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Capítulo 18

Coração dourado

As lágrimas eram de sangue escuro e manchavam toda a sua face, escorrendo uma após a outra sobre suas bochechas. Contornado pelo vermelho, seus olhos azuis pareciam ainda mais intensos e claros, no entanto, não era uma visão bonita.

- Eu espero que você morra! - Felipe disse, tão próximo que pude sentir sua respiração batendo sobre a minha pele.

Ele estava diante de mim, seus olhos focados nos meus, seu nariz quase encostando sobre a minha pele e seu perfume invadindo minha corrente sanguinea. Eu estava em um local totalmente escuro, onde era impossível ver se haviam paredes e que seguia até onde o olhar alcançava, sendo Felipe a única pessoa visível. No entanto, isso logo mudou, pois ele se duplicou... E então triplicou.

Em poucos segundos, eu estava cercado por Felipes, de todos os lados, infinitamente. Milhares deles, idênticos, e com lágrimas vermelhas de sangue deslizando por suas bochechas, fazendo uma imagem triste se tornar infinitamente pior. Todos me observavam fixamente e, como um mantra, repetiam:

- Espero que você morra!

As vozes aumentavam gradativamente até que eu não aguentei mais a dor em meus ouvidos e cai de joelhos, cobrindo toda a minha cabeça com os braços. A voz de Felipe, mesmo carregada de ódio, sempre fora inconfundível, mas naquele momento ela passou a se transformar lentamente. Tornou-se maldosa, rasgada e difícil de ouvir. De repente, percebi que não se tratava mais da voz de Felipe, mas sim da de Samuel, dolorosamente próxima.

Em desespero, gritei. Enrolei-me em uma bola no chão, ainda cobrindo a cabeça com os braços, e então, em um piscar de olhos, as vozes desapareceram. Senti meu corpo flutuar, muito mais leve que o normal, e o toque gelado da água ao redor de mim. Reabri meus olhos e me vi em uma piscina, minhas roupas dançando fofas na água e os raios de sol rasgando ao meu redor.

Soltei o ar, que subiu em grandes bolhas até a superfície, e então empurrei meus pés no fundo para pegar velocidade e subir também. No entanto, fui bruscamente detido por algo na minha perna direita e olhei para baixo a tempo de constatar a grossa corrente, uma de suas pontas fincadas no fundo da piscina e a outra na minha perna por um anel metálico

Agarrei-a com os braços e puxei, tentando fazer soltá-la do solo. Meus pulmões já começavam a queimar pela falta de oxigênio e entrei em desespero, puxando a corrente com toda a minha força. Ela, entretanto, não cedeu de nenhum milímetro e me vi desesperado por ar.

Minhas pernas batiam inutilmente e eu conseguia alcançar o limite da água com a ponta dos dedos, o que tornava tudo ainda mais agonizante. Então, como último recurso, remexi a mão na superfície com a esperança de que alguém me visse e pudesse me salvar. Meu corpo inteiro queimava e eu sentia o desespero percorrer minha pele, minha morte se aproximando lenta e torturosamente naquele infinito gelado e molhado.

A superfície, tão próxima, não poderia estar mais longe e eu podia ver os raios do sol dobrando-se ao penetrar a água. Meu corpo se paralizou, o sangue carbônico demais para que minhas células pudessem continuar a funcionar corretamente. Passei a flutuar na água, braços e pernas abertos, a visão escurecendo-se aos poucos conforme os segundos se estendiam como horas.

E então, como um anjo, minha mãe apareceu na margem da piscina. Com o último resquício de oxigênio, senti a esperança rodopiar minha barriga, afinal, ela iria me salvar! No entanto, mais segundos agonizantes se passaram e debati-me mais uma vez, tentando chamar sua atenção. Ela me observava tranquilamente da borda, seu cabelo claro como o meu balançando pelo vento, suas roupas em tom esverdeado adornando seu corpo, seus olhos fixos na minha imagem quase desvanecido.

E, pouco antes de perder a consciência, vi minha mãe virar as costas e partir.

- NÃO! - Berrei.

Ergui o corpo da cama como um relâmpago, tremendo e completamente molhado de suor. Eu estava ofegante e buscava desesperadamente por ar, a lembrança constante da minha angústia no pesadelo acelerando fortemente meu coração. Minha mente flutuou entre o real e o imaginário por algum tempo, sem compreender exatamente onde eu estava, e então, em pequenos recortes de memória, todas as lembranças do que tinha acontecido voltaram.

Sufoquei quando as lágrimas começaram surgiram novamente, invadindo sem pudor meu rosto. Revi Felipe correr para longe de mim e a porta fechar atrás de si, senti minha impotência diante do que aconteceu e a dor física de tudo aquilo. Eu não sabia como tinha chegado ao meu quarto, nem porque já era noite e quem tinha enfaixado minha mão. Tudo o que era capaz de compreender era a cachoeira de lágrimas que invadiam meu rosto e o desejo de colocar fim àquela dor pulsante que tomava conta de mim.

Pela primeira vez na vida, eu tinha me apaixonado, dado meu coração a alguém e me sentido em paz, mesmo com tudo de ruim que me cercava. A dor da perda da minha mãe tinha se atenuado graças a Felipe, transformando-se em uma chama mais fácil de suportar, mesmo que sempre acesa. Com ele perto de mim, os fantasmas do passado iam embora e o desejo de reconstruir minha relação com meu pai havia tomado conta de mim.

Mas isso foi antes. Antes de eu permitir que Felipe partisse da minha vida para sempre.

Joguei-me sobre a cama novamente e mordi o travasseiro com toda a minha força, gritando ao mesmo tempo como forma de tentar expulsar a dor. Eu - todo o meu miserável ser - tinha sido responsável pela morte de uma pessoa maravilhosa, uma mulher, mãe, que teria muitos anos de vida pela frente. Depois de anos, graças a mim, outra pessoa que eu amava havia sido terrivelmente humilhada diante de uma multidão de alunos. Não poderia colocar a culpa desses acontecimentos em nenhuma outra pessoa além de mim mesmo.

Gritei. A única coisa que eu podia fazer era gritar, minha voz abafada pelo travesseiro, e permitir que o choro continuasse. De repente, a porta do meu quarto se abriu e ergui fracamente os olhos para me deparar com a imagem assustada de Marie Elizabeth. Ela estava completamente mudada: havia preocupação e carinho em seu olhar, algo que ela jamais permitira transparecer antes. Usava um vestido com estampas floraia que a deixava sexy e delicada ao mesmo tempo e mantinha os lábios pintados com um batom vermelho-sangue. Perdido em meio a minha própria dor, ainda pude sentir uma pontinha de felicidade por ela e Scott estarem juntos.

Marie caminhou até a cama e sentou, tirando o travesseiro dos meus dentes e dando um carinho no meu cabelo suado.

- Scottie me contou tudo, Tody. Eu sinto muito.

Em meio aos soluços e a visão embaçada, sussurrei:

- C-como i-isso aconteceu?

Ela abriu a boca para responder, porém a voz de Scott se sobrepôs, vinda da porta do quarto. Ele usava uma camisa clara e, mesmo na penumbra do quarto, pude ver o tecido ligeiramente manchado de sangue.

- Sam ouviu nossa conversa de ontem nos vestiários e roubou o diário com os desenhos. - Ele sentou ao lado de Marie na ponta da cama. - Passou a tarde toda planejando isso para te atingir e depois mandou mensagens avisando que teria uma grande apresentação na quadra para todos os alunos.

Marie, ainda passando as mãos pelos meu cabelo delicadamente, continuou:

- Scott estava comigo quando recebemos as mensagens e imediatamente desconfiou dessa história de "apresentação". Quando chegamos na escola e vimos o que estava acontecendo, ligamos dezenas de vezes para o seu celular, mas só caía na Caixa Postal. Scottie decidiu ir até sua casa antes que chegasse na escola e descobrisse da pior forma possível. No caminho ele me contou todos os detalhes, mas quando chegamos aqui você já tinha saído.

Suspirei, dessa vez deixando as lágrimas escorrerem em silêncio por longos segundos. Marie e Scott trocaram olhares preocupados e eu, em um ato de desespero, pousei a cabeça sobre as coxas dela e abracei sua cintura, na busca por refúgio.

- M-meu celular d-descarregou durante a noite... Não consigo parar de pensar em como Fê pode estar agora. - Marie permitiu que eu chorasse em seu colo e continuou o carinho que fazia antes. Aquele momento era muito mais íntimo e sincero que todas as vezes que tinhámos feito sexo e eu sentia uma ponta ínfima de alívio por ela não me julgar. - Preciso vê-lo.

- Eu sei. - Scott falou. - Mas você não vai fazer nada direito antes de se recuperar, cara. Você passou várias horas desacordado.

- Isso não importa. - Ergui a mão para secar meu rosto e foi somente assim que percebi que a faixa branca que se enrolava ao redor dos meus dedos estava manchada de sangue. Minha mão também tremia, assim como o restante do meu corpo, quando tentei apoiar meu peso no colchão e me erguer. - Preciso ver Felipe agora.

Scott segurou meu braço e me puxou para a cama novamente quando meu corpo pendeu para a frente sem força alguma.

- Não é melhor esperar até amanhã, Tody?

- Não, eu já esperei demais. - Sacudi o rosto e me senti criança de novo, incapaz de parar o choro. - Se não for agora, posso perdê-lo para sempre. Não sei o que seria de mim se isso acontecesse.

Scott e Marie suspiram juntos, quase como se ambos tivessem imaginado aquela sensação ao mesmo tempo que eu. Eu via a dúvida pintada sobre a expressão do meu melhor amigo, mas também que ele sabia muito bem que não poderia me deter para sempre.

- Ao menos passe no banheiro e lave o rosto antes. - Ele tirou do bolso e estendeu as chaves de sua caminhote. - Eu te trouxe na minha e a sua ficou no colégio.

Peguei as chaves e apoei-me em Marie para conseguir ficar de pé. O mundo rodou por alguns segundos e então parou, fazendo com que eu assentisse para a garota e seguisse sozinho em direção ao banheiro. Sob o olhar observador dos dois, fechei a porta do banheiro e tranquei-a, isolando-me naquele cômodo pequeno e úmido.

Diante de mim havia outro Tody, meu reflexo exato no espelho. Ele tinha olheiras profundas e escuras, olhos avemelhados e bochechas endurecidas pelas lágrimas secas. O cabelo estava um ninho de ratos e tinha marcas de unhadas sobre o abdômem, provavelmente fruto da luta que teve mais cedo para escapar do aperto de seu melhor amigo. O Tody refletido estava destruído física e psicologicamente de tal forma que chegava a ser angustiante, além de gerar um sentimento de pena intenso.

Eu jamais gostaria de ser aquele Tody, mas eu era.

Suspirei e, antes que recomeçasse a chorar, liguei a torneira e usei a mão que não estava enfaixada para molhar ligeiramente o rosto. A água gelada escorreu sobre a minha pele, descendo até o meu abdômem, e a esfriou gradativemente, gerando uma sensação ínfima de reconforto. Sem me importar em secar o rosto, apenas retirei o excesso de água com a mão e depois guardei a chave da caminhonete de Scott na calça jeans, que ainda era a mesma que eu vestia desde de manhã, saindo do banheiro em seguida.

O quarto estava vazio quando voltei e respirei fundo para conter a onda de imagens que voltaram na minha cabeça em uma tortura sem fim. Tudo que eu mais queria naquele momento era poder abraçar Felipe e sentir novamente a paz que me acompanhava desde a noite no telhado, quando nós dormimos abraçados pela primeira vez. Aquele momento era uma memória tranquila, calmante e, de certa forma, mágica. Uma daquelas memórias que eu jamais esqueceria, pois havia sido nela que eu havia admitido interiormente achar Felipe o garoto mais lindo do mundo - mesmo que tal pensamento, na época, me pareceu um total absurdo.

Abri o armário e peguei uma camiseta qualquer que estava pendurada, passando-a sobre a minha cabeça logo em seguida. Vestido, abri uma das várias gavetas interiores do armário e remexi os objetos que estavam guardados ali - um pouco de tudo - até encontrar a pequena caixa preta de veludo, ligeiramente empoeirada, a qual eu procurava. Com um suspiro, abri a caixa e me deparei com um pingente de ouro de tamanho médio, em formato de coração e com a palavra "Forever" talhada delicadamente em um dos lados.

