Capítulo 12
Sunshine, Peter Pan e Gancho
Joguei os braços para o lado, ainda com os olhos fechados, passando as mãos pelo tecido fino que cobria o colchão à procurar de um corpo familiar. Meus dedos, no entanto, encontraram apenas o vazio. Eu estava sozinho na cama.
Com um gemido de sono, abri parcialmente os olhos e os fechei quase imediatamente depois por causa da luz do sol, a qual infiltrava-se pela janela. Eu estava grogue de sono e demorei alguns segundos para fazer as imagens que via entrarem em foco e, então, pisquei um pouco e finalmente percebi o olhar rápido de um garoto sobre mim. Sentado de forma tranquila sobre o puffe azul, as pernas cruzadas e um lápis entre os dedos, Felipe deslizava rapidamente os dedos sobre o papel, como se, assim, esfumaçasse alguma parte do desenho que fazia.
- Bom dia, Sunshine. - Comentou, sorrindo preguiçosamente, mesmo sem erguer os olhos do que fazia.
Apoiei o rosto no colchão e, ainda enrolado nos lençóis, tirei alguns segundos para observá-lo. Era impressionante como o sol batia em seu cabelo negro, tornando-o quase azul-escuro, e pude perceber pingos minúsculos da cor de caramelo em seus olhos, os quais apareciam apenas nessas circunstâncias, com a luz ali. Vê-lo ali, o corpo coberto apenas por um moletom folgado, fez meu estômago revirar diversas vezes. Era uma sensação gostosa de que tudo estava no lugar certo.
- Bom dia. - Sorri com o apelido e então fiquei nervoso ao lembrar da noite anterior, minhas bochechas queimando mesmo sem o olhar de Felipe sobre mim.
Eu tinha beijado ele!
Depois de eu ter confessado que eu queria mesmo beijá-lo, acabamos deitados na cama juntos. Passamos as últimas horas da madrugada ali, trocando carícias e mais beijos, até que finalmente adormecemos, agarrados. Durante esse tempo, acabei por perceber alguns detalhes sobre ele, como o fato de que seu sorriso visto de perto era ainda mais fantástico ou como ouvir seu coração bater era reconfortante. Havia sido inesplicavelmente bom.
Eu me sentia feliz naquela manhã. Meu coração batia descompensadamente, não conseguia parar de sorrir e havia um desejo gigantesco de ficar perto do meu menino de olhos azuis. Que tipo de sentimento era aquele? Desejo? Por um homem? Eu nunca sequer havia pensado em algo como aquilo, mas ali estava a queimação gostosa que percorria meu corpo, tornando impossível esquecer o que havia acontecido na noite anterior. Eu estava ainda estava pasmo com o rumo que as coisas tinham tomado e em como minha mente já não estava achando tão absurda assim a ideia de eu gostar de outro garoto.
Eu estava um pouco assustado com isso. Parte de mim ainda insistia em me convencer de que, talvez, tudo aquilo não passasse de uma diversão rápida, de uma curiosidade que todos diziam ser normal para a minha idade. Talvez apenas uma confusão interior, recheada de momentos bons com um amigo ao meu lado. Talvez...
Entretanto, meus pensamentos contrários foram perdidos quando olhei para cima novamente. Felipe desenhava de cabeça baixa, as sobrancelhas ligeiramente franzidas e o lábio inferior preso entre os dentes, e eu não resisti àquela cena. Saí da cama com um salto e imediatamente corri para o colo dele, que teve apenas tempo de afastar o desenho antes que eu sentasse nele. O puffe afundou ainda mais com o meu peso sobre Felipe e eu não conseguia parar de sorrir ao me acomodar melhor sobre suas coxas.
Ele riu da minha reação e passou os braços ao meu redor, um deles atrás das minhas costas, o outro sob as minhas coxas, prendendo-me sobre si. Beijou meu cabelo quando abaixei o rosto e o pousei sobre seu peito, apenas para ouvir um coração disparado. Eu me sentia incrivelmente seguro, protegido e amado naquele abraço e, mesmo que fosse muito cedo para pensar coisas assim, não resisti em aspirar o perfume de Felipe mais uma vez, guardando na memória aquele nosso momento.
- Você vai voltar para casa ainda hoje? - Passando a mão pelos meus fios de cabelo delicadamente, Felipe perguntou.
