60 | Por Dentro da Tumba
Enquanto avançavam, tanto Deena quanto Lissandre não conseguiam ignorar a sensação de estarem sendo vigiados. Isso não impediu os dois de pararem cada vez que achavam algo interessante no longo corredor que seguiam.
Enquanto avançavam, tochas cravadas pelas paredes se acendiam, mas mal iluminavam o caminho à frente. Às vezes, abria dois caminhos, levando em direções diferentes e Ainzart, que já sabia para onde seguir, virava à esquerda ou direita sem hesitar.
— Quem será que morreu pra ter uma tumba tão grande quanto essa, hein? — Deena murmurou, planando ao lado de Lissandre.
— Não sei, mas era alguém com muito mau gosto. — o ômega sussurrou de volta, a succubus acenando tentando conter o riso.
O local era recheado de ornamentos curiosos e detalhes esculpidos, o que tornava difícil ignorar tudo ao redor.
Lissandre, distraído com um padrão brilhante no chão, deu um passo em falso e o som de engrenagens sendo ativadas ecoou pela caverna. De um instante pro outro, o chão sob seus pés cedeu e ele soltou um grito, afundando de repente. Deena o segurou no susto, quase sendo puxada junto e ambos planaram a centímetros de espinhos de metal que preenchiam o chão do buraco em que Lissandre quase havia caído.
— Quem vai fazer seu túmulo se já concordamos que sou eu quem vai morrer aqui? — Deena provocou. — Olha por onde anda, meu bem.
— Eu só pisei no chão. — Lissandre se defendeu, ofegante, ainda se agarrando à succubus que bateu as asas, subindo lentamente até deixá–lo no chão do corredor outra vez, ambos olhando para o buraco com expressões iguais de espanto. — Essa foi por pouco...
— Deveria me chamar de salvadora agora, Lis.
— Vou pensar no seu caso quando eu estiver à beira da... — o som de outra parede se quebrando fez os dois perceberem que o demônio nem parou para olhá–los, quebrando outra parede para avançar, alheio ao risco de vida e morte que ambos acabaram de passar. — Ei! Está ficando mais insensível a cada dia, Bel!
— É, Bel! Não nos ama mais? — Deena seguiu logo atrás, ambos grasnando como gansos furiosos, tentando arrancar alguma reação de Ainzart com suas acusações de esposas abandonadas, mas Ainzart só os olhou por cima do ombro por um instante, mas não respondeu outra vez.
Sua mente fervilhava, repetindo as memórias das outras vidas como um loop infinito, o perturbando o tempo todo. Às vezes parecia seguir o mesmo caminho de sua vida anterior, vozes e cenas desconexas se sobrepunham e ele não tinha certeza de estar alucinando ou não, então tentava se manter focado no que devia fazer e não se perder nas memórias que ficavam perturbando sua mente.
Mais adiante, Deena tocou em uma alavanca oculta, e facas surgiram das paredes, disparando na direção deles. Ainzart estendeu suas asas, bloqueando os projéteis antes de agarrar a succubus pela cintura e tirá-la do caminho.
Pelo caminho, Deena e Lissandre ativaram sem querer algumas armadilhas, uma liberando gás mortal, outra soltando uma maré de insetos carnívoros que até ferro tentaram comer.
— Vocês dois não conseguem dar três passos sem tentar nos matar? — Ainzart rosnou, irritado.
— Finalmente lembrou que nós estamos aqui! — Deena comemorou.
— Só precisamos quase morrer umas vinte vezes. — Lissandre riu e a succubus gargalhou concordando, pra frustração do demônio.
Ainzart nem percebeu quando se tornaram tão próximos, agora eles se uniam pra soltar piadinhas aqui e ali e isso era mais irritante do que quando se alfinetavam.
Quando pensaram que as coisas não poderiam piorar, sons arrastados e grunhidos ecoaram pelo final do corredor. Quando os três olharam, viram figuras sombrias se arrastando lentamente em suas direções e Lissandre congelou ao ver figuras em decomposição emergirem das sombras: zumbis.
— Isso é sério?! — Deena bufou, conjurando um feitiço de fogo, queimando algumas das criaturas.
Ainzart, que já estava sem paciência, ergueu as sombras engolindo todos os zumbis que surgiam de uma única vez, os esmagando e destroçando. Quando a ameaça foi neutralizada, ele se virou para os dois, visivelmente exausto e irritado.
— Vocês são um peso morto! Parem de ativar armadilhas por aí! — ele disparou, apontando para ambos.
— Quem você está chamando de peso morto, seu pavão de asas pretas? — Deena cruzou os braços, ofendida. — Nós só estamos te seguindo, é sua culpa por nem avisar das armadilhas.
Lissandre, por sua vez, corou de vergonha. Ele sabia que Ainzart estava certo, mas ouvir isso dito em voz alta era humilhante.
— Estamos numa tumba, o mínimo que o cérebro deplorável de vocês deveria considerar é que há armadilhas para todos os lados! Não toque em alavancas, nem em nada que brilha, fiquem longe das paredes e se verem um piso elevado, não pisem. É difícil? — Ainzart rebateu e Deena ficou ainda mais ofendida.
— Não é como se desse pra ver todas essas armadilhas como você diz! — Deena gritou, avançando pelo corredor ignorando quando Ainzart mandou ela parar e, sem perceber, ela ativou mais uma armadilha.
