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Capítulo 19

Hospital

Uma semana.

Esse era o tempo que eu dormia em um sofá de dois lugares, duro e desconfortável, e minhas costas reclamavam todos os dias ao levantar por ter passado a noite encolhido. Localizado na sala de espera do hospital, o sofá não deveria ser para essa finalidade, no entanto, os médicos e enfermeiros tinham relevado minha presença ali. Depois de três dias, acordei recoberto com uma manta que um deles havia posto sobre o meu corpo durante a noite.

Uma semana que eu não ia para a escola, porque sabia que caminhar por aqueles corredores, com todos os olhares recaídos sobre mim, iria me destruir ainda mais, se isso fosse possível. Uma semana que eu carregava um coração destroçado e a profunda falta de Felipe perto de mim, com seus sorrisos reconfortantes e olhos mágicos.

Uma semana vendo o homem diante de mim respirar por aparelhos.

Meu pai.

Ele tinha ido para uma pequena cidade no interior, a algumas horas de carro de onde morávamos, e passado dias trancado em um quarto de um hotel de luxo, esvaziando garrafas de whisky. Eu sabia que aquela mesma cidadezinha havia sido o plano de fundo da lua de mel dos meus pais, o que tornava o local carregado de memórias dos bons momentos que tinham vivido. Tinha a vaga lembrança deles me mostrando as fotos do casamento de da viagem que se seguiu.

Segundo o que os paramédicos haviam me contado, meu pai tinha saído para passear nas tranquilas ruas, parado para beber em um turístico bar que fornecia uma bela vista da cidade como um todo e, somente então, sofrido o acidente. Ele sofrera uma parada cardíaca no local e o tempo que esperou pelo socorro foi o suficiente para que houvesse uma interrupção prolongada de sangue em seu cérebro e o fizesse entrar em coma.

Em coma!

Sentado na cadeira ao lado da cama de hospital, observei-o, com o cabelo bagunçado, a barba mal feita e o pulmão subindo e descendo graças a aparelhos. Não havia mais nada ali que me lembrasse o pai que brincava comigo, que lia até eu adormecer e que me ensinava os truques para passar de fase nos jogos de video game. Aquele homem havia partido e restava somente uma sombra, esta debilitada e prestes a desaparecer também.

Já eu, sentia uma mistura incompreensível de raiva, tristeza e desespero. Tudo havia se tornado caótico de uma hora para a outra e eu não me sentia capaz de lidar com essa situação, o que me deixava enraivecido. A tristeza, essa, vinha de todos os lugares e de lugar nenhum. As paredes brancas do hospital, minhas companheiras naquela longa semana, refletiam as profundezas da minha alma: sem cor, pálida, perdida. A dúvida e o medo eram tamanhos que eu me sentia sufocado, desesperado, estraçalhado, sem ter ideia de qual deveria ser o próximo passo.

O simples pensamento de também perder meu pai me devastava. Vê-lo sobre aquela cama, vivo somente com a ajuda de aparelhos, me fez perceber o quanto a vida é curta e frágil, tão frágil quanto uma pétala de rosa em uma tempestade. Tudo poderia mudar de uma hora para a outra e então sua vida estaria no fim e, em sua memória, o que você carregaria seriam sonhos inconcluídos e frias mentiras sobre si mesmo.

Quem eu era? Quem eu seria e para onde iria? Perdido, saí do quarto e me joguei em um dos bancos de espera do corredor, afundando o rosto entre os braços e chorando.

Mesmo com a falta de carinho, a ausência e a incompreensão, meu pai era a última parte de família que restava. Eu tinha perdido minha mãe cedo demais, não tinha irmãos nem avós e a única pessoa que tinha aprendido a me amar agora me odiava. Estava sozinho e desamparado, perdido em um labirinto onde o único som ouvido era o da minha própria voz e meus gritos eram mudos.

Então chorei.

Aquilo era o que eu mais tinha feito naquela semana, transformando em lágrimas tudo que vinha de dentro e que eu não conseguia expressar de outra forma. O vazio majestoso e sufocante havia voltado e eu não conseguia mais preenchê-lo.

Estava afundado em meus próprios pensamentos quando ouvi passos apressados e leves pelo corredor seguidos uma risada gostosa e infantil. De rosto baixo, não me surpreendi em ver pés de uma menininha surgir em meu reduzido campo de visão, no entanto, fiquei surpreso quando ela parou diante de mim. A risada infantil que se seguira no corredor parou e então ouvi a conhecida e preocupada voz dizer:

- Totó? Você está chorando?