Fechei os olhos e ri, afundando-me ainda mais em seu abraço. A pele sob mim era quente, de uma maciez totalmente diferente da feminina, mas boa de ser tocada. E foi o que fiz, deslizando meus dedos desleixadamente sobre o peitoral de Felipe até ter minhas mãos entrelaçadas em sua nuca.
- Acho que estou muito bem aqui. - Sussurrei e então ele suspirou pesadamente. Imediatamente, levantei o rosto, ficando um pouco envergonhado por não ter pensando naquelas palavras antes de dizê-las. - A não ser que você não queira que eu fique... Quer dizer, eu sei que o que aconteceu ontem pode ser muito confuso, então talvez voc-
Não terminei.
Sua boca agarrou a minha com determinação e eu correspondi o beijo com uma intensidade que eu nem sabia que existia. Seus lábios eram quentes e massageavam os meus pesadamente, mas ainda assim com certa delicadeza. Era intenso e frágil ao mesmo tempo. Agarrei seu cabelo, puxando-o um pouco, e ouvi um baixo murmúrio sair de seus lábios, presos aos meus. Mais uma vez meu coração queria sair dali correndo, de tão agitado que tinha ficado por causa de um simples beijo.
Afaste-me devagar e pude vê-lo abrir os olhos, preguiçosamente. As duas piscinas azuis brilhavam ainda mais e, por algum motivo, eu não acreditava que era culpa da luz. Pousei mais um selinho rápido na boca de Felipe e virei o rosto para apoiá-lo novamente em seu peito. Meus olhos pousaram sobre o desenho que ele tinha deixado no chão, ao lado do puffe, e imediadamente me reconheci nele. Os traços bem feitos me mostravam com um rosto quase angelical, os olhos fechados, abraçado com um dos travesseiros de Felipe em um sono tranquilo. A paisagem ao meu redor não tinha sido desenhada ainda, mas era possível ver um esboço claro da cama e da janela mais ao fundo.
- É lindo. - Falei.
- Não resisti. - Felipe corou, ficando da cor de um tomate maduro, e depois riu baixinho. - Espero que não ache que sou um psicopata daqueles que desenha os outros enquanto eles estão dormindo.
- Os outros? - Resmunguei baixinho, erguendo o rosto. - Quantas pessoas já acordaram na sua cama, Clavien?
Ele riu e bufou, negando com a cabeça como se não acreditasse no que ouvira, fazendo-me rir também. Felipe apertou os braços, trazendo-me ainda mais para perto de si - se isso ainda fosse possível - e deixando seu nariz tocar o meu suavemente ao sussurrar:
- Só uma.
Sorri ainda mais, passando meu nariz por seu pescoço delicadamente quando baixei o rosto. Eu poderia aspirar o perfume dele para sempre, guardar aquela mistura de floresta e selvageria em mim, um cheiro que me lembrava liberdade. Ergui o rosto devagar, deixando meus lábios vagarem desleixadamente pela bochecha dele, minha boca quase chegando na sua novamente...
... Quando a porta abriu de uma vez só, arrastando-se pelo carpete. Dei um pulo, saindo do colo de Felipe e ficando de pé ao lado do puffe, o corpo formigando com o susto. Minha respiração falhou diversas vezes e assisti a Sra. Clavien - ou só Cris, como ela preferia - entrar no quarto. Ela nos olhou com um sorriso nos lábios finos e uma mão ainda na maçaneta da porta:
- Até que enfim vocês acordaram! - Exclamou. - Troquem de roupa rápido e desçam. O almoço está na mesa, rapazes.
E então saiu do quarto. Ainda pude ouvir o som do riso da mulher enquanto ela descia a escada. Quis cavar um buraco, ali mesmo no meio do quarto, e me enterrar.
Felipe riu de mim, provavelmente porque eu deveria estar vermelho como um tomate, e ficou de pé, colocando uma mão sobre meu ombro e me encarando de forma carinhosa. Havia um brilho divertido em seu olhar.
- Não se preocupe, ela não viu nada. - Fez um carinho na minha nuca. - Agora, que tal descermos?
••••
Coloquei a pilha de pratos sujos na pia enquanto Felipe guardava as sobras do almoço na geladeira. De alguma forma, fazer aquela refeição tinha sido o momento familiar mais memorável que eu havia vivido em anos e, talvez, apenas talvez, eu estivesse com o coração pesado ao pensar que não poderia vivenciar aquilo todos os dias. Claro, a comida deliciosa de Dona Cris também era um bom motivo para voltar ali.
