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Bônus - Capítulo 24 (Inédito)


“The nights are long, but the years are short when you’re alive; way back when it would never be again, it was a time, it’s gonna catch you; so glad I met you to walk the line” – Brendan’s Death Song, Red Hot Chili Peppers.

A vida é feita de pequenos momentos – e pequenas pessoas

P.O.V Felipe

O dia estava quente, abafado, porém o sol se escondia por trás das nuvens acinzentadas, aparecendo vez ou outra por alguns segundos para nos presentear com sua graça. Eu usava uma bermuda jeans preta que pertencia a Tody e uma regata leve de cor branca com desenhos em formato de girassóis – um presente espalhafatoso que eu ganhara de Tody anos antes –, mas ainda assim as roupas leves não reduziam o calor.

- Eu vou derreter. – Exclamou Marie Elizabeth, agitando seu leque com veemência.

Eu e ela estávamos sentados em cadeiras de praia sob a sombra do grande pé de ipê, carregado com suas flores em tom amarelo. O gramado diante de nós era vasto, assim como a casa a qual o terreno era jardim – com dois andares e majestosas janelas de vidro que recobriam paredes inteiras e davam luminosidade aos cômodos, a casa de Marie e Scott ainda possuía uma piscina de inverno, um parquinho de crianças e um closet quase tão grande quanto o meu quarto. A pequena mansão fora um investimento pensado a longo prazo, já levando em consideração a família grande que eles seriam.

Era um sábado de verão e os pássaros voavam agitados sobre nós. Enquanto eu e Marie aproveitávamos a sombra sentados, Tody e Scott permaneciam próximos à churrasqueira, ambos munidos de avental e espátulas, conversando e rindo enquanto fiscalizavam as carnes que assavam sobre o fogo – e torravam juntos devido ao calor. Ao mesmo tempo, os pequenos Peter e Elize brincavam de pega-pega no gramado, ambas as crianças gargalhando e provocando uma a outra com gritos e estiradas de língua, na mais pura inocência de suas idades.

- Peter, meu amor, não puxe o cabelo de Elize. – Marie gritou para o filho.

- Elize, venha cá. – Foi minha vez de gritar.

As duas crianças correram em nossa direção e logo um pequeno, quente e suado corpo saltou sobre minhas pernas. Elize tinha a pele cor de café brilhando em tons dourados devido ao sol e ao suor, o cabelo de cachos castanho-escuros solto e espalhado ao redor de seu rosto pequeno e fino como uma juba de leão e os grandes olhos verdes brilhando de felicidade e travessura. Com seus seis anos, nossa filha tinha energia e imaginação infinitas, o que a tornava, normalmente, aquela que comandava as brincadeiras.

- Onde está a fita que prendia seu cabelo? – Perguntei a ela, minhas mãos brincando com seus cachos.

- Eu não sei, papai. – Sorriu para mim com sua janelinha aparecendo, consequência da queda de seu primeiro dente de leite. Era como estar diante de um anjo travesso. – Caiu.

- Isso acontece quando não se tem cuidado com as coisas. – Apertei fracamente a ponta arrebitada de seu nariz e pisquei o olho para ela. – Ainda bem que papai sabe a bruxinha que tem em casa.

Ela gargalhou enquanto eu levava a mão até o bolso da bermuda e tirava de lá uma liga de cabelo, as quais eu sempre guardava aos montes porque sabia que Elize precisaria delas o tempo todo. Levei as mãos até os cachos volumosos dela e os ergui, prendendo-os com cuidado em um monte alto e liberando seu pescoço e rosto do calor. Ela ficava linda e preciosa quando tinha o cabelo volumoso preso daquela forma, ficando graciosamente armado para cima.

- Pronto, bruxinha. Tente não perder de novo. – Falei.

- Pai Felipe, eu estou com fome. – Elize resmungou, arregalando seus grandes olhos verdes para mim e fazendo um bico dramático.

- O almoço sairá logo. Aguente mais um pouquinho, tudo bem?

- Só um pouquinho. – Ela disse com tom autoritário e eu ri baixinho, pois, mesmo sem querer, ela sempre nos comandava. Elize saltou do meu colo e se virou para Peter, que estava quietamente próximo à mãe, gritando:– Você é o pega!

Imediatamente, os dois partiram como foguetes em um jogo de caçada que Elize tinha a tendência a ganhar na maior parte dos casos. Complicações na gravidez de Marie Elizabeth haviam causado o nascimento prematuro do pequeno Peter, com apenas oito meses de gestação, e, por causa disso, ele tinha crescido com alguns problemas de saúde: crises alérgicas frequentes, não conseguia engordar e por isso era muito magro para a sua idade, não resistia como as outras crianças às atividades físicas e ainda tinha a chances de desenvolver problemas cardíacos na vida adulta. Naquele momento, correndo atrás de Elize, ele tinha as bochechas avermelhadas devido ao esforço e empurrava seus óculos de armadura preta constantemente para cima – os quais escorregavam devido ao suor –, porém tinha um sorriso verdadeiro no rosto e isso compensava todas as dificuldades que poderia estar tendo para acompanhar a melhor amiga.

Já para eu e Tody, a luta para adotar Elize tinha durado mais de um ano – contando com o início do processo de adoção, a escolha dela como nosso verdadeiro amor e a concretização de tudo com o pequeno bebê ganhando nossos sobrenomes e indo para casa conosco. Ela tinha apenas dois meses quando a vimos pela primeira vez, pequenina em um berço, e ela imediatamente sorrira para nós, o que fez nossos corações decidirem que ela seria nossa filha. O processo de adoção, que já se desenrolava lentamente durante alguns meses, entrou em uma nova fase: os agentes do serviço social tinham que avaliar se eu e Tody éramos aptos a receber um bebê com pouco tempo de vida e garantir a ele as melhores qualidades de vida. Fora o período de nossos vidas que verdadeiramente sentimos o preconceito esmagar nossos corações a cada “não” que recebíamos, aumentando as chances da pequena Elize ser designada para outra família – uma família que, como gostavam de dizer na época, era “normal”.

