57 | Erguendo A Bandeira Branca
Quando uma sombra pairou acima da cabeça dele, Lissandre ergueu o olhar e viu a figura da harpia planando acima dele, descendo cada vez mais com um grito esganiçado.
A harpia era tão grande que aquele ninho enorme parecia pequeno pra ela, com um torso similar ao de uma mulher humana, penas em tons de vermelho, amarelo e laranja, um enorme bico e garras quase do tamanho de Lissandre, que apavorado, rastejou e recuou até um canto, se encolhendo à beira das lágrimas, a criatura gritou outra vez, se aproximando.
— A–Ainz! — gaguejou, esquecendo–se da regra de não falar o nome do demônio, ainda mais quando a harpia se inclinou na direção dele, o bico aberto como se fosse dar uma mordiscada. — Ainz! — berrou, fechando os olhos e se encolhendo, esperando a dor de ter algum pedaço arrancado, mas mesmo depois de esperar alguns segundos, a dor não veio.
Hesitante, abriu um olho, se encolhendo ainda mais com uma careta de choro ao ver a boca da harpia aberta bem diante de seu rosto, soltando um hálito podre de carniça. Mas ela estava imóvel, o olhar atordoado, raivoso, tentando se mover, mas manchas negras como tentáculos se prendiam em seu corpo e rosto, a mantendo imóvel como uma estátua.
— Chamou? — a voz do demônio soou melodiosa, quase divertida e Lissandre o encarou com a respiração curta.
Apoiando os braços na lateral do ninho, o demônio apoiava um cotovelo nos galhos do ninho, enquanto a mão descansava na palma, o encarando preguiçosamente com suas asas batendo de forma vagarosa atrás de si.
Por um momento, Lissandre ficou dividido entre xingá–lo ou implorar, mas vendo a harpia se debatendo, tentando se soltar, engoliu todo o orgulho que o manteve furioso nos últimos dias:
— M–me ajuda, Ainz... — choramingou, a voz quebrada e, ao piscar, as lágrimas escorreram pelo rosto.
Ainzart, que esperava vê–lo se humilhar, se desculpar e implorar por ajuda ficou um instante atordoado, o rosto esquentando um pouco ao ouvir seu nome soar tão... manhoso... na voz de alguém e franziu o cenho, apoiando a mão no peito, achando que o coração estava tendo alguma falha por ter parado de bater por um segundo.
Ele estava doente?
Suas orelhas se moveram inquietas quando a harpia grasnou, tentando se libertar e Lissandre tentou rastejar para longe dela, o que o fez voltar à situação atual. Havia jurado não mover um dedo para ajudar aquela coisinha ingrata, mas ainda seguiu a harpia até ali e agora, a havia impedido de devorar ele. Não tinha ideia do por quê fazia isso, considerou que perder um tradutor do livro seria um desperdício. E isso era mentira, já que podia encontrar outro, mas mesmo assim, se convenceu dessa desculpa outra vez, fazendo as sombras formarem espinhos, perfurando a harpia, que soltou um último grito, caindo no ninho enquanto sangrava uma gosma negra.
Lissandre, horrorizado, tentou evitar que a criatura caísse em cima dele, mas sentiu a mente girar ao se colocar de pé e ver que estavam quase tocando as nuvens de tão alto que aquele ninho era e com pavor, se encolheu numa bolinha chorona, soluçando ao pensar quando foi arremessado daquela altura pelo digníssimo que agora ele implorava por ajuda.
Ainzart não queria se aproximar, então o observou agindo esquisito por um instante antes de suspirar, suas sombras envolvendo Lissandre que de repente, foi envolto pela escuridão fria daquelas sombras e com uma sensação de puxão e aperto frio, ele foi teleportado para longe daquele ninho.
Quando as sombras o deixaram, estava na areia quente e pulsante outra vez, sentado diante de Deena, que com as pernas cruzadas, o observava com as sobrancelhas arqueadas. Não parecia inconsciente e quebrada como Ainzart havia dito e Lissandre demorou um segundo encarando a succubus para perceber que havia sido enganado.
— Seu demônio miserável! — berrou numa fúria repentina, apenas para erguer o olhar e ver que estava muito longe do ninho. Ainzart ainda não havia surgido, provavelmente estava se desfazendo do cadáver da harpia e isso só fez a raiva de Lissandre aumentar. — Ele me enganou?!