A mãe de Felipe estava na sala naquele momento, colocando Peter Pan no leitor de DVD, a pequena Anne ao seu lado, sorrindo. Cris havia decidido no último momento que a minha vitória com o time na noite anterior deveria ser comemorada com uma sessão de cinema em casa. O debate para saber qual filme assistiriamos durou pouco, pois a verdadeira autoridade no assunto - Anne - logo gritou o nome do filme escolhido.
Felipe colocou um saco de pipocas no microondas e depois se encostou no balcão, esperando os minutos passarem. Tinha os braços cruzados, os músculos destacando-se ligeiramente sob o tecido preto da camisa, e o olhar perdido em um ponto entre seus pés. Aproximei-me devagar e ele nem ao menos me notou até que bati meu pé em sua panturrilha levemente.
- Perdido em pensamentos? - Perguntei assim que Felipe ergueu os olhos para mim.
Ele me deu um sorriso fraco e então baixou o rosto novamente, arrastando os pés descalços no chão descuidadamente. Alguns segundos se passaram antes que ele falasse novamente, a voz e o rosto ainda baixos:
- Tody, como vai ser segunda?
Franzi o cenho sem entender de início, mas então as peças se juntaram.
A escola.
Foi minha vez de baixar o rosto. Em meio a todas essas confusões de sentimentos, eu nem tinha parado para pensar sobre o futuro. Na noite anterior, beijar Felipe parecia a coisa mais certa a fazer e eu não me arrependia de tê-lo feito, entretanto, o que aconteceria depois ainda era uma grande dúvida. Uma coisa voltou a me atormentar: a aposta. Mais de duas semanas tinham se passado e o que parecia ser só uma brincadeira acabou se tornando algo completamente diferente do que eu esperava. Depois dessas duas semanas, eu estava ali, parado diante de Felipe, o coração acelerado único e exclusivamente por causa dele.
Nada mais fazia sentido.
Ergui os olhos novamente para Felipe quando o microondas apitou. Ele se desencostou do balcão para ir em busca das pipocas.
- Fê, eu não sei o que te dizer ainda. - Finalmente respondi, em um sussurro, e ele voltou a olhar para mim com uma sacola de pipocas quentes na mão.
- Eu entendo. - Seus lábios se ergueram em um pequeno sorriso. - Vamos, antes que Anne venha aqui nos chamar.
Pouco depois, eu estava jogado no sofá com a pequenina Anne no meu colo. Ela não conseguia ficar parada, então brincava com o meu cabelo - "Você deveria deixar o cabelo crescer, Totó. Ia dar para fazer trancinhas coloridas!" - ou tentava pular para o colo do irmão. Em determinado momento, segurei sua pequena mão e beijei seu cabelo macio e perfumado.
O tempo se passou daquele jeito. Dona Cris fez mais pipocas para nós e eu, bobamente, deixava minha mão por mais tempo que o necessário na sacola, apenas para poder tocar os dedos de Felipe vez ou outra. Era algo tão bobo que eu me sentia patético por sorrir por isso. Mas era bom, enchia meu peito com algo que não conseguia descrever.
Peter Pan e as três outras crianças faziam piruetas no ar de Londres quando a Sra. Clavien se levantou do sofá e se dirigiu ao filho:
- Meu querido, vou fazer compras antes que o supermercado fique muito cheio. - Olhou para mim, apontando de um jeito brincalhão de nós para Anne. - Vocês dois, não tirem os olhos da minha bonequinha por nem um segundo, ok?
Antes de sair, ela pegou a bolsa, beijou a testa de Felipe e Anne e, para a minha surpresa, a minha também. Senti um aperto de uma doce felicidade dentro do peito, um reconforto familiar: minha mãe fazia exatamente a mesma coisa antes de sair de casa todos os dias de manhã.
Sorri.
Foi nesse momento que senti as pontas dos dedos gelados de Felipe deslizando pelo meu braço. Virei o rosto para ele, segurando Anne pela cintura para que ela não caísse do sofá.
- Que tal fazermos nosso próprio filme de Peter Pan? - Ele disse, aquele brilho brincalhão e infantil nos magníficos olhos azuis.
Anne bateu palmas animadamente, arrastando-se para o lado até estar no colo do irmão:
- Eu vou poder voar? - Segurou Felipe pelas bochechas e fez um biquinho. - Quero voar, Fê.
