17 - Coisas incríveis, coisas terríveis
Depois do jantar, dormi por algumas horas. Não tanto quanto eu deveria, nesse momento, o relógio do tablet em cima da minha cama marca três e quatro da manhã.
Assistia um vídeo no YouTube do Dracma de 1997 quando peguei no sono. Foi difícil tirar da cabeça que os meus pais participaram da competição, eu não sabia disso antes e não consigo parar de pensar que eu deveria saber. Vinte anos nem é tanto tempo assim; não para sumir com eles.
Nunca tinha parado para assistir a minha mãe. Não como agora, e é tão esquisito.
Ela, meu pai e Amelie eram pessoas que estiveram vivas um dia e que não estão mais. A matéria que constituía seus corpos deixou de ser o que costumava ser, e eles foram para algum outro lugar.
Pode parecer óbvio quando se fala de pessoas mortas, mas não é. Não para a pessoa que ainda sou. Acho que perdi essa noção, pode ser porque deles, tenho o que ouço falar e nada muito além disso.
Em tempo nenhum conhecerei a sensação de estar na mesma sala que os meus pais; sentir a presença deles como consigo sentir a mudança do clima quando chove; perguntar como era o inverno antes de eu estar aqui, e se o que dizem sobre o aquecimento global é realmente uma dessas verdades assombrosas;
Me sinto uma boba quando penso a respeito, porque são apenas ilusões de alguém que se foi, mas que poderia ter sido. Eu já disse, eles estiveram aqui por algum tempo e não estão mais, e preciso ser esperta o bastante para não lamentar ter perdido algo que eu nunca tive.
E, falando em nunca ter tido... Posso acrescentar uma boa noite de sono nessa lista.
Não me lembro de uma época em que eu não conhecia a privação de sono; apesar de não saber exatamente o que ela era ou como funcionava, creio que fomos apresentadas quando eu ainda era muito pequena, ela grudou em mim como um chiclete gruda no cabelo e não me soltou mais.
Não dei tanta importância no início, mas agora, acho que a nossa relação se tornou alguma coisa meio tóxica.
Eu deveria estar dormindo.
Na minha cama tem um notebook com quinhentas abas abertas, um tablet, alguns cadernos com as minhas anotações de literatura verenense e uma bandeja com um chá que deve estar mais frio que os meus pés. Para resumir, está uma bagunça, e coincidentemente, sinto que a minha cabeça também.
As paredes do quarto ainda soam estranhas para o meu cérebro; cada contorno, cada ornamento, até o jeito que a luz fria da lua entra pela janela.
Ultimamente tenho sentindo um nó crescer na minha garganta quando penso na minha casa no Belleville: um aperto súbito no peito, chega a surrupiar um fôlego ou outro. Será isso o que comumente chamam de "Saudade"? Essa tal de saudade também pode ter o cheiro de neve? Pode soar como a Canção dos sinos? E cheirar a páginas de algum livro da Bruxa Onilda?
Que nome dão quando alguém reencontra sua criança perdida nas lembranças? Quando o seu eu é reconhece alguém que costumava ser?
Acho que alimento essas perguntas porque a cada memória resgatada, me sinto inclinada a crer que a pequena Isla não resistiu. Ela pereceu na margem daquele riacho; ela não pôde crescer, e eu estou aqui no lugar dela.
Quanto mais penso, menos entendo.
Estou curiosa sobre a proximidade da Rosana com a rainha Amelie, e até mesmo com o fato de lembrar que o Thomas parecia alguma espécie de Louva-Deus desbotado.
Por isso não consigo dormir. Eu não posso dormir.
Depois de virar, mexer e lutar com a desordem da minha cama por um longo período, resolvo levantar de uma vez e perambular sozinha, descalça e de pijama até a cozinha do castelo.
No segundo em que movo a maçaneta de uma das portas do meu quarto para abri-la, percebo alguma coisa felpuda e quentinha tocar os meus pés.
Ao olhar para baixo, me deparo com uma versão canina menos feroz e mais babona de um lobo-do-ártico, deitada na entrada do meu quarto.
— Mo-Mortícia? — sussurro no mesmo instante — O que está fazendo aqui?
A cadela gira uma vez, senta e me encara com os olhos grandes e cintilantes, inclinando a cabeça como se entendesse cada palavra.
Olho para os dois lados do corredor, há um guarda em cada canto e somente.
