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Capítulo 21

Apenas um coração batendo

P.O.V. Felipe

Um...

O dois nunca chegou.

TRAC!

Sequer tive tempo de piscar os olhos uma vez antes que o chão se encontrasse sob meus pés. O salto havia sido extremamente rápido, sem proporcionar tempo suficiente para que meu corpo se preparasse para quando atungisse o chão e, quando isso aconteceu, a dor foi imediata, subindo pela perna direita. Parecia que eu tinha colocado tornozelo no fogo e as labaredas o engoliam lentamente, proporcionando uma dor angustiante que corroia meu interior.

Gritei e permiti que meu corpo caísse sobre a grama molhada, apoiando-me nos cotovelos para ter uma visão da minha perna estendida por completo. Arfei ao ver meu estado, meu pé virado de uma forma anormal, o tornozelo visivelmente torcido - ou pior, pois a dor era tão insuportável que eu poderia muito bem estar com algum osso fraturado.

Joguei a cabeça para trás e respirei profundamente seguidas vezes, obrigando-me a pensar em algo que me distraísse da dor. Notei a parede lateral da escola, a tinta ligeiramente descascada, e a janela pela qual eu havia saído repousando a quatro metros do chão. Meu coração disparou e tive esperança de que, de alguma forma, Tody pudesse pular por ela também, porém, quando os minutos se passaram, me contentei com o fato de que aquela era uma das únicas janelas a não ter massas de fumaça escura e densa saíndo por ela. A escola continuava a queimar diante de mim e pensei em quantas vezes eu teria sorrido se visse essa cena, afinal eu odiava aquele lugar e amaria vê-lo destruído, entretanto naquele momento tudo era diferente.

Tody ainda estava lá dentro, preso.

As lágrimas se formaram em meus olhos ao perceber que ele havia arriscado a própria vida por mim, sacrificando-se para que eu saísse. Eu precisava fazer alguma coisa, mas não conseguia me mexer de tanta dor que sentia no meu maldito tornozelo torcido. Parei de tentar me mexer e respirei profundamente mais uma vez, fechando os olhos para pensar melhor. Sem a visão do inferno de chamas diante de mim, ouvi centenas de vozes não muito longe, barulho de água corrente e algumas sirenes de ambulância se afastando. Resmuguei de tão estúpido que era: eu precisava chamar ajuda.

Girei sobre a grama, rangendo os dentes para suportar a dor, e fiquei de barriga para baixo, ainda deitado. Como um miserável verme, arrastei-me, puxando o peso do meu corpo com os braços e a perna não machucada, deslizando dificilmente pela grama até conseguir chegar à esquina do prédio. Dali, podia ver o enorme pátio dianteiro da escola, na qual três caminhões dos bombeiros estavam estacionados, e também a multidão de pessoas, afastadas para atrás de uma corda amarela, distanciadas da operação dos bombeiros. Uma ambulância chegou naquele momento, juntando-se a primeira que já se encontrava no local.

Do chão tentei gritar, mas minha voz não saiu de forma alguma, minha garganta dolorida demais para isso. Tossi secamente, cuspindo no chão logo depois uma mistura de saliva e sangue. Passei a mão pelos lábios para sentir o longo talho que havia ali, indo do lábio superior ao queixo e jorrando sangue por entre os meus dentes - isso explicava o intenso gosto de ferro que eu sentia na boca.

Meu corpo tremia por completo, o terror do que havia acontecido começando a despontar sob minha pele, transformando tudo ao meu redor. Pontos surgiram, atrapalhando minha visão, e o ar sumiu dos meus pulmões, fazendo-me sufocar aos poucos e deixar meu rosto desabar sobre a grama úmida.

Sabia o que era aquilo: um ataque de pânico. Não sentia um havia anos, no entanto, naquele momento, ele me atingiu poderosamente. Tudo se resumia a um terror mudo e massante, dominando-me até que nada mais fizesse sentido, até que todas as coisas do mundo de desfizessem em manchas coloridas, sem forma e sem vida. Cobri a cabeça com os braços, escondendo-me no escuro parcial, e tentei fugir do que fazia meu interior revirar, concentrando minha mente em um rosto.

O rosto de um menino, de lindos olhos cor de mel e cabelo loiro-dourado com minúsculos redemoinhos perto da nuca, os quais se prendiam em meus dedos quando eu fazia carinhos na área. Um menino de sorriso travesso, mas também doce, de beijos apaixonados e músculos definidos devido ao futebol. Um menino com o espírito livre de uma criança, passado triste e tão, tāo mais forte do que imagina. De repente, uma figura completa se formou em meus pensamentos, a imagem de um alguém que tinha acendido minha vida, a qual estava apagada havia certo tempo. Um alguém que somente com a sua presença me fazia derreter.

Tody. Ele precisa de mim e eu preciso dele.

E então, como que por mágica, minha respiração reencontrou o ritmo normal e o ataque de pânico passou, permitindo que eu erguesse o rosto do chão.
Em um impulso, continuei a me arrastar, agarrando a grama que rodeava a escola com as unhas e apertando com força o lábio para não berrar de dor. Era devagar, torturante, mas finalmente cheguei a um ponto onde todos poderiam me ver, caso desviassem o olhar do enorme prédio em chamas.

Ergui um braço e o sacudi de um lado para o outro no alto, esperando ser visto por alguém o mais rápido possível. Tentei gritar mais uma vez e, dessa voz, minha voz saiu, porém de forma rouca e falha. Continuei dessa forma até perceber uma agitação na multidão e, pouco depois, senti as mãos de alguém em minhas costas, virando-me do chão e erguendo meu rosto da grama onde estava apoiado. Urrei de dor quando uma perna se esfregou na outra e a pessoa parou totalmente o movimento que fazia, apenas me segurando.

Com um choque, reconheci Scott White, o rosto preocupado acima do meu, analisando-me cuidadosamente. Ele era o melhor amigo de Tody, mas isso não impediu que um arrepio assustador passasse sob minha pele, um medo latente das intenções do garoto ao estar ali. Não conseguia saber se sua expressão preocupada, as sobrancelhas grossas franzidas, era autêntica ou fingimento.

- O tornozelo dele! - Uma voz feminina disse e arregalei os olhos de surpresa ao ver a linda Marie Elizabeth, coberta de pó acizentado e descabelada, se ajoelhar ao meu lado, observando-me atentamente também. - Felipe, você sabe exatamente onde Tody está?