Um ano e dois meses depois do primeiro passo para a adoção, quando a pequena Elize já tinha seus oito meses de idade, o processo finalmente fora concluído e ela se tornara oficialmente nossa filha, ganhando os nomes Clavien e Benson em seus documentos de identidade. Nesse mesmo período, Peter tinha apenas seus cinco meses de vida e, quase como uma consequência involuntária de nossa amizade com Scott e Marie, as duas crianças tinham crescido juntas, fazendo com que se tornassem melhores amigos.

- Eles ou elas não param de chutar. – Marie falou, sorrindo para a própria barriga enquanto fazia carinhos sobre ela. Sua fala quebrou minha linha de memórias.

Foquei minha atenção nela e não resisti em levar uma mão até a barriga enorme e fazer um carinho leve ali. Grávida de gêmeos, Marie Elizabeth já tinha passado do oitavo mês de gravidez e estava preparada para fazer o parto cesariana dali a duas semanas, quando finalmente nos seria relevado o sexo dos bebês.

- Pode ser ele e ela, também. – Sugeri.

- Essa é a terceira opção. – Marie usava um óculos escuro que escondia parte de sua expressão, mas era impossível encobrir o sorriso gigantesco que ela carregava. – O sexo dos bebês não importa porque eu já amo eles mais que tudo.

- Uou! – Exclamei ao sentir um forte chute de um dos bebês. – Eles ou elas parecem impacientes para serem livres, essa é a verdade. Com certeza terão o temperamento dos pais.

Em resposta, Marie apenas bateu no meu braço com o leque e fingi dor antes de rirmos juntos do quanto éramos bobos apesar da idade. Nós nos recostamos nas cadeiras de praia e ficamos longos segundos admirando a beleza do céu com nuvens parecidas com algodões doces, raios de sol inesperados, pássaros e o pequeno arco-íris que se formava sobre Elize e Peter, que brincavam com uma mangueira – jogando a água para cima e pulando sob os pingos, ficando ainda mais sujos do que estavam antes. Abri a boca para dizer a Elize e Peter que não entrassem em casa molhados quando Marie Elizabeth sussurrou:

- Vou pedir Scott em casamento depois que os gêmeos nascerem.

- Sério isso? – Minha voz saiu falha, perturbada pela notícia.

- Seríssimo. Ele sempre quis esse clichê todo de casar comigo em um vestido branco e tirar fotos ruins minhas enquanto jogo o buquê, então pensei: por que não? – Ela deu de ombros e sorriu orgulhosamente. – Ele já me pediu em casamento quatro vezes. Está na minha vez de ficar de joelhos.

- Eu acho isso fantástico! – Sussurrei gritando. – E tenha certeza de nos chamar ou gravar esse momento.

- Com toda certeza! Quando nossos bebês estiverem crescidos, quero mostrar a eles ou elas como esse momento aconteceu.

Marie Elizabeth parecia feliz, o grande sorriso despontando sob a sombra dos óculos escuros e eu não podia deixar de sentir o mesmo ao vê-la planejando o futuro daquela forma. Era óbvio que o divórcio dos pais, quando Marie ainda era criança, havia marcado profundamente a forma como ela vira o casamento durante toda a sua adolescência. Enquanto casar e construir era o sonho de muitas meninas quando éramos mais novos, ela detestava a ideia e todo o conceito de “até que a morte os separe” que o casamento traz. Ter Scott ao seu lado durante anos, vivenciando todos os pontos positivos e negativos de um casamento sem realmente estar em um, parecia ter mudado a percepção da minha melhor amiga sobre o assunto.

Nesse momento, Scott e Tody se aproximaram, um com um prato cheio de carnes assadas e cortadas em cubos e o outro com dois copos de suco. Nosso melhor amigo pousou o prato sobre a pequena mesa de plástico perto de nós enquanto Tody dava um dos copos para Marie e se ajoelhava na grama ao meu lado para me dar o outro.

- Vivendo a vida que sempre quis, Príncipe? – Meu marido me perguntou, o tom irônico inundando sua voz.

- Com toda certeza. – Repentinamente, senti a necessidade absurda de tocá-lo, então deixei minha mão livre deslizar até a de Tody e apertei seus dedos, sentindo como a pele estava quente por ter ficado tanto tempo na churrasqueira. – Elize veio cobrar o almoço agora a pouco.

- Nosso filhote parece ter esquecido da fome. – Tody sussurrou, sorrindo abertamente.

Olhamos para a mesma direção. Elize estava sentada sob a sombra de outra árvore alta, o cabelo – solto novamente! – molhado, as roupas cobertas de lama e fiapos de grama e as pequenas mãos ocupadas com um cubo mágico colorido de oito faces. Peter estava ao seu lado, também com um cubo mágico em mãos, e as duas crianças pareciam concentradas em tentar completar o cubo antes da outra. A mangueira com que brincavam antes havia sido desligada, entretanto jazia ao redor deles como um círculo protetor no chão.

- Todas as carnes já foram assadas, então só preciso trazer as comidas da geladeira para cá. – Tody falou, olhando para mim com os poços cor de mel brilhando com tons dourados. – E então almoçaremos, ok?

- Você está tão prestativo hoje, por que será? – Provoquei, apertando seus dedos e brincando com sua aliança.

- Vai jogar na minha cara de novo que lavou a louça do jantar a semana toda sozinho? – Ergueu uma sobrancelha e ri de sua expressão indignadamente irônica. – Apenas fique confortavelmente sentado como está e esqueça esse assunto, tudo bem?

Assenti, rindo, e observei enquanto se levantava e andava até Scott, que havia voltado ao seu trabalho de cortar as carnes assadas e colocá-las em pratos. Virei para Marie e vi que ela havia puxado o óculos de sol para cima, por sobre o cabelo, e mastigava calmamente um cubo de carne enquanto outro estava espetado em seu garfo.

- Deixe eu falar o que quero antes que voltem. Eu preciso de um favor seu, Fê. – Ela sussurrou para mim assim que engoliu. Em resposta, aproximei-me mais para ouvir o que ela queria em voz baixa. – Quero fazer alianças únicas no mundo e pensei que você poderia desenhá-las. Quero que elas representem o que eu e Scott somos um para o outro, sejam nossas para muito além do toque físico de um anel no dedo.

- Tem certeza disso? – Sussurrei em resposta, disfarçando ao perceber o olhar de Tody sobre nós. – Não sou muito bom desenhando joias, talvez fosse melhor procurar um profissional.

- Confio no seu bom gosto. – Ela piscou um dos olhos para mim e levou mais um pedaço de carne para a boca.

Deixei meu corpo afundar na cadeira e bebi um gole demorado de suco. Abri a mão sobre a coxa e vi quando a aliança que eu usava há tanto anos brilhou sob um fiapo breve e mágico de luz solar que conseguia se infiltrar entre as nuvens e os galhos de árvore. Nosso pedido de casamento havia sido peculiar e simultâneo, permitindo que eu e meu marido tivéssemos um número inesperado de quatro alianças ao casarmos. Sem que precisássemos pensar muito no assunto, eu e Tody tínhamos literalmente trocado as alianças: eu usava a que ele comprara para seu pedido enquanto ele usava as que eu havia comprado. Por essa razão, usávamos alianças com estilos diferentes, mas eu gostava do quanto isso nos tornava únicos.

A minha aliança era completamente dourada, de ouro, e tinha um pequeno T talhado na parte de baixo. Simples, com detalhes quadrados. Enquanto isso, a de Tody não era de ouro por completo: eu havia escolhido um modelo com pequenos detalhes em prata que imitavam um singelo fio ao redor da aliança. Ela não possuía um F para combinar com o meu T, porém isso não era realmente necessário. Eu compreendia perfeitamente o que Marie Elizabeth desejava ao me pedir um desenho de aliança único e deles e imediatamente percebi o quanto seria resumir uma vida inteira de amor em uma joia minúscula.

- Eu topo. – Respondo, finalmente, erguendo o rosto para ela.

- Sabia que você não resistiria. – Marie sorriu e segurou minha mão na sua, apertando-a carinhosamente. – Obrigada, Fê. Nossas alianças serão ainda mais especiais por terem sido imaginadas pelo nosso irmão.

Sorri ainda mais e ergui a mão dela até meus lábios, deixando um beijo sobre o dorso. Nesse momento, vi Tody nos chamar para a mesa onde almoçaríamos, Scott mais ao fundo colocando os últimos talheres. Levantei-me com preguiça e estiquei a coluna antes de gritar:

- Elize, bruxinha, venha cá. Vamos almoçar agora. – Nossa menina saltou de onde estava sentada, abandonando o cubo mágico na grama, e correu na minha direção. Fiz careta para a roupa molhada que ela usava e tirei mais uma liga do bolso para prender o volume de cachos e permitir que ela conseguisse comer com mais tranquilidade. – Só estou deixando que almoce assim porque estamos em um dia quente, então não se acostume, mocinha.

- Sim, papai Felipe. – Ela gritou, inquieta. – Depois do almoço, posso tomar banho de piscina? Posso? Posso? Posso?

- Terá que esperar um pouco. Lembra como passou mal quando comeu e foi brincar na piscina da última vez? – Ela bufou e fez um bico, os grandes e belos olhos verdes dela arregalados em minha direção. Toquei a ponta de seu nariz com o dedo e ela seguiu o movimento, ficando temporariamente vesga. – Não adianta olhos pidões, minha bruxinha. Você não entra na piscina assim que almoçar e papai Tody também não vai deixar.

O bico dela aumentou quando previ seu maléfico plano de me desafiar e ir pedir a mesma coisa que havia pedido a mim para Tody. Era uma tática que Elize tinha usado muito para conseguir o que queria, então passamos a ser mais atentos ao que ela pedia para nós. Para tirar a careta de seu rosto, ajoelhei-me no chão e puxei-a para os meus braços, cobrindo as bochechas fofas e pequenas de beijos até que ela gargalhasse abertamente.

- Comer! – Ouvi Peter gritar e soltei Elize do meu abraço, permitindo que as duas crianças corressem animadamente em direção à mesa, a qual ficava na pequena área coberta entre o jardim e a piscina interna da casa.

- .

Virei-me ao ouvir a voz de Marie Elizabeth me chamando e percebi que ela tinha os braços estendidos para cima, um sinal de que pedia ajuda para se levantar. Imediatamente, rodeei o braço em sua cintura, permitindo que ela apoiasse o peso da enorme barriga de grávida em mim e usasse sua própria força para se levantar. Com extremo cuidado, firmei-a de pé, porém a mantive envolvida pelo meu braço.

- Quer que eu te carregue? – Perguntei.

- Não sou uma inválida. – Respondeu, o tom ríspido e irônico se misturando em sua voz.

- Scott te carregou hoje. – Argumentei enquanto dávamos os primeiros passos.

- Para descer as escadas. – Rebateu. – Vocês são protetores demais comigo. Não sou de porcelana.

- Apenas somos cuidadosos, Flor.

Ela bufou e revirou os olhos e eu apenas ri baixinho. Teimosa e independente, Marie não gostava de receber ajuda, entretanto a gravidez de gêmeos impunha que ela fosse tratada como uma rainha 24 horas por dia, coisa esta que a deixava frustrada. Quando se irritava com a superproteção de Scott, ela ligava para Tody e os dois passavam horas fofocando até que ela estivesse mais calma.

- Oh, merda. – Ouvi.

