05 - A arte de contar mentiras
Capítulo tá comprido e cheio de coisa, peguem a pipoca!
Acho que vou vomitar.
Estamos há quase dez minutos empacados no meio da rua, a entrada principal está lotada de paparazzi.
Devíamos ter previsto isso. Eu devia ter constatado o óbvio, os sugadores de almas não perderiam tamanha oportunidade.
Ao som de Listen To You Heart, espio os seguranças do colégio tentando liberar a passagem, tirando as pessoas da frente do carro, mas a cena é desesperadora. Se equipara a algum mal irreparável, uma dessas infestações sem solução; pois sempre que afastam um, outro toma conta do lugar.
A música no rádio de repente para e tudo o que eu ouço são os gritos, as pessoas chamando o meu nome, os murros no vidro escuro e na lataria da limusine.
Me sinto um inseto prestes a ser estraçalhado e me recuso a olhar.
Megan, Maya e Fred não emitem o menor ruído, e embora eu mantenha os olhos fincados nas minhas mãos, sei que os dedos deles deixaram de rolar as telas dos celulares, porque não há nada mais espantoso.
É hediondo; Humanos se atirando na frente dos veículos apenas para conseguir uma foto.
Isso faz eu me questionar do porquê ainda não fomos extintos se a espécie humana tem o instinto de fazer tanta burrada.
Quando Harry finalmente consegue passar, ele pega a rota de emergência em direção a entrada dos fundos, seguindo o carro da guarda real, onde Jack e Thomas estão.
É. Pedi para Harry nos trazer. Nem morta iria no mesmo carro com aqueles dois, já é esquisito o bastante me juntar a eles no café da manhã.
Contudo, estar num carro diferente não me impediu de chegar junto com as vossas altezas. Poderia ter me poupado dez minutos de assédio da mídia se tivesse me atrasado um pouco.
O estacionamento dos funcionários costuma ser bem reservado. A diretora Piper se esforça para manter a ordem e pede para os alunos não ficarem zanzando nessa área, mas devem ter se esquecido disso, tem aluno para todos os lados.
E cada criatura conduz a sua atenção a nós. Até mesmo Cornélio, o inspetor mais desinteressado que eu conheço, parece curioso e superinteressado.
— Irei esperar as senhoritas aqui depois da última aula. — Harry diz assim que coloco os meus pés para fora da limusine, enquanto segura a porta do carro para mim. — Se precisar de alguma coisa, qualquer coisa... Não hesite em ligar. É só ligar.
Faço que sim, ajeitando a alça da bolsa no meu ombro esquerdo, ignorando as piruetas do meu estômago.
Mas que merda. Há muitos pares de olhos arregalados, transbordando a bisbilhotice aguda. Até parece o primeiro dia de aula.
— Boa sorte, Milady.
Harry é péssimo em esconder o que sente, é nítida a sua preocupação. Ele quase acompanhou Fred até a porta da ala leste.
— Obrigada. — Tento sorrir, instantes antes de caminhar para dentro da construção.
Simon, Declan, Cristian e Arthur seguem as gêmeas e eu.
Pelo canto do olho, consigo ver mais quatro homens escoltando os príncipes, inclusive Logan, o guarda disfarçado menos disfarçado de todos os tempos.
Cruzo o primeiro corredor desejando me desunir da minha pele ou só estar na de outra pessoa. Qualquer uma, sem objeções.
As espiadas invasivas não cessam, tampouco os murmúrios, mas ninguém ousa se aproximar.
O debate no café da manhã sobre os guardas começa a fazer sentido. Eles e suas carrancas impõem um certo medo.
Continuo andando, mantendo o olhar à frente e os ombros erguidos; Rosana me mataria se eu demonstrasse o menor incômodo e fragilidade a mexericos.
Encontrei Harp e Dylan próximos ao meu armário, eles me esperavam para a primeira aula, e deve ser a coisa mais normal que aconteceu comigo até o momento.
Admito ter pensado em me ocupar com as atividades do Salgueiro e questões que eu pudesse dar conta, apenas para evitar pensar sobre as coisas fora do meu alcance, mesmo tudo indicando que essa vai ser uma das tarefas mais árduas e tenebrosas que eu já enfrentei em toda a minha existência.
"A memória nos constrói". Passei o marca texto cor de rosa néon nessa frase em um dos incontáveis contos de Seelie Parnell.
Por muito pouco não tive uma crise de riso no meio da aula quando a professora Baroni o sugeriu..
Verdade seja dita, se eu pudesse engarrafar todas as minhas tentativas de saber ou me lembrar, obteria o elixir da frustração. Odeio imaginar que sou a metade de alguém que eu deveria ser.
Talvez eu devesse compartilhar com a turma minha experiência e dizer que eu sou uma desmemoriada; quem sabe eu agregue alguma coisa nos estudos, como um rato de laboratório — um rato cheio de títulos e bem mais famoso, possivelmente provocando uma comoção catatônica na corte e na imprensa por não ter ficado com a boca fechada.
Não posso simplesmente contar. Contradiz todo o meu discurso do dia anterior, o reino não precisa de mais pessoas indo contra o governo, tampouco de novas manifestações surgindo a cada esquina.
No fim das contas, sou aquilo que Parnell chama de "inevitável impostor" no parágrafo seguinte.
Continuo tentando; tentando me ocupar; distrair.
Harper me ajudou a fazer uma lista sobre o conteúdo perdido nos últimos dias, e me arrisco a dizer que a matéria de dias parece de semanas.
Tenho relatórios de aulas laboratoriais — cujo não participei — para entregar, um trabalho sobre a biografia de Fulcanelli, um alquimista francês, além de infinitos exercícios de álgebra e atividades compensatórias de história da arte.
Mas não é o bastante. É claro que não. É de mim que estamos falando.
Curiosamente, a professora de literatura geral me pediu para dissertar sobre uma obra de Jane Austen: "Emma".
Ocupar, ocupar, distrair.
Ainda não esbarrei com a Emma pelos corredores, ou seja, não me ocorreu a oportunidade de derrubar os livros da ratinha anã para não perder o costume.
Estou com raiva dela. Dela e do Jack, e não passa; então é bom que permaneçam distantes de mim, bom para nós três.
— Devia dar uma chance pra ela. — É o que a Harper tem a dizer sobre isso.
Viemos para a biblioteca depois da aula de debate.
— Eu devia estar escrevendo um relatório sobre matéria escura, mas nem tudo acontece do jeito que deveria acontecer. Que peninha. — Digo com a testa colada na madeira de uma das mesas redondas.
A intenção era a loirinha me ajudar com todo o conteúdo acumulado, mas perdemos o foco quando a Gina Belina passou balbuciando alguma coisa sobre os filhos do rei Albert. Blá-blá-blá.
— Conversar com o Jack não matou você... — Argumenta e eu ergo a cabeça, sabendo que a minha testa provavelmente está marcada e vermelhenta apenas pelo jeito que ela me olha. — Quero dizer... "Príncipe Jackson". — Ri.
— Eu não estou me escondendo em uma toca. Se ela vier falar comigo, não vou fugir. — Jogo o meu corpo para trás, batendo no apoio da cadeira.
— Mesmo? — Harp arqueia as sobrancelhas.
Não.
— Mesmo! — Passo a massagear as têmporas. — Mas eu tenho coisas mais importantes para me preocupar no momento.
— Como a matéria escura? Dá pra ver o quanto você está preocupada com esse relatório... — ironiza.
Megan está sendo uma péssima influência para ela.
— Engraçadinha. — Finjo rir. — Eu me refiro a probabilidade gigantesca do meu pai e a rainha terem sido assassinados, e haver uma chance mais do que absurda da corte de Analea estar envolvida. — Desço muitas oitavas na voz. — E por que ninguém por aqui toca nesse assunto?! Albert mandou o filho dele pra lá! Isso não é estranho? Ele sente alguma segurança no Thomas só porque é filho dele?
São perguntas demais, eu sei. É agonizante não ter as respostas e muito pior assistir as pessoas agindo como se nada estivesse acontecendo.
— Talvez ele tenha mandado o príncipe Thomas por algum motivo. — Harp deduz, dando de ombros.
— Usar uma criança pra... Espionar?
Considero por menos de meio minuto e é impossível. Albert não mandaria uma criança, especialmente seu filho doente para longe dele, marchando a passos largos a um perigo iminente.
— Não acho que seja isso. — Faço que não, umedecendo os lábios.
— Meio mirabolante mesmo.... — Ela concorda e um sorriso nasce no seu rosto ao achar algum pensamento engraçado. — Mas o que na sua vida não é mirabolante? Há décadas ninguém fica noivo aos cinco anos de idade, mas você e o príncipe Jackson estavam.
