59 | Resultados Fracassados
Lissandre e Deena se encararam em silêncio, o ômega processando o fato de já ter perdido um ano em seu mundo enquanto Deena parecia conter uma risada.
— Como assim há uma diferença de tempo entre o submundo e o mundo mortal? — ele questionou, a voz carregada de ceticismo. — Por que ninguém me disse isso?!
Deena sorriu mais, estreitando os olhos.
— Você realmente acredita em tudo o que eu digo, não é? — e explodiu numa gargalhada que foi subindo de tom como um silvo. — Eu só estava brincando, meu amor! Claro que o tempo é diferente aqui, mas não é tão extremo quanto eu disse... apenas cinco por um. Um dia aqui são cinco dias lá, deve ter passado algumas semanas, mas não um ano todo. Quer dizer, eu acho. Quanto tempo estava aqui antes de me convidarem pra equipe?
— Não importa e que eu me lembre, ninguém te convidou! — Lissandre bufou, ignorando a succubus que fez uma careta pra ele. — Se faz trezentos e cinquenta anos no submundo, deve ter sido na época em que o império Arbock começou a se formar, uns mil e quinhentos anos atrás os demi–humanos e homens-bestas começaram a se unificar para formar a própria nação... — Lissandre começou a pensar em voz alta, franzindo o cenho. — Mas também há demi–humanos no Império Elisir, os elfos, vampiros e até as ninfas, nesses reinos há tribos de demi–humanos... argh... você deu uma direção, mas a direção é praticamente o continente todo... — reclamou por fim e Deena encolheu os ombros.
— Pelo menos tem uma pista. Basta irmos ao mundo mortal, posso me lembrar melhor se estiver por lá. Aqui, minha memória está meio confusa, se já faz mais de mil anos desde que fui invocada pra fora daqui... lembro de que havia um templo onde veneravam um... "viajante" ou algo do tipo, e que aqueles homens-bestas pareciam fiéis fanáticos...
Lissandre estreitou os olhos, ainda desconfiado, mas não podia negar que a informação dela, embora vaga, era a única pista que tinham. Ele abriu a boca para responder, mas foi interrompido por uma visão inquietante: Ainzart estava desaparecendo no horizonte.
— Espera... onde ele está indo? — Lissandre apontou pro demônio, franzindo o cenho e Deena olhou pro ponto negro que já desaparecia ao longe.
— Ele só foi embora?! Só paramos por uns minutinhos! Não está no código de ética de equipes que quando dois param para discutir algo, todo o grupo tem que parar? Onde ele enfiou o senso de equipe dele?
Houve um momento de silêncio enquanto ambos absorviam a situação. Então Lissandre explodiu.
— Deve ter enfiado lá onde o sol não bate, esse desalmado! Ele nos abandonou! — Lissandre exclamou, encarando Deena. — Aquele desgraçado nem esperou!
— Que cruel, Belzinho não nos tem em mente quando entra no modo marrentinho. — Deena fez bico, cruzando os braços.
— Ele é um desumano! — Lissandre bufou, começando a andar na direção em que Ainzart havia seguido e Deena gargalhou, concordando. — Literalmente desumano!
— Bem, se você não quer ser deixado para trás, é melhor correr. — ela sorriu, batendo as asas e avançando mais rápido que Lissandre, que teve de correr para alcançar os dois, guardando todas as ofensas que conhecia (e que finalmente havia recebido alguns palavrões graças à generosa contribuição de Ainzart e Deena) para quando não estivesse correndo e engolindo poeira.
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Na enfermaria da academia de pesquisas, Mirabel estava debruçada sobre uma bancada cheia de frascos e ervas.
Já fazia semanas que investigava aquela doença, sua expressão estava marcada pela exaustão, mas seus olhos estavam claros e focados no que fazia. Ela finalmente havia encontrado uma direção em suas pesquisas: um conjunto de ervas raras que, combinadas, poderiam ser a base para uma cura.
Sua magia era ineficaz nos pacientes, então tinha de fabricar uma poção do zero, tendo de testar e ajustar a dose de cada ingrediente e medir quanto de sua magia de cura usaria para fabricar as poções.
O único ponto positivo era que, com as contramedidas planejadas por Mason quando chegaram, haviam conseguido controlar a propagação da praga, centralizando-a em Anaê. Não havia casos relatados em outras regiões e todas as aldeias e vilas próximas estavam em quarentena extrema desde que chegaram, o que teve uma diminuição significativa no contágio.
Ela havia trabalhado muito para extrair e combinar os compostos, mas os primeiros testes foram decepcionantes. O líquido dourado que havia fabricado não teve efeito algum nos pacientes contaminados pela peste.
— Por que não funciona? — ela sussurrou para si mesma, analisando suas anotações.
Mason entrou no laboratório, trazendo consigo uma bandeja com chá e pequenos pãezinhos recheados, além de biscoitos amanteigados com forma de flores que sabia que a noiva gostava. Um segundo atrás, encontrou Devon no corredor planejando entregar os lanches para Mirabel, mas ele, como noivo, achou mais apropriado ele mesmo servi–la e conversarem um pouco, então tomou a tarefa para si e pediu que Devon fosse ajudar Damian com alguns relatórios a respeito de alguns suprimentos que foram roubados na estrada dois dias atrás.
Ele olhou para Mirabel com preocupação, deixando a bandeja em uma outra mesa e se aproximou, tocando–a nos ombros, massageando levemente.
— Você precisa descansar, Mira. Já fez mais do que qualquer um poderia. Além disso, já faz três noites que não dorme e...
— Estou certa de que posso ajustar essa poção, talvez só me falte um ingrediente ou quem sabe, tirando algum e aumentando a dose de outro… — ela murmurou, virando–se para ele. — Pessoas estão morrendo, e eu não consigo encontrar a resposta. Não posso só… descansar quando nem uma cura eu consigo fazer direito. — suspirou, abatida. — Talvez... talvez eu não seja tão boa quanto achava, essa peste...
Mason segurou o rosto dela com ambas as mãos, a interrompendo.
— Não diga isso, Mira. Você é a pessoa mais brilhante que conheço. Sei que essa investigação está sendo difícil, mas você não está sozinha. Pode contar comigo e os rapazes. Todos estamos aqui para apoiar você. — ele sussurrou, deslizando uma mão pelo braço dela até tocar sua mão, a erguendo e depositando um beijo suave em seus dedos. — Sei que pode encontrar uma cura, mas se não descansar um pouco, ficar ao menos um dia longe dessa investigação, irá apenas se sobrecarregar.
Mirabel abaixou a cabeça, lutando contra a dúvida e a frustração que ameaçavam dominá–la.
— Eu não sei se eu consigo achar uma resposta, as… amostras que trouxeram do solo e da água das aldeias próximas foram inconclusivas... — ela murmurou com cansaço, apoiando a testa no ombro do príncipe, que a amparou e abraçou, ajeitando seu cabelo com carinho.
— Confie em você. Raon Lumine confiou a você um poder maravilhoso, meu amor. Se você confia nele, que confia em você, não deveria ter mais autoconfiança? Ou está dizendo que ele está errado por confiar em você? — ele brincou, fazendo Mirabel rir baixo, negando. — Raon confia em você, Mira. O povo, Lena, Damian, Devon e eu. Todos nós confiamos. Sabemos que é mais do que capaz de encontrar uma cura, mas... — ele a fez recuar um pouco, segurando seu rosto e depositando um beijo casto em sua testa. — Por favor, descanse um pouco. Não encontrará cura nenhuma se sucumbir ao cansaço, hum? — seu tom suave era tudo o que ela precisava ouvir naquele momento e, mesmo que quisesse continuar insistindo na investigação, ela acenou devagar, pro alívio de Mason por finalmente tê-la convencido a descansar.
Depois de lancharem, deixaram o laboratório. Na mansão, ela tomou um banho longo (o primeiro em muitos dias depois de se trancar no laboratório) e desabou na cama, tentando não pensar na investigação, na cura, nos pacientes e todo o fardo enorme que sentia ser demais para carregar.
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A caminhada pelo deserto parecia interminável, mas finalmente, após dias de viagem, eles chegaram ao local que Ainzart lembrava ser a entrada para o túmulo onde sua espada estava enterrada.
Lissandre olhava para a fenda escura entre duas formações rochosas, os pés parados na areia quente.
— É isso? — ele perguntou, arqueando uma sobrancelha. — Eu não vou não.
Ainzart, já em seu habitual mau humor introspectivo, não se deu ao trabalho de responder. Apenas avançou em direção à entrada, afastando uma rocha e a jogando de lado.
— Hoje está pior do que o de costume, já faz dias que não temos nosso capetinha irritante, já sinto até falta. — Deena sussurrou e Lissandre bufou em concordância.
— Parece que quanto mais poderoso ele é, mais chato ele fica. — Lissandre sussurrou de volta e Deena abafou uma risadinha.
Nos últimos dias, Ainzart não parou de derrubar bestas, devorando seus núcleos de maana assim que as matava. Deena havia explicado para Lissandre que era assim que demônios se fortaleciam, diferente dos humanos que tinham de treinar e praticar magias, os demônios tinham de devorar ou núcleos de maana ou almas e como as almas estavam fora de questão já que primeiro tinha de ter um pacto envolvido, os núcleos de maana eram o meio mais rápido e eficaz de se fortalecer. Exceto, é claro, o alto risco de explodir por não suportar tanto poder no corpo, mas essa informação ela deixou de fora já que Lissandre era um medroso e ficaria olhando para Ainzart como se ele fosse uma bomba ambulante.
— Bem, pelo menos concordamos nisso. — Deena sorriu, cruzando os braços ao pousar no chão. — Vamos torcer para que ele recupere logo essa maldita espada e volte ao normal.
— Antes ele provocando e sendo um pirralho pirracento do que sendo essa pedra mal humorada com pernas.
Os dois trocaram um olhar cúmplice antes de seguirem Ainzart, que já tinha desaparecido dentro da fenda.
O ar dentro da fenda era úmido e fresco, um alívio do calor escaldante do deserto pulsante. A passagem estreita logo se abriu em um corredor mais amplo, iluminado por cristais brilhantes nas paredes. Lissandre olhou ao redor com cuidado, sentindo desconforto com o silêncio pesado que os envolvia.
Ainzart liderava o caminho sem dizer uma palavra, seus passos ecoando pelas paredes de pedra. Sua postura era tensa, o olhar fixo no caminho à frente, como se estivesse determinado a ignorar qualquer comentário ou distração.
— Ele sequer olha para trás para ver se estamos seguindo. — Lissandre murmurou para Deena, que caminhava ao seu lado.
— Se dermos um perdido nele, duvido que note nosso sumiço. — Deena acenou exasperado. — Demônio arrogante, quero ver o que seria dele sem nós dois aqui.
Ultimamente, os dois haviam entrado em uma trégua das provocações por uma causa em comum: reclamar de Ainzart.
Lissandre suspirou, mas não pôde deixar de sorrir ligeiramente. Apesar de toda a tensão inicial, a atual proximidade com Deena começava a se tornar mais natural. Pela primeira vez, ele sentia que tinha alguém ao seu lado que entendia sua frustração com o demônio.
A fenda finalmente se abriu em uma ampla câmara subterrânea. Com um forte cheiro de sangue e musgos, aparentemente sem saída.
— Jura que é só isso? — Deena quem falou dessa vez, olhando ao redor. — Não tem saída, cadê a poderosa espada do poderoso demônio?
Ainzart não respondeu. Ele apenas passou a mão pela parede, como se confirmasse algo, antes de erguer o punho e golpeá-la com força. A pedra rachou em várias direções, e, com um rugido baixo, a parede desmoronou, revelando outro caminho.
— Essa tumba não parece tão perigosa. — Lissandre comentou, olhando ao redor.
— Geralmente quando alguém diz isso, alguém morre. — Deena sorriu, encarando Lissandre.
— Vou levar flores pra tumba que vou fazer pra você. — Lissandre seguiu Ainzart, que já avançava pelo novo caminho e a gargalhada de Deena ressoou pela caverna, enquanto a succubus os seguia.
Continua...
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