Ri alto com aquilo e, em um movimento rápido, peguei-a pelos braços e ergui seu pequeno corpo sobre a minha cabeça, girando-a no ar. Anne gargalhou, abrindo os braços quando a lancei para cima, deixando que ela flutuasse no vazio por alguns segundos antes de segurá-la de novo.
Felipe riu de nós e então subiu correndo as escadas, provavelmente em direção ao próprio quarto. Pouco depois, voltou com o mesmo chapéu pontudo e verde do Peter Pan sobre o cabelo e um chapéu coco entre as mãos, que colocou na minha cabeça. Eu não fazia ideia de onde ele havia tirado aqueles ornamentos - uma fantasia antiga, talvez? - mas me senti exatamente como o irmão da Wendy com aquele chapeu arredondado e preto na cabeça.
- Você é nossa pequena Wendy! - Felipe disse para a irmã, ainda no meu colo, e então ergueu um pequeno tudo de tinta azul. Com a ponta do tubo, pingou algumas gotas azuis no próprio dedo e então manchou as bochechas de Anne com curtos traços. Daquele jeito, ela parecia uma um filhote de gato.
Corremos para o jardim depois disso, levando ela entre os braços. O sol estava ligeiramente encoberto pelas nuvens, tornando o céu acizentado, porém o verde da grama e o colorido das flores continuava o mesmo. Andei até a cerca de flores que dividia a casa de Felipe da do vizinho, colhi uma delas e prendi no cabelo brilhante da menina:
- Sininho mandou de presente.
Ela riu, as bochechas pintadas esticando-se, e a pousei no chão. Anne correu pela grama, seus pequenos pés mal tocando o chão de tão rápida. Daquela forma, eu podia facilmente imaginá-la como Wendy, voando pelo céu da Terra do Nunca, passando pelo arco-íris e saltando entre as nuvens.
Em determinado momento, tentei segurá-la enquanto corria, mas escorreguei na grama úmida e caí com um baque no chão, ficando deitado de costas. Ouvi a menina rindo de mim enquanto corria em círculos ao meu redor e não resisti em gargalhar também, deixando meu corpo relaxar sobre o verde. O chapéu coco caiu para o lado.
De repente, Felipe apareceu no meu campo de visão, seu cabelo cobrindo quase todo o rosto quando se abaixava para me ver melhor. Ele tinha aquele sorriso infantil no rosto e seus olhos, magicamente, refletiam o acizentado do céu. Eu poderia me perder naqueles olhos para sempre e não havia nada que me traria de volta.
- Você precisa de mais pózinho mágico. - Disse e então jogou um punhado de terra em mim. Arregalei os olhos, surpreso, e sentei depressa, vendo ele e Anne gargalharem de mim.
Fiquei de pé e fiz uma careta proposital, abaixando-me para pegar um galhinho seco de árvore, que estava jogado por ali. Segurei o galhinho entre os dedos fechados em punho, curvei ligeiramente as costas e então gritei com uma voz grossa e maléfica:
- Como ousam desafiar o grande Capitão Gancho assim? - Ergui o "gancho" para os dois. - PAGARÃO COM SUAS VIDAS POR ISSO!
Corri atrás deles, braços esticados, galho de árvore na mão. Felipe subiu alguns galhos da trepadeira que crescia nas paredes da casa e então pulou lá de cima de forma majestosa. Segurou Anne em um abraço apertado, com um único braço, assim que pousou no chão. Havia um galho longo da planta em sua mão livre e ele o apontou para mim:
- Cortarei sua outra mão e jogarei para os crocodilos se tentar chegar perto da minha Wendy, criatura repugnante.
- Você não passa de um garoto insolente! - Resmunguei de volta, colocando esforço no personagem, e saltei para a frente, fingindo atacar Felipe. Ele saltou para trás e bateu no meu braço com o galho.
- Acho que a idade não te fez bem, Capitão. - Felipe respondeu, aquele sorriso torto entre os lábios.
Ataquei novamente, usando o gancho para golpear o ar extremamente próximo a ele. Deixou Anne deslizar para o chão novamente e levou um dos braços para as costas, apontando sua espada em uma direção:
- Aposto que consigo derrotá-lo com uma única mão!
