Capítulo 16
Rebeca
Praticamente passei o resto do dia em meu quarto desde a hora que meu dono me mandou sumir da sua frente. Isso não quer dizer que eu não tenha dado uma espiada. Eu ouvi quando ele saiu de casa super irritado, eu ouvi dona Caterina dizer que estava com mais uma crise de enxaqueca e que iria se recolher, eu ouvi os empregados ajeitando tudo para dormirem, eu ouvi quando don Carlo chegou e dispensou Adriano e Miguel.
Eu até o esperei somente porque faz parte da minha obrigação, mas tinha certeza que naquela noite ele não me procuraria.
Somente quando tudo ficou no mais profundo silêncio é que eu saí do quarto e fui até o escritório.
A antessala em que eu ficava ou mesmo trabalhava não tinha janela, mesmo assim eu não liguei a luz, afinal, eu sabia onde eu tinha colocado o armário provisoriamente – colada a mesinha de escritório. O que eu precisava na hora de brigar com Michele era o fazer se proteger, derrubar a maleta no chão, e como uma bola, chutá-la em direção ao armário. A outra maleta já estava no chão junto à cadeira, o que eu só precisava fazer era não errar a direção jogando uma contra a outra. Claro que eu não sou uma artilheira e por isso ela ficou um pouquinho fora do armário, o que foi resolvido entre ameaças e gritarias. Eu me encostei e terminei de escondê-la. Adriano e don Carlo estavam do lado oposto, não a veria mesmo que estivessem prestando atenção.
Eu acho.
Agachei-me e ao tatear a maleta, não a encontrei.
Como?
Liguei a luz do abajur e foquei no chão embaixo de tudo.
Nada.
Meu Deus! Me descobriram.
O pânico começou a tomar todo o meu ser. Não era só o fato de eu ter roubado, mas o que exatamente o ladrão faria com a maleta de dinheiro. Era claro que eu fora a responsável pela troca das maletas, e culpei um homem imprestável – diga-se de passagem –, mas que não roubou. E o pior, eu estaria nas mãos de mais alguém.
Puta que pariu!
E como não há nada ruim que não posso piorar, não demoraria muito para Don Carlo descobrir as caixas de absorventes. Esse homem enlouqueceria e com todos.
Eu estava todo fodida.
Procurei dentro dos armários e até entrei no escritório do chefe para ver se tinha alguma pista de algo.
Nada!
Eu estava quase entrando em desespero quando resolvi voltar para o quarto. Se quem me roubou estivesse de tocaia, saberia que eu voltaria e teria mais provas contra mim e sem a menor chance de me defender.
E qual não foi minha surpresa ao entrar em meu quarto, ligar a luz e ver em cima da minha cama a maleta aberta.
― Você?! ― Meu coração parecia que ia explodir diante daquele homem sério, compenetrado, exalando a maldade inerente a ele que eu conhecia muito bem.
― Foi procurar isso? ― Sentado, ele aponta para a maleta.
Assinto.
― Como descobriu? ― Ele abre um sorriso de lado, sem sequer se mexer, e eu tenho um vislumbre do meu homem por trás daquela capa de maldade.
― Minha linda ― seu sorriso aumenta e eu solto a respiração aliviada. ― Acha mesmo que eu cairia na conversa de que Michele estava roubando Don Carlo? ― ele nega. ― O cara era um escroto, intragável e odiado por quase todos, mas se tinha algo admirável nele era a lealdade. Michele nunca trairia o Don.
Sim. Ele chegava a ser nojento pela bajulação.
― E por que o chefe desconfiou que ele o tinha roubado?
― Porque Don Carlo não confia no fundo em ninguém. Ele é tão filho da puta que acha que todos são iguais a ele. Além disso, nós estávamos ali e ele precisava nos dar o exemplo. Poupar alguém que supostamente roubou era abrir precedentes para qualquer um fazer algo que não o agradasse e depois pedir misericórdia. ― Ele sorri negando. ― E olha que ele chorou, se ajoelhou, implorou pela vida dizendo que realmente tinha ficado com os oitocentos mil somente para te prejudicar, não percebendo que cada coisa que ele falava, mais o enterrava.
― E nós não somos realmente um bando de filho da puta? ― a pergunta era mais uma afirmação o que o faz abrir um sorriso maior, se levantar e se aproximar, puxando-me pela cintura.
― Quando nós viajamos, eu achei que você me procuraria para ajudá-la ― tiro suas mãos da minha cintura e caminho para longe dele.
― Por que eu te procuraria? Por que eu acreditaria que você me ajudaria quando nós dois sabemos que eu sou uma peça descartável, e que tudo isso foi um jogo para a vingancinha de Michele?! ― Ele não responde e se encosta na parede de braços cruzados. ― Don Carlo realmente precisa de mim para se vingar ou tudo é balela? E como você me ajudaria? E como você a encontrou?
Gosto da forma quente que me olha. Gosto do quanto me excita quando transamos, mas jamais entregaria meu coração para ele, tanto que meus segredos são meus. A única coisa que compartilhamos é o desejo de irmos embora desse lugar juntos. Juntos até sumirmos da mira do grupo, porque depois quero seguir meu caminho sozinha. Não pretendo ficar amarrada a mais ninguém em minha vida. A questão agora é que eu não sabia o que ele faria com os dois milhões ali, diante de nós.
Me trair? Roubar e fugir?
― Acho que você faz perguntas de mais.
― Faço mesmo? Será que só eu percebi que Michele aprontaria comigo com o aval de Don Carlo?
― Por isso eu comecei dizendo que achava que você me procuraria.
― E como você me ajudaria estando lá Deus sabe onde? E como arranjaria o montante que eu precisava para substituir o dinheiro roubado? Tem ideia de como eu fiquei esses dias? Vendo Michele tirando duzentos mil diariamente, matando-me devagar somente para curtir, porra!
Ele me empurra na parede, forçando-me a olhar para ele.
― Eu apostei que você se sairia dessa melhor que o outro, mas nunca tão bem, muito menos sem pedir ajuda. Substituir a maleta foi fácil, muito fácil. Qualquer pessoa executaria, quem sabe não com tanta perfeição. Você só precisou comprar uma igual para o idiota não perceber, e como é você quem compra essas coisas, foi fácil. ― Sorri. ― A questão é como você conseguiu um milhão e oitocentos? Porque essa que está aqui tem dois milhões exatos.
― Não importa.
― Importa sim, Rebeca. ― Nego. ― E eu só consigo pensar em um jeito, mesmo que esse seja quase impossível.
Morro, mas não confesso.
― Você conseguiu abrir o cofre do quarto de Don Carlo? ― Dou de ombros. ― Rebeca!
― Por que ele não me mata de uma vez? Por que ele mentiu para mim quando fez uma proposta para destruir Matteo? Ele realmente quer matá-lo ou é tudo conversa mole?
Ele nega.
― Já disse que você faz perguntas demais ― e não me responde fugindo de novo.
― E você quer que eu te responda quando me pergunta? ― Ri. ― O que você acha que nós somos?
― Cúmplices, amantes, amigos.
Cúmplices só se for de um crime, mesmo eu tendo dúvida do quanto eu posso confiar em você. Amantes quando eu te uso e você me usa, não mais que isso.
― Amigos? ― Pouca coisa eu confidencio. ― Será que somos mesmos amigos?
― O que você quer que eu diga?
― A verdade. O que está acontecendo? ― tiro a mão dele do meu rosto e ele encosta seu corpo todo ao meu.
― E acha que eu sei? Acha que ele conversa conosco assim? Ele só manda e nós obedecemos ― e beija meu pescoço.
― Você tem ouvidos, você participa de reuniões ― lembro-o. ― Quando a gente quer, a gente consegue muita coisa.
― Não. Não é bem assim ― ele me encara olhando em meus olhos. ― Eu não sei, linda. A única coisa que eu posso dizer é que ele odeia os Mancini, mas aparentemente ele os deixou neutralizado. Na verdade, o pai de Matteo há muito dança conforme a música que Don Carlo toca, o problema era Matteo que assumiria tudo e esse não é tão fácil de ser manipulado. ― Alguém grande infiltrado. O pai daquela mulher nojenta dever tê-lo em suas mãos. ― Infelizmente Matteo parece que abdicou do posto.
― Como assim abdicou? ― Aquela informação me chama a atenção. O cara parecia que tinha adoração pelo que era, fazia.
― Não sei. ― Não sei até onde está falando a verdade. ― Não sei, Rebeca. Matteo agora é um homem casado, tem um filho, controla uma holding que está crescendo muito.
Sim, eu soube. A esposa daquele crápula fez questão de aparecer grávida, transbordando felicidade. Ela engravidou dele um mês depois de eu ter engravidado do mesmo homem.
― E agora?
― Agora o quê? ― Não entendo o que ele perguntou.
― O que vai fazer com o dinheiro?
― Como assim o que eu vou fazer com o dinheiro?
Ele sabia qual era o meu objetivo.
― Não quer fugir? Ir embora daqui? Podemos fazer isso agora.
― Não! ― Nego.
― Não?
― Você sabe muito bem que fugir assim nunca foi meu plano. Vou embora com dois milhões e vou deixar esse bando de merda livre, feliz e rico à minha procura?
― Independente do que você faça, ele vai ficar à sua procura. Sempre.
― Não depois de morto. Ou preso. ― Falo. ― Vou devolver a grana a quem é de direito e vou continuar fingindo até ter o Don, Matteo, Lucca, Graziella, os pais de Matteo, todos queimando no fogo do inferno. ― O encaro cheia de certeza, afinal, com as provas que eu tinha em mãos, só precisava do momento certo. Mas o pouco que eu vi não tenho nada contra o energúmeno do Matteo e seu irmão.
― Você sabe o que eu penso sobre isso. ― Diz ele temer pela minha vida. ― Não vai mesmo me dizer de onde tirou, ou melhor, como conseguiu tirar do cofre do chefe? ― Nego.
Ele sorri.
― Você é mesmo uma diabinha...― brinca ―, mas sabe uma coisa que eu nunca fiz? ― Ele me joga na cama. ― Nunca transei em cima de dois milhões de euros.
― Não seja por isso ― pego a maleta e espalho os maços em cima da cama. ― Para tudo há uma primeira vez.
Transamos gostoso entre as notas. O cheiro da cédula nova era uma delícia, mas minha felicidade não estava naquilo, e sim no fato de ter eliminado o primeiro da lista.
***
O dinheiro já estava na mochila bem acomodado. Ela acabou ficando bem gorda afinal é muita grana para uma sacola só, mesmo assim eu a acomodei de um jeito que coubesse tudo, só estava esperando o momento em que os chefes fizessem suas respectivas refeições e a empregada não aparecesse para limpar o quarto.
Eu estava sendo tomada pela ansiedade, desesperada para me livrar de toda aquela grana guardada do duto do aquecedor do meu quarto.
Foi no meio da semana que surgiu a oportunidade. Dona Caterina recebeu a visita de algumas de suas amigas fúteis e me dispensou já que queria ficar bem à vontade com elas no jardim de inverno.
Don Carlo informou que sairia e não teria hora para voltar.
Perfeito.
Pedi licença e fui para meu quarto alegando estar com cólica.
Preferi colocar tudo em uma bolsa de compras e saí do quarto.
Como sempre quando os patrões estavam em casa, o quarto estava destrancado.
Não perdi tempo. Tirei o espelho, abri o cofre e numa rapidez incrível, substituí as várias caixas de absorventes pelo dinheiro.
Eu tremia.
Fechei o cofre deixando em cima do número que estava, coloquei o espelho e quando pensei em entrar no banheiro:
― O que você está fazendo aqui? ― a pergunta me tirou o ar. ― Quem te deu a ordem de entrar em meu quarto sozinha?
Don Carlo estava vermelho de ódio.
Fodeu!
Eu não tinha o que dizer.
― Me roubando, piranha? ― Ele pegou meu pescoço e o apertou de forma que derrubei a sacola de absorventes tentando, em vão, respirar.
Apesar de velho, ele era forte.
Foi nesse momento que dona Caterina entrou no closet e eu só me perguntava por que esse filho da puta voltou tão cedo, e porque essa desgraçada não estava lá embaixo tomando seu lanche com aquelas nojentas.
― O que está acontecendo, Carlo? ― ela pergunta e eu sei que não há nada que eu diga que me tire a culpa.
Vou morrer por estar roubando absorvente. Puta que pariu! Vai ter azar assim nos quintos dos infernos.
― Essa cadela estava nos roubando. ― Ela se agacha e pega as caixas de absorvente estranhando.
Óbvio.
― Não, Carlo, você está enganado. ― Eu não entendi nada.
Don Carlo me soltou e eu sufocando, com as mãos no joelho puxando ar, olho para ela que me encara com um sorriso cínico no rosto.
― Ela pediu alguns absor...ventes ― havia ironia na forma de falar ― já que os dela acabou.
O quê? Como? Não estou entendendo.
Dona Caterina estava salvando minha pele?
― E por que ela não comprou? Ou pediu algum dos empregados? Que porra é essa, Caterina, que você a manda pegar o que é seu?
Ela ri como se tudo aquilo fosse uma brincadeira.
― Esse é de proteção diária ― ela justifica sem tirar os olhos de mim. ― Para a umidade natural ou não tão natural assim. ― Ela pega a sacola do chão e me entrega. ― Roubar absorvente, Carlo? ― Ela abre uma caixa e o mostra o conteúdo para ele. ― Ninguém se sujaria por algo tão barato assim, não acha?
Meu coração parecia que sairia do peito.
― Você sabe que não a quero aqui sem a sua presença. ― Ela assente e ele sai deixando-nos sozinhas.
Eu não sabia o que dizer.
― Dona Caterina...
― Psiu ― ela me silencia. ― Eu não quero saber.
E vira as costas deixando-me sem palavras.
O que foi isso que aconteceu? Por que ela me ajudou?
E o pior: esse eu não quero saber tinha cara de quem já sabia.
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