Capítulo 18
Matteo
Eu passei ainda alguns dias pensando em toda a conversa com Fabrizzi. Eu precisava ser sutil, inteligente e articulado para bater de frente com Andrea e todo seu esquema sem criar uma desavença com meu pai.
Era tudo uma grande merda.
― Você vai declarar guerra de forma bem sutil. ― Lucca disse depois que eu contei tudo que eu soube e o que eu estava planejando.
― A guerra já foi declarada, só não foi escancarada.
E reunimos tanto esses dias que sequer paramos para comer. Dormir era o mínimo. Estávamos sendo movidos pela raiva.
Sim, nós estávamos com raiva.
Nos juntamos e bolamos um plano. Tínhamos pouco tempo para arrumar tudo já que o dia marcado para pôr em execução seria no dia da reunião.
A coisa era simples, nada absurda. Íamos minar a força do tio Andrea devagar, deixando claro que éramos nós que fazíamos sem o consentimento de nosso pai, ou melhor, sem seu menor conhecimento.
Claro que eu levava em consideração que por ser meu pai o Don, eu estava protegido.
Eu acho.
Meu irmão já estava com uma lista de homens que contrataria para aumentar nossa segurança, e passear com meus carros tampouco estava na lista de opções seguras, salvos o que eram blindados.
Até que chegou o dia. Papai marcou a reunião no pequeno auditório do escritório de advocacia já que a quantidade de pessoas é muito maior do que os conselheiros.
É como uma reunião de acionistas de uma empresa. Todos ali tinham um vínculo conosco. Empresários, políticos, fazendeiros, negociantes, pessoas que têm algo para nos oferecer e em troca recebe nosso benefício, afinal, nem tudo na máfia é ilegal.
Ou é?
Proteger a concorrência, torna-se líder absoluto de uma área não necessariamente precisa ser feito de forma errada. Às vezes precisamos jogar sujo para conseguir algo, é verdade, mas geralmente usamos da nossa influência para acelerar as coisas, quebrar os protocolos, ignorar regras impostas e outras coisas que nos beneficiam. Nossa maior força hoje está no tráfico de influência e isso nos ajuda com o resto. Já foi-se o tempo que eliminar um grupo de pessoas na metralhadora era o modus operandi. Hoje nós os silenciamos tirando suas forças, e aquele que não se adequa é que é eliminado. E claro, a traição é sinônimo de morte.
― Fico feliz que esteja conosco, filho ― papai diz, assim que eu entro no salão e cumprimento alguns dos empresários junto a ele.
Ele era meu pai, mas o homem a quem eu tinha tanta admiração já não existia mais.
― Papai, eu ainda sou o representante legal das empresas dos Mancinni. ― Apesar de terem me excluído das principais decisões da máfia, eu ainda mandava em todas as empresas ligadas à nossa família, inclusive a vinícola cujo Andrea tinha participação acionária. E essa era o maior jeito que eu tinha de lavar o dinheiro.
Sento-me em uma das cadeiras em frente ao conselho dos cinco representantes mais importantes incluindo meu pai e o energúmeno do Andrea, e observo alguns dos homens à frente dos clãs. Homens fortes que juntos podem ajudar a frear essa loucura.
A questão é que eu não sabia quem também estava de rabo preso com Andrea.
Vejo Andrea conversando com um dos conselheiros. Vejo meu pai se aproximar, tocar em seu ombro e se abraçarem como se fossem mesmo velhos amigos.
E são, Matteo.
Foi então que algo me chamou a atenção – um leve mexer na cabeça que passaria despercebido se não fosse a terceira vez consecutiva de um movimento estranho.
Que porra era aquela? Não lembro de tê-lo visto antes com esse... esse... parece um tique nervoso?!
Ele sai procurando ver quem o observava até parar em mim que continuo o encarando. Seu cumprimento é sutil.
Filho da puta.
Todos são convidados a se sentarem e só então começa a discussão sobre as várias pautas que algumas famílias reivindicam – mais dinheiro, diversificação do serviço prestado, poder, influência. Quem passa por fora ouve apenas um grupo de empresários que se reúne para trocar ideias, ouvir novas propostas, lamentar suas perdas, como expandir os negócios. Claro que há toda uma conversa subentendida por trás, a parte ilegal do negócio, onde o conselho responde os principais questionamentos.
― Eu queria propor algo ― levanto a mão. ― Sei que há muito os aqui presentes que têm feito reclamações pertinentes e eu também me incluo nesse grupo.