O coração dourado parecia pequeno na palma da minha mão, mas ele era carregado de tamanho sentimento e emoção que pesava toneladas. Era uma peça única no mundo, desenhada pelo meu pai haviam muitos anos e produzida exclusivamente para o pedido de casamento que ele fizera para a minha mãe. Desde o dia em que recebera o pingente, ela jamais o retirou de si, sempre carregando-o em seu pescoço preso por uma fina e delicada corrente de ouro. Uma das minhas memórias mais antigas mostrava uma mãe amorosa e brincalhona, escondida atrás do sofá da sala, esperando que seu pequeno bebê a encontrasse e com um pingente de coração pendurado de seu pescoço.

Quando ela se foi, guardei a joia como se fosse seu próprio coração. Durante todos esses anos, o coração dourado estivera cuidadosemente guardado em meu armário e estava saindo de lá pela primeira vez, por um motivo muito importante.

Pouco depois, eu descia a escada com uma caixinha de veludo na mão. Scott e Marie Elizabeth estavam na sala quando cheguei, ela com a cabeça sobre o colo dele e ele acariciando o cabelo dela lentamente. Ela se ergueu de imediato ao me ver ali e perguntou:

- Você quer que a gente vá também?

- Não. - Sacudi a cabeça e baixei o rosto para os meus pés, ainda, descalços. - Preciso fazer isso sozinho.

- Vamos fazer o jantar, ok? - Scott falou, tentando me animar pela ideia de comer, mas falhando.

- Você sabe onde estão todas as coisas. - Respondi simplesmente, saindo de casa logo em seguida e fechando a porta atrás de mim.

Entrei na 4x4 vermelho escuro que estava estacionada na minha garagem e liguei motor, dei ré e comecei a traçar o caminho para a casa que eu conhecia tão bem.

Eu tinha ficado desacordado quase o dia todo, afinal o sol já tinha baixado totalmente no horizonte e as ruas estavam lotadas de pessoas deixando seus trabalhos para voltar para suas casa. Fiz questão de prestar atenção em cada detalhe, cada pessoa, cada som, desligando minha mente e deixando que meu corpo fizesse o caminho até a casa de Felipe por conta própria. Vi uma velhinha sorridente passeando com seu cachorro, um homem apressado que atravessou correndo na minha frente quando parei em um sinal vermelho e um casal que caminhavam tranquilamente de mãos dadas. Vidas, tantas delas, cada qual com seus erros e acertos, seus momentos felizes e tristes, com suas trajetórias.

O mundo todo parecia diferente para mim, como se estar apaixonado e perder a pessoa que ama mudasse a sua forma de ver as formas que te rodeiam. Cada rosto que eu via era carregado de uma emoção em particular e me peguei pensando se quantas daquelas pessoas já haviam sentido o que eu estava sentindo por Felipe, aquele crepidar intenso do fogo dentro de mim, aquele bater disparado de coração.

Haviam tantas histórias sobre o amor, aquela necessidade extrema de se entregar para um outro alguém, e, no entanto, eu jamais acreditara nelas. Nessas histórias, o casal faz qualquer coisa para estarem juntos, ultrapassam qualquer barreira e até mesmo entregam parte de quem são um para o outro. O amor representa a calmaria no caos e o caos na calmaria, a sensação profunda de vazio e incompletude sem aquela outra ou outras pessoas. O amor não era nada mais que um lindo conto de fadas para mim... até eu encontrá-lo.

Quando parei diante da casa de Felipe e desci do carro, não senti o bater do meu coração. Cada molécula do meu corpo estava entorpecida pelo caótico medo de perder meu amor, pois eu sabia que jamais poderia substitui-lo. Meu menino de olhos azuis sempre seria o primeiro e único e, mesmo que eu tentasse entregar meu coração a outra pessoa, eu não poderia porque ele já não me pertencia mais. Fê tinha meu coração guardado consigo, ciente disso ou não.

Minha mão tremia visivelmente quando toquei a campainha e então esperei por alguma resposta.
Cada segundo que se passou entre esse momento e a abertura da  porta pareceu passar mais lentamente que o normal, durando horas inteiras, até mesmo dias. O mundo parou de rodar e eu ouvia o tic-tac do relógio ecooar em minha mente.

Quando a porta se abriu, deparei-me com Dona Cris diante de mim. Ela focou os olhos em mim e sua expressão se fechou, permitindo que eu percebesse as profundas olheiras negras que rodeavam seus olhos, provavelmente causadas pelo choro e não pela privação do sono.

- O que você está fazendo aqui, Tody? - Sua voz era rouca, falha. -  Não acha que já fez mal suficiente ao meu filho?

Vê-la ali, tão dura e fria comigo, fez a consciência do que havia acontecido desabafar caoticamente sobre mim. As lágrimas voltaram ao ouvir aquelas palavras e não consegui segurar um soluço alto enquanto tentava falar, minha voz falando a cada nova tentativa:

- P-por favor, eu p-preciso falar com ele.

- Sabe o quanto doeu em mim ver meu filho completamente destruído por se sentir culpado por ter matado os melhores amigos? Sabe quantas vezes tentei acalmá-lo para que não tentasse algo estúpido de novo? - Ela falou, a mão firmemente apontada para mim, os olhos tristes, decepcionados e cansados. - Você consegue imaginar como é deitar todas as noites mas não dormir bem porque está sempre ouvindo o que acontece no quarto ao lado, tentando saber se seu filho está tentando tirar a própria vida ou não? 

Baixei os olhos, soluçando mais forte e sentindo um punho de ferro se fechar ao redor do meu coração, apertando-o. Felipe seria capaz de tentar isso de novo? Ele seria capaz de tentar tirar a própria vida de novo e... por minha culpa? De repente, um sentimento novo se mesclou a dor: a raiva de mim mesmo. Raiva por ter ficado preso no meu próprio medo quando ele estava muito mais aterrorizado que eu, quando Fê estava afundando na escuridão no presente e eu preso com meus pesadelos do passado.

Cris respirou fundo antes de recomeçar a falar:

- Hoje eu vi meu filho, meu menino, entrar em casa, coberto de ovos e chorando compulsivamente, Tody. Ele contou tudo para mim, e sabe o que ele falou por fim? - Sacudi a cabeça, sem ter ideia, mas temendo o que quer que fosse. E, quando ela continuou a falar, percebei que eu era a pior pessoa do mundo: - "Mamãe, eles sabem que eu sou um assassino."

Minha visão perdeu o foco e milhares de pontinhos coloridos a tomaram totalmente. Senti-me sufocado no profundo desespero, preso pelas raízes venenosas do mal que eu havia feito. Eu tinha sido um louco por achar que poderia brincar com a vida de alguém ao envolvê-la em uma aposta e, ainda, não ter tido o cuidado necessário ao guardar segredos que ela mantinha para si a vida inteira. Avancei um passo, em direção à porta, e Dona Cris ergueu uma mão para me barrar de imediato.

- A senhora precisa me deixar vê-lo! - Implorei. - Eu não contei nada para ninguém! As coisas não são como pareceram ser e eu preciso que ele saiba disso. Eu sei que a senhora sabe que eu jamais faria algo assim com Felipe! Eu preciso pedir perdão.

- Eu só sei de uma coisa: você tem que ir embora e deixar meu filho em paz. - A expressão dela era a mais séria possível, dura como uma pedra, cortante como uma navalha. - Não posso permitir que coloque meu filho em uma situação pior do que a que está.

Sacudi a cabeça, negando esse fato para mim e chorando ainda mais intensamente. Caí de joelhos no chão frio, erguendo o rosto para que ela percebesse o quanto eu precisava vê-lo.

- Por favor. - Implorei em um sussurro.

- Vá embora, Tody.

Nesse momento, ouvi um choro de criança vindo de longe e pude ver Anne descer a escada correndo e agarrar as pernas de Cris, falando um pouco embolado e baixinho junto ao corpo da mãe. Ela tinha o rosto vermelho e as bochechas encharcadas por um fluxo contínuo e intenso de lágrimas. Antes que a porta se fechasse por completo, pude distringuir uma única frase que ela dizia tão fracamente:

- Mamãe, estou com medo do F-.

E então o clic sonoro da porta sendo travada se fez e cortou a fala da menina. No entanto, era impossível não saber de quem ela estava com tanto medo a ponto de chorar daquela forma: Felipe.

Abracei meu corpo, colocando-me deitado e em bola no chão e chorando por vários minutos seguidos. Era como se meu corpo estivesse queimando, revivendo toda a dor que eu havia guardado durante os anos de uma vez só. Haviam tantas coisas, no entanto, o que tinha acontecido naquele ginásio era o que ia e vinha com mais frequência, como uma tortura infinita. Felipe tinha se transformado em um pilar, um alguém que me aceitava como eu era, com meus pesadelos e defeitos, meus sonhos e minhas qualidades, e eu o tinha deixado partir.

A noite se tornou densa, ruidosa e sufocante ao meu redor. O ar me faltou e tossi intensamente, minha garganta arranhando e gerando ânsia de vômito incontrolável. Como um verme, arrastei-me pelo chão da varanda da casa até chegar à borda, não aguentando mais e vomitando no canteiro de flores o que ainda tinha dentro de mim. Vazio do dia sem alimentação, meu estômago rugiu e coloquei para fora somente a bile, que passou queimando minha garganta, a intensificou a tosse e deixou um terrível gosto na boca.

Continuei daquela forma, deitado no chão e com a cabeça para fora da varanda, por longos minutos até que meu corpo retornasse ligeiramente ao normal. Minha barriga doía, assim como a garganta, e as lágrimas ainda eram frequentes sobre minhas bochechas. Jogado daquela forma ao chão, eu não era nada além da sombra de quem fui um dia.

Tremendo, coloquei as mãos no chão e ergui uma parte do meu corpo, usando toda a minha força para conseguir me colocar de pé depois. Cambaleei pelo quintal até a lateral da casa e parei abaixo da janela de Felipe. Por várias noites, ela tinha sido minha porta de entrada para um refúgio seguro, mas naquele momento ela estava fechada e com as cortinas puxadas, um claro sinal de que eu não mais era bem vindo ali.

Felipe estava do outro lado daquela janela, já que era possível ver filetes de luz se esgueirando pelas pequenas brechas que a cortina deixava. Ele estava ali - tão perto, tāo longe - e isso tornava tudo ainda pior.

Passei as mãos pelos meu cabelo, sentindo como estava sujo e oleoso depois dos pesadelos que me assombraram durante toda o dia, e baixei o rosto, vendo marcas vermelhas de sangue sobre a minha camisa. Franzi o cenho, confuso até levar os olhos para a atadura ao redor dos nós dos meus dedos e vê-la encharcada de sangue, provavalmente porque eu tinha reaberto meus machucados ligeiramente coagulados.

Eu era um completo lixo.

Suspirei profundamente enquanto minha mente buscava energia para motivar minha alma: não desistiria assim tão fácil de Felipe, mesmo que isso significasse me rastejar por seu perdão. Sozinho no jardim, rodeado pela noite, percebi que eu havia me acostumado à linda presença dele em minha vida e que não conseguiria continuar sem ela.

Com isso em mente, usei meu último suspiro de força e escalei a parede, sabendo, por costume, exatamente onde apoiar os pés e as mãos nas trepadeiras para não cair. Meus braços tremiam e a mão machucada ardia a cada movimento, sentia minha boca ressecada e com um gosto amargo horrível, tinha os olhos nublados pelas recentes lágrimas que insistiam em chegar.

Cheguei diante do vidro fechado que um dia já fora a minha porta para noites calmas e desajeitadamente puxei do bolso da calça a pequena caixa de veludo, a qual guardava o coração dourado. Usando os dentes para não perder o equilíbrio, abri a caixinha, pousei um singelo beijo sobre a joia e então pousei tudo sobre a bancada que se projetava para fora da casa.

Mesmo com os músculos exaustos, fiquei ali, apoiado em trepadeiras a três metros do chão, por mais longos segundos, desejando que a janela magicamente se abrisse e permitisse minha entrada. Eu podia ver a luz, no entanto, a fresta deixada pela cortina era pequena demais para me permitir um vislumbre de Fê. Esperava sinceramente que ele entendesse a mensagem quando olhasse para o céu na manhã seguinte e encontrasse o pequeno objeto dourado sobre sua bancada.

"Forever".

Para todo o sempre.

Para todo o sempre seu.

••••

Saí da caminhonete e me encostei na porta dela, deixando a cabeça apoiada no vidro. Havia se passado mais de uma hora desde que eu tinha deixado a casa de Felipe e durante esse tempo fiquei dirigindo pelo litoral, o vidro aberto e o vento frio refrescando meus pensamentos. Depois da dor, tudo o que havia restado era um profundo e irreparável vazio, que eu não fazia ideia alguma de como lidar. Eu estava desligado, sem respostas para o que acontecia ao meu redor.

Depois de incontáveis minutos do lado de fora, entrei em casa e me deparei com Scott e Marie na cozinha, fazendo alguma coisa que cheirava muito bem no fogão.
Aproximei-me silenciosamente, observando como se moviam quase em sincronia pelo pequeno espaço, passando os ingredientes de um para o outro. Vez ou outra, um dos dois reclamava de algo com o outro - Marie irritou-se quando meu melhor amigo esqueceu de mexer algo que estava no fogo e ele resmungou quando ela cortou as cebolas em fatias grossas demais. Scott vinha tantas vezes na minha casa que já conhecia cada pequeno detalhe daquela cozinha, apesar de eu sempre ter implorado para a gente sair de casa quando meu pai estava. Normalmente, ele aceitava, dizendo que era porque eu era muito irritante quando ficava pedindo a mesma coisa, mas no fundo eu sabia que ele tinha um pouco de medo do meu pai.

Fiquei silencioso e observei por certo tempo aqueles dois, tão diferentes e brigões, mas que tinham se encontrado juntos de forma única. Um era um constante desafio para o outro e cada um havia quebrado barreiras internas para admitir que se gostavam e que queriam ficar juntos. Eles eram bonitos juntos e acabei suspirando pesadamente com tal pensamento.

- Você voltou! - A voz de Marie cortou meus pensamentos. Ela saiu da cozinha, puxando Scott atrás de si, e me observou com seus grandes e maquiados olhos. - Como foi?

Dei de ombros, sem ter vontade de falar, e eles trocaram olhares preocupados.

- Todie, vá tomar um banho, cara. - Disse meu melhor amigo e eu apenas assenti fracamente.

- E depois volte, porque estamos terminado uma macarronada e você vai precisar enfaixar a mão de novo. - Completou ela.

O dia havia sido um dos piores da minha vida e eu me sentia exausto, em todos os sentidos. Meu corpo pesava, meus passos eram lentos, meus pulmões queimavam a cada inspiração. Havia algo gigantesco me empurrando para o chão, comprimindo-me sobre ele e roubando pouco a pouco a minha vida. Eu era um garoto quebrado, culpado pela morte da mãe e culpado pela humilhação pública de alguém que amava. Eu era o pior e nada poderia me fazer pensar de outra forma.

Lentamente e sob o olhar de Scott e Marie Elizabeth, eu tinha subido dois degraus antes que o som do telefone fixo soasse pela casa. Aquele aparelho, geralmente usado pelo meu pai para resolver problemas do trabalho e atender clientes, havia estado silencioso desde o dia em que ele saira de casa, por isso franzi o cenho ao ouvi-lo tocar. Andei até o aparelho e atendi a chamada assim que minhas pernas me levaram até ele, calando o toque alto e agudo.

- Alô?

- Tody William Benson? - Uma voz feminina soou do outro lado.

- Sim, sou eu.

E então, por longos segundos, silenciosamente ouvi o que ela dizia, a voz rouca, calma e contida. E então, o chão sumiu sob meus pés pela segunda vez no mesmo dia e meus olhos encheram de lágrimas.

Não... não!

Quando eu achava que nada podia piorar, que a dor não poderia aumentar, que eu ainda tinha algo chance de sobreviver ao caótico desastre que era minha vida...

O telefone escorregou da minha mão e caiu com um ruído forte contra o chão, rachando parcialmente a parte em plástico. As lágrimas me inundaram, ainda mais ferozes, mais rasgantes, sufocando meu peito, tirando o pouco ar que chegava aos meus pulmões. Caí de joelhos ao chão, já fraco demais para aguentar meu próprio peso, e uma única palavra saiu por meus lábios:

- Papai...

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Admito que esse capitulo foi muita enrolação mas no próximo Felipe e Tody se vêm de novo, apesar de não ser da forma mais feliz do mundo.
O que vocês acham que acontecerá dessa vez?

All the love

Kyv

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