Ergui o rosto, de olhos arregalados. A pequena Anne me olhava com seus grandes olhos cor de mel expressivos, o cabelo preto e fino presos por laçinhos coloridos e o rosto coberto de maquiagem borrada: batom rosa e sombra verde escura espalhada quase até as bochechas muito avermelhas pelo pó em excesso. Ela parecia ter caído em um pote de maquiagem e estava parecendo uma palhacinha, mas isso, de alguma forma, a deixava ainda mais fofa e amável.

Sequei os olhos com as costas da mão e estendi os braços para ela. De imediato, Anne pulou nos meus braços se aconchegou sobre minhas coxas, observando-me com atenção.

- Um cisco caiu no meu olho, pequena. - Falei e tentei abrir um sorriso confiante, mas que deve ter parecido falso, já que ela fez uma careta, sem acreditar. - E você, o que faz aqui sozinha e ainda mais toda colorida assim?

Ela riu, cobrindo o rosto com as mãozinhas:

- Mamãe me trouxe para brincar com as meninas carecas.

Assenti, meu coração murchando ligeiramente com aquela fala. Inocentemente, ela não podia entender que as "meninas carecas" se tratavam, na verdade, de crianças cancerígenas e que algumas não estariam mais lá na próxima visita que Anne fizesse ao hospital. Era a mais triste ala infantil do hospital e eu admitia jamais ter tido o coração forte o suficiente para visitá-la.

- Vem comigo, Totó! - Ela saltitou no meu colo, apontando para o corredor por onde tinha vindo. -  Nós já maquiamos todas as enfermeiras!

Olhei-a, seus grandes e pidões olhos, as mãozinhas presas à minha camiseta, e não soube dizer não. Assenti, um pequeno e verdadeiro sorriso surgiu sobre meus lábios quando ela bateu palmas, saltou do meu colo para o chão e partiu saltitante pelo corredor, obrigando-me a quase correr atrás dela.

Mais a frente, Anne parou de correr e segurei sua mão, permitindo que ela me puxasse pelo caminho correto. Segui-a por alguns corredores até perceber a mudança ao meu redor acontecer: as paredes, antes brancas, se tornaram coloridas em rosa, amarelo e azul e eventualmente decoradas com gigantescos murais de animais. Grande maioria das enfermeiras que cruzamos usavam perucas de cores variadas, tinham os rostos maquiados ou usavam máscaras brilhantes devido ao glitter.

- Eu ajudei a pintar a girafa! - Anne gritou de repente, apontando para o animal desenhado sobre uma das paredes. Com um suspiro, finalmente o choque de realidade me fez perceber que os traços característicos daquelas pinturas me eram familiares. Eram ricos em detalhes, tornando a imagem mais realística possível, porém, guardando as cores exageradas típicas de desenhos para crianças. - Tem até meu nome!

Minhas suspeitas se confirmaram quando vi o nome Felipe Clavien escrito em pequenas letras no baixo das pinturas, seguido do nome Anne Clavien no que se tratava da girafa. A data marcada ali dizia que ele havia feito aqueles murais dois anos antes e senti o intenso desejo de chorar ressurgir, motivado pela profunda marca que Felipe tinha em mim. Ele estava em todos os lugares - e em lugar algum.

No entanto, segurei as lágrimas ao perceber os animados olhos de Anne voltados para mim. Ela entrou em uma sala, puxando-me junto, e imediatamente fomos abordados por uma enfermeira de cabelo ruivo trançado e preso por pequenas fitas coloridas.

- Onde a senhorita se meteu? Já falei para não sair dessa sala sem sua mãe ou seu irmão! - A mulher jogou os cabelos vermelhos para trás, soltando um suspiro de alívio por descobrir onde a menina estava. Voltou o olhar para mim e então novamente para Anne: - Quem você trouxe para brincar conosco?

- Totó! - A menininha me apresentou, sorrindo e batendo palmas animadamente. - Vamos maquiar ele!

- Totó? - A enfermeira perguntou, risonha e olhando para mim.

- É Tody Benson, na verdade. - Respondi, estendendo a mão desajeitadamente para a enfermeira, que a apertou. - Sou... hum... hã... Conhecido do irmão de Anne.

- Ô, de Felipe? Ele já nos ajudou tanto com as crianças. - A ruiva sorriu de imediato quando assenti e então apontou para o interior da sala, o qual eu não conseguia ver de onde estava. - Ele está lendo para as meninas agora, caso queira cumprimentá-lo.

De uma hora para a outra, tudo parou. Senti imediatamente minhas pernas ficarem fracas, bambas, e o nervosismo intenso tomou posse do meu corpo, impedindo que eu formulasse qualquer pensamento coerente. Abri e fechei a boca diversas vezes, na esperança de poder dizer algo - qualquer coisa - para a enfermeira animada diante de mim, que continuava a falar e gesticular, apontando para as diversas áreas da comprida sala em que tínhamos entrado.

Durante a semana que se passara, todas as vezes que eu ia em casa - geralmente para tomar banho e comer algo que não viesse de uma máquina - dirigia até a casa de Felipe. Era involuntário, quase instintivo, e, quando eu menos percebia, estava observando do carro a entrada de sua casa, na mais ínfima esperança de que ele surgisse. Um mísero vislumbre de Fê poderia fazer meu dia exponencialmente melhor, no entanto, isso nunca aconteceu.

E então, ele estava ali, na mesma sala em que eu estava. Tive que respirar profundamente para controlar o tremor em minhas mãos e não desmaiar naquele exato momento, como uma princesa de contos de fadas. Tive que me lembrar de que, no nosso conto de fada, eu não era nenhuma princesa - príncipe - mas sim o terrível e odioso vilão. O vilão que havia colocado o verdadeiro príncipe da história em um dos piores momentos de sua vida.

- Tody! - A voz brava de Anne cortou meus pensamentos e olhei para baixo, vendo-a fazer um biquinho triste e cruzar os braços. - Você não quer brincar?

- É claro que... hum... eu quero, baixinha. - Minha voz soou baixa e quebrada, mas foi o suficiente para que a menininha sorrisse.

Ela me puxou para finalmente adentrar realmente a sala e me vi caminhando em direção a um grupo de meninas, todas elas carecas, mas sorridentes e coloridas. Duas delas estavam em cadeira de rodas e as outras duas dividiam uma das camas de UTI com potes de maquiagem e pincéis. Todas possuíam tubos conectados às narinas e uma delas, a menor, mais pálida e sorridente de todas, também tinha uma garrafa de soro adentrando lentamente sua corrente sanguínea por uma pequena injeção sobre a mão.

Foi dessa forma que tive uma visão completa da sala. Ela era alongada, grande e extremamente colorida: cada cama ali disposta era de uma cor, as paredes também eram recobertas pelas pinturas de Felipe e haviam tapetes e puffs espalhados em todos os lugares. Claramente era um local para recreação, pois era dividida em pequenas sessões: logo na entrada, haviam brinquedos de todos os tipos, depois uma área exclusiva onde as camas eram voltadas paa uma grande televisão e, mais ao fundo e separada ligeiramente por armários de livros, estava o espaço reservado para a leitura.

Era nesse último que Fê estava. Sentado sobre o tapete e de costas para mim, ele segurava um livro e tinha uma plateia concentrada de meninas. Por sobre as conversas e risadas que ecoavam na sala, pude ouvi-lo ler a história com entusiasmo, simulando sons e variando a voz conforme o personagem. Suas costas se movimentavam conforme ele gesticulava com os braços e me vi pensando em como seria passar mãos por elas novamente, sentir sob os meus dedos a textura de sua pele.

Deixei de lado o monstro ruidoso e impiedoso que rugia dentro mim, deixando-me zonzo e nervoso, e foquei a atenção para as meninas às quais Anne veementemente apontava. Ela saltou para a cama e sentei-me ao seu lado, sorrindo para elas da melhor forma que eu era capaz naquele momento.

- Bom dia. - Falei e elas imediatamente começaram a discutir entre si e escolher cores para passar contra meu rosto: um gloss rosa logo cobriu meus lábios.

Reclamei que aquilo era grudendo demais e elas riram enquanto continuavam com o que faziam. Senti uma delas passar um grande pincel sobre as minhas bochechas e outra se colocar de pé para alcançar meu cabelo, o qual não era cortado havia mais de dois meses e tinha crescido bastante. Normalmente, eu não o deixava tão longo, já que podiam incomodar durante as partidas de futebol, no entanto, eu já tinha perdido tanto que o simples ato de cortar o cabelo me parecia destrutivo. Ele estar longo, no entanto, pareceu ser a felicidade da menina.

As meninas ordenaram que eu fechasse os olhos e eu aproveitei esse tempo para pensar. Como na noite em que Felipe me levou à praia, estar de olhos fechados aguçou meus outros sentidos e jurei ter percebido o perfume dele, mesmo que estivesse do outro lado  da sala. Talvez - o que era mais provável - fosse somente a saudade corrosiva de sua presença, seu perfume e sorriso.

O que faço? Ele estava ali, tão próximo.

Eu simplesmente não sabia o que fazer: sair antes que ele me visse, para não agravar a situação? Tentar explicar o que aconteceu? Aquele era mesmo o lugar certo para aquilo? E se Scott estivesse o tempo todo e eu devesse deixar mais tempo se passar? No entanto, o tempo sem resposta da minha parte poderia magoá-lo ainda mais?

Uma das meninas cutucou meu rosto e eu reabri os olhos.

- Pronto! - Ela falou, rindo, e então me entregou um pequeno espelho.

Meu rosto estava irreconhecível: lábios brilhosos pelo gloss, olhos cobertos de pó rosa acobreado e as bochechas em um intenso vermelho. Haviam duas finas tranças que partiam do topo da cabeça e, de todo aquele novo visual, foi delas que eu mais gostei. De resto, eu estava tão estranho que não aguentei e gargalhei alto ao me ver daquela forma engraçada.

Felipe me ouviu, porque imediatamente se virou, parando a leitura que fazia, e focou o olhar em mim com as sobrancelhas franzidas. Meu riso se estinguiu de imediato e me vi preso novamente, capturado por seus olhos magníficos e sua presença graciosa. Ele me observou por poucos segundos, e então se virou para as meninas e continuou seu conto, claramente ignorando minha presença.

Meu coração queria sair correndo de tão rápido que batia. Não fazia ideia do que ele poderia estar pensando naquele momento e seu olhar cortante e frio tornava tudo ainda pior.

Transtornado, saí da cama, dando "tchau" para as meninas sorridentes e andei em direção à porta, decidido a sair dali e esperar até Felipe sair também. Escondi-me perto da porta, onde ele não era capaz de me ver, e apoiei a testa sobre a parede, como se ela fosse á única coisa que ainda me mantivesse de pé. Ao virar o rosto, entretanto, deparei-me com algo que não havia reparado antes: um único menino, deitado em uma cama mais distante, sozinho e isolado das demais crianças. Não devia ter mais de seis anos e brincava com os próprios dedos, carregando uma expressão triste.

Institivamente, aproximei-me devagar, mas a enfermeira de cabelo ruivo me impediu, colocando uma mão sobre meu ombro:

- Ele é muito quieto e os meninos nunca brincavam com ele, então achamos melhor colocá-lo na ala feminina.

- E ele está melhor aqui?

- Na verdade, não. - Ela suspirou. -  John nunca fala com ninguém e não pode sair da cama, já que está frágil demais.

Observei o menininho, que brincava com uma pequena bola de futebol entre as mão. Parecia ser um chaveiro, de tão pequeno, e parecia mantê-lo parcialmente distraído.

- Tody Benson? - A enfermeira me chamou e virei-me para ela, que me observava com um sorriso fraco. - Nós sempre precisamos de voluntários para que dias de brincadeiras como esse aconteçam. O câncer é uma doença devastadora, mas é ainda pior quando se trata de crianças, então, como as meninas pareceram gostar de você, pensei que poderia aparecer aqui mais vezes e nos ajudar com elas.

- E-Eu... - Gaguejei, sem ter resposta imediata, e então retribui o sorriso da mulher. - Seria uma honra.

- Maravilhoso! - A enfermeira animou-se, os olhos castanhos brilhando em felicidade. - É raro ver pessoas da sua idade aqui. Na verdade, nos últimos anos, o único que manteve visitas constantes foi Felipe.

Um detalhe. Mais um pequeno detalhe de Felipe que eu desconhecia e que me encanta. No entanto, tentei fugir dos pensamentos sobre ele por alguns segundos - como isso pudesse me ajudar a tomar uma decisão sobre o que fazer - e dei alguns passos até chegar perto da cama onde o menininho solitário estava. Ele ainda brincava com a pequena bola de futebol e ergueu o rosto por um segundo ao sentir minha aproximação.

