21 | Uma Batalha Perdida
Com um impulso, Ainzart saltou do alto de um desfiladeiro e suas asas se abriram em um arco majestoso. O demônio mergulhou em direção ao chão, apenas para, em um instante, subir em um movimento veloz, sentindo o vento rugir em seus ouvidos.
Ele subiu alto, quebrando a barreira de nuvens, e depois mergulhou abruptamente, girando em uma espiral cada vez mais veloz, um leve rastro de alegria o fazendo sorrir satisfeito por, pela primeira vez, ter conseguido manter aquelas asas consigo.
Em todas as suas vidas, elas sempre eram arrancadas, quebrando sua coluna no processo, a dor de ter as asas arrancadas era excruciante e finalmente descobria o prazer de usá-las livremente sem qualquer impedimento.
Fazia apenas três dias desde que havia se libertado, dois dias em que seu palácio havia sido atacado e um único dia desde que havia despertado na clareira, mas já conseguia voar como bem queria. Seu corpo se recuperava rápido, ainda mais quando consumia o sangue e o núcleo de maana de várias bestas daquela floresta em que estava.
Era assim que ele sempre se recuperava das últimas vezes e agora, matando todas as criaturas que via pelo caminho, havia curado quase completamente seu corpo atrofiado e até mesmo absorvia os núcleos de maana das bestas, complementando seu próprio maana. Sabia que o maana de um demônio não era propriamente maana, era pura energia de caos, encontrada somente no submundo, mas ele ainda tinha aquela pequena e detestável parte humana que tinha um núcleo humano que precisava de maana.
Voando baixo sobre as rochas afiadas, o demônio avistou outra besta, um tipo de pássaro com quatro pares de asas e garras afiadas, quase do mesmo tamanho que ele, voando em sua direção como se visse ele como presa e um sorriso adornou seus lábios enquanto planava por um instante, esperando a ave se aproximar mais naquele rasante, antes de, com um impulso, aumentar a velocidade contra a ave, suas garras segurando com força duas de suas asas, ignorando as garras da criatura que tentavam perfurar seu braço e abdômen quando arrancou as asas da ave, a segurando por uma das patas para evitar que seu almoço caísse.
Não demorou para arrancar a cabeça da ave, a jogando fora enquanto rasgava a pele de seu pescoço, o cheiro do sangue o deixando satisfeito enquanto afundava a mão no interior da criatura até encontrar o núcleo em seu corpo, o arrancando de uma vez.
O núcleo da besta era uma pequena bolinha de maana, com um tom roxo escuro, talvez fosse uma ave forte, mas Ainzart não pensou muito ao jogar o núcleo na boca e engoli-lo inteiro, sentindo o maana agressivo deslizar pela garganta, corroendo seu interior, queimando em seu plexo solar antes de se espalhar por todo o corpo após se assimilar ao seu próprio maana.
O ferimento em seu peito já não o incomodava mais, estava recuperado e se sentia bem o suficiente para lidar com aqueles malditos fanáticos que queriam invocar um demônio. Em suas outras experiências, aqueles imbecis sempre o invocavam usando seu nome e tentando controlá-lo com um feitiço, mas como eram idiotas incompetentes, sequer conseguiam conjurar o ritual de domesticação antes dele matar todos.
Dessa vez, ele precisava daqueles inúteis para abrirem um portal para o submundo para ele, seus sacrifícios seriam mais do que bem-vindos.
De repente, sentiu que não podia partir para o outro lado do continente sem arrastar consigo aquele inseto rastejante da floresta.
Ele era uma variante que não surgia em nenhuma de suas memórias. Sem esforço, conseguiu usar sua habilidade de sangue, sentindo seu sangue se mover no corpo do garoto que estava perambulando por aquela floresta ainda e ao confirmar sua localização, voou naquela direção, ocultando ao máximo seu rastro.
O levaria ao submundo consigo, não pretendia deixá-lo vagando livremente por aí quando podia controlá-lo com seu nome.
Ainzart não era um demônio puro e sim, um demônio criado, alimentado desde o ventre com sangue demoníaco. Era um humano com um núcleo demoníaco em seu corpo, que lhe dava a força, aparência, instintos e inibições de um demônio.
Uma de suas habilidades era Domínio de Sangue, onde mesmo fora de seu corpo, ele podia controlar o sangue em qualquer lugar. Fazer aquele garoto beber seu sangue o deixava sob seu controle, sabia onde ele estava e como estava. Caso quisesse matá-lo, bastava usar seu sangue correndo no corpo do garoto para estourar seus órgãos internos ou rasgar suas veias e cortar sua carne, poderia ser criativo.
Como já estava recuperado o suficiente, decidiu encontrar aquela seita para abrir o portal para o submundo, não sem antes buscar aquele humano. Não imaginou que, ao teleportar para onde ele estava, encontraria aquele grupo irritante de humanos que sempre o perturbavam em suas outras vidas.
«« »»
Por um longo momento, Damian permaneceu imóvel, encarando o irmão caçula encolhido no chão, a escuridão da floresta não o impedia de ver que estava ferido e quase sem roupas, sua mente parecia demorar para processar aquilo.
Havia pensado que Lissandre havia fugido por mais uma de suas birras, quem não sabia que ele era um ômega caprichoso e inconsequente?
Detestava Lissandre, desde o momento em que ele nasceu e como consequência, sua mãe morreu. Fez o possível para ignorá-lo desde então, era um bebê que só trazia desgraças para sua casa e como seu pai não fazia questão dele, ele também não o faria.
Sempre que o via, ele erguia aquele nariz com um ar de superioridade e arrogância que só deus sabe onde arranjou, mesmo que muitos não vissem seu verdadeiro lado, por muitos anos, ele o viu e o desprezou por isso. Durante o baile, não pensou que ele tivesse tramado tantas coisas por baixo dos panos, e isso o fez odiar ainda mais.
Era um ômega arrogante e orgulhoso capaz de tudo em benefício próprio, e aquele "sequestro" com toda certeza não passava de uma farsa para atrair atenção.
Quem diria que as zombarias que andou cuspindo por aí nos últimos dias de repente voariam pro alto e atingiriam sua testa?
Sequer sabia o que fazer, seu irmão realmente havia sido sequestrado e por todo aquele tempo, ficou à mercê de bandidos pervertidos, experimentando o primeiro cio na presença de tantos animais ainda por cima, sua face queimava, pela raiva e talvez, vergonha de si mesmo por não pensar corretamente nos últimos dias.
Mesmo que aquele ômega fosse detestável, era um absurdo passar por tal situação, ainda mais sendo filho de quem era, podia imaginar sua tia, a imperatriz ficando louca com a notícia. Mesmo sendo o herdeiro do arquiduque e o favorito dos avós, sua tia sequer o olhava, ela tinha um nojo quase inexplicável por alfas. Por outro lado, ela amava Lissandre mais do que qualquer outro e sempre o favorecia em qualquer ocasião, com certeza ficaria devastada caso soubesse de tais notícias.
Mason, por outro lado, nunca pensou que encontraria o ex-noivo em tal situação. Por mais que o odiasse, pensar que ele esteve nas garras dos bandidos por tantos dias fez seu estômago se revirar e contorcer e por um momento, se esqueceu da magia que mantinha o cheiro do ômega longe de si.
Mesmo inconsciente, Lissandre ainda exalava aquele aroma inebriante e irresistível, Mason foi rapidamente tentado e sua mente foi tomada apenas com o puro instinto alfa de dominar e marcar aquele ômega. Deu alguns passos em direção ao ômega quando Helena surgiu correndo.
— Resgataram o ômega?! — ela questionou ao longe, cobrindo o nariz com um lenço e isso pareceu despertar Damian.
Haviam quatro alfas por perto e o caçula dos Rosenvelth estava no cio, quase nu diante de todos.
Sem cerimônia, puxou Mason que estendia as mãos na direção do irmão e o empurrou para o chão, o príncipe caiu piscando atordoado por um instante antes de encarar Damian irritado, mas antes mesmo que tivesse chance de brigar com ele, o ar se tornou denso outra vez, um forte cheiro de eucalipto o fazendo cobrir o nariz, a cabeça explodindo em uma dor aguda enquanto o estômago embrulhava.
— Feche os olhos, Mason! — Damian mandou. — Não olhe pra ele, tenha algum decoro! Helena, fique longe!
— O quê? Mas o que é que... — Damian não respondeu a garota, que questionava confusa quando Damian tirou o casaco que usava, cobrindo o corpo de Lissandre, uma sensação de urgência o fez erguê-lo de uma vez, um suspiro fraco escapando dos lábios do ômega, seu rosto completamente exposto agora revelando a lateral inchada e os lábios cortados.
Quando os bandidos perceberam que não conseguiriam acabar com Nilou, agarraram o ômega pra fugir enquanto outros serviam de distração. Não foram muito longe, o cheiro do ômega os enlouquecia e tomados pela luxúria, decidiram marcá-lo logo e após uma rápida disputa, o que ganhou a briga decidiu ser o primeiro, mas Lissandre relutou e acabou levando alguns socos.
Damian se ajoelhou ao lado dele, o cobrindo com seu casaco, mas novamente ficou em alerta quando o ar ao redor se tornou frio, denso, quase palpável.
Todos os três paralisaram, olhando ao redor em alerta, se questionando se aquele que fugiu havia retornado ou se era outra coisa, quando de repente uma sombra caiu das árvores, enormes asas fazendo as folhas e galhos do chão voarem para longe.
