61 | Nós Vamos Morrer!
Ainzart caiu para frente, apoiando-se nas mãos, enquanto sua pele começava a mudar. A textura escamosa que cobria seus braços desapareceu, dando lugar à carne humana, ainda pálida, mas não mais cinza cadavérica como sua forma de demônio.
Suas unhas, antes completamente negras e afiadas como lâminas, voltaram a ser curtas e comuns. Até mesmo suas presas, sempre visíveis quando ele falava ou sorria, se retraíram, deixando apenas dentes humanos, os caninos um pouco mais longos, mas ainda, dentes humanos comuns.
Cada mudança parecia uma tortura, os ossos se quebrando, quase sendo esmagados, sua forma diminuindo, a calça puída que usava, ficando cada vez mais larga no corpo humano que surgia.
Lissandre estava imóvel, em choque, vendo o demônio se tornar humano.
Seus músculos, antes esculpidos pela força demoníaca, diminuíram e quando a transformação terminou, Ainzart se apoiou outra vez contra a parede, ofegante. Seu novo corpo tinha cerca de um metro e noventa, magro, mas ainda assim forte, a respiração se acalmando quando tombou a cabeça pra frente, finalmente ficando inconsciente.
— Isso... o–o quê...? — Lissandre gaguejou, piscando atordoado até ouvir gemidos dolorosos vindo da succubus, o som de seus ossos estalando e se quebrando também o assustou e ao encarar a amiga, viu que ela também perdia seus traços demoníacos.
Seus chifres se encolheram até que desapareceram completamente. As asas se quebraram, até que se esconderam em suas costas, desaparecendo por baixo da carne e lentamente, sua forma demoníaca se desfez. Ela parecia outra pessoa.
Seu corpo estava estendido no chão, imóvel, e agora havia uma mulher humana de beleza impressionante. Sua pele negra reluzia sob a luz fraca da caverna, os cabelos pretos ondulados caindo ao redor de seu rosto inconsciente, seus traços eram delicados e ao mesmo tempo marcantes, talvez ainda mais sedutores do que sua forma succubus.
— Deena? — ele se ajoelhou ao lado dela, tocando levemente seu ombro, mas não houve resposta.
O peito dela subia e descia em respirações agora regulares. Lissandre suspirou aliviado ao ver que ela estava bem, antes de encarar Ainzart, que também parecia tranquilo após o término da transformação e hesitou por um momento antes de se aproximar, observando a forma humana de Ainzart.
Ele parecia menor, mais vulnerável, mas ao mesmo tempo havia algo nele que fazia Lissandre se sentir inquieto. Seus traços eram exóticos e se fosse parecido com Mason, iria sentir asco cada vez que o olhasse.
A curiosidade por fim o venceu e tomando coragem, se aproximou mais, querendo só erguer um pouquinho o rosto do ex-demônio para ter certeza de que ele não se parecia totalmente com aquele filhote de rato imperial, mas Ainzart abriu os olhos erguendo a cabeça de uma vez ao encarar Lissandre, como se estivesse alerta com sua aproximação.
Lissandre deu um passo para trás, o fôlego preso. Os olhos que o encaravam não eram mais vermelhos e brilhantes como sangue, mas eram verdes com nuances douradas, intensos, profundos, quase hipnóticos.
Ainzart se ergueu lentamente, uma mão pressionando a parede para se apoiar, mas parando quando a calça escorregou pelo quadril e a ergueu com incômodo, as sobrancelhas franzindo levemente.
— Isso é... incrível... — Lissandre balbuciou, o encarando fixamente com um misto de curiosidade e fascínio.
A forma humana de Ainzart ainda tinha similaridades com sua forma demônio, o mesmo nariz alto, formato dos lábios e os olhos puxados, além dos cabelos pretos longos embolados, mas sem os traços fortes do demônio, seus traços exóticos ficaram em maior evidência. Lissandre sabia que a primeira Imperatriz Darlene veio do último reino que se tornou parte do Império Dillion, um reino onde as pessoas tinham cabelos pretos (algo muito raro nesse mundo) e olhos escuros, além dos olhos pequenos.
Toda a cultura, roupas e até mesmo o idioma daquele reino eram diferentes, o que atraiu a atenção do Imperador que fez o possível para se casar com a princesa Mei Ying e a renomeou como Darlene antes de tomar aquele reino para si. Sabia que nos últimos anos, qualquer cultura daquele reino estava sendo apagada pelo império, começando pelo idioma que agora, os locais eram proibidos de falar. Tinham de falar a língua do império, os nomes, as roupas, qualquer traço de identidade daquele pequeno reino estava sendo reformulado. Lissandre achava aquilo um absurdo, apagar toda a história de um povo era ultrajante. O Imperador e seu grande ego queriam transformar aquele reino em uma cópia de todos os outros reinos em seu território.
Ainzart havia tirado os traços exóticos da Imperatriz, já que em nada lembrava o Imperador além do quase dourado dos olhos. Seu cabelo preto, liso e um tanto embolado, caía sobre o rosto em mechas molhadas de suor. Mesmo em sua forma suja e desgastada, havia algo nele que exalava uma beleza perigosa.
Lissandre tentou desviar os olhos, mas não conseguiu. Era fascinante, quase irritante, como alguém podia parecer tão impressionante mesmo naquele estado deplorável.
— Vai ficar me encarando o dia todo, coisinha? — Ainzart falou, a voz grave e rouca, como se ainda não se acostumasse a usá-la. Mesmo sua voz parecia diferente de sua voz demoníaca, um barítono baixo e suave que nada tinha a ver com o grave que causava arrepios em quem ouvisse.
— Não estava te encarando! Estava... checando se você estava bem. Não pensei que você fosse... assim...
Ainzart arqueou uma sobrancelha, um gesto que parecia mais zombeteiro do que antes, mesmo com seus traços alterados.
— Agora estamos fodidos. Três humanos nessa tumba demoníaca, quanto tempo acha que sobreviveremos se você e a urubu seguirem ativando as armadilhas? — ele sorriu, os olhos já pequenos e afiados se curvando um pouco e Lissandre corou, sentindo o calor subir pelo rosto.
— Por que vocês dois... se transformaram? — Lissandre cruzou os braços, tentando ignorar o quão diferente Ainzart parecia em sua nova forma e não dando a mínima para sua alfinetada
Ainzart tornou a se levantar com dificuldade, ainda se apoiando em uma parede e segurando a calça para não acabar completamente pelado. Ele parecia menor, mas não menos imponente. Seus olhos verdes–dourados brilharam ao encarar Lissandre novamente.
— Essa caverna... ela mexe com a essência demoníaca. Deve ser algum tipo de defesa contra intrusos como nós, afinal, no inferno só há demônios. Se um invadir sua tumba, fazer ele deixar de ser demônio o tornaria um alvo ambulante para outros demônios ou mesmo uma presa fácil nesse lugar. — ele espremeu os lábios por um instante, pensando que teria sido melhor ter deixado aqueles dois em alguma caverna, assim ele não estaria outra vez naquela forma humana desprezível. — Não acredito que fui atingido por essa armadilha estúpida de novo… — murmurou mais pra si mesmo do que pra alguém em específico.
Lissandre o ignorou, olhando para Deena novamente. A mulher no chão parecia tão indefesa que era difícil associá–la à succubus pentelha que os perturbava até alguns minutos atrás.
— E ela? Vai ficar assim pra sempre?
— O veneno só suprime o núcleo demoníaco. Há um antídoto. — Ainzart deu de ombros, um gesto que, com sua nova forma, parecia quase humano demais.
Lissandre não sabia se acreditava nisso, encarando Ainzart, o imperador tinha um dom para fazer filho bonito. Ou melhor, a mãe de Ainzart, Mei Ying, era uma beldade sem tamanho, já que Ainzart em nada lembrava o Imperador, diferente de Mason que era uma cópia exata do velho homem. Ele percebeu que estava encarando de novo e virou–se rapidamente, fingindo verificar Deena, antes de olhar para o chão, onde algumas penas negras ainda estavam espalhadas, um lembrete da forma que Ainzart havia perdido, até ouvir o demôn– o humano Ainzart xingar algo, estalando a língua.