Um som agudo cortou o ar, e flechas dispararam do teto e de ambos os lados do corredor, Ainzart só teve tempo de fechar as asas ao redor de Lissandre, que estava mais perto, uma barreira de gelo se ergueu em volta de Deena, que gritava e praguejava. Ela havia sido atingida por algumas flechas.
As flechas ricochetearam nas penas negras de Ainzart, mas uma passou pela defesa e acertou em sua coxa. O demônio bufou, sentindo a perna ficar dormente no mesmo instante.
Quando as flechas pararam de surgir, Lissandre ficou parado, horrorizado ao ver Ainzart arrancar a flecha da perna, o sangue jorrando como uma fonte.
Deena, que havia caído no chão enquanto eram alvejados estava com dificuldade de mover as asas e Ainzart, que havia se ajoelhado, usando a mão para conter o sangramento na coxa e Lissandre ficou sem saber quem socorrer: quem os mantinha vivos na tumba ou a succubus que arrancava uma flecha do braço, tendo outras três numa perna e outras duas nas costas.
Ainzart lançou um olhar que misturava frustração e exaustão para Deena.
— Pelo menos se ferrou mais que eu, sua urubu. — ele debochou, num estranho tom de contentamento, mas Deena nem conseguiu retrucar, arrancando as flechas das costas, sentindo o corpo ficando dormente.
— Ai, acho que vou morrer mesmo. Foi um horror trabalhar com vocês, espero não ver vocês no inferno. — ela começou a se despedir num tom cansado e Ainzart arqueou uma sobrancelha.
— Se for morrer, morre calada pelo menos. — o demônio resmungou, se levantando e mancando na direção dela.
— Acaba logo comigo então, não consigo calar a boca. — a succubus sorriu fraco, mas Ainzart a ignorou, a erguendo com uma mão e a jogando no ombro.
Ele pensou que poderiam evitar aquelas armadilhas estúpidas, mas a estúpida succubus e o estúpido humano fizeram questão de ativar todas as que surgiam. Mesmo sem precisar avisar, quando se vê uma alavanca, você não toca nela. Se surge um piso elevado, um símbolo brilhante numa parede, geralmente você não toca, não pisa, não puxa. Mas a lógica parecia ter fugido daqueles dois idiotas, que fizeram tudo o que não podiam fazer, quase como se testassem sua paciência de propósito.
Eles foram obrigados a parar naquele corredor, Ainzart tão irritado que uma veia saltava em sua têmpora e parecia se controlar muito pra não xingar aqueles dois bocós.
Ele se sentou com a perna estendida enquanto Deena, paralisada, começava a perder a consciência. O veneno parecia ter efeito mais rápido nela, que foi atingida por várias flechas.
Lissandre se sentia envergonhado, era o único sem um único arranhão, mas ainda nem sabia o que podia fazer pra ajudar.
— Se eu ao menos pudesse usar alguma magia... — Lissandre murmurou, vendo o demônio ranger os dentes, os olhos fechando–se como se sentisse muita dor. — Se vocês morrerem, vou morrer junto, não é como se soubesse sair daqui, né? Anda, faça uma força e...
— Isso não vai nos matar. — o demônio o interrompeu e Lissandre piscou confuso, vendo Ainzart soltar um bufar cansado.
O demônio já podia sentir sua força sendo suprimida. Infelizmente, havia sido atingido por aquelas flechas antes, muitas delas o ferindo e paralisando. Dessa vez havia sido apenas uma, mas o efeito deveria ser o mesmo.
— Então Deena... — Lissandre olhou para a succubus, inconsciente e ela grunhiu suavemente, mostrando que ainda estava parcialmente consciente. — Ela...
— Não vai morrer também, só está fazendo drama. — Ainzart apoiou as costas contra as paredes, podia sentir sua consciência oscilando, aquela sensação dormente do veneno se espalhando pelo tórax, ombros, braços, como ondas ocupando cada membro do corpo.
— Drama teu cu! — Deena resmungou enquanto seu último resquício de consciência se esvaia.
Apesar da situação, Lissandre não pôde deixar de soltar uma risada nervosa, tentando ajeitar a succubus no chão, aliviado por saber que eles não morreriam, até ver Ainzart se curvar e as asas grandes do demônio começaram a trincar. O som era semelhante ao de ossos quebrando, um estalo agonizante que ecoou pelo espaço. Lissandre arregalou os olhos horrorizados enquanto as penas negras caíam, uma a uma, até que as asas começaram a encolher e se dobrar de maneira antinatural.
— Ainz! — Lissandre exclamou, dando um passo à frente, mas o demônio sinalizou para que ele recuasse, enquanto recolhia as asas em suas costas com um gemido abafado de dor, se inclinando mais enquanto segurava os lados da cabeça.
Seus chifres, longos e retorcidos, começaram a se contorcer. O som era grotesco, como madeira seca sendo forçada a mudar de forma. Lentamente, os chifres foram sendo puxados para dentro de seu crânio, desaparecendo completamente, o núcleo de energia caótica no centro do corpo de Ainzart parecia pulsar em seu peito, sua força demoníaca sendo suprimida, e o que antes era uma fonte de energia demoníaca caótica que ele forçou a se expandir consumindo núcleos de maana de bestas nas últimas semanas, estava sendo esmagada, sufocada por aquele veneno.
Sua forma demoníaca estava se desfazendo.
Continua...
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