- Oi! - Falei, baixinho ele voltou a brincar com sua bolinha, desviando o olhar. - Sabia que eu jogo futebol? Sou capitão do time da escola.

Éramos almas tristes, cada uma por um motivo diferente. John era miúdo, com a pele clara demais e a cabeça sem cabelos refletindo parcialmente as luzes do teto, e quase não demonstrou reação quando falei do futebol, erguendo somente ligeiramente o rosto. Tinha os olhos pesarosos e de tom castanho escuro.

- Você gosta de futebol, pelo visto. - Apontei para o chaveiro e, para a minha surpresa, ele assentiu fracamente. Sentei em uma cadeira de plástico ao seu lado. - É mesmo um esporte facinante, não é? Já passei por tantas coisas que você nem imagina por causa dele. Sabia que um dia colocaram uma galinha dentro do meu armário? Assim que abri, ela saltou sobre mim, soltando penas para todos os lados e cacarejando enlouquecida por ter ficado tanto tempo presa. Supostamente, era para ser uma comemoração por eu ter feito um dos pontos mais importantes do jogo naquele dia. Uma comemoração estúpida, não é?

O menininho riu fraco, formando ruguinhas sob os olhos e cobrindo a boca com as mãos.

E então desabafei com aquela pequena criatura, contando todas as coisas inusitadas que já tinham acontecindo comigo enquanto jogava e após os jogos. Falei sobre as pegadinhas - a pior de todas era colocar cola nos capacetes - as danças de comemoração, os melhores e piores jogos de que havia participado. Durante as últimas semanas, eu tinha deixado o futebol em segundo plano, sem dar a devida atenção aos treinos e sendo o pior capitão das últimas temporadas, no entanto, desabafando ali com aquele menino, percebi que simplesmente amava demais esse esporte. Ele era grande parte da minha vida, era por ele que eu tinha feito amizades incríveis - e criado temíveis inimigos. Eu era o futebol americano e o futebol americano era eu.

Enquanto eu falava, John nunca dizia uma palavra, mas ria comigo o tempo todo e senti como se tirasse toneladas das minhas costas por ter a atenção dele em mim. Falar estava me libertando de uma forma que eu não esperava que o faria. Depois de um certo tempo, contei uma história de um antigo herói do futebol que meu pai me contava e John acabou se acomodando melhor na cama enquanto me ouvia e adormecendo em seguida.

Parei de falar quando ouvi o menino roncar baixinho, o rosto virado e os lábios ligeiramente abertos. Ele parecia um pequeno anjo, frágil e delicado, doce e meigo. Sorri e dei um carinho em sua cabeça, sentindo o início dos fios de cabelo nascendo rasparem contra a minha mão.

- Impressionante!

Ergui o corpo em velocidade, fazendo a cadeira se arrastar ruidosamente para trás, ao ouvir a voz de Felipe tão perto. Ele me observava com os olhos azuis maravilhosos e o rosto sobrio e endurecido, encostado contra a parede oposta da sala, os braços cruzados sobre o peito. Usava uma regata preta que me permitia ver seus músculos e tinha olheiras escuras ao redor dos olhos. Eu não fazia ideia de quanto tempo ele estava ali, mas parecia acomodado o suficiente, como se estivesse ali durante longos minutos, observando-me conversar com o menininho adormecido.

Minha respiração se tornou superficial e meu coração pulsou tão forte que pude ouvi-lo. Respira, idiota!

- . - Sussurrei.

Instintivamente, dei um passo para a frente, no entanto parei quando ele ergueu o braço, em um sinal claro para que eu não desse mais nenhum passo. Minha pele formigou, com se eu necessitasse estar mais perto dele, como se a distância entre causasse dor.

- Não chegue perto de mim. - Sua voz era seca, cortante. - Estou aqui só para saber como era a aposta e então vou embora.

Baixei o olhar e tentei lembrar de como se fala sem gaguejar, mas parecia impossível. Parecia que eu estava mastigando cinzas quando abri a boca e me forcei a expulsar as palavras:

- Eu tinha que fazer você se apaixonar por mim e provar que você era gay para eles.

- Eu nem ao menos sou gay. - Fê tentava se mostrar inabalável, mas vi seu queixo tremer e ele morder o lábio antes de continuar a falar: - Sou bissexual, mas acho que eles não entenderiam a diferença

Vi seus olhos encherem de lágrimas e depois ficarem vermelhos quando tentou ao máximo segurá-las. Já eu mal conseguia respirar: depois de tantos dias de angústia e dor, vê-lo era uma das melhores coisas no mundo - entretanto, também uma das piores. Eu daria qualquer coisa para ver Felipe sorrindo de novo, mesmo que fosse somente por um ínfimo segundo. Ele estava diante de mim, mas isso não parecia ter algum efeito na gigantesca muralha de gelo que havia sido construída entre nós.

- O que você ganharia com essa aposta? - Disse e uma lágrima escapuliu de seus olhos magnificamente azuis, sendo secada com um gesto rápido.

- Não definimos. - Baixei o rosto, simplesmente por não conseguir mais vê-lo. - Quem ganhasse, pediria algo.

- Espero que tenha pedido algo surpreendente. - Falou, virando-se para partir. - Porque você realmente conseguiu fazer o que disse que faria.

Dei dois passos para a frente, enfrentando o olhar cortante de láminas de gelo que Fê me lançava e estava prestes a segurá-lo pelo braço - para que não partisse, para que não me deixasse sozinho, para que ficasse ali comigo por mais alguns segundos, mesmo que me odiasse - quando se virou mais uma vez para mim. Seus olhos me lembravam um céu límpido, claro como os mais belos dias ensolarados, e sinceramente me perguntei como poderiam estar tão magníficos mesmo carregados de ódio, raiva e decepção.

- Sabe, Benson, o que mais doeu não foi o que aconteceu naquela quadra. - Felipe disse, em um sussurro rasgante e extremamente perto. Eu estava a um passo dele, de seu perfume e pele, e isso tornava a queimação em meu interior mais intensa e destrutiva. - O que absolutamente doeu mais foi te ver entrar naquela quadra e perceber que eu havia sido sincero com alguém que nunca o fora. Eu tinha sido uma patética aposta feita entre você e seus e nada além disso. Isso me machucou em níveis que uma humilhação como a que sofri não teve tanta importância. Naquela quadra, disseram coisas sobre mim, coisas que nunca tinha dito para outra pessoa, não antes de você. Coisas que fiz de tudo para esquecer, mas que, ainda assim, não doeram tanto quanto as suas mentiras naquele momento.

Dito isso, ele me deixou ali, parado, imobilizado em suas palavras, e partiu, batendo a porta da sala atrás de si. Pude ver a enfermeira ruiva franzir o cenho para aquela saída repentina de Felipe e depois me lançar um olhar questionador, o qual ignorei virando o rosto. As lágrimas, as quais nem ao menos sabia que ainda possuia, escorreram friamente sobre minhas bochechas e senti meu mundo rodar, o enjôo fazendo meu café da manhã subir até a garganta.

Respirei profundamente e tentei me acalmar, passando as mãos sobre o rosto para secar as lágrimas e vendo quando elas se tornaram coloridas devido à maquiagem aplicada em mim pelas meninas. A faixa que enrolava minha mão direita, protegendo os meus ainda presentes machucados, transformou-se do branco para uma estranha obra de arte exageradamente colorida. Tinha até mesmo esquecido que ainda estava maquiado.

De repente, surgindo como uma flor em meio a um campo de guerra, um novo sentimento se mesclou aos demais: determinação. Ela penetrou minha alma como um raio de sol após uma semana de fortes e tenebrosas tempestades, e me fez perceber que estava - mais uma vez - deixando a pessoa que amava caminhar para longe de mim. Respirando superficialmente e trêmulo, andei até a porta da sala, saí e corri pelo corredor. Eu quase não possuía mais força em minhas pernas e meus músculos queimaram pelo repentino esforço, fazendo com que eu estivesse ofegante ao me aproximar de Felipe, que caminhava lentamente pelo corredor, de cabeça baixa, e o segurar pelo braço:

- Eu não sabia que isso tudo aconteceria quando fiz essa aposta, Fê. Queria só brincar, mas tudo mudou quando me tornei próximo à você e descobri coisas sobre mim mesmo que não fazia ideia. - Ele me observou com suas piscinas límpidas, surpreso pelo meu repentino surgimento diante de si novamente. - Você me mostrou um novo lado da vida que eu não conhecia e que estou feliz por ter visto agora. - Eu não piscava, o olhar fixo no dele. - Sim, contei sobre nós para Scott, mas só porque queria terminar com essa história de aposta de uma vez por todas e te contar a verdade. Acredite em mim quando digo que nunca contei  a alguém algo que você me confiou. Cada palavra sua foi guardada em mim, profundamente. Em mim e somente em mim.

Felipe respirava superficialmente, quase assustado com a intensidade das minhas palavras. Eu tremia, meus dedos apertando seu braço e impedindo que ele se afastasse de mim, e somente então percebi que chorava aos soluços e que, provavelmente meu discurso havia sido feito aos gaguejos falhos e cortados. Estávamos colados um ao outro, nossos peitorais tocando-se a cada respiração profunda que dávamos, o ar expulso de seus pulmões colidindo com o meu rosto.

No entanto, nossa posição não durou muito, pois ele puxou seu braço da minha mão e deu um passo para trás:

-  Sinceramente não sei se devo  confiar em você de novo. - Felipe disse, em um sussurro rouco e baixo, como se já não tivesse mais forças para falar. - Você foi aquele cara que nunca fez bullying comigo, mas que ria quando faziam. Você surgiu de um dia para o outro, invadiu minha vida, minha casa, tudo por uma brincadeira estúpida. Você me enoja, Tody Benson.

Uma lágrima teimosa desceu por sua bochecha avermelhada e quente e caiu no chão. Baixei o rosto, a intensidade do meu choro aumentando consideravelmente após suas palavras.

- Eu não consigo ficar longe de você. - Confessei em um sussurro, erguendo o rosto para encontrar aquelas piscinas azuis que me faziam perder totalmente o rumo. - Eu não consigo ficar longe de você.

Felipe cerrou os dentes antes de desviar o olhar de mim para qualquer outro ponto. Olhei para o piso claro do corredor, vendo como minhas lágrimas caíam para o seus fatais fins de encontro ao chão. Eram como uma triste melodia: elas se suicidavam ao soltar-se da minha pele e caírem ao vazio.

- Me deixe em paz, Tody. - De repente, em um acesso repentino de raiva, Felipe agarrou pelo colarinho da camisa e me empurrou de encontro à parede, chocando minhas costas dolorosamente com ela. - Você ouviu bem? Acho que tenho que repetir: Me. Deixe. Em. Paz!

Em resposta, segurei-o pelos pulsos e inverti nossas posições, dessa vez apertando-o contra a fria parede. Deixei meu peso abater-se sobre Felipe, prendi seu rosto chocado entre as mãos e beijei sua testa longamente, deixando meus lábios colados a sua pele tempo suficiente para que eu pudesse absorver seu perfume mais uma vez. Ainda segurando minha camisa, ele tentou resistir, no entanto, parecia também querer que eu ficasse onde estava.

- Eu sei que o que fiz não tem perdão. Sei que fiz a maior besteira da minha vida em me aproximar de você pura e simplesmente por causa de uma aposta. - Segurei-o com mais força quando, ainda assim, Fê insistiu em tentar me empurrar fracamente. - Vou fazer o possível e o impossível para te fazer confiar em mim de novo, mas até lá, não permitirei que Samuel saia impune do que ele te fez. Eu vou fazer ele pagar pelo circo que armou naquela quadra e ele vai se arrepender do dia que encostou um dedo em você.

Afastei-me, soltantando-o e dando dois longos passos para trás. Nesse momento, uma dupla de médicos passou por nós e nos lançou olhares julgadores, no entanto, meu olhar estava totalmente direcionado a Felipe. Ele se apoiava na parede, imóvel e com as piscinas azuis de seus olhos analisando-me cuidadosamente.

- Eu prometo. - Sussurrei.

E então, era eu que me afastava, deixando-o para trás. Caminhei para fora do hospital, jurando mentalmente ao meu pai que voltaria mais tarde, e entrei na caminhonete.

Eu iria para a escola, colocar um ponto final naquele idiota chamado Sam.

________________________
Me perdoem pelos erros: tentei ser mais rápida possível e não reli muitas vezes o capítulo.

Enfim, como o anterior, ele é bem de enrolação. Sem graça até. Mas no próximo as coisas vão pegar fogo....... literalmente.

O próximo capítulo precisa de muito cuidado para ser reescrito (quem já leu: sem spoiler, mocinhos e mocinhas!) e por isso eu possivelmente demore.

NÃO DESISTAM DE MIM!

Até a próxima.

Kyv ❤

Ps: gostaram da nova capa?


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