Como eu sou?
Um feixe de luz incomodava meus olhos.
O que é isso? Pensei. Já é de manhã?
Forcei o corpo para frente e, com dificuldade, sentei em minha cama. Diante da janela, um rasgo na cortina, meu gato dormindo sobre o tecido logo abaixo e raios de sol alaranjados, da cor da manhã, invadindo o quarto.
Esfreguei os olhos. Só porque queria dormir mais...
Levantei da cama com o pijama amassado e, provavelmente, os cabelos bagunçados feito juba de leão. Ou melhor, era como eu achava estar. Precisava de um espelho...
Segui lentamente até o banheiro do quarto e acendi a luz. Olhei para frente e... Nada. A parede. Onde estava o espelho?
Sacudi a cabeça, lavei o rosto e segui em direção à cozinha, onde encontrei minha mãe de avental preparando algo no fogão.
_ Caiu da cama, é? - perguntou ela.
_ Não. O gato rasgou minha cortina e o sol me acordou. - bocejei, recordando os cobertores quentinhos que havia deixado para trás. - Onde está meu espelho?
Minha mãe riu, mas não me respondeu. Tentei recordar como era meu rosto, mas não lembrava mais. Seria um sonho?
_ Mãe? - chamei. Ela me olhou, enquanto mexia em uma panela. - Como eu sou?
_ Você? - afastou-se do fogão e foi para perto da pia. - É igualzinha a seu pai.
Suspirei, enquanto dava as costas para ela e voltava a meu quarto.
_ Miau? - chamei meu gato, procurando-o por entre minhas coisas. O encontrei afofando meu travesseiro com as garras para aconchegar-se nele. - Como eu sou?
Miau ronronou, virou-se de costas e começou a dormir, ignorando a movimentação que fazia ao arrumar a cama. Dobrei os cobertores, abri as cortinas, troquei de roupa e segui novamente à cozinha para matar a fome. Meu estômago roncava.
Enchi um copo com leite e café fazendo manobras para desviar de mamãe que reclamava baixinho, por conta de minha presença entre as panelas. Papai chegou e também começou a movimentar-se entre nós.
_ Desde cedo com esse almoço? É domingo! Descansa um pouco. - opinou ele, sorrindo.
Mamãe nada respondeu. Continuou concentrada em suas colheres, afastando a mim e papai de perto do fogão, sussurrando: "iguaizinhos! Iguaizinhos!".
_ Pai, - chamei. - como eu sou?
_ Linda, minha filha! A flor mais linda do jardim! - afirmou, beijando-me a testa.
_ Flor? - perguntei. - Até onde sei, sou gente, não flor.
Ele riu e seguiu para a sala.
Revirei os olhos, saindo pela porta da cozinha em direção ao quintal.
Um menino brincava em frente a nosso portão.
_ Ei, menino! - gritei e corri até ele, metendo o rosto por cima do muro e ficando na ponta dos pés. - Como é que eu sou?
_ É feia! - exclamou o garoto e danou a rir, dando as costas para mim, correndo rápido pela rua.
Coloquei o copo de café com leite no chão, escancarei o portão nervosa e corri atrás dele.
_ Fala isso na minha cara! Anda, repete o que disse! - berrava, com lágrimas de raiva nos olhos.
De repente, um cachorro latiu alto e me assustou, fazendo-me cair. Olhei para o lado, limpando as mãos que se sujaram de areia, e vi uma senhora assustada segurando firmemente uma coleira.
_ Você está bem, mocinha? - sua voz era calma.
_ Sim. - respondi, ficando de pé. - A senhora pode me dizer como sou?
_ É muito esperta! Estava correndo mais rápido que o vento! - ela riu, passando a mão em meus cabelos e seguindo pela rua, levando seu cachorro embora.
Balancei a cabeça, insatisfeita. Olhei para frente bem a tempo de ver um homem arrumado seguindo na minha direção. Em um segundo passaria por mim e sumiria pela rua. Mas antes...
_ Moço, moço? - ele parou e me encarou. - Com licença, mas o senhor poderia me dizer como sou?
_ Ahn, como você é? - pensou um pouco. - Bem, é baixinha, tem cabelos lisos, a pele da cor do verão e os olhos cor de casca de árvore.
E, sem falar mais nada, se foi.
Essa gente era estranha... Nenhuma resposta que valesse a pena.
Decidi voltar para casa. Em minha perseguição contra aquele menino, havia me afastado umas três quadras de meu portão.
Caminhando de cabeça baixa, tentando lembrar como eu era, trombei com algo estranho. Olhei para frente e vi uma garota passeando em um triciclo.
_ Desculpe. - ela pediu educadamente, desviando de mim.
_ Ei! - exclamei. - Como é que eu sou?
_ Distraída. - ela riu. - Mas tem a pele da cor da minha boneca. É linda! Ainda que falte uns dentes no sorriso.
Fiz que sim com a cabeça e segui meu caminho, pensando em todas as respostas que me deram.
Entrei por meu portão quase que sem perceber, peguei o copo de café com leite e levei-o para a cozinha ainda cheio.
_ Não estava com fome, filha? - questionou mamãe, observando-me, mas não a respondi. Estava concentrada demais.
Igual a meu pai; a flor mais linda; feia; mais rápida que o vento; da cor do verão; igual a boneca... Mas, afinal, como é que eu sou?
Entrei no quarto irritada e fui para meu banheiro. Agora o espelho estava na parede, meu reflexo olhando de volta para mim.
Observei meu próprio rosto e então, sorrindo, lembrei: sou como eu quiser ser.
Fim!
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