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Capítulo 20

Breathe, keep breathing

O mundo desabava no exterior, uma forte chuva encharcando tudo conforme as gotas desciam do céu com velocidade e força, no entanto, quando vi Felipe passar pela porta principal do colégio, senti meu coração disparar e um novo tipo de esperança tomar conta de mim, sendo impossível segurar o sorriso. Nem mesmo um dia de temporais resistia a ele.

Três dias haviam se passado desde o nosso encontro no hospital e ele estava finalmente de volta ao colégio, caminhando entre as pessoas que o olhavam, com passos apressados e expressão fechada. Naquele dia em especial, seu cabelo parecia ainda mais longo devido à água da chuva - batendo sobre seus ombros - e escuro, brilhando conforme andava. Usava fones de ouvido e carregava nos braços alguns cadernos e livros, segurando-os firmemente, e tudo que eu queria era poder entrelaçar meus dedos nos dele e não deixar ninguém se aproximar.

Fê passou por mim e me dirigiu um olhar de menos de um segundo antes de continuar o seu percurso de cabeça baixa. Observei suas costas enquanto ele se afastava cada vez mais - desaparecendo aos poucos entre os demais alunos - somente para me certificar que Samuel não iria fazer algo. Prendi a respiração quando Fê passou ao lado daquele desgraçado, o qual conversava animadamente com uma líder de torcida, ignorando os curativos que cobriam diversos pontos de seu rosto.

Quando procurei Samuel após o meu encontro com Fê no hospital, ele simplesmente havia desaparecido, me deixando enraivecido e com desejo de quebrar meus dedos sobre seu rosto mais uma vez. Procurei pela escola, questionei o time de futebol inteiro, porém nem mesmo seus amigos sabiam seu paradeiro. Conforme o tempo ia passando, acalmei ligeiramente minha alma e percebi que a violência não era a forma correta de fazer Sam pagar pelo o que fez: ele teria o que merecia, entretanto, nāo da forma que eu havia imaginado de início.

Enquanto questionava os amigos dele, algo me deixou intrigado: eles pareciam desligados, distantes e sem informações. Quando Samuel reapareceu no colégio, passou a andar sempre sozinho, sem seus dois cães guardiões por perto e almoçando em uma mesa com outros jogadores do time, e...

Minha linha de pensamentos se quebrou quando Felipe escorregou no piso molhado pela água da chuva e caiu de bunda no chão, jogando os livros que carregava justamente contra um dos amigos de Sam, que passava pelo corredor justo naquele momento. Meu corpo agiu de imediato: tentei chegar até ele antes que se machucasse - fisica e mentalmente - ainda mais, abrindo espaço entre as pessoas acumuladas no corredor.

No entanto, a cena que vi diante de mim foi completamente diferente da esperada: o garoto que treinava comigo e que sempre andara colado a Samuel (a risco de engano, eu acreditava que seu nome era Gus) se abaixou, pegou alguns livros do chão e então estendeu a mão para Felipe, seus olhos brilhando de uma forma doce que eu jamais havia visto. Meu menino de olhos azuis hesitou, tão surpreso quanto eu pelo gesto, mas terminou por segurar a mão estendida e se colocar de pé.

Gus entregou os livros a ele e então deu um tapinha amigável nas costas do menino de preto:

- Tudo bem, cara?

Totalmente surpreso, Felipe assentiu e saiu de lá rapidamente, voltando a andar em direção à sua sala. Fiquei parado no centro do corredor, como um pateta, debatendo internamente o que tinha acontecido, até ouvir um barulho seco de metal sendo atingido por um punho fechado e então um gritinho feminino de susto. Virei-me, olhando na direção de Samuel para percebê-lo trocando olhares mortais com seus dois amigos, os quais o encaravam em retorno com a mesma intensidade. O som do metal foi explicado quando percebi a mão dele, fechada em punho, apoiada sobre a porta do armário.

Foi quando entendi. Seus cães guardiões tinham o abandonado. O por quê eu não entendia muito bem, no entanto jamais iria me queixar por algo assim. Estava finalmente explicado o distanciamento que eu percebera anteriormente.

Retornei ao meu armário ao ouvir o sinal tocar e peguei os materiais para a minha primeira aula: Cálculo. Respirei fundo, olhei mais uma vez para o corredor - contatando que Felipe já havia entrado em sua sala - e notei Will e Scott com os braços para o alto mais ao longe, chamando-me

O dia seria longo - mas, naquele momento, eu ainda não sabia o quanto.

••••

A cantina estava lotada, as mesas redondas ocupadas integralmente pelos alunos, os quais conversavam alta e sonoramente, no entanto, tudo o que me importava eram os dois pares de olhos arregalados travados em mim.

Eu tinha acabado de contar a Will e Percy sobre Felipe (devido ao meu nervosismo intenso, algumas partes da história acabaram por ficar a cargo de Scott e Marie) e nenhum dos dois havia demonstrado reações ainda. Tinham os olhos arregalados, as expressões marcadas profundamente pelo choque e os lanches esquecidos sobre a mesa.

Eu me contorcia. Minhas mãos suadas eram constantemente esfregadas sobre a calça jeans, meu estômago dava loppings a cada nova respiração e eu via pontos escuros salpicar sobre o meu campo de visão, como se eu estivesse prestes a desmaiar. A reação de Will e Percy era tão importante quanto tinha sido a de Scott e eu sentia a profunda necessidade de ser aceito e compreendido pelos meus amigos, os quais, de certa forma, também eram a minha família. Não fazia ideia de como reagiria caso eles se afastassem de mim e o silêncio estava me corroendo interiormente aos poucos.

Por sorte, Scott também parecia nervoso pelo silêncio profundo, pois batucou os dedos sobre a mesa e disse:

- Porra, falem alguma coisa!