É. Isso é bem esquisito, mas coisas estranhas acontecem o tempo todo e muitas delas não tem explicação, como as matérias escuras. O universo manda sinais sutis de que a vida não foi feita para ser compreendida por humanos.
Uma vez eu li um artigo sobre um homem que se isolou do mundo depois de perder o avô, e que começou a fazer chover dentro da própria casa. Isso é mirabolante.
Ajuda saber que bizarrices não acontecem só comigo. Embora pouquíssimas pessoas no planeta tenham sido quase esmagadas por um sino. Eu estou muito ferrada.
— Uma parte de mim está querendo te dizer para deixar a equipe de investigação cuidar disso... — Harp continua depois de instantes de quietude. — Mas a outra parte entende e sabe que você não vai deixar isso pra lá nem a pau!
— Não posso. — Digo de imediato, balançando a cabeça. — Eu ainda vou falar com o Albert, mas pressinto que ele não vai abrir o jogo comigo. Pelo menos não completamente. Nem ele e nem a Rosana. — Sopro a mecha de cabelo que cai sobre o meu rosto.
— E, o que pretende fazer?
— Ainda não sei.
Torno a jogar o meu corpo na direção da mesa, apoiando meus cotovelos nela.
— E... — Harper inclina seu corpo igualmente na minha direção, afastando todos os fios dourados do seu rosto, falando ainda mais baixo. — O fantasma não mandou mais mensagens?
— Só algumas provocações. — Reviro os olhos. — De resto, nem sinal.
— Tem certeza de que não é o irmão do Jack? Tipo... Ele apareceu do nada em Verena e agora está aqui no Salgueiro...
— Não posso dizer nada com certeza. — Contorno com o indicador as fissuras na madeira — Mas não acho que seja ele. O que um príncipe vindo do mundo invertido poderia saber da Rosana? — A encaro outra vez. — E, por que deduraria o próprio irmão sobre a Emma? Acho que está aqui por algum interesse, talvez daquele rei esquisito, e que gosta de instaurar o caos por onde passa, mas não acho que seja o fantasma.
O rumo da conversa toma um caminho diferente quando Maya e Megan se aproximam da nossa mesa, devem ter acabado de sair da aula de álgebra, sei disso porque Maya não para de mexer nos pingentes das pulseiras no seu braço enquanto cruza a biblioteca. Depois da química, estudar álgebra é a mais cruel das torturas para ela.
Um dito popular do reino diz que Verenenses detestam chuva — e não é porque são indivíduos doces como cubos de açúcar suscetíveis a se desmancharem em água.
Choveu um pouco pela tarde, espantando os convidados que vieram para o chá, por isso, há um outro dito popular que eu gostaria de aplicar : "Há males que vem para o bem".
Não que eu deteste a chuva e a considere um mal, pelo contrário. Eu só não sou uma grande apreciadora de chá, e estou aliviada por não precisar fingir gostar dele ou das pessoas.
Falando em fingir, não é segredo para ninguém que Rosana é mestre na arte de ludibriar, mentir, fingir, dissimular, se fazer de sonsa... E o que mais estiver incluído no portfólio de um bom vigarista da alta sociedade.
E, por ela ser perita em todas essas coisas, algo muito sério deve tê-la feito perder as estribeiras, ao ponto de ser quase impossível mascarar.
Estava mais impaciente do que o costume quando cheguei do colégio. Eu a vi pendurada no celular por horas e depois pareceu irritada numa conversa com o tio Albert.
O motivo ainda é um mistério, assim como a visita do detetive Baker e o que contou a eles.
Até considerei o chá entre duques e duquesas ter sido cancelado por isso e não pela chuva.
Às vezes imagino o quão útil seria se o fantasma fizesse parte da equipe de investigação real; com um pouco de sorte, do conselho e do ministério. Mas a realidade caí como uma pedra dura sobre a minha cabeça, quando me lembro da probabilidade de algum velho , viciado em café e em charuto ter algum interesse em soltar informações para mim.
Maya acha que estou ficando obcecada, e é algo que eu tenho considerado também, verifico o meu celular sempre que ele zune, o mais depressa e mais desesperadamente possível.
— Você está me assustando. — Meu irmão diz rápido e repentino.
Caminhamos quietos em uma das áreas verdes do castelo, muito perto dos estábulos e celeiros.
Consegui despistar Constance por segundos quebrados e aproveitei a brecha para fugir de alguma programação maluca criada pela minha madrasta. Fred me encontrou e resolveu me fazer companhia, e nós dois conversamos uns minutos sobre o retorno ao Salgueiro, até o assunto simplesmente falecer.