Repentinamente, as unhas vermelhas e grandes de Marie se afundaram brutalmente no meu braço. Virei-me no mesmo instante em que ela parou de andar e me deparei com sua expressão chocada e o olhar para baixo. Segui seu olhar e então percebi o líquido translúcido que recobria suas pernas descobertas, partindo do baixo do vestido.

- Fê. A bolsa. Estourou. – Sussurrou, entre respirações pesadas.

Procurei Scott com o olhar e imediatamente berrei:

- Scott! A bolsa estourou! VAI NASCER!

A primeira contração chegou antes que Scott pudesse chegar até Marie Elizabeth. Segurei-a ao mesmo tempo que ela se curvava para frente e agarrava ferozmente os ombros do namorado, que carregava consigo a expressão mesclada entre desespero e felicidade.

- Tody, o carro! – Ele berrou ao mesmo tempo que se abaixava e trazia Marie para seu colo, erguendo-a do chão com cuidado. – Felipe, a mala no quarto!

Imediatamente, parti para dentro da casa, passando como um furacão pela sala e subindo a escada saltando dois degraus por vez. Invadi o quarto do casal e fui direto para o armário, abrindo-o e puxando para mim a grande mochila guardada ali. Pesada, ela estava com roupas para Marie, os primeiros itens necessários para os bebês recém-nascidos e ainda mais o que fosse preciso para os dias em que ela ficaria hospitalizada após o parto. Coloquei a alça da grande mochila no ombro e parti, deixando até mesmo a porta do guarda-roupas aberta.

Quando cheguei na garagem, Scott estava sentado no banco de trás do carro, ainda usando o avental que vestia antes, e tinha a cabeça de Marie sobre suas coxas enquanto ela ficava parcialmente deitada. Elize e Peter estavam próximos à porta aberta do carro, curiosos sobre o que estava acontecendo, porém assustados a ponto de estarem no mais completo silêncio.

- Eu vou dar banho nas crianças e seguiremos o mais rápido possível para o hospital. – Falei ao mesmo tempo que lançava a mochila nos braços do meu marido.

- Não demore, por favor.

Tody pousou um selinho rápido sobre os meus lábios e então imediatamente sentou no banco do motorista, fechando a porta e dando marcha ré para fora da garagem em ritmo acelerado. Em segundos eles partiam pela rua, deixando apenas um rastro de poeira para trás.

- Tio Felipe, mamãe vai ficar bem? – O pequeno Peter me perguntou, forçando a si mesmo a esconder as lágrimas que se acumulavam em seus olhos.

Ajoelhei-me diante dele e segurei seu rosto entre as mãos, empurrando com o polegar seus óculos que insistiam em escorregar pelo nariz pequeno e afilado.

- Ela vai sim. Logo, logo você terá dois irmãos mais novos, não é incrível?

- Mas eles não estão dentro da barriga da mamãe. – Ele continuou. – Como vão sair de lá?

- Vão abrir a barriga de tia Marie? – Elize complementou a pergunta, os olhinhos arregalados.

- Que tal fazermos um acordo? – Sorri para as duas crianças, imaginando como contaria a elas sobre o que estava acontecendo sem entrar em detalhes que ainda eram muito novos para entender. – Nós vamos para o banho e lá vocês podem me perguntar o que quiserem. Que tal?

- Sim! – Elize respondeu mais forte, animada de poder finalmente dar voz às suas intermináveis perguntas. Em silêncio, Peter apenas assentiu, preocupado.

Peguei o menino no braço e ele se agarrou a mim. Ele era tão leve que não tive problemas em segurá-lo apenas com um braço e estender o outro para Elize, que entrelaçou seus pequenos dedos nos meus. Eu teria que fazer as duas crianças almoçarem e tomarem banho antes de finalmente seguirmos para o hospital.


••••

Pude ver Tody sentado no fim do corredor enquanto me aproximava com as duas crianças, uma presa por cada uma das minhas mãos. Foi preciso quase uma hora para que eu finalmente conseguisse chegar ao hospital, devido ao trânsito, e mais uma trintena de minutos tinham sido necessários anteriormente para banhar as duas crianças e alimentá-las, por isso meu coração se apertou ao perceber que o parto ainda não havia terminado mesmo após todo aquele tempo. O corpo enrijecido de Tody denunciava sua tensão.

- Papai Tody! – Elize gritou, soltando a mão e correndo a diante.

Meu marido tinha a cabeça baixa, apoiada entre as mãos, e vi sua expressão quando ergueu a cabeça ao ouvir a filha. De imediato, abriu os braços e permitiu que Elize saltasse para eles, abraçando-o pelo pescoço.

- Cadê a mamãe e o papai? – Peter sussurrou, ainda segurando firmemente minha mão.

- Lembra quando contei que os médicos fariam uma mágica para os bebês nascerem? – Respondi, olhando-o enquanto nos aproximávamos devagar de Tody. O menino assentiu para mim. – Então, é uma mágica que requer tempo. Seus pais estão com os médicos agora e tudo vai ficar bem.

O corredor terminava com uma fileira de cadeiras que cobriam ambas as paredes e então, logo ao fundo, a grande porta que levava ao centro cirúrgico. O lugar estava calmo, afinal a porta principal para o acesso dos médicos e enfermeiros era outra, isolada do público por questões de segurança. Quando chegamos até ali, Tody e Elize conversavam aos sussurros e ela tinha um pequeno sorriso no rosto, como se ele estivesse lhe contando uma brincadeira. Seus cachos úmidos molhavam a camisa do pai.

- O que me diz de fazer isso? – Meu marido sussurrou.

- Só se você prometer de dedinho. – Ela respondeu, estendendo seu minúsculo dedo.

- Promessa feita, então. – Tody enroscou seu dedo ao dela e então, brincando, levou-o até a boca e fingiu que o morderia. Rindo, Elize escapou do colo do pai, mas não sem antes receber um beijo propositalmente barulhento na bochecha.

- Eca, papai! – Ela resmungou e então correu para perto de Peter, puxando-o pelo braço para longe de mim e levando-o até os bancos, onde se sentaram quietamente lado a lado. – Vem, vem, Pê!

Suspirei e encontrei o olhar de Tody em mim, a cor de seus olhos mais escura que o normal. Como o polvo que sempre fora, estendeu os braços para mim de maneira pidona e revirei os olhos ao parar diante dele. Ainda sentado, envolveu minha cintura com os braços e afundou o rosto contra a minha barriga, inspirando e expirando profundamente seguidas vezes, como se precisasse de mim para se acalmar.

E então, falou baixinho o que eu vinha pensando há tempos, mas não ousava dizer em voz alta:

- Está demorando demais.

- Eu sei. – Enterrei minhas mãos em seu cabelo, deslizando os fios entre os dedos como forma de acalmar a nós dois. – Mas isso não significa realmente que algo ruim está acontecendo. São dois bebês, afinal.

- Estou tão preocupado. – Tody sussurrou, me apertando com mais forças.

Com o rosto contra minha barriga, ele não pôde ver quando assenti e então ergui o rosto para o teto, em uma tentativa frágil de esconder as lágrimas que se formavam. As crianças estavam ali e elas não podiam nos ver quebrar: Marie Elizabeth teve uma segunda gravidez complicada, o que tornava sua situação ainda mais delicada e a colocava em grande risco novamente. Apesar de saber disso, ela havia insistido em ter um segundo filho, algo que Scott também desejava na época, mas que jamais dizia por medo. Ela era sua vida inteira e ele não conseguiria sobreviver se algo de ruim acontecesse.

Uma lágrima teimosa desceu por minha bochecha e pingou sobre o braço de Tody, que ergueu o rosto para me observar. Seus olhos e bochechas estavam avermelhados, o que denunciava que pensava o mesmo que eu, entretanto, ainda buscou uma das minhas mãos e entrelaçou seus dedos nos meus ao mesmo tempo que dizia:

- Todo mundo vai ficar bem. Você sabe muito bem o quanto Marie é forte.

Em silêncio, assenti. Por hábito, passei a brincar com a aliança no dedo de Tody, girando-a e sentindo a temperatura do metal mudar enquanto isso. Foi nesse instante que percebi o quanto desgastado meu marido estava: ainda vestia as mesmas roupas que usava para assar as carnes, tinha saído apenas com um chinelo de dedo e sequer havia comido algo.

- Dy, por que não passa em casa e come alguma coisa? Prometo telefonar se qualquer notícia surgir.

Como se concordasse comigo, seu estômago roncou, no entanto, negou com a cabeça.

- Não preciso. – Tentou abrir um sorriso na minha direção, mas ele saiu pequeno e torto. Massageei sua mão com a minha. – Não conseguiria engolir nada, de qualquer forma.

Apenas assenti, pois também tinha sido difícil para mim comer qualquer coisa, mas me obriguei assim mesmo enquanto esperava as crianças almoçarem. Minha barriga se contorcia de nervosismo e cada segundo parecia uma hora inteira, o tempo se arrastando de forma torturante, fazendo-me olhar até três vezes para o relógio da parede no período de um único minuto. Com as pernas fracas, soltei-me do abraço de Tody e sentei ao seu lado, puxando-o para perto novamente e fazendo com que encostasse a cabeça sobre meu ombro. Sobre o tecido da minha bermuda, nossas mãos se entrelaçaram naturalmente.

Apenas continuamos daquela forma pelo o que pareceram mais algumas horas inteiras: minha respiração havia se igualado a dele, seu cabelo fazia cócegas sobre minha pele e eu ouvia um suspiro de tempos em tempos. O corredor estava silencioso, este sendo interrompido somente pelas vozes distantes de funcionários do hospital e pelos sussurros entre Elize e Peter: sentadas lado a lado na fila de cadeiras do lado oposto do corredor, as duas crianças brincavam de “pedra, papel e tesoura” e cochichavam.

- Nossa bruxinha está tão quieta. – Comentei baixo para que apenas Tody ouvisse. – Nunca vi ela tão quieta em um momento assim.

- Falei que ela era uma menina grande agora e que deveria ficar em silêncio aqui. – Meu marido respondeu, em um sussurro. – E também prometi de dedinho que deixaria ela escolher a sobremesa de amanhã.

Apesar as tensão que nos envolvia, uma gargalhada alta saiu por meus lábios. Não havia nada melhor para convencer Elize a fazer algo do que usar o elemento “comida”, o que explicava o fato de ela estar realmente tão quieta. Ao meu lado, Tody me acompanhou com um riso fraco, que ainda assim faz seu corpo tremer e suas bochechas ganharem uma coloração vermelha extra.

- Isso sempre funciona. – Disse, entre o riso.

- Com você também. – Respondi.

- Ei! – Tody ergueu o rosto do meu pescoço e me observou com seus profundos olhos em tons de caramelo. Eles tinham ganhado parte do brilho de volta, o que me deixava aliviado. – Não sou tão facilmente comprável.

- É sim. Você é esfomeado. – Ri ainda mais e cobri suas bochechas com as mãos, puxando seu rosto mais para perto e continuando em um sussurro: –  Meu esfomeado.

Tody deixou sua testa encostar na minha e suspirou profundamente. Senti quando a pressão de seus dedos nos meus reduziu, sua respiração se tornou mais calma, estável, e seus olhos se fecharam por alguns segundos antes de se reabrirem. Permanecemos daquela forma, olhando-nos, por mais algumas horas – minutos – e então Tody disse com a voz calma:

- Obrigado.

Abri um pequeno sorriso e tracei seu rosto com os polegares: sobre as sobrancelhas, descendo sob os olhos e deslizando pelas bochechas. Sabia que ele estava me agradecendo por acalmá-lo enquanto esperávamos desesperadamente por notícias de Marie, então continuei traçando sua pele em um carinho tranquilo até que Tody fechasse os olhos novamente e suspirasse. Sua expressão se tornou serena e isso fez meu coração bater mais lentamente.

