18 | Um Péssimo Hábito
Lssandre tinha um péssimo hábito
Um hábito horrível, mas inevitável: quanto mais pressão sentia, menos demonstrava.
Por dentro ele estava aterrorizado, apavorado, queria gritar e chorar, se esconder em um lugar bem distante e chorar ainda mais enquanto praguejava todos aqueles bandidos imundos, escandalosos e fedidos.
Por fora ele encarava inexpressivo a balbúrdia que aquele aquele bando de babuínos idiotas faziam, dançavam, gritavam (ou cantavam?), bebiam e gargalhavam ao redor de uma fogueira estúpida, um javali espetado em galhos era assado ali quase inteiro.
Seus pulsos estavam amarrados, seu anel de espaço onde tinha todos os seus itens parecia uma joia falsa ordinária, então os bandidos sequer olharam para aquilo. Ele só conseguia pensar no quão azarado era por acabar se encontrando com aquele grupo.
Primeiro, seu repolho que o mordeu de volta e desapareceu, então errou uma rota e se perdeu na floresta e teve aquela dor de barriga terrível, sequer pôde tocar o bichinho fofinho que ele não conseguia lembrar o nome e agora, estava refém de bandidos imundos.
E havia o maldito calor.
Céus, como estava quente!
Talvez fosse a floresta e a umidade após a chuva da noite anterior? Não tinha ideia, seu corpo suava em lugares que ele nem sabia que era capaz de suar, se sentia sonolento e cansado demais para pensar em qualquer coisa. Para um nobre que nunca havia sofrido uma queixa desse nível, aquele era um pesadelo sem fim.
— Pensei que fosse alguém poderoso, ou minimamente habilidoso, mas não passa de um porco espinhento! — dizia um dos bandidos e Lissandre arqueou uma sobrancelha.
Eram apenas alguns quilinhos e espinhas, o que havia de tão ruim em sua nova aparência?! Não é como se eles fossem bonitos para julgar, pensava com desgosto, até que um dos bandidos de repente ergueu uma faca.
— E se cortássemos seus olhos?! Não gosto como me encara! — sua ideia foi aplaudida, apoiada com mais gargalhadas escandalosas e enquanto seguia em direção de Lissandre estendendo uma faca de lâmina curta diante de seu rosto, mas o ômega sustentou seu olhar, parecendo muito mais corajoso do que realmente era.
— Mutilar esse porco não fará diferença, continuará feio como uma maldita aberração! — outro bandido gargalhou.
— Quem sabe fique mais bonito! — e outro emendou, causando gargalhadas no bando.
Aquele bandido fedido com uma barba rala e dois dentes faltando naquela boca não era tão ameaçador quanto o demônio que o estrangulou duas noites atrás e as piadas e provocações a sua falsa aparência não o afetavam em nada. Não havia aparência alguma no mundo que faça alguém parecer mais feio do que aqueles bandidos.
Mesmo que tivesse medo de ter os olhos arrancados e aquela faca bem próxima de seu rosto, ele não recuou ou se moveu. Já estava em uma situação ruim, ajudaria e quê se debater, desesperar e chorar?
Talvez pudesse sacar outro pergaminho, um que o levasse para longe, mas uma chance única, caso falhasse, seria morto.
Torcia para que aqueles porcos se embebedassem de uma vez, ou ao menos, ficassem mais lentos pelo tanto de bebida que tomavam. Seus olhos pararam em algumas garotas encolhidas em um canto, pareciam apavoradas, chorando baixinho, encolhidas umas contra as outras, seus pulsos e tornozelos bem amarrados e as bocas amordaçadas. Eram jovens, talvez da mesma idade que Lissandre, mas ele desviou o olhar para o homem que o havia rendido antes.
Com cabelos longos e loiros, olhos castanhos e um semblante sério, girava uma adaga na mão, sentado em uma raiz alta próximo ás garotas. Ele não bebia, nem participava da algazarra que faziam. Outro que não bebia era o careca, apoiado em uma árvore e que o encarava fixamente.
Lissandre sentia o couro cabeludo arrepiar com aquele olhar intenso em sua direção, mas disfarçava com sua melhor cara de indiferença.
— Eu realmente não gosto do seu olhar. — o bêbado em sua frente que segurava aquela faca resmungou num tom mais baixo, se inclinando em sua direção.
Lissandre desviou o olhar outra vez, o cheiro daquele homem embrulhava seu estômago e ele recuou enquanto alguns outros bandidos riam, incentivando o bêbado a arrancar seus olhos, mas um olhar do cara da careca reluzente fez o bêbado recuar, reclamando que não havia graça capturar o ladrãozinho e sequer se divertir com ele.
O ar estava úmido e pelo som de trovoadas no céu, era claro que em breve voltaria a chover, mas isso não incomodou ninguém ali, que continuaram bebendo e falando em alto e bom tom o que poderiam fazer com o "porco capturado".
Quando uma garoa fina começou a cair, o bando estava tão bêbados que se tornaram ainda mais barulhentos. Lentamente, Lissandre fez seu maana circular em seu corpo, evitando encarar o rapaz que o havia abordado, sabia que ele era rápido e poderia detê-lo antes mesmo dele segurar o pergaminho de teleporte.
Tirando um pergaminho devagar do anel, atento a qualquer momento do careca brilhosa e do loiro esquisito das facas, bastava ser rápido e rasgar aquele pergaminho quando de repente, perdeu o fôlego quando um calor anormal subiu por seu peito, espalhando-se por todo o corpo. Um cheiro doce e cítrico começou a emanar de sua pele, misturando-se ao cheiro de terra úmida e álcool e ele se remexeu, inquieto, sentindo o calor que se espalhava pelo corpo começar a circular em uma única direção, em seu baixo ventre.
Um dos bandidos já embriagado de repente se ergueu, farejando o ar com uma expressão confusa, antes de outro também sentir aquele aroma. Então outros três ou quatro sentiram o mesmo aroma irresistível.
O álcool parecia de repente não ter tanto efeito em seus corpos quando olharam em uma mesma direção, a figura de um garoto jovem e gordo, repleto de espinhas na face, que arfava e se remexia inquieto contra a árvore, mesmo nada atrativo, seu cheiro ainda era inebriante, um cheiro tão íntimo e único que somente um ômega no cio poderia exalar.
Nilou, que ainda girava sua adaga, observava como o grupo ficava cada vez mais estúpido com o álcool. Sabia que Krane estava esperando algum possível comparsa do ladrãozinho, mas Nilou sabia que era apenas ele. Não que ele tivesse contado, claro.
Quando viu que era só um pirralho minúsculo que provavelmente tropeçou com o ouro dos bandidos, ele decidiu ser vago nos detalhes de quantos eram e disse que aquele garoto era uma armadilha e não tinha dinheiro algum consigo.
Talvez desse tempo de algum aventureiro vir e resgatar todos esses pirralhos desse bando. Não se importava de saquear por aí, mas maltratar crianças pelo caminho era ir longe demais. As garotas eram muito novas e duvidava que aquele balofo sequer tivesse algum pelo no saco, em seus olhos, eram todos crianças.
Repentinamente, um aroma único e delicioso inundou seus sentidos, como um alfa dominante, conseguia manter alguma racionalidade, diferente dos poucos alfas do grupo que pareciam vagar meio desnorteados. O cheiro se tornava cada vez mais denso, sinal de que era um ômega de alta classificação, alfas comuns não seriam capazes de tocar aquele ômega, mas não impediria sua tentativa de posse.
Se levantou de uma vez, seus olhos focando naquela fonte do aroma tentador, o garoto gordinho se remexia desconfortável, a face vermelha, arfando sem controle e sem hesitar, caminhou em sua direção, um dos bandidos também seguia na direção do garoto, o alcançando primeiro, suas mãos segurando seu rosto, sua expressão cheia de uma posse doentia e Lissandre tentou recuar, afastar sua mão, mas estava completamente amarrado.
— Ei, Gaon! Tire as mãos do porquinho! Ainda não é hora de lidar com ele! — Krane ordenou num tom de voz forte, se erguendo para se aproximar.
— Tire as mãos! — outro bandido se aproximou, empurrando o primeiro com tanta força que ele bateu contra outra árvore e Lissandre se encolheu, abaixando a cabeça. — Não toque no que é meu! — seu grito fez com que os risos e conversas escandalosas cessassem de repente, os betas do bando encarando aquele louco com desconcerto, antes de encarar o gordinho que parecia doente.
Oras, se ele o queria, que ficasse a vontade. Todos deram de ombros com algum desdém, mas logo em seguida, outro bandido socou o que havia declarado sua posse.
— Não diga asneiras, ele é meu! — outro proclamou, montando no que havia derrubado e desferindo mais socos violentos, pra consternação ainda maior dos outros.
— Briguem entre vocês, eu cheguei primeiro! — o que havia sido lançado contra a árvore proclamou, sacando uma espada da bainha presa em seu cinto. — E quem quiser virar espeto, ouse se aproximar! — brandiu a espada com uma expressão feroz, a maioria dos alfas sentindo sua presença como uma piada. Era apenas um alfa recessivo, o que ele queria ali?
De repente, outro alfa se envolveu na briga. E daí que era um ômega feio? Ainda era um ômega!
Continua...
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