Até onde sei, o quarto do Thomas não fica tão próximo do meu. Fred mencionou algo outro dia sobre ser em uma das torres da ala leste. Não sei como ele sabe disso ou se já esteve por lá, eu não perguntei; acho que só deixei claro para o meu irmão que não gosto nadinha dessa aproximação repentina com alguém que ele mal conhece, assim como não gosto de ver o Thomas com a Lou, pelo mesmo motivo. Afinal, se a cadela está tão longe dele, não deve ser por uma boa razão, dizem que animais pressentem coisas ruins, ou de repente, são atraídas por elas — Isso explicaria a cadela estar na minha porta agora.
Aproximo uma das minhas mãos, estendendo para que ela cheire. Mortícia se anima, abana o rabo e começa a lamber os meus dedos.
Eu deveria ter previsto. Não tive contato com muitos cachorros, mas os que conheço nunca foram muito seletivos antes de colocar a boca em alguma coisa.
— O seu dono largou você sozinha pelo castelo? — Acabo agachando para que ela brinque com a outra mão — Não me parece uma coisa muito legal.
Permito sentir a pelugem fofa das orelhas, sei que não sou boa em demonstrar carinho, mas ela parece gostar do que estou fazendo.
— Vamos... — Me coloco em pé — De repente encontramos algo para você na cozinha.
E então, tomo meu caminho pelo corredor.
Desço por uma das escadas de acesso rápido a ala sul e fico feliz em não presenciar nada incomum, além de mais guardas em frente às portas dos quartos. Não vejo fantasmas, almas penadas, nem gnomos ou duendes. Nem mesmo o rei rato e seu exército.
As noites no palácio parecem ficar cada vez mais silenciosas, especialmente depois dos últimos acontecimentos, a ronda da guarda triplicou.
A barra está limpa, eu não tenho o porquê aflorar alguma fobia inoportuna ao andar sozinha na escuridão de madrugada. Não está tão escuro assim, nos corredores tem pequenas luzinhas para iluminar o caminho, além das luminárias acesas do jardim lá fora.
No mais, também não estou sozinha de verdade, a lobinha e a silhueta de nossas sombras estão comigo.
Quando finalmente chego na ampla cozinha, percebo de imediato que se eu tinha dificuldade para fazer um chá na cozinha do Belleville, nessa será uma missão quase impossível.
Não digo isso pela minha questionável capacidade de pegar o chá e esquentar a água, mas sim pela quantidade de geladeiras, armários e potes. É praticamente uma prova do campeonato Dracma.
Suspiro em frustração adentrando o lugar, e consigo rir por dois segundos quando vejo Mortícia encontrando um dos potes de ração em um dos cantos da sala.
— Pelo menos uma de nós. — Cochicho.
— Interessante. — A voz da Rosana faz com que eu solte um grito não muito alto, que é abafado pela minha mão indo de encontro a minha boca.
Rodopio para olha-la, enquanto a luz da cozinha ascende após a ruiva ter se inclinado até a parede para apertar o interruptor.
Minha madrasta está sentada próxima a uma das bancadas feitas de pedra, bebendo o que parecia ser chá de camomila.
— Falou mais com o cachorro do que com os membros da corte no jantar de boas-vindas. — Ela completa.
— O que faz acordada? — questiono.
O cabelo esgrouvinhado e o casaco Borgonha por cima do pijama me faz pensar que eu não sou a única a ter problemas para dormir, sequer tentar resolve-los com uma xícara de chá, mas eu precisava perguntar.
— Receio que a agitação do evento tenha tirado boa parte do meu sono — explica, encarando a xícara na mesa, entre suas mãos. — Camomila? — Ela oferece ao empurrar uma bandeja com a chaleira e um açucareiro em cima.
Desço os olhos até a bandeja dourada, os levou até ela em seguida, e faço isso mais alguns vezes antes de encorajar os meus pés a se aproximarem.
— Não tem de maracujá? — Pergunto, me sentando em uma das cadeiras a sua frente.
— Eu não encontrei, e muito sinceramente, não estou com muita disposição para procurar por esses armários. — Rosana fala, mexendo a bebida com uma colherzinha.
Não demoro muito para pegar uma xícara e me servir, e diferente da minha madrasta eu rejeitei o açúcar. Estou sem um pingo de sono, não posso arriscar.
No mais, o chá não está ruim, na verdade, está bom — bom para um chá.
O que é muito estranho, já que Rosana não chegava perto da cozinha quando estávamos na nossa casa, tudo sempre foi preparado pela Lenna.
— Estou surpresa por ter conseguido usar a chaleira — Admito.
Rosana me encara e assente.
— Sabe, eu também — ela confessa.
Dou outro gole generoso, e desvio a minha atenção.
Posso dizer que um novo dia se inicia, e por ora, é o nosso maior embate: Ela me olha, eu olho para ela, tudo isso furtivamente, enquanto o tilintar da porcelana preenche um vazio desconfortável.
— Rosana... — Coço a garganta, segurando a xícara com as duas mãos para assoprar o chá, algo que ela certamente repreenderia se estivéssemos num café da manhã formal — Eu estive pensando no que a Lady Electra disse sobre a minha mãe.
Rosana ergue o queixo e seus olhos fixam nos meus.
— Devia ter me contado — falo sem muita força, sem exigências e até mesmo sem muita vontade, mas falo — Por que não contou?
Ela foge do contato visual outra vez ao olhar para as próprias mãos, respira fundo e balança a cabeça.
— Eu não sei. — Seu tom de voz não vacila. Ele é firme, certeiro.
As pessoas por aqui não são somente utentes da mentira, como também são da omissão, e eu perdi o interesse de brincar de esconde-esconde.
Em resposta, faço que sim devagar e suspiro:
— Você costuma dizer que nossas discussões são cansativas. Especialmente, quando eu descubro alguma coisa que esconderam, como se eu fosse... Eu sei lá. — Uno as sobrancelhas — Por quê fazem isso? Acham que eu não dou conta? Ou só têm preguiça de usar dois minutos do seu tempo pra me explicar um detalhe bobo sobre alguém quem eu deviria conhecer? — Minha voz, diferente da dela não está firme. Ela parece flutuar no ambiente, soa sem ânimo. — Sabe, isso é cansativo pra mim também. Extenuante.
Rosana abre a boca para rebater como sempre faz, onde mal parece processar e analisar as palavras ditas por mim. Ela sempre retruca sem nem pensar, ou como se tivesse premeditado nossa conversa inteira e decorado cada fala.
Ela sempre o faz e abriu a boca para fazê-lo, no entanto, para a minha surpresa, dessa vez, ela hesitou:
— Escuta... — bebeu mais um pouco do chá — Não queria estar tendo esse tipo de conversa agora, mas já que está aqui e tocou no assunto, talvez eu precise deixar bem claro que não fiz, tampouco estou fazendo da minha vida um jogo para esconder as coisas de você. Se omiti certas informações foi porque acreditei, por algum motivo, que naquele momento estava fazendo o que era melhor, para te poupar.
Sinto que estou franzindo ainda mais as sobrancelhas.
— Se a sua principal e única intenção é evitar meu sofrimento e eu duvido que seja... — dou uma ênfase no final dessa frase — Acho que na bíblia diz que no mundo teremos aflições, e se está na bíblia é verdade, não é? — Ela até tenta responder, mas eu continuo — Sendo assim não seria melhor se você poupasse os seus esforços nessa tentativa de "me poupar" do sofrimento, porque não é só algo descabido, como também é impossível.
A ruiva é quem está franzindo as sobrancelhas agora, enquanto analisa cada termo dito.
— Acredita que não tem passado por "aflições" o suficiente? — Questiona, confusa.
— Eu não disse isso. — Coloco a minha xícara sobre a mesa — Mas acredito que a maioria delas derivaram de uma grande, imensa, e numerosa lista de mentiras e omissões. Se eu pergunto, você mente ou omite. Gosta muito de omitir ou só não gosta de lidar com perguntas?
— Um pouco dos dois, de certo modo — Ver ela admitir me espanta — Eu adoraria poder esquecer de muita coisa, e de não reviver toda vez que alguém toca no assunto.
— "Alguém"? — repito a palavra como se eu repetisse um nome no qual gostaria de memorizar — Se refere a mim? Se sim saiba que se parasse de esconder, talvez eu parasse de perguntar — Sou totalmente sugestiva aqui, mais uma vez sem exigências.
Rosana nega.
— Não é bem assim que funciona. Perguntas nem sempre te levam até as respostas, as vezes você só encontra mais perguntas.
