foi assassinato. Eu acredito que a Cosa Nostra matou Pietro para desestruturar a nossa organização.
Eu não sabia o que dizer. Eu não sabia sequer se deveria dizer "sinto muito".
― A senhora não acha que o irmão...? ― Eu não conseguia nem terminar a frase.
― Não sei, Rebeca. Nesse mundo em que vivemos, nenhum é confiável.
Dessa vez eu a encarei e deixei transparecer meu cinismo tamanha afirmação, porque isso incluía a ela e ao marido dela.
― Olha bem o que eu vou te dizer, Rebeca. Don Carlo é uma pessoa muito gananciosa tanto por dinheiro como por poder.
Eu ouço com atenção. Ao menos teve a decência de não tentou ajeitar o que não tinha jeito.
― Ele deve tudo que tem e é a Pietro. Ele não conseguiria nada, mas absolutamente nada se não fosse Pietro.
Confirmo achando que é a única atitude a se fazer.
― Carlo não confia em ninguém. Ele usa a todos, sem exceção. ― Assinto novamente sem entender aonde ela quer chegar. ― E por causa de Pietro, ele tolera Andrea.
Interessante, ainda mais depois de tanta revelação.
Pense no que vai perguntar, Rebeca. Não seja tola.
― Ainda há um plano de juntar, né? Como Pietro planejou. ― Ela abre um sorriso de lado ― E Andrea é o ponto focal que ele pretende usar para atingir esse objetivo, não é?!
Ela para em frente ao espelho e começa a escovar os cabelos, olhando para mim através do reflexo.
― Não se iluda com os Mancini. ― Não responde minha pergunta e ainda me insulta como se houvesse essa chance. ― Todos eles são totalmente sem-caráter. Não são do tipo que unem, são do tipo que destroem, aniquilam.
― Eu imagino ― e a deixo falar mesmo que não seja nada do que eu queria ouvir.
― Eles sequer são unidos com eles mesmos. ― Ela pega um par de brincos e os coloca na orelha. ― Veja o exemplo de Matteo: ― meu coração começa a bater acelerado com a menção do nome dele ― Desvirginou a prima quando ela só tinha quinze anos no dia do aniversário dela e ele já era um rapaz.
Aquilo era novo para mim.
― Depois de anos, resolveu se comprometer com Graziella para manter a posição da família no comando das coisas enquanto transava com você se passando por um pobre coitado e ainda te engravidou. ― Assinto, o que me fere e aumenta minha raiva. ― Matteo, Giancarlo, Lucca e Andrea são monstros que precisam ser eliminados.
Assim como vocês.
― Posso perguntar uma coisa? ― ela vira para mim, me dando atenção. ― Por que não os mata? A todos de uma vez?
E manda a todos ao inferno de uma vez só.
― Porque não. Não estamos vivendo numa terra de ninguém, Rebeca. Não dá para sair matando uma família inteira parando uma van com um grupo munido de metralhadoras e atirando em todo mundo. ― Ela nega. ― As coisas têm que ser vistas de fora como um admirado visualiza um quadro, se ligando nos detalhes do tracejado, na mistura das cores, de tal forma que não haja dúvida de que é um original.
― E é aí que eu entro?
― Exatamente. Você é a pintora. Nós só somos seus financiadores. ― Então ela se levanta e toca meu cabelo, contorna meu rosto, põe uma mecha atrás da minha orelha. Não havia nada de sexual, era verdade, mas me causou muita estranheza. ― E se você for realmente muito talentosa quanto nós imaginamos, muitos quadros serão pintados, não somente esse.
Muitos quadros?! Aquilo era um pedido? Aquilo era um chamado para mais?
Queria fazer um monte de perguntas quando Don Carlo entra no quarto de supetão e nos vê.
― Que bom ver as duas ao mesmo tempo. ― Ele fala. ― Preparem-se! Vamos para a Sicília ainda essa semana. E você, Rebeca, precisa receber as últimas orientações ― e sai do mesmo jeito que entrou no quarto.
Inspiro fundo, pego minhas roupas em cima da cama e quando estou saindo, ouço dona Catarina:
― O estúdio está todo montado. O cenário da mesma forma ― era uma forma tão cínica que ela falava. ― Agora é com você, Rebeca.
Eu já estava tendo a certeza que ela era aquele tipo de canalha que solta uma cantada, se pegar, ganha, se não pegar, era só uma brincadeirinha.
― Posso te fazer uma última pergunta?
Ela assente.
― Eu tenho certeza de que a senhora é uma perfeita artista, infinitamente melhor que eu ― usei sua própria metáfora. ― Por que a senhora não pinta esse quadro?
Ela riu e era um riso verdadeiro.
― Porque lamentavelmente me quebraram as duas mãos. Agora eu só admiro o que os outros podem pintar.
Penso em falar, entretanto ela levanta o dedo indicador mandando-me calar e me dispensa.
Eu precisava achar um jeito de prejudicá-la. Dedestruí-la.
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