25 | Um Completo Inútil
Lissandre estava furioso.
Depois de esperar a noite toda por algum movimento do demônio, concluiu que era seguro sair ou ao menos, não queria continuar naquela caverna escura e úmida até morrer.
Ao sair da caverna, espiou por todos os lados atrás de algum rastro do demônio, mas ao ver que a cabeça daquele animal continuava no mesmo lugar em que a criatura a jogou, suspirou aliviado ao pensar que ele sequer havia voltado.
— Que ele coma essa coisa horrorosa, onde já se viu, fazer alguém como eu comer sobras cruas! — reclamava em alto e bom tom enquanto marchava para a floresta.
Não sabia onde estava, nem se havia bestas perigosas na floresta, mas pensava que era melhor encontrar seu próprio alimento a ficar à mercê das torturas alimentares daquele demônio indigente. Havia encontrado ao menos algumas folhas grandes para se enrolar e cobrir suas vergonhas à mostra, melhor do que andar com o bumbum exposto, mas agora sentia que o indigente era ele mesmo.
Saiu fugindo como um jovem mestre cheio de recursos e agora, usava folhas numa floresta caçando o que comer como um morto de fome.
— Eu não sou um porco para comer lavagens, me ouviu?! — seu tom aumentou ao afastar um galho, se enfiando cada vez mais na floresta sem um rumo fixo.
Queria comida, nem que fosse alguma fruta venenosa, assim morreria antes de passar outra noite seminu numa caverna, faminto e cercado de bichinhos rastejantes.
Durante a noite, seu medo e receio se converteu em fúria, só não se atrevendo a sair quando ainda era escuro por... bem, ainda estava escuro. Havia aprendido da pior maneira a não perambular pela floresta à noite, poderia encontrar bandidos feios e fedidos pelo caminho.
Só parou de andar e reclamar quando avistou uma árvore com tronco grosso e madeira escura, com algumas frutas estranhas pesando entre seus galhos. Nunca havia visto aquele tipo de fruta antes, mas se havia pássaros comendo delas, teve certeza de que ele também poderia comer.
Mas como?
Parado debaixo da árvore, observou seu longo tronco repleto de galhos muito além do alcance de suas mãos e inclinou um pouco a cabeça, sem saber o que fazer para conseguir uma fruta. Poderia atirar pedras?
Olhando ao redor, viu diversas pedras ao redor e com uma careta de desgosto, ergueu uma para atirar na árvore. Sua mira era péssima, acertando galhos e até passarinhos, mas nada de acertar uma das frutas. Já estava impaciente, a fome alimentando sua fúria quando voltou a praguejar, atirando pedras ao redor sem se importar em quê ia atingir, até que uma pedra caiu em um arbusto e algum animal soltou um guincho dali.
Lissandre petrificou no mesmo instante, seus olhos se arregalando de pavor quando o arbusto se moveu e considerou correr sem querer ver o que era, quando uma criatura minúscula saltou do arbusto e ele parou onde estava.
Felpuda, pequena e adorável, era talvez um filhote de cachorro peludo. A pelagem era preta e cinza em algumas partes, as patinhas felpudas brancas e um ponto branco no topo da cabeça, os olhos cinzas, pequeno como uma bolinha de algodão. Sua aparência era dócil, com olhos redondos olhando para Lissandre com curiosidade.
— Oh... é só um... — ele começou, relaxando aos poucos ao ver que era só um bichinho do tamanho de um gato. Era inofensivo e, por mais fofo que fosse, ainda era um bicho selvagem que podia ter alguma doença contagiosa, então o chispou com a mão enquanto pegava outra pedra para tentar derrubar uma fruta, frustrado quando a pedra passou longe de atingir a fruta. — Que porcaria de fruta horrível que não cai nunca! Eu estou com fome! — bradou, se aproximando da árvore e dando um chute nela, cambaleando e caindo de bunda no chão, fraco pela fome.
Até queria chorar, mas nem tinha lágrimas pra isso. Estava com sede e achou que chorar seria um desperdício de líquidos, então se conteve e encarou aquela criatura com frustração. O bichinho seguia encarando ele, parado perto de um arbusto, sua orelha se movendo um pouco quando seus olhos se encontraram.
— Está rindo de mim, por acaso? Se é tão bom assim, pegue você! — e atirou um punhado de folhas na direção do animal, que se assustou e fugiu, se enfiando no meio dos arbustos.
Lissandre ainda reclamava quando uma risada baixa o deixou em alerta, cada pelo do corpo se arrepiando enquanto olhava ao redor, alarmado, antes de uma fruta cair bem ao seu lado e ele saltou de susto, soltando um grito agudo.
— Se quer tanto essas frutas, por que não tenta subir até aqui em cima para pegar? — era a voz do demônio e Lissandre instintivamente se encolheu, antes de, lentamente, erguer o olhar.
Sentado em um galho, o demônio se apoiava contra a árvore, uma perna balançando livremente enquanto segurava uma daquelas frutas com seu rabo. Ainda usava a mesma calça rasgada e poída da última vez que o viu, o tórax nu não tinha qualquer sinal do ferimento terrível. Contra a luz do dia, sua aparência não parecia tão terrível quanto Lissandre imaginava, mesmo seu sorriso afiado não era tão detestável.
— E por acaso eu me pareço com algum macaco para me pendurar em árvores? — conseguiu dizer, mas ainda não rejeitaria comida caindo em suas mãos.
Ergueu a fruta, até sentindo a boca salivar, pronto para dar uma mordida quando ouviu outra risadinha irritante vinda do demônio e ele parou, hesitante, encarando aquela fruta.
Não sabia o que era, nem o nome dela. Por um momento, havia se esquecido que mesmo que um animal coma algo, ainda pode ser tóxico para humanos e deixou a fruta cair, se encolhendo e abraçando os joelhos, escondendo o rosto com os braços.
Estava faminto. Queria muito chorar, voltar para casa e reclamar com sua tia. Ela devia estar desesperada para encontrá-lo, era a única que o amava, sempre arranjava os melhores doces para ele, as melhores roupas ou melhores joias.
Ainzart não pretendia deixar esse bichinho chorão fugir, quando percebeu que ele seguia pela floresta, o seguiu em silêncio e acompanhou todos os surtos até ele desistir ali no chão. Aquele garoto era, sem sombras de dúvidas, interessante.
Era inútil em tudo o que se propunha a fazer, reclamava e chorava por qualquer coisa e ainda quando o enfrentava, o encarava como se fosse superior em todos os sentidos possíveis. Alguém com tamanho ego só podia ser um nobre, mas ele não tinha ideia de onde havia surgido aquela criança egocêntrica. Podia tentar adivinhar sua identidade considerando sua relação com aquele quarteto, mas descartou isso. Não se lembrava daquele duque inútil ter algum outro parente além da imperatriz e do pai.
Deu uma mordida naquela fruta, observando o garoto encolhido no chão. Se ele estava melhor, poderia interrogá-lo, saber quem havia dito pra ele seu nome e então, matá-lo de uma vez. Até havia praticado como falar ultimamente, os humanos usavam a voz com muita frequência, algo que ele ignorava. Em suas outras vidas, não era preciso falar. Bastava matar e destruir quem se colocasse em seu caminho, mas sem sua habilidade para invadir mentes, ele teria de recorrer a essas inutilidades humanas para se comunicar.
Com calma, planou até o chão, suas asas levantando uma camada de folhas contra Lissandre que, ao perceber sua aproximação, ergueu a cabeça e o encarou com medo, se arrastando até suas costas baterem contra a árvore.
— F-fica longe de...
— Senão o quê? — o demônio cruzou os braços, até curioso pra saber o que ele poderia dizer. Lissandre não tinha cartada nenhuma para ameaçar, apenas muito medo e muitas folhas para erguer contra o demônio.
As folhas eram melhor que nada, então atirou um punhado de folhas na cara de Ainzart, que franziu o cenho. Sim, o bichinho era divertido.
Seu sorriso ressurgiu nos lábios, as presas pontiagudas surgindo quando deu mais alguns passos na direção de Lissandre e se abaixou em sua frente, o analisando com alguma curiosidade. Sendo encarado pelo demônio, Lissandre encolheu contra a árvore e encarou o demônio com pavor ainda maior, os olhos avermelhados se enchendo de lágrimas e tremendo como uma folha ao vento.
— E-e-eu te salvei e-e é assim q-que me retribui, seu... ingrato... — cuspiu entre dentes e o demônio arqueou uma sobrancelha.
Havia muita coisa estranha nessa história, mas considerando que em todas as outras vidas, ele não tinha ideia de quem o salvava, pensou que aquele garoto podia falar a verdade.
Então era ele quem o salvava todas as vezes? Mas o que explicava a diferença daquela cabana? Poderia ter passado anos em coma ao ponto do garoto partir, a cabana ruir e seu ferimento melhorar o suficiente pra ele acordar? Impossível, aquela paladina seguia tão jovem e forte quanto quando o feriu e arrancou suas asas, o imperador seguia igual de velho e até mesmo seu querido irmão era tão jovem quanto se lembrava.
Pode ser que tenha acordado antes pelo ferimento não ser tão grave, mas tinha certeza de que não passava anos desacordado. Ou o garoto estava mentindo ou ele era uma nova existência adicionada aleatoriamente no mundo.
E sem certeza do que fazer com essa segunda conclusão descabida, Ainzart ficou encarando Lissandre com olhos vagos, até que o ômega reagiu de repente.
Num salto, empurrou o demônio que havia se abaixado diante dele, antes de disparar pela floresta, decidido a fugir. Ainzart, que foi pego de surpresa, apenas cambaleou um pouco para trás, vendo o garoto correr pela floresta, as folhas que antes cobriam sua bunda ficando pra trás e pela primeira vez, um riso divertido escapou dos lábios do demônio.
Continua...
A Autora tem algo à dizer:
Eis o filhote que o Lissandre teve a pachorra de espantar kkk eu adotava
ヽ(´ー`)┌
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