— Por que diz isso? — Pergunto, parando de andar.
Pisco múltiplas vezes e encaro o semblante apreensivo do garoto. Eu deveria saber o que ele quer dizer?
— Anda tão quieta nos últimos dias... — Fred eleva o queixo e vasculha os meus olhos com os dele. — Você geralmente é mal humorada, mas não é desse jeito... Borocoxô.
— Você está andando muito com a Lou...
— Eu não estou de brincadeira, Isla! — Ele é possuído pela Rosana por meio segundo. — Mal tocou no sorvete de menta e é seu favorito! Sei que você e o tio Albert não estão muito bem agora e a nossa casa... — Abana a cabeça e não conclui a frase. — Vovó acha que você está triste, meio deprimida e boa parte por causa disso. Do incêndio.
Eu deveria me sentir melhor por saber que a vovó se preocupa comigo, só que, talvez não seja bom, talvez isso a faça pensar que eu sou fraca, frágil e molenga demais para enfrentar essas coisas, e pensar assim pode fazê-la continuar omitindo.
— Ela disse isso?
Fred enfia as mãos nos bolsos do seu casaco, molha os lábios e assente
— Disse e a mamãe concordou. Elas conversaram antes da entrevista e eu acabei escutando. E é verdade... Você ainda não conversou com ninguém sobre o que aconteceu na nossa casa...
— É porque não tem nada pra conversar. — Argumento e, assim como ele, uso os bolsos do meu sobretudo Borgonha para aquecer as minhas mãos. — A casa pegou fogo. Já era! — Dou de ombros. — Não dá pra rebobinar e mudar isso.
Ele bufa.
— Eu sei que não. As vezes parece que você me acha muito estúpido! — Dispara e eu não disfarço o quanto estou confusa. — Ou... Novo demais pra entender. Mas... Acha que eu não tenho noção? As coisas do nosso pai estavam lá. Tudo o que tínhamos dele... Todos aqueles vídeos caseiros toscos, todas as fotos, pertences... Era a nossa casa... E... — Ele trava a mandíbula, e lança o olhar para as folhas flutuando num pequeno lago bem a frente de nós. — Não lembro porque eu era um bebê quando ele morreu... Mas você... Você não pode. — Torna a me encarar. — O que eu quero dizer é que... Não estou na sua pele e não sei exatamente como é, mas eu posso tentar entender, e você pode falar comigo se quiser.
Não sei o que dizer a ele. Estou boquiaberta e até me esforço para formular uma frase. Não consigo.
Em um dos vídeos toscos, meu pai estava preparando o jantar. Nesse dia meio que ordenou ao Harry e a Lenna que tivessem folga para que jantassem com a gente.
Ele fez uma bagunça na cozinha e possivelmente o melhor macarrão com queijo do mundo. Sei disso porque não sobrou nada. Inclusive, tinha uma parte no vídeo em que eu segurava uma colher muito maior do que a minha mão e tirava quase todo o queijo do prato dele para colocar no meu.
Acho que teríamos mais noites de bagunça e macarrão se dependesse dele. De qualquer um de nós.
Não acredito na perfeição, nem que o que tínhamos naquela gravação era perfeito, mas devia ser uma época mais simples, mais fácil.
Há algo dolorido no olhar do meu irmão e eu odeio isso. Não sei se são pelos vídeos caseiros, pelas fotos, ou pela nossa casa em si, mas sei que odeio como o afeta.
— Eu não te acho estúpido ou novo demais pra entender. — Digo após átimos infinitos, deslizando a minha mão para fora do bolso e a apoiando em seu ombro.
— Isla...
— Eu só... — Continuo, não deixo ele insistir. — Só estou um pouco cansada e confusa com tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo. — Forjo o melhor sorriso que consigo. — Eu estou bem.
Ele não acredita numa só sílaba, Rosana não é a única que está com dificuldade para mascarar as coisas hoje.
— Me engana que eu gosto... — Fred revira os olhos e eu acabo sorrindo de modo mais genuíno.
— Você está mesmo falando que nem a Lou, sabia?
Subo a minha mão até a cabeça dele, fazendo uma bagunça rápida com os seus fios.
— Aquela abelhuda entra na cabeça da gente. — Ele resmunga, retomando a caminhada e eu o acompanho.
— Por que não me conta como estão as coisas no orfanato? — Aproveito para dar um novo rumo à conversa. Um rumo menos prejudicial aos meus miolos. — Faz dias que eu não vejo ela, e se a imprensa não sair um pouco do meu pé vai ficar difícil ir até o Willow.
— Estão terminando de reformar o primeiro e o segundo andar. Alguns quartos estão meio interditados e a Sra. Misty está tentando ser criativa fazendo as crianças acamparem no saguão... Lou tem lido mais do que pintado... E até ler tem sido difícil. Ela não gosta de admitir, mas sei que fica estressada com os batuques e com a furadeira, até porque não deve ser muito inspirador; Lola perdeu dois dentes de leite de uma vez e vai fazer você ouvir a história de como arrancou eles depois de dar de cara com o vidro da janela... E... O Ashton começou a usar óculos e agora ficam pegando no pé dele, dizendo que ele tá parecendo o Galinho Chicken Little.
— E ele tá?
Contenho os meus lábios para não rir.
— Tá, mas não conta pra ele que eu disse isso.
Quase não o escuto, Fred confessa baixo e latidos inesperados sobrepõem a voz dele.
— Você ouviu isso? — Meu irmão pergunta correndo os olhos pelo perímetro.
Lago, árvores, estábulos, chafarizes, guardas, mas nada de cachorro. Albert tem cachorro?
Mais latidos impulsionam Fred a apertar os passos em direção às altas moitas empata espiadas.
Ele sempre foi doido por cachorros, tanto que uma vez, surrupiou um filhote de um dos nossos vizinhos no Belleville e o escondeu por três dias no seu quarto. Rosana quase perdeu todos os fios laranjas da cabeça, ela nunca deixou Fred ter um bichinho. Quem sabe isso explique ele agir como uma criança eufórica agora.
Sigo o meu irmão, cruzando arbustos e atravessando um corredor de roseiras. Por algum motivo, não dou muita importância para a velocidade das pernadas que ele me obriga a dar, e só paro porque ele para, perto de um chafariz.
É quando o par de orbes azulados me encontra e eu me dou conta de que é apenas Thomas, ao lado de um rapaz magro e alto, cujo a fuça eu nunca vi na minha vida, e um cachorro de pelagem cinzenta e branca.
— Oi, Nicolina. — A vossa alteza ressurgida das trevas me cumprimenta.
Ele une as sobrancelhas esculpindo uma expressão confusa em seu rosto, e eu com os olhos arregalados, busco algum fragmento de ar nos meus pulmões. O corre-corre fora de hora me fez largar todo o meu fôlego pelo caminho.
Nem me dou ao trabalho de responder, Fred abre a boca primeiro, sem esconder o seu entusiasmo:
— Cacete! Isso é um lobo?
O rapaz da fuça desconhecida ri e faz que não.
— É um cachorro. Husky Siberiano. — Explica, maneando os seus olhos castanhos até o meu irmão. — Cadela, pra ser mais específico.
— Que maneiro! — Fred sorri, quase não pisca. — Qual é o nome dela?
— Mortícia.
Em seguida, ele leva a sua atenção ao meu rosto, enquanto troca a ponta da coleira de mãos e estendendo a direita para mim.
— E vocês devem ser Lorde Frederick II e Lady Isla. É um imenso prazer conhecê-los.
Levo uns segundos para apertar a mão dele, mas em nome da convenção social, eu faço.
— Eu sou Cálix, bom, Duque Cálix. Primo do rei Aldrich. De segundo grau. — Prossegue e acaba rindo novamente, mas da própria afirmação.
Perfeito. Era tudo o que precisávamos! Mais pessoas inquestionavelmente suspeitas perambulando pela corte.
— O prazer é todo meu. — Falo, mas sei que a mentira não convence. Meu tom não permite.
Thomas assiste tudo quieto e acaba apertando os lábios, quem sabe reprimindo algum comentário.
Dez segundos estranhos se passam. Isso tudo é muito estranho. Coço a garganta e devolvo a minha mão para o bolso onde ela estava.
— Ao que devemos a honra da sua visita? — Puta merda, eu nem estou me esforçando soar mais agradável.
Cálix torna a sorrir de maneira amigável.
— Vim para a reunião com o conselho sobre as festividades da Ilha. — Diz.
Diferente de mim, ele aparenta estar confortável.
Talvez o Duque Cálix venha representar Analea na competição, até onde eu sei, Aldrich ainda não tem herdeiros.