— Não querido, imagina, um demônio que diz a verdade para conseguir o que quer. Ha! De onde tirou que existe isso? — Deena provocou e o filhote saltou em Lissandre, eufórico por ter o seu humano de volta.
Lissandre bufou, inconformado, abraçando Sirius, tentando ignorar a raiva que sentia já que pelo menos estava vivo depois de toda aquela loucura, quando avistou Ainzart voando na direção deles, suas asas causando uma ventania quando planou acima dos dois, apoiando as mãos na cintura.
— "Me ajuda". — imitou com um tom choroso, antes de soltar uma gargalhada pra lá de arrogante e Lissandre espremeu os lábios, sentindo o rosto queimar de vergonha. Deena também gargalhava, mas como a succubus gostava de atentar os dois, encarou Ainzart com graça.
— "Ah, mas eu não vou salvar, ele que lute" e blá blá blá... — Deena zombou, recebendo um olhar impaciente do demônio que parou de gargalhar. — Francamente, acabou minha função de intermediária? — arqueou uma sobrancelha enquanto seus olhos pararam por um instante em cada um.
Lissandre bufou, virando o rosto e Ainzart fez uma careta de desagrado, aumentando a impaciência de Deena.
— Nunca te obriguei a intermediar nada. — Lissandre resmungou, cruzando os braços antes de encarar Ainzart. — E você me enganou!
— Não era eu quase entrando na boca daquela harpia implorando por ajuda, onde eu te enganei? — Ainzart rebateu, erguendo uma sobrancelha.
— Você disse que ela estava ferida! — apontou para Deena, que arqueou as sobrancelhas por ser enfiada na briga de repente.
— Mas eu estava, ué! — ela retorquiu. — Aquela ave maldita arrancou meu braço! E eu caí feio, uns setenta metros! Quebrei todas as minhas costelas, ainda estão doendo!
— Pois não parece e que braço arrancou se eu vejo dois aí?
— Meu bem, eu sou um demônio! Vou ter de andar com uma placa escrito isso na minha testa pra você se lembrar? — Deena ergueu a mão, usando a outra para quebrar o pulso com um estalo doloroso e Lissandre se encolheu, vendo a demônio nem mudar de face ao recolocar a mão no lugar e logo em seguida, mover a mão como se nada tivesse acontecido. — Me recupero em instantes se não for algo fatal. E como succubus, meu corpo se regenera mais rápido, às vezes encontro uma ou outra refeição... mais agressiva, digamos assim... com alguns fetiches bem esquisitinhos. — sorriu, dando uma piscadela, mas Lissandre não entendeu. Que tipo de refeição teria fetiches esquisitos?
Lissandre bufou, vendo os dois trocando olhares quase cúmplices.
— Não se preocupe amigo, meu senhor é magnânimo e compreensivo. — Deena brincou, olhando para Lissandre. — Ele te perdoa.
— E quando eu me desculpei? Não pedi desculpa por nada!
— Vou te jogar de volta naquele ninho. — Ainzart fez as sombras se moverem e Lissandre se pôs de pé em um pulo, tentando fugir delas.
— Não faz isso!
— Eu faço sim, ingrato. — Ainzart fez as sombras seguirem Lissandre, que berrou ao ser envolvido por elas. — Lá de cima vai poder descobrir um jeito de...
— D–desculpa! Eu não faço mais isso! Não me manda lá pra cima, por favor! — Lissandre choramingou, tentando afastar as sombras que já cobriam suas pernas e Ainzart franziu os lábios, tentando conter um sorriso de satisfação. — Ainz! — Lissandre erguer o olhar pro demônio e o viu com um olhar de puro deleite, quase como uma criança que conseguiu o que queria.
Por um momento, ele não soube se ria da cara que o demônio fazia ou o xingava por ser tão mesquinho, mas para sua alegria, as sombras o deixaram em paz. Sem forças, caiu no chão, as pernas trêmulas e o coração disparado. Não tinha medo de altura, nunca teve.
Pelo menos não até aquele demônio o jogar de cima das nuvens, agora tinha pavor só de se imaginar alguns centímetros acima do solo.
— Se resolveram? — Deena questionou, olhando do demônio para o humano, mas como nenhum dos dois respondeu, ela partiu para a ameaça. — Olha que eu sou louca, hein? Vou sair aos berros avisando da presença de um humano aqui no inferno, os demônios vão ficar loucos atrás dele e você vai ter de se virar pra manter ele vivo. — ameaçou os dois ao mesmo tempo e Lissandre a encarou ressentido.
— E você me entregaria de bandeja, Deena?
— Lógico que sim, meu bem! Quem pagar mais eu abro o bico, faça–me o favor. — Deena encolheu os ombros, mas ficou tensa quando Ainzart pousou bem atrás dela, o demônio a encarando com intensidade.
— Então antes que abra esse bico, eu deveria arrancar sua língua e costurar seus lábios, Dee? — o demônio resmungou e Deena ergueu o olhar, o encarando com medo, forçando uma risada.
— Eu sou totalmente leal ao meu querido e poderoso lorde, jamais faria algo tão desonroso quanto traí-lo. — garantiu, batendo a mão no peito, nenhum pouco envergonhada por mudar de ideia tão rápido e Ainzart bufou. Sabia que ela estava apenas brincando, mas a ideia dela entregar a localização do humano para outros demônios o deixou alerta no mesmo instante. Aquele humano pertencia á ele, demônio nenhum podia tocá-lo. — Mas o que faremos com esse farol ambulante? Ele atrai atenção até ficando parado, a harpia podia ter me perseguido ou tentado levar o Siri, mas foi direto no nosso humano, coitado.
— Eu ainda estou aqui. — Lissandre resmungou.
— Cobrir ele com sangue de demônio não adianta nada. — Ainzart cruzou os braços e os dois demônios encararam Lissandre ao mesmo tempo e com a mesma intensidade. Até viraram a cabeça de lado, ao mesmo tempo e para o mesmo lado, fazendo Lissandre se sentir um enigma que eles tentavam desvendar.
Sirius imitou os dois demônios, a orelha caindo de lado quando inclinou a cabecinha e Lissandre se encolheu.
— Parem de me encarar assim! — mandou e Ainzart bateu o rabo na coxa, antes de estalar os dedos ao encarar Deena.
— E se ele tomar seu sangue? Pode virar uma segunda raça.
— Não! — Lissandre gritou.
— Ele acabaria virando um succubus de nível inferior, só com o sangue de demônios normais que ele poderia virar algo como... sei lá, um vampiro, ou wendigo ou até mesmo um morto–vivo ou um ghoul... — Deena também descartou a ideia.
— Qualquer uma dessas coisas seria bom o suficiente. — Ainzart deu de ombros.
— Deixa de ser louco, nasci humano e vou morrer como um. — Lissandre insistiu e os dois demônios bufaram, frustrados.
— Bom, não importa. Como se sente sendo babá de um succubus, um humano e um... err... que coisa é o Sirius? — Deena encarou a bolinha de pelos e Ainzart deu de ombros. Nem ele sabia. Pela primeira vez em muitas vidas, convivia com outra criatura que não fossem demônios. — Não importa, você tem uma equipe estranha, como pretende se tornar o Rei do Inferno com tanto inútil nas suas costas?
— Quem disse que eu pretendo virar o Rei do Inferno? — Ainzart questionou e o sorriso zombeteiro de Deena vacilou, o olhando estranho e até Lissandre arregalou os olhos, o encarando em choque. Ele não queria?
— Não? — Lissandre quem questionou.
— Não. — ele sorriu e Deena inclinou a cabeça, o encarando confusa.
— Então por quê treina tanto? — a succubus e o ômega questionaram quase ao mesmo tempo.
Desde o começo, haviam considerado que o demônio seguia entrando em batalhas e desafiando demônios para tomar reinos. Lissandre achava que ao menos isso estava seguindo no enredo do livro, onde dizia que ele enfrentou diversos reis demônios no inferno, tomando seus reinos e exércitos, se tornando poderoso e invejado no submundo, com centenas de milhares de demônios o servindo.
Para enfrentar um único demônio de baixo nível, era necessário um pequeno esquadrão humano de força mediana, com milhares de demônios do baixo ao alto nível o seguindo, ele conseguiu causar um desastre sem precedentes no mundo mortal. E agora ele não queria formar exércitos?
— Eu tenho que buscar minha arma. — ele respondeu, ao lembrar da arma que complementava bem suas habilidades e tanto Lissandre quanto Deena continuaram o encarando como se vissem algum tipo de fenômeno estranho.
Para pegar uma arma, precisava se tornar tão forte quanto um lorde demoníaco? Que raios de arma era essa? Ou melhor, onde ela poderia estar?
Continua...
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