24 - O repertório de falácias
Demorei para sair do banho de propósito.
Acho que o Sr.Enoc pode ter se irritado, só não entendo muito bem o porquê. Ele deveria se considerar com sorte por eu não ter me afogado na banheira.
E eu, uma tolinha, deveria ter tentado me afogar, nem que fosse apenas para atrasar outra entrevista, e dessa vez, uma entrevista importante para um dos jornais de televisão mais importantes da ilha.
Foi o que me disseram.
Não sei se consigo forjar outro pedaço de verdade sem perder de vez a minha alma.
Sei que esperam costume da minha parte com relação as entrevistas, enquanto eu espero impacientemente pelo dia em que não precisarei mentir mais na frente de nenhuma câmera.
Sorte a do Jackson ser novo nisso.
Nós estamos sentados lado a lado numa das pomposas salas do palácio. Holofotes estão apontados para nós, causando uma ardência familiar no meu rosto. E, tudo na sala parece organizado para nos tornar algo que não somos.
Jack está tão bonito em seu terno azul quanto o céu da manhã, e concentrado como um herói prestes a ser ovacionado; Ele segura um papel entre as mãos, com os olhos escaneando as linhas repetidamente, tentando decorar cada palavra.
Ele parece muito o tio Albert sob essa luz.
Os assessores andam de um lado para o outro, como formigas nervosas, ajeitando câmeras, sussurrando palavras de incentivo e repetindo instruções.
A propósito, recebemos uma ata com quatro tópicos que não devemos abordar, e fugir do assunto caso sejam mencionados. E são eles:
1 - A minha reputação, e como ela tem decaído mais do que a economia do pais nos últimos anos.
2- A presença do irmão subversivo do príncipe Jackson na corte de Verena, e a sua ligação com a política de um reino potencialmente problemático.
3- O último incidente com os explosivos na feira de abertura de comemoração ao aniversário da Ilha.
4- Qualquer coisa relacionada aos ataques "terroristas".
Em outras palavras, não podemos falar nada que não englobe o nosso relacionamento inexato e o campeonato Dracma.
— Como vossa alteza real e a senhorita estão noivos, precisam mostrar confiança a respeito disso, — uma mulher de cabelos presos diz com um calmaria fajuta, soando na verdade, como uma ditadora passiva agressiva. — Nada de demonstrações exageradas de afeto, os protocolos de etiqueta da corte são rigorosos, mesmo para noivos, ou até mesmo os que são casados. Podem unir suas mãos de vez em quando, e se olharem com sinceridade e ternura.
Lanço um olhar para Jack, quem acena devagar, meio entorpecido.
Acho que ele aprende rápido, esse treco de politicagem, protocolos e concordar com o que esperam dele.
— As pessoas precisam ver e sentir a solidez nesse relacionamento — A assessora continua — A troca de olhares e o tocar das mãos não irá ofender, nem mesmo burlar os protocolos, e serão úteis. Tais demonstrações são típicas, afinal de contas...
— Estamos noivos — Jack e eu dissemos em uníssono, como se estivéssemos respondendo alguma pergunta numa das aulas de história.
— Já entendemos. — Acrescento com um suspiro, arrumando a minha postura na poltrona.
Meu comentário não foi recebido com entusiasmo pela assessora, quem me lançou um olhar rápido de desaprovação.
Sinto como se tivesse nove anos outra vez.
Participei de uma entrevista naquela época, junto com o tio Albert. Não me lembro exatamente o porquê resolveram me colocar nela, mas me lembro que um dos jornalistas disse algo como "seu pai teria muito orgulho da senhorita".
Eu tinha ensaiado minhas respostas, e ele havia elogiado a maneira que eu havia respondido uma de suas perguntas.
Naquele momento eu não dei atenção ao seu comentário, mas hoje não poderia discordar mais: Meu pai não teria orgulho de mim. Nem naquele dia e nem agora.
Encaro minhas mãos, cobertas por uma luva de um tule branco. Corro os olhos pela pulseira brilhante e os anéis prateados; São bonitas e brilhantes, mas nenhuma dessas joias pertencem a mim, não me lembro de ter comprado ou ganhado nenhuma delas.
Não são minhas.
Passo a ponta dos dedos pelo feixe da pulseira, e consigo ver gravado o brasão da família real de Verena, tão pequeno, de uma maneira quase que imperceptível.
Não são minhas. Nada é meu.
Arrumo a gola alta do vestido que estou usando, a sala ornamentada parece criar tentáculos dourados e me sufocar.
Elevo meu olhar até onde Rosana está, parada num dos cantos distantes da sala, observando os movimentos alheios.
Ela me encara de volta por alguns segundos, antes de caminhar até o Sr. Enoc, próximo a entrada da sala para cochichar alguma coisa.
Seria alguma sugestão para cancelar a entrevista? Isso seria maravilhoso, mas conhecendo a ruiva, ela jamais sugeriria tal coisa.
— Isla? — Jack, ainda sentando ao meu lado, me chama baixo, repousando uma de suas mãos sobre a minha.
É quando eu percebo que estou afundando as unhas no couro do braço da poltrona.
— Hum? — Vocalizo, piscando algumas vezes e olhando para o príncipe.
— Parece nervosa. — E ele parece preocupado. Perturbado.
— Ah... Não. — Engulo em seco — O Albert, quero dizer, seu pai, ele não vem? — Decido perguntar — Sei que ele não vai participar da entrevista, mas imaginei que ao menos estaria aqui na sala.
Jack faz que não.
— Ele me disse que estaria ocupado esta noite, resolvendo a respeito dos danos causados na feira pela... Bom, você sabe.
Faço que sim.
— Entendo.
— É apenas isso que tem te incomodado?
— Mais ou menos — tento sorrir — Fico desconfortável em entrevistas. Eu não gosto muito delas.
Jack sorri e assente devagar.
— Eu sinto muito por isso. Eu posso fazer algo para ajudá-la? Quer uma água ou...
— Não, eu estou bem. — Garanto a ele, quem cresce um sorriso gentil — Obrigada.
Jack distância a sua mão da minha e devolve o seu olhar para o roteiro da entrevista, mas logo torna a me encarar novamente.
— Você está linda, a propósito. — Diz.
Consigo sorrir em agradecimento e até me sinto mais leve, por uns cinco segundos.
Segundos que se vão mais rapidamente do que eu gostaria, pois o meu desconforto só piora quando o Sr. Morris entra na sala, ajustando o paletó como quem ajeita a própria máscara.
Ele e seu sorriso grande demais me apavoram. Eu sei lá. Sinto que ele nos olha como se cada um de nós fosse apenas um peão na grande partida de xadrez que ele narra com orgulho.
A equipe rapidamente se encarrega de conduzi-lo ao seu lugar e pôr todos a postos. É tudo muito rápido e orquestrado: Mais luzes acendem, as câmeras se alinham a nós, e as luzinhas vermelhas começam a piscar. Elas estão ali para me lembrar de uma única coisa: estamos ao vivo.
— Boa noite, senhoras e senhores! Sejam todos muito bem-vindos ao Especial Verena. — Sr. Morris diz olhando para a câmera — Esta noite, temos convidados que certamente prenderão a atenção de todos vocês. Diretamente do coração da família real de Verena, é com imenso prazer que recebemos Vossa Alteza Real, o príncipe Jackson, e a encantadora Lady Isla! — E então, ele olha para nós — Que honra tê-los aqui esta noite. O público de casa e eu estamos ansiosos para ouvir diretamente de vocês sobre tudo que tem acontecido em Verena!
Seu sorriso me faz pensar que, se ele tentar mais um pouco, a boca pode simplesmente rasgar de tanto esticar.
— Agradecemos essa recepção calorosa, Sr.Morris. O prazer é todo nosso. — Jack diz, também sorridente.
— O senhor é muito gentil, vossa alteza real. E estamos contando com o senhor e com a Lady Isla para nos contar um pouco mais sobre os últimos acontecimentos no reino. — Morris ajeita o paletó — O Campeonato Dracma está se aproximando, e o povo não fala de outra coisa. Com o estado de tensão que o reino enfrenta atualmente, o que vocês têm a dizer sobre os preparativos? Como estão lidando com toda a pressão?
A câmera foca em Jack, que se ajeita na cadeira, os ombros eretos e a expressão serena. Ele parece o próprio retrato da realeza, e daqui consigo ver que o papel que ele tanto relera agora está amassado ao seu lado.
— O Campeonato Dracma é uma tradição essencial para Verena. Estamos tomando todas as medidas necessárias para garantir a segurança e o sucesso do evento. — Jack diz e soa muito confiante.
— Certamente, Alteza. As pesquisas apontam que o povo tem se mantido em alerta e estão preocupados com o rumo do torneio. A corte de Verena tem algo a declarar sobre tal receio da população?
Jack assente devagar, enquanto seus dedos tamborilam em um dos seus joelhos.
— A corte e a família real de Verena estão totalmente comprometidas com o povo. As tensões são reais, mas estamos preparados para enfrentá-las com seriedade e responsabilidade. — Ele responde.
O Sr. Morris, satisfeito, vira-se para mim.
— E sobre o relacionamento de vocês? — pergunta, suavizando levemente a voz. — Após a revelação de que o príncipe Jackson fazia parte da família real, como isso impactou a dinâmica entre vocês dois? Houve alguma mudança significativa?
Claro que essa pergunta viria e é claro que viria para mim.
O que eu havia lido mesmo no meu roteiro? Eu decorei essa parte.