— A Vovó Ophelia fala isso — Digo, percebendo que pela primeira vez, consigo ver alguma semelhança entre as duas.
— É, ela fala — resmunga.
Rosana e vovó Ophelia são como a dia e a noite, apesar de cultivarem uma relação bem próxima.
Não faço ideia de como a minha mãe era, mas escuto com uma certa que eu e ela somos muito parecidas, gostaria de saber se isso se limita ao físico.
— Acha que eu me pareço com ela? — Olho para a mulher cujo as sobrancelhas voltam a se franzir. — Com a minha mãe?
Rosana relaxa os ombros, arqueia o olhar e deixa o ar sair dos seus pulmões.
— Bom, a semelhança é inegável. O cabelo, os olhos...
— Não — Interrompo, sacudindo a cabeça — Não me refiro ao externo. Eu me pareço com a minha mãe de outras maneiras?
— Por que a pergunta?
— Estive me questionando se uma pessoa pode parecer ou lembrar alguém que ela não conheceu. Isso é possível? Tem algo que fica impregnado no DNA? O jeito de falar, certas manias, ou... Eu sei lá. Me pareço com a minha mãe em algum aspecto que somente alguém que falou com ela por mais de cinco minutos repararia?
Mantenho o olhar atento a minha madrasta. Ela não diz nada tão rapidamente, por isso me dou ao luxo de acrescentar:
— E, pode me dizer a verdade?
— É curioso, mas sim — ela responde de uma vez — Você parece muito com ela. O modo de falar, certos olhares e maneiras de agir. É quase como se Annelise ainda estivesse aqui.
— Isso é uma coisa boa?
Rosana não me entende, vejo que não.
— Por que não seria?
— Porque das coisas que sei dela, não gosto da maioria e... Ela está morta. — falo, dando os ombros — Não somos o exemplo mais bonito de um ser humano, as duas estão envolvidas com o Dracma, com a corte. Acabo me perguntando se vou passar dos vinte e cinco anos e...
— Embora sejam muito semelhantes vocês não são a mesma pessoa — Ela não espera eu concluir — Não deveria encher a sua cabeça com esse tipo de asneira.
Coloco alguns fios de cabelo atrás da orelha.
— Vou ser insistente ao dizer que de repente penso essas "asneiras" porque não conheço toda a verdade, e o que conheço é tão vago quanto uma peça de quebra-cabeça solta. Seja honesta, no meu lugar você também se sentiria assim.
Rosana parece cansada, e eu não constatei isso pela ausência da maquiagem no seu rosto ou pela maneira como está falando comigo: Sem veemência, sem ordens. É quase como se ela estivesse baixando a guarda, um desses fenômenos atípicos que ocorrem de tempos em tempos.
Talvez eu devesse aproveitar, afinal, o cometa Halley passa a cada 76 anos, eclipses lunares ocorrem umas duas vezes no ano. Vai saber quando será a próxima vez que a Rosana me permitirá falar com ela sem se munir por completo?
— Minha mãe infernizou a sua vida no Salgueiro e você me disse uma vez que tiveram uma amizade complicada um tempo depois. Cinco anos depois da morte dela meu pai e você se casaram. Como isso foi possível? Não foi... Estranho? — Eu estava guardando essa pergunta há meses, e a despejei assim, sem cerimônia e sem prepara-la.
Rosana facilmente poderia dizer que ficou ofendida, torcer o nariz para uma curiosidade inadequada e me dar alguma bronca, entretanto, ela soltou um riso súbito acompanhado de aceno com a cabeça.
— Já disse a você que morei em Analea por alguns anos, não é mesmo?
— Disse. — Faço que sim.
A assisto respirar fundo mais algumas vezes e umedecer os lábios para falar:
— Citando um antigo ditado de lá: "Coisas incríveis e coisas terríveis podem acontecer sob a sombra da mesma árvore". Eles aplicam isso à muitas circunstâncias no mundo, para tudo o que acontece debaixo do céu. E francamente, eu tenho que concordar. Acho que isso se aplicaria bem aos seus pais. Coisas incríveis e coisas terríveis aconteceram conosco e respondendo a sua pergunta: Sim, algumas foram incrivelmente estranhas ou terrivelmente estranhas.
Não tenho muita reação. Não esperava uma resposta e certamente não esperava uma resposta dessa maneira.
— Eu sou capaz de entender como se sente. — Ela continua — Não estou vendando os olhos para o fato de você estar magoada, reconheço seus motivos para viver com tamanha desconfiança; contei uma montanha de mentiras, mas fiz o que tinha que ser feito. Gerei consequências para todos a minha volta, e aprendi a lidar com isso. — Rosana inspira profundamente, alinhando a pequena colher com a xícara em cima da mesa — E eu não espero que entenda isso agora.
Engraçado ela dizer isso, porque eu definitivamente não entendo. Não consigo imaginar um universo onde boas soluções são feitas de mentiras.
— Depois de beber seu chá volte para a cama e tente dormir — Diz, recuando dois passos — Amanhã acordará cedo para a feira de comemoração. Terá um longo dia.
Lentamente, aceno com a cabeça, a observando passar por mim e deixar a cozinha.
— Na quinta passada, na aula de esgrima, o Elliot do segundo ano perguntou pra Megan se ela queria sair com um dos amigos dele — Sentada no meio da minha cama, Harper conta assim que pode.
Ela esperou eu terminar o banho e parece ter aguentado um bocado para falar comigo, pois não parou de falar desde Constance e Cecília me ajudaram com o espartilho e eu finalmente consegui sair do closet com camadas e camadas de tecidos envolvendo o meu corpo.
— Parece que o Ivan tem alguma quedinha por ela, o que é estranho porque eu vi ele com a Paige outro dia, a filha daquele jornalista famoso Martin Morris. Eu te contei que a Nadine amiga da Paige chamou o Dylan para ser o par dela nas festividades do aniversário da Ilha?
Meus olhos descem para o pote de cristal nas mãos dela, e eu juro que ele estava cheio de amendoins coloridos há uns cinco minutos. Algo me diz que ela só não está roendo o esmalte das próprias unhas, porque dentro dos próximos minutos iremos para a feira de abertura das festividades da ilha.
Não faço nenhum comentário a respeito, me sento na beira da cama, e faço que não colocando os brincos nas orelhas.
— Pois é, acho que a Maya ficou meio enciumada, e por isso ela convidou o Enrico para ser o par dela.
— O Enrico? — pergunto. Aquele que rima com pinico?
— É aquele Enrico — Responde como se tivesse lido meus pensamentos — Eu aposto que o Dylan não gostou muito, porque está deixando o garoto como reserva nos treinos de beisebol.
Dylan é bem vingativo quando quer, não ficaria surpresa se isso for verdade, embora eu não entenda muito qual é o problema dele e da Maya, ou entre os dois.
Harp respira fundo antes de prosseguir:
— Enfim, voltando a falar sobre a Megan, quando o Elliot perguntou pra ela se ela queria sair com o Ivan, ela obviamente recusou, mas quando ele perguntou se ela estava namorando alguém ela me olhou por meio segundo, abaixou os olhos e disse que "não"! Você acredita?
Eu não faço nem que sim e nem que não. Não quero que ela pense que eu não me importo com essas histórias. No mais, acho que a pergunta foi retórica, por isso vou continuar apenas ouvindo:
— Nós concordamos em não assumir nada publicamente. Porque "A": ainda não contei para a minha mãe esse detalhe minucioso sobre gostar de garotas. E "B": ela ainda não disse nada explicitamente para a Rosana. Mas é que... A Megan não precisava esconder que está pelo menos "saindo com uma pessoa". E, para ela foi fácil negar. Ela disse "não" para o Elliot com muita facilidade!
Assinto devagar enquanto revisito as suas últimas palavras, cada pausa e respiração prolongada entre elas.
— E pela ênfase que você está dando a essa história toda — digo, apertando os olhos — Suponho que tenha te incomodado pra caramba.
— É claro! — Harper suspira — Faz algumas semanas que ela tem estado estranha. Primeiro achei que era por causa de todas essas mudanças, principalmente nessa mudança para o castelo, mas dias se passaram e eu ainda não entendo. Há uma semana atrás ela me disse que se importava comigo e que eu era "muito importante", só que agora eu sinto ela me afastando.
— Te afastando? A Megan fez algo especifico?
Ela dá os ombros levando mais um punhado de amendoins até a boca.
— Pensei que vocês estavam bem, pareciam bem. — Comento — Já falou com ela sobre isso?
— Eu tentei — Ela engole em seco e eu me levanto para ir até uma das mesinhas de centro do meu quarto, pegar um copo de água que a Cecília trouxe tem uns minutos.
Levo o copo para a Harper que mal consegue dizer seu "obrigada".
— Pelo visto você não teve muito sucesso. — Falo, e se parece muito como uma constatação minha para mim mesma.
Harper faz que não. E respira aliviada depois de beber vários goles d'água.
— Caso não saiba, pode ser muito difícil conversar sobre sentimentos com qualquer pessoa da sua família. É como tentar tirar leite de pedra.
— Sabe, é uma ótima metáfora. — Resmungo indo em direção ao espelho para checar o meu rosto.
Já tem um tempo desde que a equipe de cabelo e maquiagem saíram.
Está tudo muito bem arrumado, digo, eu estou. A sombra nos olhos, o batom, o penteado todo preso e alinhado. Sou eu, e eu não pareço nada comigo.
— Alguma sugestão? — Harper pergunta, se levantando da cama.
— Dá pra amarrar ela numa cadeira e forçar ela falar. — Dou as costas para o meu reflexo e a encaro.
Harper arruma os cachos caindo sobre um dos seus ombros e franze as sobrancelhas.
— Você está bem? Parece preocupada — Ela fecha os olhos e faz uma careta — Ah, me desculpa! Eu estou aqui tagarelando e ainda nem falamos sobre você ter ido ao médico, sobre como foi o jantar ontem à noite. Eu sou uma anta mesmo! Uma mula!
— Deixa de bobeira! Acho que falar sobre seu relacionamento com minha irmã postiça é a coisa mais adolescente que eu fiz nos últimos dias. — Me aproximo dela para centralizar o seu colar com três pedrinhas azuis.
— Mas? — Ela está olhando para mim, fazendo suas apostas com as expressões no meu rosto.
— Mas já que perguntou a respeito... — Ando em direção a porta para me certificar de que ela está fechada e não há ninguém nos ouvindo. — Eu vou mudar o assunto e te contar uma coisa, e não quero que se apavore.
— Não pode dizer isso e esperar que eu não vá ficar apavorada. O que aconteceu?
— Pra começar, aparentemente, não perdi a memória num acidente com um cavalo.
— Como assim? — Seu sorriso some.
— Eu lembrei, na verdade, sonhei com isso. Eu vi um homem e ele pode ter tentado... — Finjo me sufocar — Aconteceu quando eu era criança, talvez muito próximo a data da queda do avião, não sei quando exatamente, mas eu me lembrei disso.
— Você tem certeza?
— Como assim se eu tenho certeza?
— Pode ter acontecido, mas pode ser só a sua cabeça sendo mirabolante outra vez.
— Jura que esse é o seu palpite? — Cruzo os braços — Eu vi. E, sempre que penso nisso consigo sentir o cheiro da água de um riacho e o gosto de sangue na minha boca.
Harper sacode a cabeça.
— Só estou tentando manter os pés no chão. — Ela explica — Você está passando por muita coisa, e sim, os últimos acontecimentos são mirabolantes por si só, mas não é de hoje que tem estado obcecada com a corte e...
— Não é obsessão, Harp. Não é! — Ando para o outro lado do quarto — Eu sei que pode parecer doidice, mas eu juro, parecia muito real. Como quando eu sonhei com a Rosana e...
— Sonhou que estava morta e isso não aconteceu. As pessoas tem sonhos ruins, isso acontece.
— Muito bem. — Caminho até a gaveta da penteadeira, de onde tiro o meu mais novo celular sem trincos.
Desbloqueio e decido mostrar as últimas mensagens com o fantasma.
Harper pega o aparelho da minha mãe e eu a observo passar atentamente os olhos pela conversa num silêncio absoluto durante uns três minutos.
— Meu Deus. — Harper diz — Isso tudo aconteceu na sexta?
— Sabia que a minha mãe participou do Dracma? — Digo, fazendo a abertura da boca dela aumentar — Pois é... E, a Rosana e o Dr. Stevenson conversavam sobre alguma coisa e tinha a ver com ela. Enquanto eles conversavam eu mexi nos prontuários e vi o da minha mãe lá. Tinha um carimbo da "Associação colaborativa dos prestadores de serviços especializados". Eu sabia que eu tinha visto aquelas palavras em algum lugar e eu lembrei, que a funerária que eu fui visitar junto com o Jack no mês passado, Memoriam, faz parte dessa associação. Tinha até um letreiro na entrada do prédio. Isso não é estranho?
— Certo, mas você contou que o homem na funerária disse que foram contratados para fazer o funeral da sua mãe, não foi? Pode ser que façam parte da mesma organização, isso é comum, não é estranho.
— Um hospital e uma funerária fazendo parte de um mesmo grupo não passa muita confiabilidade.
— Pesquisou sobre essa organização? — Harper questiona, eu cruzo os braços e ela revira os olhos em seguida. — É uma pergunta idiota, eu reconheço. Obviamente você pesquisou.
— "A.C.P.S.E" é uma espécie de sociedade anônima, tem serviços espalhados por toda a ilha. Hospitais, observatórios, teatros, hotéis, tem até um borboletário! E advinha qual instituição escolar está vinculada?
Harper pisca por alguns segundos antes de se encorajar a falar:
— O Salgueiro?
Faço que sim várias vezes, os olhos da loirinha estão esbugalhados.
— Assim como o Orfanato Willow. Quando a Rosana escolheu aquele orfanato para visitarmos eu sabia que tinha alguma coisa, mas agora... — Paro para recuperar o ar — E, eu sei que a Rosana e o Dr. Stevenson se conhecem há anos, mas ela parecia muito próxima dele dessa vez. Até falaram do Albert e como Albert, não como o rei ou como "vossa majestade".
— E se fantasma estiver dizendo verdade, parece que o rei sabe de alguma coisa. — Harper sussurra, como se não quisesse. — Será que tem relação com os ataques?
— Eu sei lá! — Bufo — Esse fantasma já me tirou do sério! Eu odeio esses joguinhos, odeio como todo mundo tem me tratado. Eu estou tão cansada de ninguém acreditar em mim, e ninguém me escuta. Eu sinto que pode ter alguma coisa muito errada comigo, e sei que do mesmo jeito que usaram a minha amnésia para esconder o Jack e o Thomas de mim, podem estar escondendo algo a mais.
Eu puxo todo o ar que consigo, acho que o espartilho não está me deixando respirar.
Harper se aproxima de mim, bloqueia o meu celular e me encara com um olhar preocupado:
— O que pretende fazer?
Balanço a cabeça em negação.
— Não tenho a mínima ideia, e estamos prestes a passear em carruagens vestidas como a Maria Antonieta, e fingir que nada está acontecendo.
Tio Albert não deveria andar de carruagem, não é seguro. O presidente John Kennedy morreu numa passeata.
— Vocês ainda estão aqui!— Megan adentra o quarto abruptamente.
— Você não precisa aderir os hábitos horrorosos da sua mãe, sabia? — Reviro os meus olhos enquanto a assisto caminhar na nossa direção.
— Prefere que a mamãe venha? Foi ela quem me mandou ver se você estava pronta. Aliás, está com um péssimo humor.
— Que maravilha. — Resmungo para mim mesma.
Giro em direção a penteadeira para pegar alguns anéis e pelo espelho consigo ver quando Harper e Megan se entreolham sem grandes expressões por alguns segundos. É bem constrangedor.
Oi cara de sagui. Tudo bem ou tudo nhem?
Vi que tem muita gente nova por aqui! Bu, cara de urubu! Bem-vindos!!!
Demorei um pouco mais de uma semana para postar dessa vez. As vezes fica difícil gostar do que eu escrevo, vocês sabem. Eu mexo no texto um zilhão de vezes antes de postar e raramente gosto do resultado.
Por esse motivo, peço desculpas estiver meio blé.
As festividades da ilha começaram, e logo logo o campeonato dracma vai começar. Eu já vou pedir encarecidamente para desacostumarem com a "calmaria". Se acham que a Isla não tem sossego, não imaginam o que está por vir.
Encontrei uma imagem que resume bem a Rosana:
Hihihi.
O que acharam dela e da Isla conversando civilizadamente?
O que acham que rolou entre Annelise, Frederick pai e Rosana?
Sobre a Associação colaborativa dos prestadores de serviços especializados. Alguma teoria? Nome grandinho né, também achei.
O que acharam da Isla falando com a Harp?
Harp e Megan estão ruindo?
Ansiosos para a feira? Hihi
Eu volto longuíssimo. Está bem?
Um beijo grande para vocês! Cheiros!
Tiau!
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