- Os bombeiros já entraram, ele vai ficar bem, mas precisamos agir com rapidez. - Completou Scott, ainda segurando todo o meu peso com os braços e evitando que minha perna machucada continuasse a bater na outra.

- Diretoria. - Sussurrei e minha voz falhou, fazendo-me tossir. - Ele e-está na d-diretoria.

Marie Elizabeth ergueu virou o rosto e finalmente percebi que haviam mais duas pessoas ali conosco, ambas de pé e com expressões assustadas. Meu corpo imediatamente ficou tenso quando percebi que eram os dois garotos - Gustav e Henry - que estavam sempre com Samuel, o garoto desprezível que havia iniciado o inferno em chamas próximo a nós, espalhando gasolina pelos corredores, biblioteca e algumas salas de aula. Eu tinha assistido enquanto ele erguia o fósforo, pronto para causar o fogo, e havia tentado impedi-lo com uma luta, obviamente falhando. Tinha sido um momento terrível, no qual ele havia cortado os meus lábios com um soco e finalmente me vencido, arrastando-me consigo e prendendo-me à sala de fotografia.

- Um de vocês, corram até os bombeiros agora e digam onde Tody está. - Marie Elizabeth comandou, no entanto, ambos ficaram parados, os olhos arregalados presos em mim. - Eu disse AGORA!

Gustav foi o primeiro a se mover, dando um passo para a frente antes de se afastar correndo. Pude ver sua pele negra brilhando sob os raios de sol, os quais retornavam gradativamente, e seu cabelo escuro subindo e descendo conforme corria. Jamais esqueceria seu olhar ou o de Henry enquanto eu era brutalmente humilhado e ver um deles se afastando era um alívio muito mais profundo do que eu estava pronto para admitir.

- Tody os chamou hoje mais cedo. - Marie Elizabeth sussurrou, seus olhos castanhos presos em mim, lendo minha apreensão de ter Henry ainda ali, próximo. - Não se preocupe.

A mensão de seu nome foi o estopim. Desabei em um choro abafado e alto, cortando a pouca voz que ainda me restava e bloqueando mais uma vez minha respiração. Para a minha surpresa, Scott me abraçou contra seu peito, como um pai faz quando o filho chora, e deu um carinho nos meus ombros, falando lentamente:

- Tody vai ficar bem. - Sua voz denunciava que ele estava fazendo força para não chorar também.

Respirei fundo e meu choro somente aumentou. Não conseguia acreditar no que estava acontecendo, meus ouvidos zumbiam, como se milhares de abelhas batesse as asas ao meu redor ao mesmo tempo e minha mente pareceu se desligar do meu corpo. Não fazia sentido o que havia acontecido, as peças não se juntavam corretamente para formarem uma imagem completa e detalhada. Tudo não passava de um borrado inconstante de memórias e realidades distintas, incapazes de entrar em ordem.

De repente, Henry deu um passo para a frente e pousou a mão sobre o ombro de Marie Elizabeth:

- Temos que levá-lo para o hospital.

Imediatamente, agarrei-me à camisa de Scott, molhando-a ainda mais de lágrimas e sacudindo a cabeça:

- Não! Por favor, não posso ir embora antes de saber que Tody está bem!

Percebi a troca de olhares entre Scott e Marie, como se conversassem com os olhos para decidir o melhor a se fazer. Senti de imediato o ar ao meu redor mudar quando vi Henry se ajoelhou ao meu lado também e, em meio às lágrimas, encarei-o com nojo. Conseguia me lembrar exatamente de como seu cabelo loiro estava posicionado no dia da quadra - uma mecha fina e encaracolada repousada sobre a testa e o restante do cabelo claro para trás -, de como os seus olhos eram inexpressivos e de como havia ficado o tempo todo quieto, ao lado de Gus, o qual se encontrava no mesmo estado de silêncio.

- Pelo menos vamos para a ambulância, ok? - Marie falou, obrigando meu olhar a desviar para ela.

Assenti, debilmente. Não queria que Henry me tocasse, mas era inevitável quando ele e o melhor amigo de Tody ergueram meu corpo do chão, formando uma espécie de cadeira com os braços para que eu não sentisse tanta dor ao ser transportado. Sabia que Marie Elizabeth gostaria de poder ajudar também, no entanto, ela não podia - não porque não possuia a força, mas sim porque mancava ligeiramente de uma das pernas.

Minhas pernas balançavam no ar e eu não sentia o peso do meu corpo, este carregado. Conforme nos aproximávamos da multidão, a trilha sonora mudou: pessoas choravam, gritos e soluços fortes eram ouvidos, a som dos fortes jatos de água dos bombeiros, a fumaça que subia pelo ar aos tufos, o barulho das chamas devorando o restante do prédio. No entanto, eu estava desligado. Os sons do caos se sobrepunha aos demais e era impossível compreender uma palavra do que era digo ao meu redor. Meu olhar perdeu o foco e passei-o sobre todas as pessoas ali presentes, sem gravar nada ou conseguir compreender os acontecimentos. Era somente uma massa indistinta de pessoas, de vidas, levadas pela caótica trilha sonora que nos permeava.

Não senti quando me levaram até uma das ambulâncias que atendia os pequenos ferimentos e disseram que eu não queria ir ao hospital naquele momento. Fui pousado sobre um dos bancos no interior da ambulância e a única coisa que pude sentir foi um ligeiro alívio por perceber que Henry havia se afastado, saíndo do local e sumindo na multidão, provavelmente ondo atrás de Gustav.

Meus olhos, no entanto, estavam fixos em um único ponto: a porta principal da escola, aberta como uma boca, vomitando uma fumaça densa e escura dali. Percebi o zumbido do que poderia ser Scott falando comigo, mas era impossível distinguir as palavras. A minha perspectiva sobre o tempo havia mudado, o punho de ferro fechado ao redor do meu coração fazendo cada segundo de espera se arrastar por horas. Qualquer movimentação perto da porta fazia meu coração dar cambalhotas e meu corpo pender para a frente, sendo segurado por uma mão, firmemente pousada em minhas costas.

50 segundos.

1 minuto...

2 minutos...

2 minutos e meio...

Rouco, em determinado momento da sufocante espera, sussurrei para Scott, que permanecia ao meu lado:

- P-por que ele n-não saiu logo dali? Por que T-Tody não fez como todo mundo?

Mesmo sem vê-lo, senti seu corpo ficar totalmente tenso, a mão sobre minhas costas apertando mais forte a minha camiseta e quase esquecendo-se de respirar ao tentar falar:

- Mas ele saiu, Felipe.

Meu corpo reagiu como se levasse um soco e finalmente consegui reagir, virando o rosto para ver o garoto:

- C-como assim e-ele saiu?

Scott apoiou os cotovelos nas coxas e afundou o rosto entre as mãos antes de virá-lo devagar para mim, seu olhar carregado de uma profunda tristeza e ele parecia travar uma batalha interna, decidindo se deveria me dizer o que pensava ou não. Arregalei os olhos e solucei forte, entendendo o que aquilo significava antes mesmo que ele finalmente se pronunciasse, deixando as palavras gélidas dançarem entre nós:

- Tody saiu pouco tempo depois do sinal de emergência tocar. Eu estava com ele nesse momento. - Suas palavras eram lentas, pausadas, e fechei os olhos em uma tentativa de bloquear tudo e todos ao meu redor, isolar meu corpo. - Mas assim que soube que você ainda estava lá dentro, entrou correndo de novo, para te salvar. Tentei impedi-lo, mas Tody sequer hesitou.

Não! NÃO!

Afundei o rosto entre as mãos, molhando-as poderosamente com um novo e brutal acesso de choro. Eu era o culpado por sua morte, isso estava claro. Ele tinha me salvado e estava morto naquele momento, seu corpo queimado lentamente dentro de uma escola em chamas. Esse pensamento involuntário e profundo me fez choramingar baixo e o frio me dominou totalmente, correndo sobre minha pele. Um frio intenso, palpável, que vinha do fundo da alma e se espalhava pelo meu corpo, fazendo todos os pelos se arrepiarem e o queixo tremer. Era um frio impossível de escapar, impossível de ignorar.

De novo não, por favor... Não com Tody. Não ele!

Ele precisava estar vivo, sair daquela escola respirando e bem para que eu pudesse ouvir sua voz novamente e aspirar seu perfume único. Tody estava vivo, ele tinha que estar! No entanto, ali estava o frio, espalhando-se lentamente, consumindo-me e sussurrando em meu ouvido de que eu não deveria mais ter nenhuma esperança, pois todas as pessoas que eu amava partiam, como se elas fossem destinadas a isso. Tody com certeza estava morto, jazindo sem vida naquela pequena sala da diretoria.

- Eu que deveria morrer. - Sussurrei, encolhendo-me e escorregando para o chão da ambulância. As pessoas me olhavam, quase como se soubessem o que eu era.

Monstro.

Assassino.

Você merece morrer, Felipe.

As vozes voltaram a me atormentar, berrando em meus ouvidos incansavelmente. Minha própria voz, a voz do monstro que morava dentro de mim e que tantas vezes tentei ao máximo ignorar. O mesmo monstro que tomou posse de mim e matou meus dois melhores amigos naquela trágica noite, em um acidente de carro. O monstro que eu havia tentado matar anos atrás, mas falhado. Ele tinha se mantido preso, contido, durante os últimos três anos, no entanto, naquele momento, estava solto, rugindo grutalmente dentro de mim.

Por que não fui capaz? Por que não consegui destruí-lo? Por que eu tive que continuar a causar mal, a levar meus amores para o túmulo?

Eu estava perdido, aglutinado em um pequeno espaço do chão da ambulância enquanto paramédicos passavam ao meu redor, buscando utensílios ali para atender as pessoas do lado de fora. Encolhi-me ainda mais, se isso ainda fosse possível, e deixei minha vida se despedaçar no chão, como um frágil copo de vidro. O intenso desejo de desaparecer passeava por mim e cobri as orelhas com as mãos, tentando suprimir os sons que vinham do exterior, isolando-me de todos. Eu era um monstro e precisava me afastar de toda e qualquer pessoa para evitar colocá-la em perigo.

Alguém agarrou meus braços, sacudindo meu corpo com força em uma tentativa de me tirar do estado de dor em que estava, mas meus olhos voavam de todos os lados, perdidos, e não fui capaz de indentificar quem me segurava. Sentia-me bêbado, entorpecido pela dor profunda e palpável. Ela era tão intensa que sobrepunha por completo qualquer dor física que ainda existia.

Preciso matar o monstro antes que ele mate mais alguém!

Meus olhos finalmente entenderam que era Scott me sacudindo e gritando diante de mim. Seu rosto carregava uma expressão sombria, no entanto, pude perceber sentelhas de esperança e alívio em seu olhar. Ele apontava freneticamente para fora da ambulância, em direção à porta do colégio, e gritava palavras, nenhuma compreensível para mim.

E então, uma única palavra tirou a nuvem que me entorpecia, afastando-a momentaneamente.

Tody.

Ergui o corpo e me impulsionei para frente, indo até a borda da ambulância e me lançando para a frente, usando minha perna boa para me apoiar sobre a grama e me erguer. Segurei-me com a mão e varri com os olhos pela multidão, buscando incansavelmente a única pessoa com quem eu me importava naquele momento.

Tody!

Vagamente, sentia um dos braços de Scott ao redor da minha cintura, firmando-me. Finalmente, fixei-me nos bombeiros que saiam correndo do colégio em chamas com uma maca improvisada sendo carregada entre eles. Sobre ela, jazia um corpo masculino imóvel, que imediatamente foi escondido por dois paramédicos, os quais se puseram a trabalhar.

Tody!

- Baby, me ajude a levantá-lo. - Pediu Scott à Marie Elizabeth, a qual estava ali perto, sentada sobre a grama perto da porta da ambulância, e senti seus braços finos envolverem meu corpo também. - Felipe, você precisa se apoiar em nós e pular. Um... dois... três!

Agarrei-me ao casal - ela de um lado e ele do outro - e saltei para a frente, em direção ao local onde Tody recebia os primeiros socorros. Senti lágrimas de alívio inundando meu rosto, pois se os paramédicos continuavam a atendê-lo significava que, por pior que fosse sua situação, ele estava vivo. Uma faísca de medo saltitou dentro de mim, medo do que eu poderia ver ao me aproximar, mas o desejo de vê-lo logo a apagou.

Os dois me carregaram até a confusão de pessoas, dando cotoveladas e sussurrando baixos "com licença" ao passar entre a multidão que se aglomerava ao redor do recém-chegado, provavelmente por ser o último a sair da escola. Continuei saltando em uma perna só, meus pulmões enfraquecidos pela fumaça ardendo a cada novo passo que dava para a frente. Os segundos se arrastavam por anos e cada metro de distância entre mim e ele representava longos quilômetros a serem percorridos.

E então, perdido no meio de todos os bombeiros de roupa laranja e os paraméditos de branco, eu o vi. Imediatamente paramos e Marie Elizabeth arguejou em horror quando a cena se abriu diante de nós, do corpo ali presente. Qualquer gota de alívio deslizou para fora de mim enquanto os meus olhos pousavam sobre o lindo garoto desacordado, deitado sobre uma maca de tecido.

Seu peito estava descoberto, a pele queimada exposta entre retalhos do que um dia fora uma camiseta. A tonalidade era rosa clara e o tecido estava molhado de sangue, rodeado por escuras marcas vermelhas. Os pulmões de Tody subiam e desciam fracamente, impulsionados pela entrada de ar forçada feita por um respirador, manualmente acionado por uma das paramédicas presentes, e isso fazia a imensa queimadura brilhar ao ser tocada pelos fracos raios de sol.

Em carne-viva.

- Queimadura de segundo e terceiro grau! - Gritou uma das médicas em direção aos demais. - Para o hospital imediatamente! Por favor, afastem-se.

O corpo de Tody foi erguido cuidadosamente e levado para a ambulância mais próxima, passando diante de mim tão próximo que pude observá-lo por conpleto. Não conseguia me mexer, meus olhos estavam presos em seu rosto - parcialmente coberto pela máscara de oxigênio -, nos cortes vermelhos, nas cinzas escuras que poderiam estar escondendo mais queimaduras e nos seus braços sujos.

Eventualmente, Tody desapareceu no interior da ambulância e uma das portas foi fechada, bloqueando de vez minha visão dele. Uma médica ergueu um braço, usando um tom de voz poderoso para se fazer ouvir pôr sobre os murmúrios incansáveis ao nosso redor:

- Alguém aqui era próximo a esse rapaz?

- E-eu preciso ir com ele. - Imediatamente tentei falar, mas engasguei, curvando-me para a frente em um acesso intenso de tosse.

- Eu sou! - Gritou Scott, e então, ele delicadamente me soltou, tendo a certeza de que minha perna saudável estava bem apoiada sobre o solo antes de se afastar por completo. Pousou um beijo veloz na testa de Marie Elizabeth e então sussurrou: - Cuide dele até eu voltar.

Ele partiu em direção à ambulância, que fechou a porta assim que o garoto estava instalado em seu interior e saiu em disparada com o som agudo da sirene ecoando por todo o espaço. Meus olhos seguiram as luzes vermelhas, piscando sobre a ambulância, até elas desapareceram na próxima esquina e levarem meu coração com elas. Era desesperador não poder ir junto com eles e acompanhar Tody por todo o tempo, segurando sua mão durante o trajeto por completo.

- Felipe? - Ouvi a voz feminina ao meu lado preocupada dizer, mas a palavra se perdeu no ar. Eu estava desligado, o corpo anestesiado pelo choque e dor, o coração em um ritmo lento que poderia ser considerado calma, se não representasse a certeza do fim. O fim de tudo e qualquer coisa, da luz, do meu coração.

Eu estava sozinho. Éramos apenas eu e o monstro e ele estava ganhando a guerra.

••••

Sabia que os médicos haviam me dado alguma droga, pois despertei lentamente, tomando o controle de volta sobre o meu corpo aos poucos. Abri os olhos e me deparei com o teto branco e as luzes claras, obrigando-me a dobrar as pálpebras mais uma vez para evitar a queimação.

Quando me adaptei à claridade, ergui o pescoço para observar ao meu redor e imediatamente soltei um gemido de dor, caindo contra o travesseiro mais uma vez e apertando meus olhos por causa da dor. Minha cabeça latejava, um pulsar constante que se repetia cada vez que eu respirava, ecoando a dor pelo meu corpo. Não fazia ideia de quanto tempo havia se passado desde o momento em que adormeci, nem onde estava naquele momento e o por quê de estar ali. Minha mente se encontrava recoberta por uma névoa de dúvida e incerteza, a qual se dissipava lentamente.

- Fê?

Abri os olhos mais uma vez, buscando pela familiar e adorável voz feminina, e senti a tão conhecida mão gelada se entrelaçar aos meus dedos, segurando-os firmemente.

- Mãe?

Ela soltou um suspiro de alívio quando finalmente repousei meu olhar sobre si e me puxou para seus braços, apertando-me entre eles. Afundei o rosto em seu pescoço, absorvendo o perfume floral de sua pele e deixando que ele me acalmasse, como sempre fizera.

- Fiquei com tanto medo de te perder, meu amor. - Sussurrou, escorrendo os dedos pelo meu cabelo. Ela tinha dedos leves, carinhos que faziam meu estômago revirar e somente quis me aconchegar em seu colo, como fazia quando era pequeno.

E então, como um balde de água gelada, minhas memórias voltaram de uma vez só, rasgando-me de dentro para fora. Arregalei os olhos e meu desespero voltou, o entendimento do porquê de estar em um hospital e com gesso envolvendo minha perna direita se montando em minha mente. O choque percorreu todo o meu corpo, como se eu tivesse levado um soco no estômago muito forte e afastei-me do abraço materno:

- Mãe... T-Tody, ele... E-ele... - Meus olhos queimaram como se eu quisesse chorar, no entanto, eles pernaneceram secos enquanto o choque era absorvido. Onde estava Tody?

- Shhhh! - Ela passou as mãos pelos meus cabelos delicadamente mais uma vez, arrumando-os para cima quando a franja caiu sobre meu rosto. - Tody está na sala de cirurgia agora. Os médicos disseram que a situação dele é crítica, mas que foi esperto por ter coberto o rosto e impedido seus pulmões de aspirarem ainda mais gás. Ele vai ficar bem.

- E-e Anne? - Sussurrei, procurando-a pela sala.

Mamãe passou as mãos mais algumas vezes pelos meus cabelos e aquilo me forneceu conforto o suficiente para que as lágrimas retornassem, escorrendo calma e solitariamente pelas minhas bochechas. Elas eram escassas, como seu eu já tivesse chorado tanto a ponto do meu corpo não ser mais capaz de produzir novas lágrimas, o que, cientificamente, era insensato, mas momentaneamente pareceu uma teoria plausível.

- Ela ainda está na escola e Lize está vindo para a cidade, entāo as duas ficarão juntas em casa.

Assenti e me aconcheguei mais ainda no corpo quente da mulher que eu mais amava no mundo. Um resquício de felicidade brilhou em mim ao saber que minha irmã mais velha estava a caminho, sabendo o quanto sua vida era ocupada e o que possivelmente estava deixando de fazer para vim me ver. Lize e Anne eram minhas preciosidades e era um alívio saber que as duas ficariam juntas durante o tempo que fosse necessário.

De repente, ouvi batidas fracas na porta do quarto de hospital e ela sendo aberta lentamente. Uma voz masculina e familiar perguntou, em um sussurro rouco:

- Podemos falar com Felipe um pouco?

Mamãe franziu o cenho, tensionando o corpo para os dois garotos desconhecidos para ela. Observei Gustav e Henry, parados lado a lado sob o quadro da porta, ambos parecendo frágeis e tristes, e decidi que não poderiam me fazer nenhum mal dentro de um hospital. Sequei o rosto antes de me soltar do abraço materno e dizer:

- Está tudo bem, mãe. Não vai demorar muito, prometo.

Ela hesitou antes de me soltar por completo e depois caminhar devagar até a porta, sempre lançando olhares para mim, como se quisesse garantir que eu estava realmente bem com aquilo. Sabia que ela jamais sairia se soubesse que os dois garotos tinham participado da humilhação pública que eu passara na escola, no entanto, engoli meu desejo de chamá-la de volta para o quarto quando a porta se fechou e encarei meus visitantes.

Gustav me observou por alguns segundos antes de se aproximar e perguntar:

- Como você está?

Como um monstro e assassino pode estar?

Minha mente berrou essas palavras antes que pudesse me conter e fechei os olhos com força por alguns instantes antes de reabri-los e focar no moreno à minha frente. Usava uma camiseta que já fora branca um dia, mas que, naquele momento estava manchada de cinza, e tinha as mãos nervosamente apertadas diante do corpo.

- Por que se importa? - Resmunguei em retorno, chocado por minha voz sair tão confiante em um momento daqueles.

Gustav soltou um suspiro alto e passou as mãos no cabelo escuro, bagunçando-o ainda mais. Parecia muito nervoso e percebi quando Henry se aproximou dele por trás, provavelmente pousando a mão nas costas do moreno.

- Eu sei muito bem o que a gente fez, Felipe. - Começou a falar, baixando o olhar para os próprios pés. - Não deveríamos ter concordado em ajudar Sam a te expôr daquele jeito e estamos profundamente arrependidos por isso. Percebemos o nosso erro depois, quando vimos a forma que Tody reagiu e o que você deveria estar sentindo. - O moreno falou, os olhos escuros erguendo-se vez ou outra para mim e logo sendo baixados novamente.

- Sempre soubemos que Sam era instável. - Henry completou a fala do outro. - Não sabemos o que ele tem, mas sabemos que não é totalmente normal. Ele possui algum distúrbio mental e sempre teve esse desejo gigantesco de ser o que Tody é, mas nunca conseguiu, então...

De repente, ele parou de falar e baixou o rosto, sua pele pálida adquirindo um intenso tom vermelho conforme fazia uma careta. Tentei não demonstrar choque ao notar seu queixo tremer de forma intensa, mostrando que ele claramente estava segunrando as lágrimas naquele momento.

- E então e-ele nos chantageava para nos f-forçar a ajudá-lo. - Gus terminou, gaguejando, mas mantendo o olhar firme em mim desta vez.

Meus lábios se abriram em descrença e não consegui acreditar de verdade no que tinha acabado de escutar. Passei muito tempo sendo apenas invisível ou o Garoto-Morcego de todo mundo e isso me ajudou a perceber muito bem que o status social de ser popular era almejado por muitos por ser considerado algo muito importante. Por isso, jamais imaginei que aqueles dois, os quais sempre andaram colados com Sam e rivalizavam com Tody no quesito popularidade, pudessem estar ali contra a própria vontade. Era irreal pensar algo assim, no entanto, ao observar as expressões gastas de Henry e Gustav diante de mim, fez-me imaginar que poderiam estar falando a verdade.

- O que ele poderia usar contra vocês? - Perguntei, buscando traços de que estavam mentindo.

Eles não disseram nada por alguns instantes, apenas olharam um para o outro e então deram as mãos.

Meu queixo caiu enquanto baixava o olhar para o bonito entrelaçar de dedos diante de mim. A pele escura de Gustav parecia ainda mais escura ao lado da pálida mão de Henry e os dedos se uniam tão graciosamente que poderíamos facilmente confundir aquela cena com uma obra de arte. Daquela forma - preto no branco, branco no preto - as mãos juntas dos garotos parecia o símbolo do yin-yang. Permiti que o choque se discipasse lentamente e tudo ficou mais claro de repente.

Eles estavam juntos.

Henry ficou vermelho como um tomate maduro e desviou o olhar do outro garoto, virando o rosto na minha direção e abrindo um sorriso mínimo ao ver minha cara de espantado. Os dois estarem juntos parecia impossível, mas ali estava a verdade, sendo jogada sobre mim de forma bruta e impensável. Era a verdade crua, sem aviso prévio algum, mas bela.

- Viemos pedir desculpas pelo o que fizemos naquele dia com você. - Gus falou, a voz baixa e fraca, porém determinada. - A única pessoa que sabia sobre nós era Samuel. Ninguém mais sabe, além de ele e agora você, e tivemos medo do que ele poderia fazer conosco. Nós conseguimos esconder nossa relação por dois anos e sempre soubemos que ele cumpriria com as ameaças que fazia.

Baixei o rosto para as minhas mãos, mais uma vez sem acreditar no que estava ouvindo. Eles estavam aterrorizados, temendo que acontecesse com os dois o que havia acontecido comigo naquela quadra. Repacei todos os momentos que havia em minha memória sobre aqueles dois garotos e então notei que eles jamais eram os violentos, mantendo-se ligeiramente afastados enquanto Samuel o era. Também, os dois eram íntimos, próximos de uma forma que somente pude entender realmente após saber a verdade de que eles estavam juntos, diferentemente do que eu achava antes. Repassando o que sabia sobre eles, perguntei-me como nunca havia notado a proximidade profunda entre os dois.

- Não sabemos porque ele não nos expôs ainda. - Gus continuou falando. - Sabíamos o risco que estaríamos correndo ao nos afastar de Samuel, mas não dava mais para ficar perto dele depois do que ele fez com você.

- Não temos mais medo e isso tudo foi graças a você, Felipe. - Henry completou mais uma vez. Era como se os dois falassem em conjunto, prevendo o que o outro iria dizer antes de todos. - Se você consegue ser forte, nós também, não é?

Depois de chorar tanto, achei que minha pele ia rasgar quando abri um sorriso sincero por eles, esticando minhas bochechas até doerem. Ainda era difícil acreditar que os dois tinham sido um casal às escondidas por longos dois anos e então, de repente, senti-me radiante por eles terem confiado a mim esse segredo. Não sabia o que aconteceria com Samuel no futuro, afinal, ele tinha iniciado propositalmente um incêndio de grandes proporções, mas esperava sinceramente que ele não pudesse fazer mal a Henry e Gustav da forma como fizera comigo.

Espontaneamente, imaginei o monstro que sussurrava palavras na minha mente receber vários tiros e cair arfando no chão, quase morto. Ele sufocava, as frases de autodepreciação tentando sair por sua boca, mas sendo impedidas. Eu podia fazer algo bom, ser uma das razões para que duas pessoas não sentissem mais medo de serem o que verdadeiramente eram, ser um motivo para se manter firme. Saber disso fez as minhas dores reduzirem para um latejar menos intenso e profundo.

Eu ainda sorria abertamente para o casal diante de mim quando alguém bateu na porta e a abriu.

Fiquei surpreso ao ver Marie Elizabeth entrar no espaço com passos rápidos e expressão tensa recobrindo o rosto. Ela definitivamente tinha tomado banho, pois seu longo cabelo castanho repousava molhado sobre seus ombros e ela usava roupas limpas, tendo como única prova de que estivera em um incêndio recentemente pelo pequeno band-aid que recobria parte de sua sobrancelha esquerda.

Ela correu os olhos por nós até pousá-los em mim e então disse, em um sussurro firme:

- A operação terminou.

••••

Dois dias haviam se passado e Tody continuava adormecido, dopado pelos médicos. Ele tinha perdido uma boa parte da pele sobre seu abdômen e peito e ela teve que ser reconstruída usando uma pele sintética que o ajudaria a se curar. No entanto, o processo somente seria verdadeiramente efetivo caso ele permanecesse imóvel por completo por pelo menos 48 horas, daí a necessidade de mantê-lo drogado durante esse período. A última dose de sedativo tinha sido naquela manhã, pois a pele já começara a se estabilizar, e até o fim do dia Tody deveria estar acordando, mesmo que ainda estivesse proibido de se movimentar bruscamente.

Eu tinha recebido alta do hospital na manhã seguinte ao incêndio, após os médicos constatarem que meus pulmões não possuiam nenhum dano considerável o suficiente para me manter internado. Passaria alguns dias tossindo e até mesmo com falta de ar em alguns momentos, entretanto, meu corpo seria capaz de se recuperar sozinho de todo o gás tóxico a qual fui exposto. Durante os dois dias passados, no entanto, mesmo com a alta, eu não havia deixado o hospital por mais de uma hora, indo em casa rapidamente uma vez por dia e retornando para o lado de Tody.

Naquele momento, todas as cortinhas do quarto estavam fechadas a única luz visível era a pequena lanterna que iluminava as minhas mãos e uma folha papel quase vazia entre elas. Estava cuidadosamente instalado em um dos sofás do pequeno quarto de hospital, minha perna engessada apoiada sobre uma cadeira diante de mim, e um bloco de folhas para desenho sobre o meu colo. Tinha pousado o lápis seguidas vezes sobre o papel em branco, traçando simples traços, mas nenhuma imagem se formava. Nem mesmo desenhar me fornecia alívio para as longas horas de espera.

Tantas coisas tinham acontecido na minha vida em tão pouco tempo que eu não conseguia acompanhar. Eu era profundamente solitário, não tendo nenhum amigo realmente mas sim somente colegas do grupo de Teatro, os quais eram gentis o suficiente de me permitir por perto nos momentos de intervalo. Acostumei-me com a solidão após a morte de Jonh e Abel e pretendia continuar dessa forma para sempre, mas então Tody Benson invadiu meu restrito mundo de forma brutal e permanente. Aquele garoto, que de uma hora para a outra, caiu de paraquedas na minha vida por causa de um trabalho de biologia - o qual, por sinal, nós haviamos zerado - e que eu fui me acostumando a ter todos os dias ao meu lado. Ter Tody por perto foi como encontrar uma nova luz e sentido para tudo o que eu era, uma razão para querer sobreviver todos os dias.

Durante muitos anos, como filho único, eu tinha sido a companhia para a minha mãe e, dessa forma, tinha assistido dezenas de filmes românticos ao lado dela. Sempre os achei bobos, pois, em geral, mostravam uma história clichê de duas pessoas que se apaixonam perdidamente e pousam seus corações nas mãos um do outro de maneira exageradamente rápida. Nunca havia conseguido acreditar que o amor estava representado naqueles filmes, afinal sempre me pareceu impossível duas pessoas se amarem perdidamente de forma tão rápida e desejarem ficar juntos para sempre.

Era bobo e irreal. E minha opinião tinha sido inflexível até o momento em que Tody se aproximou. De repente, me vi sendo uma das partes dos filmes românticos e sentindo meu coração perder o compasso totalmente apenas com um de seus sorrisos. Jamais alguém havia me feito rir tanto quanto no dia em que ele visitara minha casa pela primeira vez e tinha sido em meio àquelas risadas que parte de mim fora entregue em suas mãos. Eu não sabia na época, mas o simples fato de Tody Benson ser uma pessoa completamente diferente da que aparentava ser tinha sido o suficiente para que meu coração derretesse um pouquinho por ele durante aquela tarde.

Foi rápido, tão rápido quanto nos filmes que minha mãe tanto se emocionava ao assistir. Em poucos dias, passei a acordar desejando ver o sorriso de Tody e suas mensagens de texto logo se tornaram o ponto mais alto dos meus monótonos e longos dias. Sabia desde o começo que estava me metendo em um grande problema, pois tinha certeza de que Tody jamais retribuiria os meus sentimentos, então, quando ele correspondeu aos meus toques e me beijou por contra própria, flutuei no paraíso. Fora como estar em um sonho.

Eu já tinha me envolvido com algumas pessoas antes, aventurando-me em relacionamentos curtos e baseados somente no desejo carnal. Nunca tinha me apaixonado ou sentido por alguém um resquício do que sentia por Tody, entregando-me a ele ao ponto de expor meus mais profundos medos e pesadelos, permitindo que ele entrasse em cada pequeno detalhe da minha vida de maneira profunda e permanente. De repente, senti-me outro garoto, mais feliz e completo, com o coração cheio de uma forma que sempre me parecera impossível.

Cada novo detalhe que eu descobria sobre ele me deixava mais propenso a ceder, a permitir-me ser guiado totalmente pelo sentimento profundo e intenso. Tody passou de uma pessoa distante - um garoto popular e excelente jogador de futebol americano - para alguém real e próximo, com rachaduras em seu passado, as quais ele tentava ao máximo esconder de todos, mas que havia me permitido enxergar. Vi suas fraquezas, a forma como seu choro parecia a imagem mais triste do mundo e seu gigantesco coração de criança.

Simplesmente amava segurá-lo em meus braços enquanto dormia, sentir sua respiração constante tocar minha pele, absorver profundamente o perfume de sua pele e protegê-lo de seus pesadelos. Eles eram constantes e, em muitas das noites em que ele havia passado comido, eu comumente era acordado por seu corpo tensionado, suas mãos agarrando-me como seu eu fosse uma âncora em meio ao mar conturbado de seus sonhos. Ouvia-o resmungar palavras desconexas, remexer-se e tremer antes de finalmente se acalmar em seu sono sob o meu carinho em seu cabelo. De forma surpreendente, Tody nunca tinha comentado sobre seus pesadelos nas manhãs seguintes, o que me levava a acreditar que não se recordava deles.

Foi dessa forma que minhas barreiras caíram, tornando-se ruínas ao chão. Meu coração estava pousado entre seus dedos e Tody poderia fazer qualquer coisa com ele, pois já não havia mais volta para o tsunami de emoções que ele me causava.

E então descobri que tudo só começou por causa de uma maldita aposta e foi como estar me afogando em uma piscina de petróleo, que cortava toda a luz e o ar. Era impossível chegar à superfície, era impossível sobreviver. O monstro acordou novamente naquele dia, erguendo-se de sua antiga prisão e ameaçando me devorar de dentro para fora. Senti meu coração sangrar, a dor da humilhação pública me deixando várias noites acordado, com medo dos pesadelos que viriam.

Na mesma noite do acontecimento na quadra, fiquei deitado no chão do banheiro por horas, os fones de ouvido tocando aleatoriamente a minha playlist favorita, ouvindo ao fundo as batidas frequentes de mamãe na porta trancada do quarto. O chão gelado me confortava, pois minha temperatura era a mesma, e apenas existi ali, nenhuma lágrima sendo derramada em todo o tempo. A banheira atrás de mim estava cheia, a água quase transbordando pela borda, e o pote de remédios pousado bem diante do meu rosto era tentador ao extremo. Algumas daquelas pílulas e eu adormeceria tranquilamente, afundando-me sob a água fria até que toda a dor cessasse.

Já tinha errado uma vez e não poderia errar de novo se fizesse mesmo aquilo, por isso permaneci deitado ao chão, meu corpo nu sendo tocado pelo frio, até ter certeza. Foi quando as palavras desesperadas que vinham do outro do lado de fora do quarto, transpassando a porta deste e a do banheiro, se tornaram mais intensas e dolorosas. O choro de Anne me fez perceber que não podia deixar minha mãe e minha irmãzinha sozinhas. Isso me obrigou a destravar as portas e deixar os pote de comprimidos exatamente onde estavam antes: no chão.

Pensar nisso tudo vendo Tody adormecido a alguns metros de mim gelou minha alma. Ainda parecia irreal que ele tinha entrado naquele inferno em chamas e quase morrido para me salvar, podendo ter ficado do lado de fora e estar são e salvo desde o começo. Scott tinha sido claro ao dizer que ele não havia hesitado por nenhum segundo, esquecendo-se de si mesmo e me colocando em primeiro lugar. Era um ato de devoção que eu jamais poderia retribuir.

Pousei o bloco de desenhos, desci a perna machucada, coloquei as muletas no chão e me empurrei para cima, pulando devagar até estar ao lado da cama. Encostei-me nela, deixando o meu peso ser sustentado, e desci os olhos para o rosto de Tody.

Dormindo daquela forma ele parecia muito com o pai, que continuava em coma a alguns quartos de distância. Tinha descoberto isso no dia anterior enquanto conversava com Marie Elizabeth e meu coração se quebrara ao saber o real motivo pelo qual Tody estava no hospital no dia que vim visitar as crianças com câncer. Aquele momento, pai e filho sobre camas de hospital e separados por alguns quartos, fazia tudo se tornar ainda mais doloroso. Tinha medo de que seu pai não se recuperasse, pois tudo o que eu mais queria era ver o meu jogador de futebol feliz, sabendo que ele jamais o seria caso perdesse o pai também.

Suspirei, tentando fugir dessa linha de pensamentos. De imediato, Tody tinha que se recuperar, abrir seus magníficos olhos cor de mel com pontos esverdeados e voltar ao seu estado físico anterior, saudável, bem e vivo. O BIP BIP BIP da máquina ao lado da cama mostrava a velocidade lenta em que seu coração batia, quase uma melodia calmante se não fosse tão triste, e o subir e descer de seu peito seguia o mesmo ritmo fraco.

Meus olhos se encheram de lágrimas ao ver seu peito envolto em uma pele sintética, protegido parcialmente por um plástico fino para que não tivesse contato com o ar e infeccionasse. Tody também não podia usar um robe hospitalar, pois o roçar do tecido no ferimento poderia prejudicar a recuperação da região de pele perdida. Ergui os olhos então para o seu rosto, o qual possuia alguns arranhões leves cobertos por uma pomada e um mais profundo protegido por um band-aid, e não fiquei surpreso ao perceber que, apesar de tudo, ele continuava mais lindo do que nunca. Os médicos disseram que ele foi esperto de proteger o rosto o máximo que pôde, evitando danos permanentes em suas feições e, consequentemente, freando um pouco a inalação do gás carbônico desprendido pelo fogo. Fora isso, Tody teve queimaduras leves nas pernas e nos braços.

Sentei-me no estreito espaço entre seu corpo e a borda da cama e sequei as lágrimas do rosto antes de pender meu corpo para a frente. Primeiramente, deslizei os dedos pelo seu cabelo, sentindo como era macio e brilhante, mesmo que alguns pedaços tivessem fios chamuscados. Era provavel que ele fosse obrigado a cortar o cabelo quando recebesse alta e eu sentiria falta de ter as mechas volumosas para prender entre meus dedos. Depois, tracei seu rosto com a ponta dos dedos, deslizando-os sobre suas bochechas proeminentes, seu nariz afilado, seus lábios carnudos e ligeiramente ressecados e chegando ao seu queixo bem marcado. Tody era uma verdadeira escultura grega e eu poderia admirá-lo para sempre.

Baixei o rosto e encostei minha testa na sua, sentindo o cheiro de sua pele, que mesmo depois de tudo, continuava a mesma das noites que ele me abraçava até que eu conseguisse dormir. E eu conseguia, sem os meus costumeiros pesadelos. Ergui o rosto o suficiente para pousar um casto beijo sobre sua testa.

- Preciso tanto de você. - Sussurrei, voltando a beijar seu rosto, delicadamente, e evitando os machucados com cuidado. O BIP BIP BIP da máquina se tornou mais rápido e eu toquei a ponta de seu nariz com o meu. - Eu amo tanto você, Tody.

E então, como se minhas palavras fossem a cura, seus cílios longos tremeram ligeiramente. Afastei meu rosto a tempo de ver seus olhos cor de mel se abrirem lentamente, fechando-se seguidas vezes antes de finalmente conseguir mantê-los aberto em uma linha estreita. Ele me encarou e pareceu demorar alguns segundos para me reconhecer, ainda com a mente recoberta pela névoa das drogas.

Meu coração disparou ao vê-lo acordado, minha pele se arrepiou de emoção e abri o maior sorriso do mundo, uma quantidade enorme de lágrimas deslizando por minhas bochechas. No entanto, desta vez, elas eram de alegria, a mais pura e autêntica felicidade que se irradiava de todo o meu corpo. Não consegui parar de sorrir e chorar, meus sentimentos borbulhando ao extremo quando Tody pendeu a cabeça para o lado, repousando-a sobre a palma da minha mão, a qual estava aberta e cobrindo sua bochecha.

- Boa noite, dorminhoco. - Falei, fungando.

Tody abriu um sorriso pequeno e dolorido, e quando falou sua voz saiu rouca e arrastada, como se estivesse muito bêbado:

- Não chore, Fê. É tão lindo te ver sorrir.

Não pude deixar de gargalhar pois aquilo só fez mais lágrimas se formarem e meu rosto ganhou a coloração avermelhada. Meu peito parecia expandido, muito maior que o normal, transbordando de felicidade e alívio. O garoto que eu amava estava diante de mim, grogue devido às drogas, mas acordado e falando, e isso valia o mundo.

- Suas orelhas estão vermelhas. - Sussurrou Tody, seu gigantesco sorriso de criança deixando-o magnífico. - Eu senti falta das suas orelhas.

Rachei de rir, apoiando o meu rosto sobre a curva de seu pescoço e sentindo o meu corpo inteiro tremer devido à gargalhada. Ainda assim, consegui pousar um beijo sobre sua pele desnuda antes de me reerguer, por medo de acidentalmente tocar a área machucada e fazê-lo sentir dor.

- Fê... - Seus olhos baixaram para a minha perna engessada, a qual estava apoiada no chão cuidadosamente, e então olhou novamente para mim, os poços profundos de mel brilhando mais que o normal e enchendo-se de lágrimas. - V-Você se machucou?

- Um anjo me salvou. - Deslizei a ponta dos dedos até seu cabelo. - De todas as formas possíveis.

Uma lágrima desceu por sua bochecha e a sequei com um beijo delicado e lento, ainda com o carinho constante em seu couro cabeludo. Senti quando suspirou profundamente e então ergueu o braço, entrelaçando os dedos ao redor do meu pulso e forçando-me a olhá-lo novamente.

- Eu sou um merda. - Resmungou. - Você me perdoa por ser um merda?

Revirei os olhos, pois a resposta era óbvia, porém, quando a preocupação não deixou a expressão de Tody, assenti firmemente. Tody suspirou de alívio e ergueu o braço devagar, tocando meu rosto delicadamente, traçando a pele da minha bochecha como se fosse a coisa mais preciosa que já tinha visto na vida. Seus olhos brilhavam pelas lágrimas presas ali, destacando os pontos dourados presentes neles, e não desviavam dos meus quando abriu os lábios para sussurrar:

- Promete que nunca vai me deixar?

Sorri e cobri sua mão com a minha, afinal, o que mais eu poderia responder?

- Prometo.

•Fim•

____________________

AINDA TÊM O EPÍLOGO E OS CAPÍTULOS BÔNUS! NÃO ME MATEM!

Deuses do Olimpo, estou desidratada de tanto chorar. Achei que tinha passado dessa fase, mas acho que, quando se trata de Fedy, ela jamais passará. Mal consigo acreditar que chegamos ao fim dessa história mais uma vez.

Ok, sem mais enrolações aqui. O capítulo está com 8 mil palavras, então espero que isso compence um pouco a demora - sério, desisto de prometer a você que serei rápida.

E então? Foi como esperavam?

O que está faltando?

Vamos venerar Fedy para sempre. Sim ou claro?

Estou muito nervosa em postar esse capítulo, então espero que não me deixem falando sozinha. Até o Epílogo, meus amores, e muito, muito, muito obrigada pelo eterno apoio e paciência que têm comigo.

Kyv😊❤🙈



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