— Bem... Nós... De algum modo tudo está diferente.— começo, mantendo a expressão neutra, girando o anel no dedo. — Mas o príncipe Jackson e eu sempre fomos claros sobre o que queremos para o futuro. Continuamos comprometidos com o que sempre acreditamos.
— E o casamento... Está marcado para logo após a formatura no Salgueiro, certo? — Sr. Morris pergunta. — Como estão lidando com as expectativas? A pressão deve ser enorme.
Jack sorri antes de responder, sua voz sai carregada de um otimismo ensaiado:
— O casamento será uma celebração para o povo, será uma honra dividir esse momento com o reino, mas no momento o nosso foco está no campeonato.
O Sr. Morris se inclina para frente, como se estivesse prestes a fazer a pergunta mais importante da noite.
— E sobre o futuro governo? — ele pergunta, mirando Jack com expectativa. — Após as notícias recentes sobre alguns conflitos de Lady Isla no colégio Salgueiro, acredita que o povo terá alguma oposição a respeito de sua escolha para a futura rainha de Verena?
Sinto um soco no estômago. Essa pergunta não estava combinada.
Olho para a Rosana no fundo da sala, ela cruza os braços e daqui, consigo ver que odiou tal pergunta.
— Acredito que o papel de qualquer governante ou de quem está ao seu lado é demonstrar crescimento e compromisso com o bem maior. — A voz de Jack é bem diplomática, veio o Albert nele. — Lady Isla tem mostrado dedicação em todas as áreas que assume, e o mais importante é como trabalhamos juntos para superar desafios e construir um futuro forte para Verena. No fim, creio que o povo valoriza ações e resultados. Estou confiante de que nossas escolhas e esforços no presente serão a base de um legado que inspire confiança e orgulho no futuro.
— Esperamos que sim, vossa alteza. E, o que você pretende trazer como o novo príncipe herdeiro de Verena? Quais são suas prioridades?
Jack respira fundo, tomando um momento antes de responder. A pergunta pesa, e todos na sala sabem disso. Sinto a sala inteira prender a respiração.
— Minha prioridade será estabilizar o reino — ele diz. — Verena passa por tempos difíceis, mas acredito que, com um governo transparente e uma liderança focada, podemos superar qualquer crise. Tenho o apoio necessário e estou preparado para os desafios que virão.
As palavras saem com a segurança que todos esperam. Mas, por um instante, vejo seu olhar vagar, como se estivesse tentando lembrar as palavras exatas que lera minutos antes.
Sr. Morris se volta para mim com um sorriso cortês, mas inquisitivo:
— Lady Isla, sendo uma figura de grande visibilidade ao lado de sua alteza, muitos se perguntam como a senhorita pretende desempenhar seu papel no futuro do reino. Com as expectativas cada vez maiores em torno da futura rainha, como a senhorita se prepara para lidar com a opinião pública e as responsabilidades que virão?
Mordo o lábio com força. Eu só quero que isso acabe logo.
E eu sei lá. Parece pouco justo responder as perguntas dos outros quando se recusam a responder as minhas.
Me endireito na cadeira, com um pequeno sorriso.
— É curioso como as pessoas adoram especular sobre papéis que ainda nem assumi, não acha, Sr.Morris? — A pergunta me escapa por entre os lábios. — Tanta gente parece tão certa, cheias de respostas ou de algo para especular, eu acho isso fascinante, o senhor não? Também tenho um bocado de especulações, sabia? E... Expectativas.
O apresentador arqueia levemente as sobrancelhas e ri de modo súbito. Não sei se é de mim, da minha pergunta ou de nervoso, devido ao desvio breve no roteiro.
Por trás das câmeras, vejo os olhares julgadores e zangados dos assessores. Eles coçam a garganta fazendo sons altos, num intuito bobo de me alertarem. Engraçado que, eu consigo imaginar os telespectadores e é muito semelhante.
Se eles tivessem metade da coragem que esperam de mim, talvez o mundo fosse um lugar melhor. Mas, claro, é sempre mais fácil jogar pedras do lado de fora do castelo.
— Mas... — Decido voltar para o roteiro após um minuto que pareceu uma eternidade — Acredito que, como em qualquer posição, o mais importante será ouvir, aprender e fazer o melhor pelo reino. Afinal, expectativas sempre existirão, mas as ações falam mais alto, não é assim que funciona?
— Concordo, Milady. — É tudo o que ele diz, ao ajustar a gravata.
AIOOOOOOOOOO! Feliz ano novo! Desejo um ano muito abençoado para todos vocês! Que Deus abençoe muito a vida de cada um!
Tudo bem com vocês? Como vocês estão?
Voltei com o capítulo curto, mas pelo menos tenho a intenção de estar de volta e terminar esse livro kkkkkkkkkkkkk
Uma das metas para 2025 (embora tenha sido a minha meta para o ano passado também).
Vamos que vamos!
Eu volto logo tá gente? Prometo!
Tiau!
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