Grunhi e me preparei para o próximo movimento. Felipe era astuto, mas eu tinha a vantagem do futebol e dos treinos ao meu favor. Capitão Gancho venceria daquela vez. Entretanto, quando estava prestes a dar o primeiro passo, Anne cruzou os braços e fez um biquinho, resmungando para nós:
- Quero uma espada também!
Isso fez com que eu perdesse a carranca de "Capitão Gancho" e soltasse uma gargalhada alta e barulhenta. Felipe riu junto, segurando o bone do Peter Pan na cabeça enquanto se curvava para a frente por causa da risada. Abandonei o gancho no chão novamente e corri em direção a Anne, erguendo-a novamente:
- Pestinha. - Sussurrei para a menina e então comecei a contar a história do meu jeito. - Wendy passou pelas nuvens, encantada com a visão da ilha. Ela escorregou pelo arco-íris, ficando com as roupas manchadas de todas as cores. Aquele mundo parecia um sonho, mas era real. - Girei Anne, subindo e descendo seu corpinho pelo ar enquanto ela ria e mantinha os braços abertos. - Afinal, não se pode crescer ali e todos os sonhos infantis são reais.
Segundos depois, senti o jato de água, deixando a menina e a mim completamente molhados. Olhei para Felipe, pérplexo, enquanto ele virava a mangueira para si mesmo, molhando-se. Sua camisa e calça ficaram encharcadas e colaram sobre o seu corpo e ele sorria abertamente ao jogar a água para cima, abrir a boca para o alto e deixar as gotas pingarem ali.
- Totó, eu quero também. - Anne falou alegramente e apontou para Felipe. Pousei-a e ela correu em direção ao irmão, infiltrando-se sob as gotas que caíam em uma pequena imitação de chuva.
Naquele momento, o céu se abriu e ambos foram banhados pelos raios do sol. O cabelo de Felipe brilho no mesmo tom azulado de mais cedo e, com a mão que não segurava a mangueira, ele segurou a mão da irmã, os dois dançando desajeitadamente. Havia algo puro naquela cena, na forma em que eles se moviam, no fraco arco-íris que se formou acima dos dois, nos sorrisos.
E também haviam os olhos. As duas magníficas bolotas azuis dele que brilhavam de uma forma que eu nunca havia visto em alguém, incendiando tudo ao redor com a mesma intensidade de seu olhar. Durante todo o tempo que eu via Felipe - o Garoto-Morcego - andando pelos corredores, usando suas roupas pretas e seus fones de ouvido, nunca havia imaginado que tanta luz poderia emanar de uma única pessoa. De um único par de olhos azuis.
O mesmo par de olhos azuis que se voltaram para mim, prendendo-me naquele pequeno instante. Havia um sorriso doce entre seus lábios avermelhados, mas algo a mais brilhava naqueles dois poços profundos de azul.
E eu só sabia que não sabia de mais nada.
••••
Felipe observava a irmã dormir tranquilamente quando entrei no quarto. Eu estava descalço, usava minha calça jeans da noite anterior e passava a toalha pelos meu cabelo recém-lavado.
Tinhámos dado banho na menininha e depois nos revezamos para olhá-la enquanto o outro tomava o próprio banho. Dessa forma, acabei sendo o último no chuveiro.
Abracei Felipe pelas costas assim que me aproximei, aspirando seu perfume - um cheiro que me lembrava uma floresta de pinheiros após uma chuva. Fechei os olhos por alguns segundos, apoiando o rosto sobre as costas dele, o tecido da camiseta preta fazendo cócegas na minha bochecha.
Ele fez um carinho no meu braço e então se virou, me dando um beijinho na testa. Deslizei as mãos por suas costas, sentindo a respiração de Felipe tocar a minha testa, onde ele havia apoiado a bochecha.
O sol da tarde baixava no horizonte, deixando o quarto de Anne em um tom alaranjado. Eu não queria ir embora. Se fosse absolutamente sincero comigo mesmo, diria que ficaria abraçado com Felipe até o dia seguinte amanhecer, mas calei esse pensamento com um suspiro.
Não era justo ter esse tipo de pensamento. Não ainda.
- Tenho que ir para casa. - Sussurrei e senti seu peito subir e descer em um suspiro que parecia triste. - Mesmo depois de tudo, ele ainda é meu pai, não é?
Ele assentiu e colou sua testa na minha, permitindo que eu visse seus olhos. Aqueles malditos olhos.
- Meu pai me deixou quando tinha cinco anos para partir pelo mundo com uma outra mulher. Nunca me ligou, nem nos meus aniversários. O único motivo por eu saber que ele ainda é vivo é a pensão que cai na minha conta todo início de mês. Anne é filha de outro homem, que também abandonou minha mãe quando soube da gravidez. - Ele não desviava os olhos de mim. - Você e seu pai foram quebrados pelo mesmo motivo, mas, mais cedo ou mais tarde, vocês vão se entender.
Assenti e o vi fechar os olhos. Era inexplicavelmente triste ouvir aquilo de um garoto como ele, que tinha o coração puro. Eu era devastado pela perda da minha mãe, mas sabia que jamais, em hipótese alguma, ela me abandonaria. E, mesmo ferido pelas palavras do meu pai, tinha certeza de que ele jamais me abandonaria também. Não sabia se suportaria ter meu pai por ai, vivo, e saber que ele não fazia questão da minha existência.
- Vá para casa. - Fê disse e então baixou seus lábios em direção aos meus.
Foi o beijo mais calmo que dei em toda a minha vida. Uma mistura única que fez meu coração bater forte no peito e meus pêlos se arrepiarem. Cada segundo que se passava naqueles toques lentos e fortes, a barba nascente dele arranhando minha pele, me dava vontade de ficar mais e mais tempo ali. Aquele beijo era lento, porém nem um pouco delicado, não havia retenção, medo ou vergonha, mas apenas um beijo entre dois garotos.
Pouco depois, eu estava dando partida no meu carro e voltando para casa. O caminho passou despercebido, porém, franzi o cenho quando finalmente cheguei em casa. A noite havia caído de uma vez por todas, mas todas as luzes apagadas, até mesmo aquelas que nunca ficavam apagadas por causa do sistema de segurança. Sai do carro e tranquei-o, andando lentamente em direção à porta da frente.
Abri a porta, desconfiado, e acendi a luz da sala, esperando por algo ruim, entretanto tudo que encontrei foi o silêncio absoluto. Caminhei até a cozinha, vendo a louça suja na pia e as garrafas de água quase vazias na geladeira, no entanto, o chão estava limpo de qualquer louça quebrada.
A sala também estava arrumada. Nossa televisão quebrada não estava mais ali, a mesa de centro estava de volta em seu local devido e não tinha nenhum resquício de cacos de vidro pelo chão. Quando eu estava prestes a subir as escadas, me deparei com um bilhete preso no corremão com uma fita adesiva:
Filho,
Precisava pensar e viajei.
Tem dinheiro na gaveta direita da minha cômoda e você pode usar seu cartão de crédito quando quiser se ele não for suficiente.
Abraço,
Seu pai.
Onde ele poderia ter ido assim, tão repentinamente? Suspirei pesadamente e amassei o papel entre os dedos, fazendo uma bolinha. Eu tinha esperança de voltar para casa e encontrá-lo ali, mesmo que não dissessemos nada um para o outro, mas, ao invés disso, tinha encontrado uma casa vazia.
Subi para o quarto e joguei-me na cama. Lancei a bolinha de papel em um canto qualquer do quarto e me peguei relembrar de como tive uma tarde maravilhosa com Felipe e Anne. Foi um pensamento bom o suficiente para me fazer sorrir sozinho, ainda mais quando lembrava que aquela menininha tinha tanta energia que eu estava mais exausto do que quando saia de um jogo do time. Meus braços doíam de erguê-la, mas era um dolorido bom.
Meus olhos pesaram, mesmo ainda sendo oito da noite. Eu tinha dormido pouco na noite anterior de qualquer forma - não que eu me arrependesse de alguns milésimo de segundo dela. Na verdade, as poucas horas de sono da noite anterior haviam sido as mais tranquilas que eu tinha em muito tempo. Meu corpo e minha mente estavam exaustos, por isso, quando menos percebi, adormeci.
E sonhei que voava.
Uma pessoa voava ao meu lado, entretanto eu não conseguia ver seu rosto por completo, mas apenas seus olhos.
Eram azuis.
_________
Primeiro, tenho que pedir desculpa pela demora gigantesca. A faculdade está consumindo meu tempo quase todo!
Bem, espero que tenham gostado desse capítulo como eu gosto dele. O próximo é ainda mais "ooowwnnn" e quero postar ele o mais rápido possível.
All the love
Kyv
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