Foi nesse momento que as portas de vidro fosco que levavam às salas de cirurgia se abriram e uma médica passou por ela. Vestia as características roupas verdes, tinha alguns fios escuros de cabelo que escapavam da touca e a máscara pendia sob o queixo, expondo seu rosto cor de café e grandes olhos castanhos. Sua expressão era séria quando disse:

- São os amigos da família White-Turner?

Imediatamente ficamos de pé ao ouvir o nome que nossos amigos haviam adotado, mesmo não sendo casados ainda. Nossa movimentação chamou a atenção das crianças e fez Peter falar baixinho direcionado à médica:

- Cadê a mamãe?

Baixando-se para ficar na altura do menino, a mulher sorriu fracamente e respondeu:

- Sua mãe e suas irmãzinhas estão bem. Logo, logo poderá ver as três, tudo bem?

- Tenho duas irmãs? – Sob o óculos, os olhinhos de Peter brilhavam.

- Sim, querido. Elas nasceram fortes e saudáveis!

Mas o menino havia parado de escutar no “sim”. Virou-se para Elize e então as duas crianças começaram a pular juntas, comemorando enquanto giravam de mãos dadas e falavam alto novamente uma com a outra. A notícia me faz querer sair pulando de felicidade como nossa filha, entretanto, logo senti o peso de Tody sobre mim enquanto me abraçava fortemente e gritava:

- Elas estão bem! Elas estão bem!

- Eu sei! Eu sei! – Gritei em resposta, apertando-o também.

- Sim, mãe e bebês estão bens agora. – Confirmou a médica, aproximando-se de nós. Seu rosto, diferentemente de como havia dado a notícia para Peter, estava sério novamente, as linhas de expressão se destacando sobre a pele negra. Com a voz mais baixa, acrescentou. – Mas a situação foi complicada. A perda de sangue foi considerável, o que causou na Sra. White-Turner uma parada cardiorrespiratória durante o parto e tivemos que reanimá-la. Seu coração parou de bater por um período de tempo curto, então acreditamos que ela não terá nenhuma sequela, mas iremos monitorá-la pelo menos por uma semana.

- E S-Scott? O p-pai? – Ouvi a voz de Tody, quebrada pelas lágrimas, ao meu lado, porém não consegui entender as palavras corretamente. Meu corpo estava imobilizado, meus olhos presos na médica que havia acabado de nos dizer que nossa melhor amiga havia morrido por alguns minutos. Presa à minha, a mão de Tody tremia tanto quanto meu corpo inteiro.

- Devido ao choque, fomos obrigados a sedar Sr. White-Turner para continuarmos com a operação. Ele está agora na ala de internações e deve recobrar a consciência em algumas horas.

As lágrimas, que antes desciam silenciosas pelas minhas bochechas, passaram a me impedir de respirar, formando um intenso bolo na minha garganta e pontos coloridos onde quer que eu olhasse. O choro contagiou por todo meu corpo, incontrolável, e logo estava sacudindo veementemente enquanto me engasgava com as lágrimas e a falta de ar. Repentinamente, os braços de Tody não mais conseguiram me segurar e deixei todo o meu peso cair, afundando em uma cadeira.

Eu não estava mais ali: tinha voltado a ser um adolescente, aquele que causara a morte de seus dois melhores amigos em um acidente de carro. Marie Elizabeth tinha se tornado uma peça fundamental da minha vida, uma irmã com quem eu poderia sempre confiar, independentemente da situação, um girassol gigantesco de alegria e luz. O mundo sem sua presença seria insuportável e tal pensamento fez mais e mais lágrimas bloquearem minha visão. Os pesadelos do passado passaram pela minha mente como um longo e terrível filme de terror.

E então, de todos os sons ao meu redor, um único se sobressaiu, atravessando minha névoa de memórias e me trazendo lentamente para o presente:

- Pai Felipe, pai Tody, por que vocês estão chorando? – A voz de Elize tremia.

E então ergui o rosto. Ali estava ela, minha bruxinha, com seus cabelos recém-secos circulando graciosamente seu pequeno rosto, seus olhos verdes arregalados e suas pequeninas mãos presas uma à minha camisa e a outra à camisa de Tody. Minha filha. Meu marido.

- Marie está bem, meu amor. – O sussurro repetido contra meu ouvido finalmente fez sentido. A voz de Tody chegou até mim, também. – Ela está bem agora, Fê. Vai ficar tudo bem. Ela está bem agora.

Deixei minha mente clarear e sequei o rio de lágrimas das bochechas. Estendi os braços e puxei Elize até que ela estivesse sentada sobre minha coxa, observando-me curiosa e preocupada.

- Papai está bem, meu anjo. É choro de felicidade. – Falei.

- Estamos muito felizes, bebê, e choramos quando isso acontece. – Tody reforçou, sorrindo com os olhos ainda úmidos.

- Nesse momento, não há nada que possam fazer no hospital. – A voz da médica me obrigou a erguer o olhar. Ela ainda estava ali, a máscara sob o queixo e o pequeno Peter ao seu lado. – Tanto o pai quanto a mãe estão sedados e acordarão somente em horas. As duas bebês estão na incubadora, tendo em vista que nasceram três semanas antes do previsto. Vocês deveriam ir para casa, descansarem e retornarem amanhã.

- Só amanhã? – Tody reclamou.

- Infelizmente, nosso horário de visitas já passou então mesmo que retornassem ainda hoje durante a tarde ou a noite, não poderiam visitar a Sra. White-Turner. – Ela explicou. – Além disso, em poucas horas o pai das crianças acordará e poderá passar a noite junto à esposa. Agora, se me dão licença, tenho pacientes para cuidar.

Apenas assenti enquanto via a mulher se afastar e entrar no centro cirúrgico mais uma vez, talvez para se preparar para uma outra cirurgia. E então, éramos só nós quatro novamente naquele corredor: dois adultos chorosos e duas crianças perturbadas. Notei Peter afastado de nós, seus óculos apoiados somente na ponta do nariz afinado, seus olhos voltados para o chão, as sobrancelhas franzidas e as mãos apertadas uma na outra: o menino com certeza tentava entender o que estava vivenciado e deveria estar precisando de atenção ao máximo naquele momento.

- Peter, venha aqui. – Tody chamou, como se tivesse lido minha mente. O menino foi até meu marido, que puxou-o para o colo e empurrou os óculos para que ficassem na posição correta. – Seus pais estão bem, ok?

- E amanhã você verá os dois. – Completei.

Os olhinhos confusos e úmidos de lágrimas acumuladas nos observaram por longos segundos antes de perguntar:

- Mamãe morreu?

Arregalei os olhos, sem acreditar. Era aquilo que Peter estava pensando? Encarei Tody, que também parecia surpreso com a pergunta, entretanto, no instante em que ele ia responder, Elize foi mais rápida:

- Claro que não, bobão. – Ela resmungou, cruzando os braços. – Falei para prestar atenção nos que os adultos falam.

- Você que é uma bobona! – Ele retrucou, estirando a língua para a amiga.

- Eu não, você é! – E nossa bruxinha respondeu mostrando a língua também.

- Nada de brigas! – Meu marido resmungou, tentando ser sério. Sua voz, no entanto, denunciava o alívio que sentia por Elize ter resolvido  questão por nós, de maneira muito mais tranquila do que nós teríamos feito. – Peter, você dormirá na nossa casa hoje, tudo bem? Amanhã logo cedo voltaremos visitar papai, mamãe e suas irmãzinhas.

A situação não era a ideal, nós não estávamos saltando de felicidade com a notícia de que as meninas – e finalmente sabíamos o sexo dos bebês – tinham nascido: mais do que nunca, Marie Elizabeth precisaria ter cuidado com sua saúde. Gostaria de pensar que eu já tinha passado por situação semelhante à de Scott, quando, anos antes, o fogo quase levou Tody à morte, entretanto, mesmo que eu o amasse na época, ainda não tínhamos o que havíamos construído durante longos anos: um amor profundo e incondicional e uma família fundada nele. Esse era o mesmo amor que Scott sentia por Marie e era esse amor que escapara da vida por longos minutos. Era esse amor que Scott quase perdera.

Foi com esse pensamento que nós nos erguemos para irmos embora, eu com Elize no colo e Tody com carregando o pequeno Peter. De imediato, busquei a mão do meu marido e juntei meus dedos aos seus, sentindo a textura tão conhecida de sua pele, o calor dela, as linhas. Perdê-lo me faria perder a vida também.

O silêncio nos rodeou até em casa e agradeci por Tody não soltar minha mão enquanto eu dirigia, permitindo-me de senti-lo ali, vivo, respirando, com o forte coração pulsando. E, quando finalmente chegamos em casa, o sol começava a se pôr e as duas crianças haviam adormecido no banco traseiro.


••••

Foram necessárias horas até que as duas crianças adormecessem novamente. Tínhamos montado a cama extra no quarto de Elize, entretanto, o pequeno Peter estava preocupado demais para dormir sozinho, então as duas crianças acabaram deitando lado a lado na estreita cama da nossa filha, enroladas pelo mesmo edredom. Depois de dar banho em ambas, fazê-las beber leite morno e colocá-las na cama, eu e meu marido ainda tivemos que ler histórias fantásticas até que os olhinhos de Peter e Elize se fechassem. Quando os olhamos pela última vez, tinham jogado o edredom para o chão e dormiam abraçados.

Naquele momento, já se passava da meia-noite e meus olhos ainda estavam abertos. Sabia que Tody também não tinha adormecido, já que sentia sua respiração profunda sob meu rosto e seus dedos traçando os fios do meu cabelo em um vai-e-vem lento e constante. Com a cabeça encostada sobre seu peitoral descoberto, podia ouvir com clareza o som de seu coração e agarrar-me a sua cintura, sentindo a pele quente roçar sob a ponta dos dedos, traçando suas cicatrizes delicadamente.

- Fê? – Um sussurro.

- Oi.

- Não morra e me deixe sozinho.

Ergui a cabeça ligeiramente para poder vê-lo. Sabíamos muito bem que o que falava era imprevisível, que jamais saberíamos como nem quando morreríamos, entretanto, mesmo a lógica não consegue passar por cima dos sentimentos. Eu também não saberia o que fazer da minha vida caso Tody partisse dela.

- Prometo ficar do seu lado por ainda muito, muito tempo. – Falei, abrindo um pequeno sorriso. – Até eu me tornar um velho ranzinza.

- Você já é ranzinza. – Resmungou, os lábios se repuxando para cima.

Mesmo que a barba fechada e bem aparada e as poucas linhas surgindo sob os olhos denunciassem a idade do meu marido, quando sorria daquela forma, feliz e intensamente, parecia muito mais jovem. Ele voltava a ser o Tody que conheci na escola, que conseguira me fazer chorar de rir com nomes de dinossauros, que ganhara meu coração aos poucos e que conseguia demonstrar uma paixão intensa somente com um olhar.

- Quando você vai crescer? – Resmunguei, entrelaçando minhas mãos nas suas, que repousavam sobre minhas costas naquele momento. Era um contorcionismo estranho, mas ter minhas mãos presas às suas era um vício do qual eu não conseguia, nem gostaria, de me ver livre.

- Nunca! Por que eu faria isso? – Piscou um olho e revirei os meus em resposta.

Suspirei e então puxei meu corpo para cima, deslizando até poder afundar meu rosto na curva de seu pescoço e deixar todo o meu ser sobre o de Tody, quase esmagando-o. Meu marido, entretanto, riu baixinho e soltou minhas mãos para rodear minha cintura e me apertar, encostando seu nariz contra meu pescoço e respirando pesadamente ali, o que fez uma onda de arrepios correr por mim. Mesmo depois de tantos anos juntos, ainda era comum adormecermos daquela forma, abraçados como polvos um no outro. Conseguia ouvir sua respiração – e seus roncos –, o bater de seu coração e sentir sua pele e suas cicatrizes.
Éramos entrelaçados um ao outro de maneira inseparável, algo que jamais acreditei que viveria quando era mais jovem. Nos tempos de adolescência, eu acreditava que o amor era o bater rápido de coração, a adrenalina, a mão suada, o nervosismos, porém, conforme os anos se passaram, finalmente entendi que isso era somente paixão e que o amor podia se resumir a algo muito menor, porém mais complexo: o entrelaçar. Vidas entrelaçadas por um sentimento tão intenso que gera a calmaria no coração, a liberdade de ser quem verdadeiramente é, a segurança e confiança incondicional a outra pessoa, a sensação de completude, a entrega irremediável. O amor era entrelaçar.

E então a ideia me veio repentinamente e ergui o rosto do pescoço de Tody para exclamar:

- É isso!

Meu marido franziu o cenho, confuso, enquanto eu saltava da cama e o deixava sozinho, estendido sobre o colchão.

- Isso o quê? – Perguntou. – Fê, o que aconteceu?

- Tive uma ideia de como desenhar as alianças de Marie e Scott! – Meu sorriso era enorme enquanto pegava o meu caderno de folhas de desenho e um lápis B6 que estava jogado sobre a cômoda do quarto.

- As alianças...?

- Sim. Marie pediu que eu desenhasse um par de alianças para eles. – Corri a ponta do lápis sobre o papel, desenhando de forma rápida e desleixada com a intensão apenas de registrar a ideia. – Ela disse que pediria Scott em casamento após o nascimento dos bebês!

- E como não fiquei sabendo disso antes? – Tody resmungou, sentando-se na cama e me observando com as sobrancelhas franzidas.

- Porque... – Parei por um instante, focado nos últimos detalhes do esboço que desenhava. – Porque ela me pediu isso hoje e não tive tempo de comentar, Dy. Aqui, o que acha?

Estendi o papel para Tody, que a segurou com curiosidade. Sobre a folha haviam o rascunho de duas alianças. Os anéis eram formados por cinco fios largos de ouro, que se entrelaçavam na parte de cima, formando, em cada fio, um o desenho de um nó. Os cinco nós, entretanto, não eram alinhados: eram distanciados de maneira a imitar os diferentes comprimentos dos dedos de uma mão.

- Um anel vai ter os nós voltados para a direita e o outro para a esquerda, simbolizando Scott e Marie de mãos dadas. Além disso, quero fazer a distância entre os nós proporcional ao tamanho da mão de cada um deles. – Expliquei, demonstrando no desenho. – Seria como se cada anel representasse uma mão, cada fio um dos dedos e cada nó o entrelaçar entre os dedos do casal, por isso os fios seriam invertidos entre uma aliança e a outra.

Tody analisou os desenhos por mais alguns instantes, em silêncio, e então ergueu seus olhos para mim:

- É incrível!
- Você acha mesmo? Não fica muita palhaçada para uma joia?

- Fê, é claro que não! – Tody puxou minha mão e me obrigou a pousá-la sobre sua bochecha. – Eu acho que você conseguiu entender aqueles dois melhor do que eles mesmos.

Sorri e fechei os olhos, gostando da sensação da pele quente e da barba de Tody sob minha mão. Meu marido segurou minha cintura e me puxou, obrigando-me a sentar na cama ao seu lado e abrir os olhos.

- Precisamos dormir agora, Fê. – Disse, pousando a folha de desenho sobre o criado mudo ao lado da cama. – Tenho certeza que Marie vai amar suas alianças e que Scott vai possivelmente ter um ataque cardíaco quando entender o significado por trás delas, mas agora quero você só pra mim.

Ri quando, manhoso como era, Tody me puxou para deitar ao seu lado e enterrou o rosto contra meu pescoço, respirando profundamente algumas vezes. Apoiei a cabeça no travesseiro e rodeei o corpo de Tody com o braço que, em resposta, colocou sua perna sobre meu quadril e se aninhou ainda mais com o rosto apoiado parte sobre meu ombro, parte sobre o travesseiro. Seu cabelo tocava meu rosto e afundei o nariz entre os fios.

Muito havia acontecido naquele dia. Os sentimentos se misturavam quando fechei os olhos e me permiti relaxar na penumbra do nosso quarto, iluminado somente por uma luz fraca contra a parede – ela sempre estava ali, para nos guiar para fora de nossos pesadelos e de volta para a realidade. Sentia-me feliz, preocupado, ansioso, nervoso e com o coração cheio de amor. Eu e Tody seríamos padrinhos de duas meninas, filhas de nossos melhores amigos.

Nossa família tinha crescido.

O limbo do sono e meu corpo exausto me levavam lentamente embora quando a voz de Tody, tão baixa que quase não pude notá-la, se fez presente:

- Fê?

- Hum.

- Até ser um velhinho ranzinza, não é?

Sem abri os olhos, sorri e pousei um beijo sobre sua cabeça antes de voltar a me encostar nela.

- Até ser um velhinho ranzinza. – Confirmei.

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Sim, estou viva!
Depois de todos esses meses de sumiço, tenho certeza que muitos pensaram isso.

Mas enfim, FINALMENTE esse capítulo bônus saiu.

Muito obrigada pela eterna paciência, dedicação e amor comigo e com meus personagens. Vocês são incríveis!

Teremos mais um capítulo bônus para concluir a história, que será narrado por outro pessoa que não Felipe ou Tody. Quem vocês acham que vai ser, hum? ;)

Todo o meu amor por vocês,
Kyv ❤









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