"Como vocês sabem, nossa empresa deixou de ser apenas uma vinícola prestigiada em todo o mundo para ser um complexo de empresas que ajudam a expandir mais o negócio – logística, exportação e importação, direito tributário internacional, e várias outras coisas como os senhores sabem."
E que cobre a maioria das coisas ilegais que todos vocês se utilizam.
― Eu comecei a ver as coisas mais a longo prazo, não que eu não visse antes, mas como sou pai agora, preciso pensar no futuro do meu filho.
Alguns me parabenizam e eu olho para Lucca que acena confirmando a atenção de todos.
Lógico que sempre que eu falava todos me ouviam, mas como há muito que eu não apareço, alguns poderiam ter esquecido quem eu sou ou do que eu sou capaz.
― Eu pensei em construir, em uma área nobre da cidade, um complexo comercial com três prédios, cuja finalidade atenderia a muitas de suas reivindicações já que vocês têm pedido espaço.
E uma obra faraônica dessa lavaria muita grana de muita gente, inclusive a nossa.
― Entrando na área imobiliária, Dr. Matteo? ― Um empresário, dono de uma grande construtora e detentora de vários prédios residenciais no estado, questiona.
― Não. Está aí uma área que eu não pretendo adentrar já que temos grandes empresários como o senhor. ― Levantar o ego nunca foi meu forte, mas às vezes precisamos nos submeter a isso. ― Inclusive, eu e Lucca achamos que não há melhor pessoa para ficar à frente desse negócio do que sua empresa. ― Ele assente e baixa a cabeça num sinal de humildade forçada. ― Desde, claro, que eu tenha uma boa parcela do lucro nesse investimento. ― Ele abre um sorriso e mostra o polegar.
― Pensei que o senhor não gostava de trabalhar no centro de Palermo ― outro me questiona.
― E não gosto, mas lembrando que eu tenho um filho, e vai que meu filho resolve seguir a carreira do tio e não do pai? Vou precisar aumentar o escritório advocatício dele tamanha demanda de seu trabalho.
Meu irmão começa a rir da minha brincadeira. Mudei um pouco minha forma de atuar depois que ele me disse:
"Matteo, por favor. Eu sou seu irmão, criado para ser seu braço direito e te apoiar em tudo. Sempre fomos unidos e nunca tivemos segredo um para o outro, mas desde que tudo aconteceu, você foi se fechando, ficando cada dia mais amargo, agressivo, intolerante a níveis absurdos. Não há qualquer negociação, não há qualquer conversa mesmo com as coisas legais da família. Um empresário não se comporta com o seu autoritarismo."
― Sua proposta é interessante, Dr. Matteo. Isso daria mais visibilidade aos nossos negócios.
― Sim, essa é a proposta. Os lugares aqui já estão saturados. Nossos filhos, netos e outros parentes estão precisando abrir seus negócios e não estão achando espaço para tanto, afinal, somos uma ilha e nosso espaço é bem limitado.
Os burburinhos começam, muitas cabeças concordam.
― O terreno eu já tenho, inclusive de frente à praia, uma área nobre da cidade como já falado.
Lucca liga o projetor e põe a imagem de uma construção fascinante que um associado, dono de uma empresa de arquitetura, fez quase com uma arma na cabeça para se apressar.
― Lucca já entrou em contato com algumas pessoas que têm prédios nas redondezas e praticamente todos aceitaram vender suas casas, comércios por um preço justo. ― Observo meu tio sério olhando para aquele lugar.
― Eu acato a ideia. ― Um dos empresários no ramo de vestuário diz. ― Há muito que eu preciso expandir o escritório administrativo e colocá-lo em um ponto único. ― E deixar o antigo escritório com o caixa dois do contrabando que chega até ele.
Vários outros empresários também apoiam, inclusive meu pai e os outros três conselheiros que gostam da ideia de mais dinheiro em seus bolsos.
― Não há nada que impeça essa construção? Algo dessa magnitude? ― Tio Andrea pergunta e eu nego.
― Não. Lucca já procurou saber com os órgãos responsáveis sobre toda a parte burocrática, não que isso venha a ser um problema, mas preferimos saber se havia algo que impedisse e não. Não há nada que possa impedir essa construção, a não ser a falta de dinheiro, coisa que nós sabemos que não é um empecilho.
A conversa paralela começa entre eles. Era uma unanimidade a aprovação da construção, mesmo que eu ainda não tivesse dito exatamente o endereço. Eu já falei que era em uma área nobre e isso já baixa.
