55 | Troca de Farpas
Na sala de conferências, uma mesa estava coberta de mapas, documentos e frascos contendo amostras de sangue e fluidos. Mirabel imediatamente começou a examinar os papeis, grossas pilhas de relatórios e observações que podiam formar livros e mais livros.
— A peste começou nas aldeias ao sul... — explicou Orlein, apontando para um mapa. — Ela se espalhou rapidamente para Anaê devido à migração de trabalhadores. O primeiro sintoma é uma febre alta, seguida de manchas negras na pele e dificuldade respiratória. Então vem o sangramento, e em muitos casos, a morte ocorre em menos de uma semana após o sangramento.
— Alguma teoria sobre a origem? — Mirabel sequer desviou os olhos dos documentos.
— Estamos investigando várias possibilidades. — Orlein explicou com um suspiro cansado. — Contaminação na água, transmissão por animais, pelo ar... alguns até sugerem que seja uma maldição.
— Maldição? — Devon arqueou uma sobrancelha, cético.
— Estamos lidando com algo que não compreendemos completamente. — Orlein admitiu. — Nada pode ser descartado ainda.
Mirabel franziu a testa, o olhar focado em um relatório detalhando os sintomas e os métodos de tratamento já tentados.
— Precisamos analisar essas amostras e comparar com registros de outras doenças semelhantes. Para evitar novas mortes, podemos colocar os pacientes em uma redoma mágica com desaceleração de tempo, além de induzí-los ao coma enquanto tento encontrar alguma cura para a doença.
Orlein sequer a questionou, dando total liberdade para que ela fizesse como queria, disponibilizando um laboratório inteiro e quatro assistentes para auxiliá–la em sua pesquisa.
Depois de horas analisando os relatórios e fazendo perguntas, Mirabel finalmente se afastou da mesa, exausta tanto pela longa viagem quanto pela quantidade infinita de documentos que tinha de revisar. Orlein havia se retirado para chamar os poucos magos de cura disponíveis no templo para auxiliarem Mirabel á colocar os pacientes nas redomas mágicas. Eram feitiços complexos que exigiam muito maana e Mirabel podia fazer cinco ou seis vezes sem problemas, mas sofreria de um esgotamento mágico.
Como a única sacerdotisa na cidade, ela era a única que podia fazer feitiços de tal calibre, os magos de cura estariam ali apenas para auxiliarem-na e evitarem que ela entrasse em colapso.
— Você precisa descansar, Mira. — Helena, apoiada contra o beiral de uma janela do escritório adjunto ao laboratório de Mirabel cruzou os braços.
— Nada disso vai adiantar se você desabar de exaustão, amanhã já vai começar a colocar os pacientes em coma, como quer fazer isso se mal se aguentar em pé? — Devon seguiu e Mirabel suspirou.
— Não posso descansar enquanto essas pessoas continuam sofrendo. — ela havia se afligido por dias a respeito dessa doença, saber que milhares de pessoas já haviam morrido e tantas outras estavam acamadas naquele mesmo momento a fazia incapaz de se acalmar.
— Você pode e deve. — Mason insistiu. — Precisamos de você em plena capacidade, Mira, descansar por uma noite não irá mudar o destino do mundo.
Mirabel hesitou, mas acabou suspirando ao olhar para o noivo, seu coração oprimido ao pensar nas pessoas na ala hospitalar da instituição, mas então encarando os companheiros igualmente exaustos depois de viajar sem parar nos últimos dias, ela cedeu.
— Muito bem. Vamos para a mansão por agora. Desculpe por ser tão insistente, apenas... — ela engoliu seco, olhando de relance pra janela. — É muito... isso é muito doloroso de ver. Preciso ajudar essas pessoas.
— Você tem um coração mole demais pra esse mundo, Mira, não pode carregar ele nas costas. — Helena brincou e ela sorriu com desânimo.
Se pudesse, o carregaria sim, pensou com alguma mesquinharia enquanto os seguia para fora do laboratório.
Enquanto o grupo deixava a academia para seguir à mansão, Mirabel lançou um último olhar aos corredores cheios de doentes, sentindo que teria muito trabalho pela frente.
»» ««
Os dias no deserto eram quentes e intermináveis, e o silêncio entre Lissandre e Ainzart parecia ainda mais sufocante do que o calor.
Desde a última briga, nenhum dos dois havia trocado uma única palavra, como duas crianças temperamentais que se recusavam a dar o braço a torcer.
Ainzart, geralmente cheio de comentários sarcásticos ou provocações quando estava de bom humor, limitava–se a comandos curtos para Deena. Lissandre, ainda ressentido, recusava qualquer tentativa de reconciliação sugerida por Deena, canalizando toda sua raiva e frustração na leitura do livro que ainda não conseguia decifrar.
Deena, no entanto, parecia estar aproveitando o papel de intermediária – ou provocadora – e se divertindo às custas de ambos. Sempre que havia algo a ser dito, ela fazia questão de exagerar.
— Deena... — começou Ainzart com sua voz grave, olhando para o horizonte no deserto escaldante — diga ao humano inútil que deveria parar de nos seguir, está nos atrasando.
A succubus olhou de relance pea Lissandee, antes de encarar Ainzart. Os dois tinham asas, abandonar Lissandre era só uma questão de sair voando ou teleportando pra longe. Chapter ntendo o riso, ela decidiu continuar colaborando e fingir não ver isso.
— Como ordena, meu Lorde. — Deena lançou um olhar divertido para Lissandre. — Ei, humano inútil, o Lorde disse pra parar de rastejar atrás de nós, seu cheiro humano o deixa incomodado. — Lissandre lançou um olhar atravessado pra ela, que planava ao lado de Ainzart e a succubus sorriu travessa. — De nada.
— Diga ao poderoso sábio não praticante que eu não poderia me importar menos com seu incômodo. — ele bufou em resposta e Deena soltou uma risadinha.
— Vou passar o recado só porque você fica fofinho fazendo bico todo bravinho assim. — Deena deu uma piscadela, se aproximando de Ainzart, que já a encarava sem um fio de paciência. — Ele te chamou de ogro descerebrado, Bel. — repetiu com uma gargalhada. — Eu não deixava, olha que humano insolente!
— Diga á ele que sua ausência seria um presente inestimável agora. — o demônio retorquiu e Deena acenou, voando até Lissandre.
— Ele disse pra você dar o fora pois é um ímã de bestas, xô, xô! — até abanou a mão e Lissandre estreitou os olhos. Podia ouvir muito bem o que ele dizia, assim como Ainzart o ouvia e mesmo assim, ele mandava essa succubus sem vergonha vir causar mais discórdia.
Respirando fundo, ele forçou um sorriso enquanto apoiava uma mão na cintura.
— Caso ele não se lembre, ele quem me trouxe para esse lugar. Se o incomoda tanto minha presença, que me mande de volta pro mundo mortal! — Deena acenou de novo, voando até Ainzart que seguia em frente.
— Ele disse pra você ir se foder, Bel. Achei uma falta de decoro, uma ousadia sem tamanho. Eu não deixava. — Ainzart soltou o fôlego, olhando Deena com aborrecimento e a succubus sorriu, arqueando as sobrancelhas por um instante.
Ao invés de responder e continuar a troca de farpas, Ainzart resmungou algo inaudível, apressando o passo. O ciclo continuava, com Deena como a única que realmente se divertia com a situação.
Enquanto os dias se arrastavam, Ainzart se recuperou de seus ferimentos, parecendo mais mal humorado do que nunca e até as trocas ocasionais de ofensas por intermédio da succubus haviam cessado.
Ele havia chegado ao ponto de fingir que Lissandre não estava ali, nem mesmo oferecia de suas caças como fazia no começo e entre os demônios, oferecer sua comida era o maior ato de generosidade já feito. Deena se empolgava cada vez que recebia sua parte e mesmo Sirius saltava ao redor de Ainzart quando o via chegar com uma de suas caças.
Sua nova força era evidente, e ele parecia ansioso para testá–la, indo atrás de bestas sem hesitar, muitas vezes saindo sozinho e deixando a succubus e Lissandre pra trás. Às vezes desaparecia por dois ou três dias e Deena tentava enfiar algum senso comum na cabeça de Lissandre.
Quanto mais tempo convivia com ele, mais se convencia de que o humano era muito inocente (para não dizer bobo) e que seria facilmente enganado por aí. Nem percebeu quando começou a criar algum tipo de mentalidade protetiva com Lissandre, dando dicas e o mantendo longe de coisas venenosas que ele ignorava ou tentava tocar só por ser brilhante ou chamativo no deserto.
Ainzart agora usava sua força de maneira diferente. Em suas vidas anteriores, ele havia apenas matado senhores de cidades para conquistar seus exércitos para aumentar seu domínio, demorando anos no submundo até se tornar forte. Desta vez, sua abordagem era mais direta e cruel: ele enfrentava qualquer demônio forte, destruía suas forças, e roubava seus núcleos para absorver seus poderes. Não tinha interesse em exércitos ou dominar cidades para se tornar rei, como em suas vidas anteriores.
Confiar em um exército era inútil, ele queria apenas destruir o Imperador e sua linhagem, com certeza estaria livre do pacto quando matasse o homem, então contanto que se fortalecesse, não se importava com mais nada além disso.
Os poderes de gelo de Kalthar haviam se tornado uma parte natural de suas habilidades, não teve a sorte de encontrar outros demônios capazes de usar magia e roubar seus poderes, mas fortalecer seu núcleo de maana demoníaca ainda valia alguma coisa. Ele experimentava ataques devastadores, criando tempestades de gelo que congelavam tudo ao seu redor.
Ter outro elemento além das sombras para brincar era divertido, ele finalmente sentia que estava voltando à sua antiga forma.
Continua....
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro