O Piquenique
Toalhas de mesa, cestas e sorrisos bobos. Carinhas tolas e apaixonadas.
Magno zombava dessas coisas quando caminhava no campo. Vez ou outra ele pegava um casal jovem em sua intimidade, o rapaz beijando a mão da donzela ou a paquerando em voz baixa, sussurros e poemas bonitos, nada tirava-lhe a intenção de quão falsos eram esses gestos.
O homem tinha um toque muito frio e mórbido na sua visão de mundo, e talvez por isso ele tenha demorado tanto para enxergar Rosalyn dentre todas as máscaras feias, contudo, agora que pensava nisso, Magno sentia-se uma criança tola novamente. Apaixonado como se caminhasse nas nuvens, segurando a mão da mulher discretamente e tentando esconder as palmas para que ambos não fossem vítimas de olhares.
Eles ficaram juntinhos durante o novo passeio, caminhando no campo de grama verde e molhada.
Chegava a primavera e as flores floresciam, florescia os lírios, as rosas e as violetas, florescia a vontade da mulher de sair, e lá se iam eles caminhando a céu aberto, apreciando alguns coelhos selvagens e brancos que saltitavam no largo gramado, tal como os cavalos de cavaleiras que passavam por ali.
Surpreendentemente a ideia veio de Magno, que sem razão alguma inspirou-se com a visão do céu azul e claro, inspirou o ar de paz no campo e sugeriu o passeio, ainda na intenção de que faria um quadro rápido da mulher cercada pela vegetação natural e pela flora.
Rosalyn aceitou orgulhosamente, deu-lhe os braços e saíram a caminhar juntos no local com poucas árvores. Eles procuraram o seu lugarzinho. Livre de árvores altas e livre de pessoas que os pudesse encontrar, livre até dos animais, que poderiam vir a incomodá-los. Apenas não livres da natureza e das flores, que seriam suas principais companhias em seu momento de contemplação e conforto.
Eles encontraram esse lugar embaixo da árvore tão sonhada que procuravam. Não queriam andar muito e estavam silenciosos, somente sorrindo para os arredores e um para o outro, até que atingiram aquele ponto de que pouco tinham conhecimento, satisfeitos em não verem mais humanos ou animais ao seu redor, com a visão das flores à pouco alcance com alguns arbustos altos.
Eles encontraram um ninho de pássaros na árvore em que sentaram, mas não os olharam muito, não interagiram, não queriam os assustar e toleraram sua presença no encontro do casal. Rosalyn alegou que a presença deles tornava aquilo mais especial, e Magno, a contragosto, concordou.
Era bonito ter uma família de pássaros tão próxima deles, seria ainda mais belo dedicar o lugar deles em seu quadro no momento em que veio a retirar o seu material para a pintura.
As tintas não eram muito numerosas, ele costumava as mesclar várias vezes para que obtivesse o tom desejado de sua arte. As mesclagens e misturas prosseguiram muitas vezes, ele era rápido com as mãos e habilidoso, de grande facilidade fazia o que via e deixava que Rosalyn pudesse relaxar sobre seu olhar analítico.
Ela sentiu-se magoada, quando os olhos dele pareciam frios e sem emoções enquanto a pincelava no quadro, ele estava profissional, e ela lançou-o pequenas gracinhas para vê-lo sorrir.
Magno riu com as brincadeiras dela, mas não perdeu o foco.
Seu olhar sério voltava, e Rosalyn fazia seu biquinho decepcionado. Ela queria a atenção dele toda de volta.
Embora a olhasse para cada pincelada, Magno não a vislumbrava como mulher ou como amante, mas como uma musa, ou mesmo um objeto de sua inspiração. Ela estaria feliz com isso, se o fato não envolvesse algum tipo de carranca profissional no rosto dele, isso a fazia se sentir como as outras que ele já pintou, não como nova ou única, não como dele.
Então sua carranca veio irritada e ele parou de pintar quase no mesmo momento, a olhando com um pouco de preocupação.
- O que houve, Rosalyn?
Perguntou inclinado, olhando-a naquela expressão preocupada, antes que a mulher o respondesse após cruzar os braços e virar a cara.
- O senhor não está me apreciando direito.
Ouvir sua resposta o fez rir. Ele quase gargalhou pelos motivos da mulher. Seus ombros voltaram a relaxar e ele continuou o quadro com serenidade, um pequeno sorriso de satisfação em seu rosto ao fazê-lo.
- E como não poderia estar a apreciando, se tenho a maior musa desse planeta em minha frente? - Ele perguntou descontraído, sem que esperasse reposta alguma, até que ela o rebateu realmente magoada.
- Se estiver falando de Afrodite, esqueças pois ela não está conosco.
O homem fez uma expressão chocada e perguntou:
- A senhorita está com ciúmes de Afrodite?
- Estou com ciúmes dessa sua cara!
- Qual o problema com meu rosto?
- Seu olhar é frio e duro! Eu gosto quando me olhas com paixão, não com esse profissionalismo e indiferença! - Ela silenciou-se por um momento, mexendo nas unhas enquanto continuava. - É a mesma expressão que tens quando pinta às outras.
Magno quase encolheu após isso.
Ele não estava acreditando no rumo dessa conversa e, principalmente, não conseguia acreditar que a mulher estava genuína com suas palavras e sentimentos. Ela estava aborrecida! Aborrecida porque ele a olhava agora como a todas as outras.
- Mas, querida, eu vejo-a como uma musa nesse momento, não como minha mulher.
- Que diferença faz? Podias me ver como musa e como sua mulher! - Ela bradou, a voz um pouco mais alta, tal como a frustração do homem.
Sua resposta tinha tudo para estar certa e ser um bom argumento para que a convencesse, no entanto, mulheres conseguiam contornar todas as respostas e desculpas, tão bem quanto faria um criminoso ao tentar se inocentar.
Honestamente, ele estava encurralado.
- Perdoe-me, senhora, mas é um costume meu. Essa a primeira vez que a passo para a tela, olho para todas as minhas modelos com os mesmos olhos, com a senhorita também é assim.
Ela franziu a testa.
Resposta errada.
Mas se essa resposta estava errada, qual era a certa?
Como acalmar a fúria de uma mulher em uma situação que ela mesma criou em sua mente, quando você é apenas um homem que não tem familiaridade em sentir-se inferior para com outro. Como compreender essa fragilidade da donzela à sua frente e, principalmente, como acalmá-la e elevar o seu ânimo de volta, para que posasse com o mais belo sorriso que ele já teria visto em toda sua incomum vida?
Era certo, a carranca o deixaria desconfortável. Ele não queria ver sua mulher mau-humorada.
Então soltou os pincéis e foi até ela sentando-se na toalha de mesa em que ela se encontrava, esticando-se ao redor da mulher para estar tão próximo que não haveria maneiras de ignorá-lo.
- Por que a senhorita preocupa-se tanto com algo assim. Sabe que a vejo com olhos muito mais diferentes do que os olhos que uso para ver aos outros. Isso não deveria lhe fazer suficientemente feliz para me entregar o seu sorriso gracioso?
- Justamente, Magno. Eu sinto falta desse olhar agora. Não quero ser uma musa compreende? O senhor não está pintando uma musa. Olhe bem para mim, sou a mulher por quem se apaixonou, aquela que está perdidamente apaixonada por ti, e que agora caminha contigo nesse campo maravilhoso. Quem deveria perguntar sou eu. O que tem de ser feito para que me entregue seu gracioso sorriso?
Magno agradeceu louvadamente pela capacidade humana de falar.
Ele entendeu cada palavra, captou-a com muita atenção, quase não piscando os olhos dentre suas frases
Ele a olhava com compreensão, enfim. Sorrindo um pouco com a declaração.
- Era desse sorriso que eu falava.
A mulher insinuou quando viu o gesto e logo depois o sentiu a rodeando com os braços, trazendo-a para si e confortavelmente se posicionando mais próximo sobre a toalha de mesa.
- Se eu a contasse que seu sorriso também faz falta. Voltarias a sorrir? Minha mulher sem um sorriso enquanto pinto o seu quadro faz parecer que muito falta em minha arte. Me chamarão de amador se virem uma donzela tão bonita sem um largo sorriso de felicidade em minha pintura.
- A donzela de sua pintura, sairá mau-humorada enquanto não der-me motivo suficiente para sorrir.
Com isso ele a beijou, um leve toque e um afastamento breve.
A mulher corou um pouco.
Aborrecida e envergonhada, virando o rosto quando um sorriso traidor ameaçou aparecer.
- Eu ainda estou com raiva.
Mulher complexa.
Ele pensou interiormente.
Ainda não se sentia na intimidade de perguntá-la caso estaria passando por seus dias, porém a hipótese de que a razão de sua irritação fosse por aquilo passou por sua mente brevemente, antes que ele tentasse ignorar quando seu pescoço caiu sobre o colo dela.
Ele a ficou encarando nessa posição, recebendo seu olhar de volta e um sorriso alegre em seus lábios.
A luz do sol brilhava contra os cabelos e a pele da mulher, além de criarem uma aureola ao seu redor que a fazia parecer um anjo.
A visão fora de tirar o fôlego. Como o mais belo quadro feito pela natureza, uma jovem moça bonita e a reflexão perfeita da luz em seu olhar. Como algo de outro mundo, celestial.
Ele não podia explicar.
Mas a apreciava muito mais do que um quadro.
As musas nasceram para posarem para artistas, Rosalyn nasceu para ser admirada por poucos.
Ele se sentia sortudo em ser um desses poucos a conhecer tal beldade e poder estar junto dela naquele momento.
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