Meu pai me chama e eu me aproximo dele e do resto do conselho.
― Uma proposta bem arrojada para alguém que passou tanto tempo fora. ― Tio Andrea comenta de forma sarcástica.
― Eu sempre estou pensando em expandir, titio. ― Ironizo e ele fecha a cara. ― Preciso encher o nosso bolso, ainda mais com a esposa, que acaso é sua filha, gastadora que é.
― Minha filha é uma princesa e precisa ser tratada como tal ― princesa dos infernos.
― Ok, aqui não é conversa para isso. A proposta de Matteo é muito interessante, até mesmo para mim que estou pensando em abrir uma filial do meu escritório. Eu e Lucca estamos sem espaço.
Lucca até comentou isso, mas não em expansão. Ele já está pensando em um escritório só dele, sair da barra da calça de papai.
― E onde é esse terreno que você falou que é seu, Matteo?
Agora eu mostro o que chamam de "pulo do gato". Depois de ter uma proposta jogada aos maiores empresários, chefes dos clãs, inclusive aprovada e elogiada por eles, voltar atrás seria um tiro no pé.
É agora que eu mostro que estou pronto para ser uma pedra no caminho de Andrea.
― Não sei se vocês sabem onde será a futura instalação do "La Mama". Achei o espaço muito grande para pôr um restaurante...
― O QUÊ? ― seu choque foi tão grande quanto a surpresa de meu pai.
― Eu sei que vocês já deram o aval do restaurante ali, mas como ele não foi inaugurado ainda, podemos atrasar e em troca, ele será um destaque tendo em volta um belo complexo ― e um grupo muito maior de associados da Cosa Nostra observando 24h o movimento da Casamonica em nosso território.
Sorri.
Naquele momento eu percebi que os três conselheiros que aprovaram a vinda do Casamonica para cá, aprovaram ainda mais minha ideia. Os três estavam presos a Andrea de alguma forma.
E eu, de uma certa forma, também estava pelo casamento. E foi aí que o meu irmão entrou perfeitamente.
A ideia de ir devagar, minando a força de Andrea veio com o exemplo do câncer dito por Fabrizzi. Um câncer começa com uma célula doente que vai tomando todo o corpo. Só que nesse caso, Andrea é a célula doente que antes de ser extirpada do corpo, precisa perder sua fonte de "alimentação", diminuir de tamanho até ser arrancada. Claro que não há como matá-la sem danificar as outras células, eu só não sabia o quanto tudo aquilo atingiria minha família.
Acontece que eu estava disposto a pagar o preço.
Andrea mudou de cor a ponto de ficar vermelho de raiva.
― O terreno não é seu, Matteo ― rosna, lembrando-me.
― Teoricamente é ― Lucca interfere ―, já que a escritura do terreno foi passada para sua filha depois do casamento, e o acordo pré-nupcial deles dá a ele o direito de tomar posse de todo e qualquer bem que sua filha possa ter em benefício das nossas empresas já que ela faz parte das principais beneficiárias depois do nascimento de Filipo.
Papai abre um sorriso de lado.
― Ele tem razão, Andrea ― e ainda nos apoia. Não, não foi apoio, foi reconhecer que Lucca fez o dever de casa direito. ― Alberto vai entender que postergar a inauguração por alguns meses trará mais benefícios no futuro que prejuízo ― e vira as costas mandando a todos se sentar para prosseguimento do resto das reuniões.
Andrea, de mandíbula cerrada, me encara quase me matando com o olhar como se eu tivesse medo de cara feia.
― Eu estou me cansando de você ― sussurra.
― Que interessante! Eu já me cansei de vocês há muito tempo ― retruco, encarando-o sem medo de ser visto por alguém.
― Não compre briga comigo, fedelho.
― Nem você comigo, velhote.
A guerra foi declarada.
Agora era só ver quem teria mais força nesse campo de guerra. Tio Andrea tinha a muitos preso pela chantagem, e isso também dava uma vantagem - ninguém gosta de ser chantageado.
Eu só precisava achar agora o ponto fraco dele e destruí-lo. E minar suas forças foi a forma que eu achei de fazê-lo cansar.
Antes de tudo
andreaheloisa, parabéns atrasado, gatinha. Que Deus te conceda bençãos sem medidas sobre sua vida.
Meninas, me perdoe pela demora do capitulo. Um acidente em casa me deixou impedida.
XÊro
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