Isso fez os dois piscarem, como se retornassem ao mundo após divagarem por longos segundos, e fecharem as bocas. Will baixou os olhos para as próprias mãos enquanto Percy segurava a ponta da mesa como se precisasse disso para se acalmar e conseguir falar:

- Bom, ainda estou esperando que vocês digam que isso é uma brincadeira. - Ele mudava o olhar de mim para Scott, buscando traços de que iríamos gritar e rir, dizendo que tudo não se passava de uma piada de mal gosto, mas quando continuamos sérios, o sorriso pequeno de Percy sumiu. - Oh, porra.

- Vocês poderiam parar de reproduzir palavrões e dizer algo melhor. - Marie Elizabeth disse, sua mão ainda presa na minha, como tinha estado desde o momento em que eu havia gaguejado ao contar a história pela primeira vez.

- Não sei o que dizer. - Percy continuou. - Quer dizer, você é viado agora?

- Eu não sei o que sou. - Respondi com sinceridade e o máximo de calma que eu podia, tentando não me ferir com o tom preconceituoso que havia transparecido ligeiramente nas palavras do meu amigo. - Não me sinto pronto para me definir, não agora pelo menos, e tudo o que sei é que estou perdidamente apaixonado por Felipe.

O silêncio retornou após isso, Percy cruzando os braços sobre o peito e suspirando, Will ainda de cabeça baixa e perdido em seus próprios pensamentos. Senti quando minha visão ficou nublada e as lágrimas ficaram prestes a descerem pela minha bochecha. Passei a mão sob os olhos, secando-as antes que isso acontecesse e senti a mão de Marie apertar a minha com mais força.

- Isso é muito para digerir. - Percy resmungou, o rosto fechado. - É difícil olhar para você agora, Tody. Tudo parece mudado e preciso de tempo.

Assenti, afinal ele não estava dizendo que estava fechado ao assunto ou me descartando de sua vida totalmente, somente que precisava de tempo para compreender a situação. Tinha sido algo repentino, um sentimento que eu havia demorado muito para aceitar, e não poderia exigir de Percy a aceitação rápida. Eu via seus olhos verdes sobre mim, analisando-me lentamente, tentando desvendar quem era o novo Tody, o que aconteceria com a nossa amizade após essa revelação.

Eu ainda tentava desvendar o novo Tody também.

E então a atenção foi voltada para Will, o qual deixava fios de cabelo loiro cair sobre o rosto e esconder sua expressão. Deve ter percebido a tensão no ar, o questionamento invisível e quase palpável, pois soltou um suspiro baixo e, ainda olhando para as próprias mãos e falando aos sussurros, revelou:

- Eu beijei um cara uma vez. - Silenciou-se por alguns segundos enquanto meus olhos se arregalavam. Duvidei do que havia escutado, trocando olhares de dúvida com meus outros amigos, igualmente confusos, antes de Will continuar, erguendo finalmente o rosto para nós: - O nome dele era Nicolas e ele me fez descobrir que sou bissexual. Eu achei que nunca poderia dizer isso em voz alta para vocês.

Aquela não era uma das respostas para as quais eu havia me preparado, imaginando cenários para as mais diversas situações que poderiam vir a acontecer. Nunca havia duvidado da sexualidade dos meus amigos - nem por um segundo -, no entanto, eles também não tinham duvidado da minha ao proporem e apoiarem uma aposta como a que fiz com Scott. Eu sabia que nunca passaria pela cabeça de um deles que algo realmente tão grande, majestoso e magnífico como eu amar Felipe poderia vir a realmente acontecer. Era o impensado, o impossível, mas sentimentos surgem nos momentos que menos acreditamos, nos lugares mais improváveis, e essa era a beleza de ser humano. Descobrir como Will se sentiu me fez sorrir, meus lábios se elevando de forma natural e pura.

- Agora, eu realmente preciso de um tempo. - Percy falou, com um suspiro profundo. Ele tinha o rosto vermelho, o cabelo despenteado de tanto puxá-lo, e se levantou da mesa, apoiando todo o seu peso sobre ela. - Não me levem a mal, caras, mas acho que passarei os próximos dias lanchando com o time. - Ele percebeu o quanto a expressão de Will quebrou, como uma máscara de porcelana que é lançada ao chão, e foi rápido em continuar: - Mas isso não quer dizer nada por enquanto. Só preciso reaprender quem são meus amigos.

Percy me olhou mais uma vez e engoliu em seco antes de partir, caminhando com as mãos nos bolsos entre as mesas e desaparecendo pela porta principal. Sem ele ali, nossa mesa recaiu em um silêncio profundo mais uma vez e me vi sem nada a dizer: tanto havia acontecido naqueles últimos tempos que seria impossível descreve tudo em palavras.

- Bom. - Marie disse, espalmando suas mãos, as unhas vermelhas e afiadas em destaque, e virou-se para Will: - Quero saber mais sobre esse tal Nicolas.

- Eu e Nico continuamos a conversar depois, mas somos somente amigos agora. - Meu amigo respondeu.

Os dois engataram em uma conversa sobre o chamado Nicolas e pude ver Will relaxar, a tensão de seu rosto se esvaindo lentamente enquanto falava. Ele se sentia como eu me sentira quando Scott me aceitou, mantendo-se próximo a mim e meu melhor amigo e, mesmo que o que viria a acontecer com Percy ainda fosse uma incógnita, o passo mais difícil já estava dado. Ele não estava sozinho. Eu não estava sozinho.

Durante certo tempo, tentei prestar atenção na história de Will, da mesma forma que ele havia prestado quando eu estava contando a minha, mas meu rosto instintivamente virava para Felipe. Meu garoto de olhos azuis estava sentado em sua mesa de sempre - junto ao grupo dramático e barulhento de Teatro - com os fones colocados, a cabeça balançando ligeiramente ao som da música e os pés pousados sobre outra cadeira. Desligado de todas as vozes do mundo, observei-o lindamente existindo, e então, de repente, ele virou o rosto e nossos olhares se cruzaram por um segundo.

Sorri bobamente, mas ele virou o rosto, tentando ao máximo me ignorar.

Soltei um muxoxo, formando um bico enorme e involuntário nos meus lábios. Sentia falta dele todos os segundos e isso era tão angustiante que eu mal conseguia respirar corretamente. Fê era tão forte, tão resistente aos impactos da vida, e a prova disso é que estava ali novamente, passando pelos corredores da mesma escola que massivamente o humilhou, e isso me inspirava a seguir em frente, a não desistir de nós.

Scott bateu no meu ombro e depois puxou minha bochecha, fazendo voz de bebê ao falar:

- Fica com essa carinha não, Dydy! Vocês eventualmente vão voltar!

Ri e empurrei sua mão da minha bochecha, revirando os olhos para Scott. Eu me sentia leve, mesmo que meu pai continuasse em coma no hospital, que Felipe não estava mais perto de me perdoar e que Percy poderia nunca me aceitar. Mesmo com tudo isso, eu me sentia calmo, como se todos os meus problemas, por piores que fossem, poderia ser resolvidos se eu fosse determinado o suficiente. E eu estava pronto para ser.

Puxei a bandeija para perto de mim, a qual havia sido abandonada quando falei que "tinha algo muito sério a dizer", e rasguei o pacote que envolvia o sanduíche. Percebi Scott fazer o mesmo com o dele e então estender para Marie, que deu uma pequena mordida, lançou-lhe um sorriso e voltou a conversar com Will.

Mordi meu lanche no mesmo momento em que vi Gus entrar no refeitório lado a lado com outro rapaz. Os dois sempre andavam com Samuel, mas, naquele momento, estavam na companhia somente um do outro. Esperei que sentassem com o restante do time de futebol, no entanto, escolheram uma das poucas mesas livres no fundo da cantina e se isolaram, conversando aos sussurros entre si.

Mastiguei mais rápido e então passei as pernas para fora do banco, andando até mesa onde eles tinham acabado de se sentar, sozinhos. Aquele era um dia para esclarecimentos, mudanças, e eu precisava de respostas, por isso apoiei uma mão na mesa e, de pé diante deles, falei:

- O que estão tramando?

- O que quer dizer? - Gus respondeu, franzindo o cenho.

- Você sabe muito bem. - Falei, minha voz baixa e cortante. - Por que foi simpático com Felipe hoje se há alguns dias estava ajudando Sam a humilhá-lo?

Ele suspirou sonoramente e baixou o rosto entre as mãos. O outro garoto, que eu estava finalmente reconhecendo devido ao número de sua camisa do time, exposto sobre seu peito, que respondeu por Gus.

- Foi por isso mesmo que paramos de andar com ele, Benson. - Henry parecia nervoso, as mãos escondidas sob a mesa enquanto falava. - Samuel tem essa mania de tentar ser sempre melhor que você e nós cansamos de participar de seus planos de destruição. Nós percebemos o que estávamos fazendo quando vimos como Felipe ficou depois daquele dia. Acha que não percebemos que ele não vinha para as aulas?

- Sam é louco. - Gus continuou, erguendo o rosto das mãos, os olhos carregados de uma energia negativa tão intensa que chegava a ser palpável. - Sabemos que ele deve tomar remédios controlados todos os dias, mas não o faz. Cansamos de segui-lo.

Respirei fundo, surpreso. Samuel tomava remédios controlados?

- Isso é mesmo verdade? - Perguntei. - O que ele tem?

- Nós nunca soubemos. - Gus resmungou. - Acho que ele jamais admitiria algo assim.

De repente, tudo se tornava mais claro, como se o céu se abrisse após uma tempestade. Os ataques de raiva repentinos durante os jogos de futebol, todas as vezes que Samuel havia sido expulso por acredir um adversário, sua obsessão por tomar meu lugar no time e ser Capitão, seus ataques a Fê... Tudo aquilo era decorrente de algo muito mais sério que somente o seu desejo. Um transtorno psicológico que já havia machucado muita gente pelo simples fato de que ele jamais havia se dado ao trabalho de procurar ajuda.

- Nós queremos perdir desculpas a Felipe. - Henry disse. - Naquele dia, não havia nenhum dos colegas dele presentes naquela quadra, ninguém para defendê-lo. Nós deveríamos ter feito isso, mas ficamos calados. - Ele ficou vermelho de vergonha e soltou um suspiro triste.

Assenti, vagando os olhos pela cantina até pousá-los sobre Felipe mais uma vez. Dessa vez, meu menino de olhos azuis com uma garota de cabelo rosa e os dois pareciam analisar uma folha de papel, a qual estava pousada entre eles, sobre a mesa. Quando Fê ergueu ligeiramente a folha entre os dedos, pude ver de relance traços coloridos sobre ela, um desenho de perspectiva do que parecia um ambiente fechado - eu jamais saberia exatamente, não tão longe.

Voltei os olhos para a mesa, onde Henry e Gus me olhavam em dúvida e, antes que pudesse me arrepender de tal decisão, falei:

- Querem sentar com a gente?

De imediato, a surpresa pintou-lhes os rostos e trocaram olhares, hesitantes, antes de assentirem. Eu não sabia exatamente o porquê de estar convidando-os para a nossa mesa, principalmente após todas as revelações daquela manhã, porém, algo me dizia que aquilo era o certo a fazer. Minha cabeça havia estado tão cheia, tão pesada de momentos e sentimentos sufocantes, no entanto, naquele momento, tudo parecia parado. As dúvidas e problemas ainda estavam ali, andando em passos lentos ao meu redor, porém, uma estranha calmaria havia se apossado de meu coração. Uma calmaria que, possivelmente, não duraria, mas que fora suficiente para me fazer levar Henry e Gus comigo até a mesa em que estava sentado antes.

Will foi escandaloso e quis bater neles quando chegamos. Gritou forte demais que eles não eram bem vindos ali antes que eu pudesse explicar-lhe a situação. Marie riu, tentando aliviar a tensão elétrica do ar ao dizer que estava cercada por homens demais. Gus respondeu com sorriso e disse que ela estava muito diferente de antes, quando andava com o grupo de líderes de torcida o tempo todo. Pretendi não ter visto o pequeno e orgulhoso sorriso de Scott após o comentário.

Tudo ainda era incerto, repleto de resquícios de loucura, tristeza e dúvidas, porém, percebi que todos ali estavam se esforçando para que o mundo se encaixasse de novo. As coisas estavam mudando gradativamente. Olhei para trás quando senti minhas costas formigarem e fisguei o olhar de Felipe sobre mim, os lindos poços profundos de azul desviando-se em seguida. Ele baixou o rosto, mas não conseguiu esconder o minúsculo sorriso que se seguiu - era apenas um repuxado de seus lábios ressecados, porém, foi o suficiente para fazer meu coração falhar o compasso.

Do outro lado do refeitório, sentado com os demais jogadores do time, Samuel explodiu uma caixinha de suco entre as mãos, o líquido avermelhado escorrendo pelo chão como sangue.

••••

Minha noite havia sido pertubada por inúmeros pesadelos, os quais me acordavam de tempos em tempos, por isso não me surpreendi ao sentir meus olhos se fecharem lentamente durante o segundo horário seguido de Física. Eu estava com o rosto sobre a mesa, a jaqueta do time servindo de travesseiro, minha mente vagando pelo limbo - não totalmente acordado, não totalmente adormecido.

Por essa razão, não me importei de imadiato para o cheiro fraco de fumaça que invadia minhas narinas. No entanto, quando ele se tornou mais forte, fazendo o meu cérebro voltar à realidade lentamente, percebi que não estava tendo outro pesadelo. Eu não tinha sido o único a sentir o cheiro de queimado, pois a professora parou a aula, franziu o cenho e fungou ligeiramente, tentando se certificar de onde aquele odor forte vinha.

Fiquei totalmente acordado quando Scott bateu nas minhas costas e resmungou:

- Você está sentindo isso, cara?

Um segundo depois, ouvimos o som de uma explosão de pequeno porte vinda do corredor, que fez todos gritarem assustados, seguida pelo som estridente e agudo do alarme da escola sooando. O sinal luminoso vermelho começou a piscar incansavelmente ao lado da porta, uma medida de emergência para nos ajudar a localizar a saída em casos de incêndio.

- FOGO! - Alguém gritou.

- Atenção, atenção, alunos. - A voz do nosso diretor ecoou pelos auto-falantes, mesclando-se ao som do alarme de incêndio que tocava sem piedade. - Isso não é uma simulação! Repito, isso não é uma simulação! Por favor, dirijam-se a saída mais próxima e mantenham a calma!

No entanto, o caos se iniciou. Todos se ergueram ao mesmo tempo, alguns ainda se preocupando em recolher os materiais, outros abandonando tudo para trás. Meu corpo acendeu com a adrenalina, meu coração encontrando um ritmo acelerado enquanto eu me precipitava em direção à porta da sala. O medo fazia as pessoas gritarem e forçarem passagem, dessa forma, acabei levando uma cotovelada na bochecha, vindo de alguém que eu não pude identificar.

- Eu não sei onde Marie está! - Ouvi Scott berrar atrás de mim e percebi que ele puxava Will pela camiseta, para que os dois não se separassem entre a multidão agitada ao mesmo tempo que empurrava minhas costas, incentivando-me a seguir em frente.

Quando finalmente consegui sair da sala, meu primeiro impulso foi tentar ver as roupas pretas de Felipe entre a massa de alunos que se empurrava em direção à saída, no entanto, a fumaça escura que subia pelo corredor me impediu de ver longe. Fui empurrado, andando com passos rápidos e falhos e, quando tentei olhar para trás mais uma vez, a massa humana me fez perder o equilíbrio e caí de cara ao chão. Alguém pisou na minha barriga enquanto corria e perdi o ar totalmente, sufocando algumas vezes, ficando em forma de bola e levando chutes nas costas das pessoas apressadas que corriam por cima de mim sem se importarem de como eu estava.

Cobri o rosto com as mãos e a jaqueta, que amortecia os impactos, e esperei um momento na qual fosse possível eu me erguer, porém o que capturou meu olhar foram os armários ao meu lado. Um deles estava totalmente deformado e sem porta, escurecido pelo fogo, o metal derretido formando uma criatura abominável de se olhar. Com um choque, percebi que a explosão antes ouvida tinha sido ali, transformando o armário em sucata preta e fumegante, os livros e papéis em seu interior queimando intensamente.

Alguém agarrou meus braços e me trouxe para cima:

- Dá para parar de ser idiota? - Gritou Will, me empurrando contra a saída. - Ele já deve estar lá fora! Vai, vai, vai!

A fumaça no corredor era densa, escura e pesada, e o fogo se concentrava em alguns pontos distintos. Ouvimos mais uma explosão, dessa vez bem mais baixa e intensa, porém as luzes ainda acesas apagaram e o alarme de incêndio parou de soar, indicando que o fogo havia atingido as fiações elétricas. Finalmente, consegui chegar à entrada principal da escola e saí para o ar livre, junto à massa de alunos caóticos.

Uma viatura dos bombeiros já estavam ali, auxiliando na evacuação, enquanto ouvíamos a sirene as demais ecoarem pelo bairro inteiro. Sufocado e apertando a jaqueta - inutilmente - sobre as minhas costelas doloridas, parei no pátio gramado e olhei para a nossa escola: a fumaça saía pela porta principal e por várias janelas do primeiro e segundo andar, era possível ver as chamas alaranjadas em alguns lugares. Por ser uma construção antiga e cheia de livros e móveis em madeira, o fogo havia se espalhado rapidamente e já começava a chegar ao segundo andar.

Virei entre a multidão, vendo que algumas pessoas ainda saiam da escola e procurei por Felipe, ficando cada vez mais preocupado quando não o vi junto da multidão de alunos. Uma chuva finíssima caía e assisti quando uma das líderes de torcida, amiga de Marie, teve que ser deitada sobre a grama molhada, o nosso professor de biologia erguendo a blusa dela e iniciando a massagem cardíaca.

- Eu preciso de um médico aqui com urgência! - Alguém gritou, se ajoelhando ao lado dela enquanto o professor continuava a pressionar o peitoral da garota em um ritmo forte e constante, contando baixinho a quantidade de vezes que fazia o mesmo movimento. Sem saber como ajudar, observei incrédulo quando ele soprou duas vezes na boca dela e reiniciou a massagem cardíaca.

A cena fez meu desespero aumentar ainda mais. Meu coração batia impiedosamente e passei os olhos mais uma vez pelas pessoas, sem conseguir encontrar Felipe. Senti as lágrimas invadirem meus olhos e minhas mãos tremerem. A líder de torcida respirou novamente no exato segundo em que a primeira lágrima escorria pela minha bochecha.

Como isso tinha acontecido? As pessoas continuavam a sair da escola, os bombeiros iniciaram os procedimentos para controlar o fogo. O que tinha acontecido? Onde estava Felipe? O que tinha acontecido? Onde estava Felipe? Onde estava Felipe?

Naquele momento, Marie Elizabeth e Percy sairam do colégio tossindo muito e com os corpos recobertos por uma fuligem acizentada. Ele a carregava parcialmente, um braço ao redor de sua cintura, e os dois desabaram nos braços de Scott quando chegaram a nós. Meu melhor amigo abraçou Marie fortemente contra o peito, beijando cada pequena parte de seu rosto sujo, enquanto Percy cambaleava na minha direção.

- Tody! Tody! - Agarrou meus ombros, seus olhos verdes arregalados. Teve um acesso de tosse e eu o segurei enquanto limpava a garganta e tentava falar: - E-eu vi q-quando... E-eu...

Coloquei as mãos em suas bochechas cobertas de pó, limpando-as com a água da chuva, e sussurrei angustiado:

- Viu o que, Percy? - Ele tossiu de novo e eu trouxe o seu rosto para cima, o desespero deslizando por meu sangue como um veneno. - Viu o quê?

- Sam estava com Felipe. - Gritou. - Puxava-o pelo pescoço e cobria a boca dele com a mão.

Meus olhos se arregalaram e comecei a tremer completamente, sentindo meu coração pulsar muito muito mais rápido que o normal. Virei o rosto para o prédio em chamas e imediatamente entedi o que meu amigo queria dizer: Fê nunca tinha saído. Meu menino de olhos azuis ainda estava ali dentro, preso naquele inferno de chamas, sua vida correndo mais e mais risco a cada segundo que se passava.

- E-Eu acho que Samuel provocou o fogo. - Percy resmungou, a voz falhando.

- ONDE FOI A ÚLTIMA VEZ QUE VOCÊ OS VIU? - Berrei, sacudindo-o pelos ombros e ignorando o que havia dito. As lágrimas não puderam mais ser detidas, e passaram a deslizar por meu rosto, muito mais quentes que as gotículas de chuva que caíam do céu.

- Perto das salas de Fotografia...

Não o deixei terminar: eu já corria de volta para a escola. Passei pela barreira dos bombeiros em um piscar de olhos e corri até o grande caminhão vermelho estacionado em nosso pátio. Ignorando os chamados por mim, joguei-me sobre a lateral do caminhão, minhas mãos trêmulas ao deslizar a jaqueta do time para fora do meu corpo e colocá-la sob uma das muitas torneiras ali presentes, girando esta até ter uma razoável queda de água deslizando para peça de roupa, encharcando-a em minhas mãos.

- Hey, garoto! - Um dos bom bombeiros gritou, andando em minha direção com passos largos e pesados. - Peço que retorne para trás da linha de segurança imediatamente!

Corri, desviando-me dos bombeiros, os quais haviam finalmente percebido minha presença ali e tentavam me barrar. No entanto, desviar, ultrapassar e correr evitando outras pessoas era exatamente o que consistia o básico dos treinos do futebol, então usei a mesma técnica que usava nos jogos: foquei única e exclusivamente na porta de entrada da escola e deixei que meu corpo agisse por instinto, levando-me até lá. Alguém quase agarrou meu braço e senti uma mão segurar-me pela camisa, mas consegui me desvincular de ambos e seguir com a minha correria apressada.

Sabia que estava sendo imprudente e estúpido, pois eu deveria deixar os bombeiros trabalharem como bem eram treinados, mas não consegui. Os bombeiros demorariam para percorrer o prédio em chamas em busca de pessoas e meu menino estava lá dentro, preso, com o tempo contando em um gigantesco relógio universal. Eu não sairia enquanto não o encontrasse e o trouxesse comigo, salvo.

A fumaça e o calor me rodearam no instante em que atravessei a entrada do decrépito e fumegante prédio e e rodeei meus ombros com a jaqueta encharcada, apertando o pano da manga sobre o nariz. Tropecei pelo corredor, vendo que o fogo se espalhava basicamente no lado esquerdo deste, onde os armários metálicos eram deformados pelo calor e se transformavam em macabras esculturas. Os olhos queimando, arranquei um instintor da parede e tentei abrir caminho entre as chamas que lambiam tudo ao meu redor.

Corri e escorreguei, quase caindo nas chamas, conseguindo evitá-las por pouco. Acionei o instintor novamente e o pó esbranquiçado fez o fogo ao meu redor reduzir ligeiramente, permitindo que eu corresse até um cruzamento de corredores. Minha mente girava pelo escasso oxigênio e então, de repente, eu não sabia mais qual era o caminho que levava às salas de fotografia, ainda no térreo do edifício. Lágrimas escorriam pelo meu rosto, limpando-o constantemente da fuligem, e tive que fechar os olhos para me concentrar, buscando mentalmente onde Felipe poderia estar.

Vamos lá, cara! Você conhece esses corredores como ninguém!

Para a direita?

Não!

Disparei pelo corredor da esquerda e ouvi um alto CRAC! atingir meus ouvidos quando partes do gesso despencou do teto, caíndo nas chamas e fazendo-as dançar agitadamente. Sentia meu corpo ficar mais fraco, sem forças, a cada novo passo e sabia que, mesmo com o nariz coberto, eu estava aspirando muito mais gás carbônico do que era capaz de suportar por um longo período. Se não encontrasse um lugar ligeiramente mais limpo de fumaça, poderia desmaiar a qualquer momento.

RÁPIDO!

Tudo que eu ouvia eram as batidas do meu coração reverberando por todo o meu corpo, um repetir constante e acelerado que chegava a ser angustiante. Minhas pernas tremeram e quase fui ao chão, no entanto, forcei-me a continuar porque tinha finalmente entrado no corredor que Percy falara. Ali o fogo não havia se espalhado por todo o espaço, porém vi chamas intensas e poderosas espalhando-se pelo interior de uma das salas dali - um dos laboratórios de química. O fogo se concentrava em pontos diversos no prédio, caminhando de maneira desrregular pelos espaços, o que sinalizava que tinha começado em pontos distintos também. Entrei em desespero ao perceber que as chamas logo atigiriam os botijões de gás do laboratório, assim como os produtos químicos guardados ali, e uma explosão de dimensões consideráveis poderia vir a acontecer.

As duas salas de fotografia se encontravam no fim do corredor, então saí apressadamente até lá, usando o extintor para abrir passagem. Meus pulmões doíam e cada inspiração fazia minhas costelas doloridas latejarem. Joguei-me sobre a porta da primeira sala, testando a fechadura e constatando que ela estava trancada. Afastei o pano do rosto somente o tempo suficiente para gritar:

- FÊ?

Nada. Corri, olhando dentro de cada sala aberta, girando as fechaduras das que se encontravam trancadas. Estava tonto por causa da fumaça que saia do laboratório de química e, quando cheguei ao fim do corredor, deparando-me com a parede, entrei em desespero. Encostei-me nela e estiquei a mão para fechar a pequena janela que havia ali, pois sabia que quanto mais oxigênio entrasse, mais o fogo se espalharia.

- FELIPE! - Berrei. E então tossi, curvando-me para a frente.

Tinha pouco tempo antes que o fogo chegasse até os botijões dos mais diversos tipos de gases da laboratório e todo aquele corredor fosse consumido por uma explosão. Fê estava ali, preso em alguma daquelas salas e eu simplesmente precisava encontrá-lo antes que fosse tarde demais.

E se já fosse tarde demais? E se a fumaça, confinada em uma pequena sala, já o tivesse sufocado? O coração do meu menino de olhos azuis já poderia estar parado, seu sangue carbônico demais para mantê-lo respirando e vivo. Senti as lágrimas se tornarem ainda mais intensas enquanto voltava pelo menos corredor, conferindo tudo novamente e apagando os focos de fogo em alguns lugares com o extintor.

- FELIPE!

Meu corpo tremia inteiramente e soltei um suspiro de alívio quando vi: uma das portas tinha a maçaneta que tremia.

Corri até lá, tossindo sem parar e falei para que ele se afastasse da porta. Com o fundo do tubo do extintor, acertei com toda a força que tinha a maçaneta seguidas vezes, até que ela se soltasse do trinco e se quebrasse, abrindo a passagem. Em seguida, joguei meu ombro sobre a porta, ouvindo o TRAC alto de quando ela se abriu bruscamente, chocando-se com a parede interior do cômodo.

Entrei na sala pequena e escura, deparando-me com um menino jogado no chão, coberto de cinzas finas, tossindo sem parar enquanto cobria a boca com a mão e protegia o rosto. Não havia fogo ali, no entanto, devido à escuridão presente naturalmente ali, era possível ver o ar esbranquiçado e embaçado, uma névoa que dificultava os olhos a se manterem abertos. Joguei-me ao chão e o puxei para meu colo, beijando sua testa suja enquanto minhas lágrimas pingavam e formavam trilhas claras sobre a sua pele suja. Felipe estava ali, fraco, porém respirando. Ele estava vivo. Ele ficaria bem. Eu o tiraria dali.

- Fiquei com tanto medo de te perder. - Sussurrei.

Apertei a jaqueta molhada sobre seu rosto e o vi respirar profundamente, seus maravilhosos olhos azuis focados em mim. Por um milésimo de segundo, esqueci onde estávamos, mas voltei rapidamente à realidade quando um pedaço do teto caiu no corredor, indicando que o prédio como um todo estava entrando em colapso.

- P-Precisamos ir embora agora. - Falei e o vi assentir fracamente. Não fazia ideia de quanta fumaça ele fora obrigado a aspirar antes que eu chegasse ali.

Coloquei-me de pé, puxando Felipe comigo e enrolando um braço em sua cintura para mantê-lo firme conforme andávamos. Seguimos pelo corredor, no entanto, quando quis virar à direita e retornar pelo mesmo caminho que havia feito antes, percebi que seria impossível. O corredor era um verdadeiro inferno, o fogo, alimentado pela enorme quantidade de papéis contidos nos armários, consumia as paredes de metal, batendo no teto. As paredes escurecidas tinham rachaduras visíveis e soube que, se não saíssemos dali logo, a inevitável explosão do laboratório de química poderia colocar o prédio todo abaixo - ele parecia ter sido afetado nos pontos principais, como se o fogo tivesse escolhido os pontos mais frágeis para atingir primeiro.

- Para c-cima. - Murmurou Felipe, agarrando-se a mim, e assenti. Ele estava fraco, as pernas falhando, e tive que aguentar seu peso quase por completo.

Praticamente o carreguei até a curva do próximo corredor, onde uma larga escada de concreto levava para o primeiro andar. Ali, por milagre, o fogo ainda não tinha se instalado, mas dali já era possível ver a imagem alaranjada dele no andar superior. Subimos o mais rápido possível e paramos no corredor principal do terceiro ano, totalmente recoberto de escombros, adivindos das placas de gesso que se desprendiam do teto, mas com menos chamas altas e mais de espaços vazios.

Passamos por cada sala, parando naquelas que o fogo ainda não tinha atingido e vasculhando o cômodo em busca de janelas sem grades que pudessem nos servir de saída. Eu sabia que havia uma saída de emergência no segundo andar, a qual levava para o telhado, mas tinha consciência de que jamais chegaríamos tão longe no estado em que estávamos. Respirar era como engolir pedras e percebi que as bordas da minha visão estavam escurecidas. Ali, tínhamos mais liberdade para respirar, porém a fumaça carbônica já circulava excessivamente em nossos corpos.

Entramos em uma sala que, milagrosamente, tinha se mantido fechada e estava praticamente livre do gás emanado pelo fogo, permitindo que respirássemos profundamente. Felipe buscou uma janela, abrindo-a e permitindo que uma corrente de ar puro nos rodeasse - a única coisa capaz de passar pela pequena brecha. Ali estávams relativamente bem, mas a parede dos fundos da sala começou a rachar, então tive que agarrá-lo pela cintura novamente e saimos dali.

A sala da diretoria era a nossa última chance: eu a tinha visitado vezes suficiente para saber que a única janela do cômodo era grande o suficiente para saírmos e torci para que não estivesse gradada pelo lado de fora. Nesse momento, eu segurava Fê e ele me segurava, como se só pudéssemos nos manter de pé em conjunto, e cambaleamos até o fim do corredor como um indivíduo só.

Suspirei de alívio: eu estava certo. Assim que entramos na pequena sala da diretora, nos deparamos com a grande janela ali presente, a qual tinha altura e largura suficientes para que passássemos sem problemas, sem grades que eventualmente nos impediriam de sair. O cômodo não tinha sido atingido pelo fogo e havia pouco gás ali, então não me surpreendi quando Felipe fechou a porta após a nossa passagem e se ajoelhou no chão, usando minha jaqueta para tapar o fino espaço que ficava entre a porta e o chão - impedindo assim que a fumaça entrasse ali.

Fê escorregou para o chão, puxando o ar fortemente para seus pulmões enqusnto eu me apoiava na grande mesa de madeira e fazia o mesmo, o alívio me fazendo sorrir. Quando meus pulmões passaram a queimar com menos intensidade devido ao oxigênio, agarrei a cadeira de rodinhas e a joguei contra o vidro da janela, quebrando as pontas restantes com a sola tênis.

- Você antes! - Puxei Felipe pelo braço e o empurrei para a nossa saída. Teríamos que pular de uma altura considerável, mas tudo o que me importava era que faltava tão pouco para sairmos e eu finalmente poderia abraçá-lo e deixar o alívio me invadir. Eu tinha conseguido, tinha salvado meu menino de olhos azuis.

Foi quando o laboratório no andar inferior explodiu.

As paredes ao nosso redor tremeram completamente, o prédio rangendo sonoramente e aguentando o impacto por pouco: uma enorme rachadura se formou sobre nossas cabeça, despejando uma fina nuvem de pó de gesso em nós.

E então, de repente, o grande e pesado armário da diretora foi jogado contra mim. Inteiramente de madeira maciça, ele se chocou sobre mim, quase derrubando-me e esmagando-me, porém resisti ao impacto, gritando enquanto os troféis e livros despencavam ao meu redor. Apoiei o peso sobre os meus ombros e braços, segurando o armário como Atlas havia segurado o Céu.

Senti a pressão diminuir e vi Felipe ao meu lado, segurando o armário comigo com toda a sua força e eu sabia que, sem ele, eu não aguentaria mais do que alguns segundos ali embaixo. Eu estava prestes a dizer que deveríamos soltar o móvel ao mesmo tempo e fugir dele, deixando-o cair ao chão, no entanto os lindos olhos azuis de Felipe se prenderam na janela e ele sussurrou roucamente:

- Tody. - Era um aviso.

Segui seu olhar e a triste realidade me atingiu: se o armário caísse, bloquearia a nossa única saída. Ele era muito alto e a sala estreita, ou seja, quando caísse não chegaria ao chão, mas sim ficaria apoiado na parede oposta, na qual estava a janela. Quando o armário caísse, bloquearia grande parte desta, deixando um espaço pequeno demais para a nossa passagem no alto. Se ele caísse, nós estaríamos presos.

Um de nós teria que ficar segurando-o para que o outro pudesse sair.

Olhei para Felipe, os lindos olhos arregalados ao perceber exatamente o mesmo que eu, e senti meu coração ser esmagado por tanta dor que as lágrimas retornaram, abundantes, incontroláveis e gélidas.

- Você tem que i-ir. - Falei, acenando com a cabeça para a janela. Eu já não mais sentia meus braços, mas conseguia ver o tremor intenso dos meus músculos, mostrando que não aguentaria naquela posição por muito mais que um minuto.

- Não! - Felipe sacudiu a cabeça e vi que seus braços não tão bem treinados quanto os meus falharem. Percebi sua pele extremamente pálida e soube que desmaiaria em pouco tempo. Eu precisava fazê-lo sair!

- Vai, Fê! Agora!

- Não vou te deixar sozinho! - Gritou de volta.

Eu tremia por inteiro naquele momento e minha visão estava novamente borrada nas beiradas, um aviso que eu iria desmaiar. Em poucos segundos, nós dois seríamos esmagados e morreríamos ali mesmo, próximos da nossa saída. De repente, eu estava revivendo meu pesadelo de dias antes, preso sob a água, tocando o ar com a ponta dos dedos, mas longe demais para respirá-lo.

Segurei o olhar azul e berrei, quase com raiva:

- VAI AGORA!

Ele arregalou os olhos pelo meu tom de voz. Eu estava respirando superficialmente, rápido demais para absorver oxigênio:

- FELIPE, AGORA!

Minha voz saiu tão intensa e ríspida que ele parou de segurar o armário, deixando todo o peso para mim e passou as pernas pela beirada da janela, debilmente. Firmei os pés no chão, rangendo os dentes, repetindo mentalmente que só precisava aguentar mais alguns poucos segundos. Ergui o olhar: seu rosto estava coberto de pó e havia cortes em seus braços e pernas, onde os troféis e vidro haviam ferido, seu lábio inferior sangrava consideravelmente seus mágicos olhos azuis me olhavam com dor, mas repletos de um sentimento grande demais para ser dito em palavras.

- PULE AGORA! - Urrei.

E então ele pulou.

Com rapidez, saltei para o lado, permitindo que o armário,  despencasse, a parte superior dele atingindo fortemente a parede, deslizando ligeiramente por ela até se firmar. Como previsto, a janela estava bloqueada em grande parte.

Levantei, tremendo e tossindo. O mundo girava ao meu redor, as coisas foras do lugar, e, quando tentei passar por cima do armário caído e chegar do outro lado da sala - onde a porta se encontrava - tropecei em meus próprios pés e caí novamente. Caí, respirando brutalmente, buscando o oxigênio, deixando as lágrimas despencarem com cachoeiras e o medo deslizar lentamente sobre mim

Ele está salvo. Meu menino está salvo. Tenho que encontrar uma saída e vê-lo novamente.

Aquilo era tudo que eu pensava quando me forcei a levantar. Não fazia ideia do que esperava por mim fora daquela sala - da pequena bolha protegida que havíamos encontrado. O ar ali, limpo devido à janela aberta, estava muito mais puro do que o restante do prédio, no entanto, eu podia ver filetes de fumaça penetrando pelas brechas não fechadas da porta. O caos estava do lado de fora e, porém se eu não saísse dali, jamais seria encontrado pelos bombeiros - não com vida, ao menos.

Abri a porta e então estanquei no lugar ao ver as chamas enormes que lambiam as paredes do corredor por completo. Levei a mão ao nariz e minha mente girou mais, pontos pretos cobrindo minha visão pouco a pouco. Era impossível passar, impossível chegar a uma saída. Eu estava preso.

Afastei-me, buscando fechar a porta o mais rápido possível, em uma tentativa desesperada de manter o fogo longe, no entanto, nesse momento, uma lufada de vento entrou pela estreita abertura da janela. De imediato, as chamas dançaram, voando em minha direção como garras de um monstro, tocando minha pele, rasgando-me.

Caí para trás, consumido pela dor. Minha pele ardia de forma horrível e baixei o rosto para ver a frente da minha camisa queimada, o meu sangue se misturando com os fiapos queimados de tecido. Urrei, rolando para o chão, em agonia. A dor era a pior que eu já havia sentido, fazendo o meu corpo latejar em diversos pontos, consumindo-me aos poucos.

De repente, era impossível respirar, impossível abrir os olhos. Senti ondas de calor se aproximando de mim, mas soube somente gritar, agonizando ao chão. Era uma tortura, lenta e terrível, fazendo o meu corpo pulsar de maneiras variadas, as lágrimas de dor escorrendo sem controle algum.

Abri os olhos e vi a coluna de chamas avançando: o fogo iria me consumir em pouco tempo, ele andava com passos rápidos, engolindo a entrada da sala. Com minhas últimas forças, bati o pé na porta, que se fechou, abafando ligeiramente as chamas, mas pouco demais para me salvar.

Tudo ficou escuro e minha cabeça pendeu. A dor já nem mais era sentida e todo o restante da minha energia havia ido embora. Minha consciência fugia de mim e uma última palavra explodiu em minha mente antes de tudo desaparecer.

Amor.

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(Por favor, se acharam algum erro gramatical, me avisem. Tentei escrever o mais rápido possível).

Ufa! Deu até falta de ar. Parece que eu adoro iludir vocês: sempre que faço parecer que algo vai acontecer, não acontece.
Samuel vai pagar pelo o que fez, mas a solução nunca é a violência. Se Tody revidasse, ele se tornaria pior que Sam e não quero isso para o meu filhotinho.

Então... pegou fogo, não é?

E agora, o que acontece?

Tody vai conseguir sair? Se sim, como?

Dica: o próximo capítulo é narrado pelo Felipe 👻

Sobre Sam tomar remédios controlados: sou uma leiga nesses assuntos psicológicos e psiquiatricos, então me perdoem qualquer erro. Estou me esforçando para pesquisar e escrever algo próximo à realidade.

Antes de ir, quero fazer uma pequena explicação aqui: o motivo pelo qual Felipe, Tody e Will serem bissexuais e não gays (Tody ainda não se assumiu e talvez nem mesmo o faça antes de... oops, spoiler não). Pensei muito antes de colocar Will como outro personagem LGBTQ+, mas acabei decidindo por isso no fim das contas, pois queria mostrar que Tody não é o único que necessita esconder quem é por medo (bora, MUNDO, tá na hora de mudar isso!). Mesmo se tratando de um romance entre dois homens, ambos são bissexuais por um motivo: esse grupo acaba sendo esquecido muitas vezes, como se nāo existisse, não tivesse importância. Bissexuais sofrem com o preconceito da sociedade geral, mas também bastante da própria comunidade LGBTQ+, pois "nem é um nem é o outro". Não pratiquem esse preconceito, é sério. Cada um tem o direito de se sentir e amar como quiser.

Espero que tenha me feito clara com essa explicação. Até o capítulo final, meus amores ❤

Kyv❤

Ps: quem pegou a referência Solangelo?

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