Erguendo o olhar, o viu tentando amarrar com impaciência aquela calça que caía em sua cintura. Mesmo que sua forma humana não fosse esquelética e fosse até... bem proporcionada –cof cof–, ele ainda era infinitamente mais magro e menor que sua versão demoníaca, que beirava os dois metros e cinquenta. Se antes ele só tinha uma calça velha pra usar, agora aquela calça puída parecia um enorme pano de chão que arrastava pelo chão e ele ainda tentava usá–la como se não fizesse diferença alguma.
— Eu... tenho algumas roupas aqui... — Lissandre murmurou, suas orelhas lentamente ficando vermelhas ao lembrar de algumas roupas maiores que havia comprado antes para "forjar" a identidade de seu sequestrador. Talvez servissem em Ainzart agora, além da succubus cujo as roupas estavam largas. Ela também precisaria de algumas roupas menores.
Sem esperar uma resposta do demônio, ele tirou uma calça, uma camisa e alguns pares de sapatos para ver qual serviria no demônio. Mesmo humano, ele ainda era muito maior que Lissandre, quase vinte centímetros de diferença. O demônio não gostava de usar roupas, mas ainda vestiu as que Lissandre estendia. A camisa ficou um pouco apertada, mas a calça felizmente serviu, não caindo pela cintura e mostrando suas vergonhas era suficiente. Quanto ao sapato, quase nenhum serviu, seus pés eram grandes, até achar um par de botas que iam até as canelas. Ele tentou amarrar o cadarço, perdendo a paciência já que cada vez que dava uma volta ou um nó, parecia errado.
Lissandre que havia se virado pra ele se trocar, o ouvindo xingando, estalando a língua e bufando frustrado e ao espiar, viu o poderoso e arrogante ex–demônio lutando – e perdendo – uma batalha contra os cadarços e, fingindo que ia trocar de sapatos, colocou um e o amarrou devagar. O demônio, como quem também não queria nada, espiou e o imitou, sorrindo satisfeito por conseguir amarrar os sapatos. Quando estava devidamente vestido, o príncipe amarrou o cabelo com impaciência e, erguendo Deena ainda inconsciente, a jogou no ombro.
— Ainda dá pra seguir em frente? — Lissandre murmurou, o seguindo de perto. — Quer dizer...
— Acha que estou fraco agora, humano? — Ainzart zombou e Lissandre espremeu os lábios, sem responder. — Sim, estou. Nessa forma humana, não tem muito o que eu possa fazer. — ele tentou usar as sombras e até mesmo as estacas de gelo, mas sentia uma dor aguda atravessar o peito, seu poder bloqueado. — Não posso usar magia.
— ... Nós vamos morrer... — Lissandre choramingou após um tempo e Ainzart, que esteve de mal humor nos últimos dias, esboçou um leve sorriso, ajeitando Deena em seu ombro enquanto via Lissandre arrastar os pés, os ombros caídos e a cabeça baixa enquanto fingia chorar.
— Se me seguir sem tocar, pisar ou cutucar qualquer coisa que parecer interessante, vamos chegar rápido. — ele até parecia confortar ao invés de ordenar ou arrogantemente desdenhar e Lissandre acenou, ainda não muito otimista e ao erguer o olhar, se deparou com o olhar intenso do demônio sobre si, sentindo o corpo se aquecer, acenando e inconscientemente, se aproximando mais do ex–demônio.
Pisando onde ele pisava e evitando de tocar onde ele evitava, Lissandre sentiu que o caminho era realmente mais fácil do que parecia.
Continua...
A Autora tem algo à dizer:
E FINALMENTE aqui vos trago a razão da minha insônia, tamanha ansiedade pra apresentar á vocês a versão humana dos meus capetinhas irritantes:
Ainzart
Se repararem bem, esse home felizmente não tem nada do imperador, mesmo a cor dos olhos, verdes, tudo graças á mãe biruleibe dele kkk os "traços exóticos" que mencionam é claramente a aparência asiática dele, os olhos puxados, o formato do rosto e os cabelos pretos, algo raro em humanos por aqui. Lis aprova muito essa aparência. Mas imaginem ele imundo todo pôdi, anêmico, capenga, xoxo, descompensado, é exatamente assim que ele está até tomar um banho
~(^з^)~
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