Levo a minha atenção ao Thomas e eu o encaro do suéter preto de gola alta, até os sapatos caros. Ele devia estar naquela reunião também. Está arrumado até demais para quem nem penteia os cabelos antes do café da manhã.
— Entendo. — Umedeço meus lábios. — E... Trouxe um cachorro com você... — Ergo as minhas íris as do príncipe submundano. — Será que isso pode soar sugestivo? Eu espero que sim.
Não acho que estou correndo o risco de perder a cabeça por insinuar que o filho do rei é um cachorro. Mas só para garantir, decido olhar para a cadela, a observando mover a cabeça e as orelhas levantadas para o que mais chama a sua atenção.
— O que eu posso dizer? — Cálix responde. — Eu precisava fazer uma viagem rápida e a Mortícia gosta de trens.
— É um nome interessante para um cachorro de dentes pontudos. — Resmungo.
— Você montou no Carrasco, lembra? — Fred argumenta cutucando as minhas costelas. — Ele é um cavalo todo bobão!
Dou de ombros, sem dizer absolutamente nada.
— Posso passar a mão nela? — Ele pergunta.
— Claro. — Thomas libera sem preocupação alguma.
Fred estala os dedos se aproximando lentamente e não leva muito tempo até ter baba canina no seu rosto.
Cruzo os meus braços na altura do peito e aprumo os meus ombros, assistindo a vossa alteza renegada agachar como o meu irmão para acariciar as orelhas peludas da Mortícia.
Thomas faz algum comentário baixo com o meu irmão, fazendo o garoto alargar ainda mais o sorriso, de modo que não imaginei que fosse possível.
Não estou gostando nadinha disso.
— Fica tranquila, ela não morde. — Ele avisa.
— Eu não estou com medo! — Torço o meu nariz.
— Não falei com você. — Ele sim soa absolutamente sugestivo e implicante.
Consigo ver os cantos dos lábios se levantando e de maneira muito indistinta ele revirar os olhos, pois uma mecha de cabelo se encarrega de cobrir os seus olhos, projetando uma sombra avermelhada nas bochechas pálidas.
Solto algum suspiro com indignação e o vejo se colocar em pé. Thomas me encara, arqueando as sobrancelhas e sem desmanchar o sorrisinho metido a besta do rosto.
Estou a um segundo de perguntar qual é o problema dele, mas ouço passos apressados afundando a grama.
— Isla! — A voz da Lou chama a nossa atenção para a garota correndo junto com o Ashton.
Ela termina de se aproximar ofegante e rodeia a minha cintura com os braços.
Gotas d'água geladas ainda escorrem pela capa de chuva amarela que ela está usando, mas seu abraço é caloroso; O suficiente para me fazer esquecer a razão de estar sentindo as minhas bochechas tão quentes.
Louisa se afasta, e só então se dá conta das outras pessoas em volta, em especial, o rapaz da mesma cara que o Jack.
— Thomas... — O sorriso dela se alarga. — E... Cachorro! — Os olhos se arregalaram e, de um segundo para o outro, ela avança na direção da Mortícia para acariciá-la.
Meus neurônios se embolam tentando processar o que está acontecendo: Lou olhou para o Thomas, disse o nome dele e sorriu.
E uma cadela com o nome de "Mortícia" que mais parece um lobo, aparentemente se tornou o centro das atenções.
— É o irmão gêmeo! Oi! — Ashton passa por mim sem dizer nada e vai acenando para ele.
Ele está usando óculos agora, será que não me viu bem parada aqui?
Correção: Uma cadela chamada Mortícia e o príncipe do mundo invertido se tornaram a porcaria do centro das atenções.
— Você e Jack têm algum super poder de gêmeo?
Thomas junta as sobrancelhas meio confuso.
— Que tipo de super poder?
O ruivinho ajeita os óculos redondos que escorregam pelo seu nariz e o cachecol listrado no pescoço.
— Vocês leem pensamentos um do outro? Sabem o que o outro está sentindo?
— Não. — Thomas responde devagar, apertando as pálpebras enquanto pensa.
— Ah, que chato. — O menino parece decepcionado.
— Pelo contrário, isso é bom. Não tenho o menor interesse em saber o que se passa na cabeça do Jackson. Ele é muito chato.
Thomas chega nessa conclusão após um tempo, fazendo Ashton gargalhar.
— Ele é engraçado. — Ash comenta comigo, finalmente me olhando. — Ah, oi, Isla!
O pirralho abana as mãos para me cumprimentar, mas logo devolve a atenção para o príncipe esquisito.
— Você deve ser tão legal quanto o Jack!
— Eu não sei dizer... — O cara pálida sorri de lado. — Mas sou bem mais bonito.
— E convencido. — Murmuro e meus olhos rolam sozinhos, eu juro.
O Fred. Melhor eu prestar atenção no meu irmão, me garantir que ele não vai ser atacado.
Se bem que, Mortícia está toda bobona, abanando o rabo e lambendo as mãos do Fred e da Lou.
— O cachorro é do seu primo? — Fred pergunta ao Cálix.
— Na verdade, Aldrich é alérgico, a cadela é do Thomas. — O duque aponta para o rapaz.
— É claro que é. — Eu resmungo.
Sim. De novo. E reviro os meus olhos. De novo.
— Não gosta de animais, Milady? — Cálix questiona, franzindo o cenho da testa.
Será que estou passando essa impressão?
— Eu gosto e geralmente prefiro eles a pessoas. — Sorrio de maneira exagerada. — Algumas ainda mais que outras.
Eu não estou mentindo, nem posso. Ao que tudo indica, não estou sabendo fazer isso direito no momento.
— Você nunca teve um animal de estimação, Is? — Lou se põe de pé e dá alguns passos na minha direção.
Ótima pergunta. Pergunta fantástica! Acontece que, não é como se eu fosse capaz de me lembrar.
Eu sou quase uma mula.
— Dos que eu lembro só peixinhos dourados. — Dou de ombros.
Levei alguns meses até entender que eu não podia dar tanta comida para eles. Mas a culpa não é minha se aquelas bolinhas minúsculas parecem ser tão inofensivas.
— Você tinha um cavalo. — Thomas revela, escorregando as mãos para dentro dos bolsos da calça.
Paraliso e eu acho que todos percebem.
Por essa eu não esperava e isso deve estar muito nítido na maneira em que eu o encaro.
Até abro a minha boca para dizer alguma coisa, mas nada sai.
— Não era exatamente de estimação, mas era seu. — Ele explica após uns segundos.
Molho os meus lábios e engulo em seco, de repente, passo a piscar várias vezes.
Preciso me mover, fazer algo. Aliás, o que ele quer com isso? Esfregar na minha cara que eu sou uma desmemoriada?
— Legal! — Meu tom é rude. — Todo mundo sabe mais da minha vida do que eu!
Então os papeis se invertem. É ele quem me encara confuso agora, tanto que precisa sacudir a cabeça para pôr as ideias no lugar.
Thomas não se abala com as minhas palavras, nem com o modo grosseiro que elas são expelidas.
— Você odeia mentiras e a omissão, mas quando alguém abre a boca pra falar alguma coisa você também odeia?
Arqueio as sobrancelhas, soltando uma risada nervosa.
— Muito bem, Einstein. Como saber sobre um cavalo que eu tive vai me ajudar, exatamente? — Cruzo os meus braços.
— Foi só um comentário, miss simpatia!
Por que não começa a fazer comentários mais úteis? Como o que diabos você e o primo do Aldrich resolveram fazer aqui?!
— "Miss simpatia"? Foi você que pediu pra lobinha não ter medo de mim! — Aponto para a cadela.
Thomas desliza a língua pelo lábio inferior e ri da acusação.
— E por que será, minha cara?
As suas pupilas caçam as respostas enquanto refletem a luz dos postes atrás de mim.
Já é quase noite.
— Acho que perdi alguma coisa... — Ouço Cálix murmurar para si mesmo, enquanto coça o topo da cabeça.
— Eu te explico tudinho! — Ashton dá pulinhos.
Por que ele está saltitando?
O ruivinho limpa a garganta e suspira profundamente antes de começar:
— A Isla, essa moça bonitona, foi prometida em casamento ao príncipe de Verena. Todo mundo sabe disso, certo? Certo. O que ninguém sabia mesmo, era a identidade do príncipe. Daí, anos se passaram e no início desse semestre, no colégio, Isla conheceu a Emma "Olha só! Um pobre!". E a Isla também conheceu o Jack. " Você não deveria ser tão má" "Eu sou a rainha do colégio e sou má se eu quiser háháhá". Vitamina de frutas vermelhas splash na cabeça do Jack. Jornais comunicam "Extra! Extra! Isla Grant chuta pobres no Salgueiro!". Jack e Isla brigaram, Jack e Isla ficaram amigos. Brigaram. Amigos. No aniversário da Harper, Isla deu bitocas no Jack, mas óh não, Jack e Emma tem um namorico? Isla traída pelo cremoso e pela amiga! Creck! O coração da menina do coração de gelo foi partido! Ela chorou? Snif snif? Só que não! Ela ficou com sangue nos olhos! Baile de máscaras! Ulalá! O príncipe foi revelado e tcharam! Jack é o príncipe Jackson, quem poderia prever isso, não é mesmo? Mas óh não, ele tem um irmão gêmeo! Isla foi enganada! E tudo isso porque ela bateu o coco quando tava galopando que nem uma desajuizada e não se lembrava deles! Agora a Isla odeia os dois! E acabou-se o que era doce!
Ashton finalmente acaba para recuperar o ar.
Um silêncio constrangedor toma conta da situação, e fica ainda mais constrangedor pelo cricrilar distante de algum grilo.
Minha boca está escancarada. Esse Chicken Little...
— "Acabou-se o que era doce" é um bom jeito de resumir. — Thomas comenta, levantando uma das mãos para coçar a sua testa.
Honestamente, não sei se fez para quebrar o gelo ou para deixar a situação ainda pior.
— Co-como você... — Gaguejo.
Não termino. Eu não sei...
— O Fred contou tudinho! — Ash diz exasperado e muito orgulhoso.
Meus olhos caem sobre o meu irmão.
— Fred! — Berro no minuto posterior.
Ele recua uns dois passos para trás, enquanto Mortícia ainda pula em seu no colo.
— Mas foi só porque a Sra. Misty escolheu o filme e a gente ficou entediado na metade. — Louisa diz em defesa dele.
— É, o final foi horroroso, chocho que nem pipi murcho.
— Ash! — Lou cobre a boca dele com a mão. — Ele comeu muita balinha e chocolate da limusine no caminho pra cá. Tá zureta de açúcar! — Ela ri sem jeito.
Eu quero cavar um buraco na terra e enfiar a minha cabeça dentro dele.
Só não o faço porque mais passos na grama anunciam pessoas se aproximando.
— Meu senhor. — Bexley surge ao cruzar os arbustos, fazendo uma reverência ao Thomas. — Olá Milady. — Se curva a mim quase sem ar. — Eu sinto em interromper, mas vossa majestade os chama em seu escritório.
Eu vi quando Cálix e Thomas se entreolharam. Ainda bem que Bexley apareceu, mas não sei se vale a pena estar livre de um momento constrangedor para me enfiar numa sala com o tio Albert e os filhos dele.
Hello! Cabras apocaliptianas! Como estão, tudo certo?
Tudo certo com o capítulo?
Ele tem quase 6.000 palavras. Desculpem se ficou cansativo.
Quem gostou, considere um presente de ano novo.
OMG É O ULTIMO CAPITULO DO ANO!!!!
Enfim, antes, me deixe saber, diga tudo, não me esconda nada...
O que acharam desse capítulo?
O que acharam das coisas que o Fred disse pra Isla?
Conheceram o Duque Calix, o que acharam dele?
Thomas tem uma doguinha, o que acharam disso?
E dele nesse capítulo?
O que acharam do Ashton explanando a Isla? Kkkkkkkk
E Thomas e Isla foram convocados no escritório do rei. O que será que é? Algum palpite?
Olha só o Ashton aqui:
Ops, digo, aqui kkkkk
Ele deve estar parecido com o Galinho? Kkkkkkkkk
Como a Isla vê a Morticia
Como a Morticia realmente é:
Kkkkkkkkkkkkkkkkkkk
O que esperam dos proximos capitulos?
Apareço da semana que vem. Na quinta, ou na sexta. Beleza?
Bom, obrigada por acompanharem os livros nesse ano, eu sou extremamente grata por cada pessoinha aí, até pelos fantasminhas. Obrigada mesmo por cada comentário, voto, por interagirem comigo, por todo carinho com a história, com os personagens. Obrigada por estarem aqui nos meus altos e baixos.
Eu me sinto muito querida, e sou realmente muito sortuda por ter cada um de vocês, vocês são maravilhantes!
Feliz ano novo! Eu torço para que vocês aproveitem aí, o feriado da melhor maneira e que tenham um novo ano repleto de coisas bonitas e incríveis, para as pessoas bonitas e incríveis que vocês são! ♡ obrigada por absolutamente tudo. Sério.
Deus abençoe cada um de vocês, muitão!
Um milhão de beijos! Até loguinho.
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