Longos chifres, muito mais alto que qualquer um ali presente, a pele cinza repleta de escamas e olhos num tom carmesim, um demônio. Imediatamente, qualquer sinal anormal em Mason se dispersou, desembainhando sua espada e Damian se ergueu, estendendo a mão para o vazio, e em um instante, uma lança de chamas surgiu do ar, materializando-se como se respondendo ao seu comando. O fogo crepitava ao longo da lâmina e ele se preparou para atacar.
Ao mesmo tempo, Helena tirou seu arco, já puxando três flechas esticando completamente a corda, o vento ao seu redor se movendo e rapidamente, se concentrando nas suas flechas que se iluminaram com uma áurea levemente esverdeada, imbuídas com magia de vento, o ar ao redor das flechas rodopiava, criando uma pequena tempestade de energia que envolvia a ponta da setas, que dispararam pelo ar com uma força tremenda, quase invisíveis aos olhos, mas o demônio usou as asas para bloquear a flecha, que se quebrou com um estrondo.
Mason avançou com a espada em mãos, mas o demônio não parecia interessado em lutar, seus olhos fixos na figura deitada no chão fez Damian estremecer, largando na mesma hora a ideia de lutar.
Tudo aconteceu ao mesmo tempo: Damian desfez a invocação da lâmina e estendeu as mãos, agarrando Lissandre com força e o puxando contra seu peito, o demônio esticou as garras tentando alcançá-lo, outra flecha com poderosa magia de vento foi desviada pelas asas do demônio e a espada de Mason quase perfurou o abdômen do demônio, que segurou a lâmina com uma mão, estalando a língua com desdém ao ver Damian saltar para trás, carregando o ômega consigo.
Damian não tinha ideia do que o demônio queria com Lissandre, apenas reagiu por instinto e por um segundo, sustentou o olhar sombrio do demônio, erguendo a mão livre, um círculo mágico se formou diante de sua palma rapidamente, runas se formando em um instante quando chamas ardentes se ergueram, como enormes lanças, disparando na direção do demônio, que evitou outro golpe de espada de Mason ao esticar completamente as asas, enviando uma rajada poderosa de ar nos três, antes de, com um rasante preciso, avançar na direção de Damian, que teve a certeza de que o objetivo era seu irmão.
Ele saltou pra trás, tentando tomar distância, sem esperar que o demônio fosse tão rápido, ignorando Helena e Mason, suas garras se esticando na direção de Damian, que bateu a mão no chão, erguendo uma muralha de fogo diante de si, antes de saltar para o lado, Lissandre quase caindo de seu colo.
Sabia que tanto Helena quanto Mason não conseguiriam pensar com clareza para lutar contra o demônio, eram alfas e havia um ômega no cio ali e era apenas ele para manter o irmão seguro agora, precisava tomar distância do demônio.
A barreira de fogo não impediu o demônio de atravessá-la, suas enormes asas cortando uma árvore como se fosse papel pelo caminho.
Mason e Helena perseguiram o demônio, que avançava atrás de Damian e como as árvores eram muito próximas e as asas da criatura eram muito grandes, Damian considerou que ele teria dificuldade em se mover caso se enfiasse cada vez mais na floresta, mas contrariando suas expectativas, o demônio conseguia segui-lo de perto, desviando das árvores com maestria.
Damian não conseguiria ir longe, então se preparou para atacar, cerrando a mandíbula ao invocar a lança outra vez, se preparando para lutar carregando o ômega, chamas dançando ao redor da lâmina enquanto ele invocava enormes bolas de fogo, que flutuavam ao seu redor.
Helena que também os perseguia lançou novas flechas, Damian não hesitou em lançar as bolas de fogo, que se tornaram como lanças afiadas na direção do demônio e antes mesmo de atingir o demônio, o corpo do demônio pareceu desaparecer.
Uma explosão surgiu, árvores ao redor carbonizaram em um instante e uma cortina de poeira se ergueu, a baixa visibilidade na noite se intensificou enquanto as flechas lançadas por Helena atingiram as árvores atrás de Damian, causando outra onda de explosões.
Lissandre despertou no susto, sua mente nublada pelo calor sequer permitiu reconhecer o irmão, apenas sabia que era um alfa e no instante seguinte, reagiu em pânico, se debatendo e tentando fugir.
— Não! Me larga! — esperneou, tentando se afastar.
— Lissandre, calma! Sou eu, Lis... — ele foi interrompido quando o demônio surgiu de repente diante dele, seus olhos se arregalando quando o demônio estendeu as garras e viu Lissandre praticamente saltar de seus braços para as garras do demônio, que o apertou, lançando um último sorriso repleto de presas afiadas antes de, como uma sombra, desaparecer outra vez, levando Lissandre consigo.
Continua...
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro