08 - A revolução das meias 3/4
Eu tropecei na entrada do colégio assim que cheguei.
Uso botas de salto alto desde meus quinze anos. Nunca fiz objeção alguma em usá-las, apesar dos comentários da Megan e da Maya sobre as minhas pernas compridas, e dos assessores dizendo que não seria agradável aos olhos eu ser uma garota tão alta.
Mas agora, parece que tenho uma objeção e de repente me parece certo ter. Eu tropecei.
As pessoas no Salgueiro estão me olhando como se eu fosse uma bruxa prestes a ser queimada em praça pública. E, de algum modo, é exatamente como eu me sinto.
Harp cochichou há um minuto para eu não dar a mínima aos olhares curiosos; e, não que eu me importe, mas nessa altura do campeonato não veria problema em ser uma bruxa de verdade para poder jogar uma praga em todos eles.
Estou com tanta raiva. Afinal, o que eles sabem? Não sabem de absolutamente nada. Nenhum deles. Eles não conhecem nem a sombra da verdade ou de tudo o que eu sei.
Ok. Grande coisa que eu vou participar do campeonato. Não é como se isso nunca tivesse sido especulado entre eles. Na verdade, poderia ser bem previsível partindo do pressuposto de que estou noiva do príncipe.
Grande coisa que, de repente, ele tem um irmão gêmeo. E daí? E daí que ele vai competir por outro país? Isso não deveria mudar tanto as coisas assim.
Acontece que muda e muda até demais. Inferno! Merda! Mais que grande merda!
Quero esganar a Rosana, o tio Albert, o Jack e quero matar o Thomas. Começaria por ele sem problemas, já que é praticamente a fonte de todos esses problemas.
— Isla, chega! — Harper grita durante o almoço no refeitório, tirando o pão de batata da minha mão.
É definitivamente um dia atípico. Eu tropeço e a Harper grita comigo, na frente do Dylan, das gêmeas e da metade do colégio.
Paraliso, nem pisco e ao mesmo tempo cabeças se inclinam na nossa direção, fazendo a loirinha se dar conta do que acaba de fazer.
Ela coça a garganta e sorri de nervoso, mas no segundo que olha ao redor, os enxeridos disfarçam e voltam a comer.
— Me desculpe. — Sussurra, ajeitando os fios de cabelo desgrenhados atrás da orelha. — Mas...O pãozinho não tem culpa de nada! Por que está esfolando ele? Aconteceu alguma coisa hoje de manhã?
— Além de estar em todos os jornais que agora eu faço parte do Dracma com o filho do rei? — Rebato sem demora e de uma maneira meio retórica.
— É além disso. — Faz que sim múltiplas vezes. — Você não fala nada há horas e já foi barrada por três monitores porque decidiu de maneira misteriosa e inexplicável tirar as suas botas e andar com os pés descalços pela escola!
— É, você é uma das líderes do conselho. — Megan se intromete na conversa. — O regulamento de vestimenta não diz que...
— O regulamento proíbe os alunos andarem descalços pelo colégio. — Não a deixo concluir. — Mas eu não estou. Estou usando as meias 3/4 que também fazem parte do uniforme!
— Ela achou uma brecha no regulamento para se safar. — Dylan resmunga, sentado ao meu lado. — Uma governante nata!
O quê eu posso dizer? Rosana me ensinou tudo.
— Isla, o que aconteceu? — Harper insiste com os olhos bem fixos nos meus.
Ela sabe que tem alguma coisa, e talvez tenha, só não sei se saberia explicar.
— Nada. — Bufo, relaxando os ombros.
— Jura? — Maya arqueia as sobrancelhas — Eu duvido.
— Ela parece normalmente raivosa e estranha pra mim. Sempre é assim. — Megan caçoa. —E... Acho que está por um fio de ficar ainda mais... — Agora está olhando para algo ou alguém atrás de mim. — Três, dois, um...
— Isla, a gente pode conversar? — Ouço a voz da Emma em seguida.
Existem certos limites do que eu posso aguentar, e parece que o universo resolveu ultrapassar todos eles.
Sei que costumo ser teimosa e na maioria das vezes insuportável. No entanto, preciso me dar esse direito por ora. Um pouco mais do que o de costume. É uma questão é de sobrevivência.
Por essa razão me recuso a mover um musculo sequer para olhá-la.
— Não, esquece. — Falo.
— Por favor, é definitivamente muito, muito importante.
O nervosismo é mais do que perceptível em sua respiração.
Se eu for mais insistente posso me livrar dela.
— Ah, entendi. — Encaro as minhas unhas pintadas de esmalte cintilante. — Então definitivamente não.
Elevo o olhar até o da Harper, quem suspira.
— Poderia apenas ouvir? — Cochicha para mim. — Isso não vai matar você.
— Quem me dera se fosse. — Resmungo e a loirinha me fuzila com o olhar.
Só de pensar que pela manhã prometi a mim mesma que não me submeteria a isso, me faz desejar ainda menos "apenas ouvir" o que Emma tem a dizer.
— Você vai acabar me enlouquecendo com esse treco de consciência, Harper. — Bato as mãos na mesa antes de levantar e me afastar.
Atravesso o refeitório acompanhada da Emma, ignorando o chão frio e como a poeira impregnada nele possivelmente está sujando o tecido das minhas meias.
Andamos durante quatro silenciosos minutos até a biblioteca, cercados pelos mexericos daqueles que nos viu.
E da mesma maneira em que busco evitá-los, ainda estou considerando se devo e se preciso ouvir alguma coisa da ratinha. A verdade mais nua e crua é que eu não quero.
Não deveria querer. Eu não sei o que eu quero. Não quero nada; Quero chutar o balde ou a bunda do Jack por me fazer passar por tudo isso.
Quando paro de andar giro o meu corpo na direção da garota e finalmente encaro o rosto de quem parece não dormir direito há alguns dias. É muito familiar.
— O-que aconteceu com os seus sapatos? Por que está descalça?
É complicado identificar se ela está curiosa ou preocupada.
— Não estou descalça, estou de meias. — Digo, cruzando os meus braços e me escorando em uma das estantes. — O que você quer?
Estamos longe dos demais alunos. Longe o bastante para não sermos ouvidas, mas não o suficiente para não sermos vistas.
— Eu só quero... — Ela leva o olhar para as próprias mãos por uns instantes antes de me encarar. — Eu não sei...
Ergo as sobrancelhas esperando. Ainda esperando.
— Olha... Eu não preparei nada. Não tenho nada pronto para dizer, eu só... Só queria dizer que eu sinto muito. E, eu também sinto... E sei que tenho uma parcela de culpa em tudo o que está acontecendo com você. Eu sinto muito mesmo pelo o que houve na sua casa e....
— Emma, pode pular essa parte. Todos lamentam é o que todos dizem.
— Me deixar falar, por favor, Isla.
Desmancho os braços e os deixo bater nas laterais do meu corpo.
Necessito encontrar nas profundezas do meu ser qualquer resquício de paciência.
Eu ainda estou esperando. Tic. Tac.
— Eu deveria ter contado para você sobre mim e o Jack... Ou príncipe Jackson, como preferir! — Prossegue. — Se não contei foi porque não parecia certo contar.... As coisas eram estranhas antes e não que não estejam agora, só que... Era uma coisa boba e completamente juvenil, sem importância. — Engole em seco. — Eu... Eu sinto a sua falta e das suas maluquices. Sinto falta das meninas eu... Eu quero me redimir com você.
Dou de ombros.
— E eu não vejo como.
Não poderia ser mais sincera.
— Por favor...
Emma balança a cabeça em negação.
— Não precisa fazer esse drama, Emma. Hoje está agindo como se gostasse de mim, mas se isso fosse verdade, se fosse realmente a verdade... Teria sido honesta comigo em qualquer das oportunidades que você teve. — Ela tenta se defender, mas eu continuo. — E a questão não e só o Jackson. Não costumo confiar nas pessoas, e me dei ao luxo de confiar em você. Em vocês dois e agora eu aprendi.
— Eu só estava com medo.
— Você foi egoísta... — Rebato. — Vai ter que aprender a lidar com as consequências. Acredite, sobre egoísmo eu entendo e sobre consequências também.
— Eu faço o que você quiser... Me afasto do Jack definitivamente se preferir...
— Por que eu iria querer isso? — Torço o nariz.
Emma esconde o rosto com as mãos enquanto respira devagar as deixando deslizar sobre ele.
— Eu não sei. Eu... Eu só quero consertar as coisas. Principalmente com você. Sei que é difícil acreditar e confiar em mim. E eu mereço. Eu pisei na bola, mas só porque estava completamente assustada.
Parece estar a beira do choro.
— Você sabe o que é isso, Isla? Cometer um erro e se arrepender? Conhece a sensação?
Emma até soa bem convincente. Contudo, é tudo o que meu cérebro enxerga. O parecer.
— Não dá. — Não elevo o tom de voz, procuro ser firme, somente. — Eu não posso e nem conseguiria acreditar em qualquer sílaba que venha a sair da sua boca. E... Preciso de espaço.
Preciso ser honesta sobre o que estou sentindo, mesmo que por uma fração mínima de tempo.
Desvio o olhar para a região das mesas, onde há alguns dos estudantes.
É quando consigo ver Thomas pela visão periférica, caminhando para o fundo da biblioteca, com uma mochila pendurada em um dos ombros, distraído demais com os letreiros indicando as seções para me ver.
Talvez seja a hora certa de confrontá-lo.
— Não se afaste do Jackson por minha causa. — Devolvo a atenção para a Emma que franze a testa. — Agora, se você puder me dar licença, tenho outras pendências para resolver.
Não dou tempo para respostas, me distancio de maneira abrupta.
Por algum motivo, pego um grampeador de uma das escrivaninhas e avanço em direção das últimas estantes, procurando o imbecil do irmão do Jackson entre elas.
O encontro devolvendo alguns livros para as prateleiras; Leva alguns segundos quebrados até ele perceber a minha presença.
— Nico...
Ele não consegue terminar. Sem demora, uso a força que tenho para empurrá-lo contra a parede com a mão livre e o ameaço com o grampeador usando a outra.
Thomas ergue as suas mãos em redenção.
Me encarando atônito, a vossa alteza ressurgida das trevas molha os lábios antes de falar:
— Posso perguntar o porquê disso?
Cínico miserável.
— Guns N' roses?
Sua boca se articula como se fosse responder, só que hesita antes de fazê-lo.
— É de fato uma ótima banda. — Diz, simplesmente. Forçando um sorriso.
— Idiota, babaca, manipulador! — Quero gritar, não posso, por isso sussurro.
— Juro que não é o que parece.
— Ah, você jura? Vai negar que esteve fingindo ser o Jackson e que esteve se aproveitando de uma situação! Aposto que esteve se divertindo muito as minhas custas!
— Garanto que posso negar mais da metade das suas acusações.
Idiota. Idiota. Idiota. Ele. E mais ainda eu!
— Era você! — Minha mão está prestes a subir pelo pescoço dele. — Era você na biblioteca naquele dia, não era? A menos que vocês tenham um outro irmão com a mesma fuça, porque evidentemente o Jackson não era!
— É, era eu, mas...
— Por que estava aqui? E por que me deixou.... Aí, que nojento! Você se aproveitou das circunstâncias, Thomas!
— Nicolina, o que você queria que eu fizesse? — Replica sussurrando de volta. — Queria que eu tivesse fugido de você enquanto eu gritava "Oh, foi mal, mas você deve estar me confundindo com o meu irmão".
— É! Era exatamente o que você devia ter feito. Tem ideia do quanto isso é doentio e repugnante?
— Repugnante? — Ri com desdém.
— E bem bisonho. — Acrescento entredentes.
Ele assente, quase como se concordasse comigo. Sequentemente, respira de forma lenta e profunda.
— É, eu estava aqui naquele dia. — Diz e eu elevo o grampeador sobre o rosto dele — Mas não fui procurar por você e não faria isso com a intenção de fingir ser o Jackson!
Paro e aperto as pálpebras.
— O que estava fazendo no salgueiro?
— É difícil de explicar. — Seus olhos percorrem a minha mão que o aperta contra os tijolos e a outra segurando o grampeador como quem irá lhe dar um golpe a qualquer momento. — Teria como abaixar esse grampeador?
Não. Não. Não. Eu deveria ter sabido. Eu deveria ter suspeitado de algo.
Sopro a mecha de cabelo caindo sobre o meu rosto, contendo a minha vontade de terminar o que eu comecei.
Não posso me culpar por ter confundido os dois. Thomas usando o uniforme do Salgueiro, passaria desapercebido pelo Jackson sem problema algum.
Aos poucos, recupero o meu fluxo respiratório e me afasto dele.
— E... — Umedeco lábios, jogando o grampeador em um dos cantos. — O Jack sabe disso?
É surpreendente como Thomas parece estar sem resposta. Nenhuma pronta, nada na ponta da língua.
Tudo o que eu tenho é um olhar desviado e um suspiro frustrado.
— Ah, ele não sabe. — Rio outra vez. Agora é do mais puro desespero.
Torno a escorar em uma das estantes.
Eu quero desaparecer. Eu não acredito que isso está acontecendo. Justo comigo.
— Melhor mantermos assim. — Acabo concluindo em voz alta e isso provavelmente o confunde.
— Vou precisar mais do que isso para entender. — Usa o polegar para coçar acima da sobrancelha.
Dou os ombros, estou quase escorregando e me sentando no chão.
— As coisas estão esquisitas. Não precisam ficar mais embaraçosas e ainda mais estranhas. Não precisamos de mais dramas.
— Disse a garota das meias.
O assisto revirar os olhos com uma irreverência habitual. É quase como um déjà vu.
Anéis. Thomas parece ter um apresso por eles. Acho que o Jack não.
— E não foi a única vez, não é? — Disparo, ficando ajeitando a minha postura, capturando toda a atenção dele outra vez — Onde? Quando? Quantas vezes?
— Esporadicamente. — Fala arrumando a mochila em seu ombro.
— Vou precisar de mais do que isso para entender. — Cruzo os braços.
Ele assente inexpressivo.
— Isla... — Escuto Maya correr ofegante e surgir entre as colunas de livros. — Ainda bem que eu achei você. — Percebe o Thomas atrás de mim. — Vocês... — Aponta para nós dois. — É o Jack.
— O que tem o Jack? — Questiono fingindo desinteresse.
— Ele está na enfermaria... — Conta apoiando as mãos nos joelhos. — Ele...
Travo. Pela segunda vez no dia.
— O que aconteceu com o meu irmão? — Thomas se aproxima. Deve haver um pingo de preocupação na sua voz. Eu sei lá.
— Está na enfermaria...
— Já disse isso, por que ele está na enfermaria? — Inquiro sem piscar.
— O olho... Ele... — Maya encara meus pés. — Ainda está descalça?
— Eu não estou descalça, estou de meias, droga! — Coloco as mãos nos ombros dela. — Maya, o que aconteceu com o Jack?
— Foi uma briga no vestiário...
— Uma briga? — O príncipe do mundo invertido está tão confuso quanto eu.
— É, com o time de beisebol. O Salgueiro está uma doidera... Teve essa briga e parece que os pirralhos da ala leste e todo o ensino básico estão andando de meias pela escola.
Sem mais bizarrices, Isla. Sem mais dramas.
Perdão se houve algum erro.
E aí? Gostaram?
Acha que Isla começou uma revolução no Salgueiro?
Acha que a diretoria deveria proibir os granpeadores a partir de agora?
O que acham de como a Islazita esta lidando com as coisas?
Thomas mereceu? Ou a Isla é meio psicopata?
O que aconteceu com o Jack?
Acham que ele tá bem?
E como vocês estão? Tudo joia?
Eu avisei que ia voltar. Se dependesse só de mim, acho que voltaria com mais frequência.
Minha vida deu uma virada doida, mas está tudo bem. Eu juro. Quero contar tudo melhor, só quero saber organizar as palavras.
De qualquer maneira, obrigada pelas palavras de incentivo, obrigada por se preocuparem comigo e por não desistirem da história.
Foi bem difícil organizar as palavras nesse capítulo. Até porque, eu fiquei um tempão sem escrever uma frase. Peço desculpas se algo está feio, sem sentido. Eu vou reler e arrumo depois.
Agora, sobre os próximos capítulos:
Eu vou tentar voltar no próximo sábado. Tapom?
Também estou me programando pra atualizar os outros livros e é isso.
Obrigada se você ficou esperando. Obrigada por ainda estar aqui.
Beijos e salamandras!
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