04 | Despedida
Uma sensação de urgência e inquietação mal o deixaram dormir, precisava revisar seus planos e pela primeira vez desde que despertou e desistindo de tentar dormir, começou a revirar os itens que vinha armazenando no anel espacial que havia comprado.
Era o maior que havia comprado e nele, já havia colocado mesas e estantes. Nas mesas, havia inúmeras refeições, não queria comer qualquer besteira por aí de procedência duvidosa. As estantes estavam repletas de livros. Bolsas e mais bolsas de itens, armários com roupas de todos os tipos, baús com joias e dinheiro.
Sabia que tinha muitas formas de pagar algo além dos ID Card, um cartão de identificação que todos usavam e o mais comum entre a classe operária eram as moedas.
Havia os drac's, pequenas moedas com um furo no meio, os toten's, uma moeda maior de prata que valiam doze drac e os lin's, moedas de ouro que equivaliam a vinte e dois toten. Havia investigado sem parar nos últimos dias, não tinha o costume de comprar pessoalmente algo, muito menos usando esses métodos de pagamento.
Geralmente bastava dizer o que queria e os empregados conseguiam para ele, estava um pouco ansioso para experimentar esse lado do mundo que nunca viu de perto.
Então havia separado tudo, roupas, dinheiro, livros a respeito da geografia, lendas locais e até mesmo o folclore de algumas regiões que queria visitar, mas sua preocupação maior ainda rondava sua mente: era um ômega.
Mesmo entre os plebeus, sabia que ômegas eram protegidos como tesouros por seus parentes já que poderiam facilmente ser roubados por aí. Havia pouquíssimos ômegas nesse mundo, alfas estavam em constante crescimento populacional, ao contrário dos ômegas que a cada geração se tornavam cada vez mais raros.
Para uma família de baixa renda, ter um ômega era como ter uma mina de ouro. Facilmente os casariam com uma família rica e viveriam bem pelo resto da vida.
Por isso era comum o sequestro de ômegas, e para ele que era um ômega de alta classificação, chamaria atenção como um farol.
Mesmo se usasse o colar do disfarce, ainda teria seus feromônios atraindo a atenção de alfas e traficantes em todo lugar.
Para se proteger, havia comprado pergaminhos de feitiços, roupas com runas e encantamentos e até mesmo armas, mas a verdade é que não sabia usar a maioria dessas coisas e sequer tinha maana em seu corpo para usá-los por muito tempo. Podia apenas contar com fuga rápida caso encontrasse algum perigo.
Ainda não havia passado pelo primeiro cio, então não tinha muita noção de como se proteger ou cuidar, apenas sabia que seria perigoso estar desprotegido nesse momento. Pensava em investigar a respeito quando saísse de casa, não poderia correr o risco de algum empregado descobri-lo lendo algum livro de natureza imprópria já que com certeza iriam informar ao arquiduque.
Enquanto verificava em seu diário em que anotou o máximo de informações sobre o livro, tentou pensar em alguma forma de se proteger.
Não sabia magia, era péssimo com lutas ou armas, não tinha força física e sequer maana suficiente pra usar itens mágicos por muito tempo e dificilmente conseguiria pagar por uma escolta decente sem que acabasse vendido ou devolvido ao arquiduque em troca de alguma recompensa.
Ômegas eram consideradas propriedades de suas famílias, não tinham muita voz ativa no império, talvez sua tia, a imperatriz, mas isso por que ela tinha o total favor do imperador e ainda tinha de lutar por espaço algumas vezes, tentando criar algumas leis para garantir alguns direitos aos ômegas.
Quando o sol começou a surgir no horizonte, percebeu que havia passado a noite toda pensando e repensando no assunto sem chegar a uma conclusão decente e decidiu dormir um pouco.
Nos dias que se seguiram, tentava achar uma solução e vez ou outra, verificava o diário para repassar as informações daquele estranho livro, coisas importantes que podiam valer de alguma ajuda, mas não conseguia pensar em nada efetivo.
Viver fugindo não era o ideal, era muito arriscado e ele não tinha força ou resistência o suficiente pra viver como um nômade. Queria viajar, conhecer outras nações e evitar a morte, mas isso também era impossível, sozinho e sendo um ômega incapaz de se proteger.
Havia lido com atenção o mapa do país inúmeras vezes, planejando e alterando seu plano de fuga caso algo desse errado cada vez e estava pronto para agir, mas ainda sentia um tremor nas mãos ao imaginar o que essa viagem aguardava.
Não queria ir.
Havia passado os últimos dezesseis anos preso naquela ala norte, afastada da mansão principal do duque e fora a academia, era tudo o que conhecia.
Somente nos últimos dias percebeu que não saiu uma vez sequer para o centro comercial, nem frequentou alguma das suas lojas de doces favoritos, não sabia como sair pelas ruas e mal conseguia dormir pensando em como resolver o problema de sua própria segurança a longo prazo.
Poderia viver isolado em alguma floresta, mas ele estava fugindo para sobreviver e ser livre, onde havia liberdade em viver nos fundos de uma floresta ou no alto de alguma montanha isolada? Não queria isso.
Durante toda a sua vida, estudou sobre economia, geopolítica, história e outros idiomas. Aprendeu sobre fundamentos e princípios da magia, runas e conjuros, sobre classe e etiqueta social e normas que devia seguir, leis e culturas de alguns povos e sabia que havia outras raças por aí, países, cidades e lugares que nunca sequer viu por imagens e quanto mais pensava nessa fuga, mais interessantes tais lugares pareciam. Queria ver um pouco do mundo e evitar sua morte, não era pedir muito, certo?
Um dia antes de partir, decidiu se despedir do túmulo de sua mãe. Não tinha ideia de quando poderia voltar ou se sequer um dia voltaria. O túmulo ficava em uma área remota da mansão, protegida por guardas e até mesmo feitiços poderosos que permitiam somente o sangue Rosenvelth ultrapassar.
Era como um santuário feito por Cirrus, com vegetação abundante e árvores circundantes que formam uma espécie de arco ao final da trilha. No centro, havia apenas uma enorme lápide silenciosa, de mármore polido com o nome da arquiduquesa gravado com elegância.
Lissandre vestia preto dessa vez, da cabeça aos pés.
Pequenos arbustos decorativos e arbóreos ornamentais circundavam o túmulo e em um canto, uma pequena fonte de água emitia um suave murmúrio. Com cuidado, ele deixou um buquê sob o túmulo sem dizer uma única palavra.
Não havia chegado a conhecer aquela mulher, nem mesmo ouviu uma única história de como ela era em vida. Não sabia como era seu rosto, apenas sabia que a havia matado ao nascer e talvez, ela tivesse preferido que o tirassem e a deixassem viva se soubesse do que ele era capaz.
Contendo as lágrimas, não de arrependimento, mas de vergonha por aparecer diante do túmulo da mulher que morreu para dá-lo à luz depois de tudo o que havia feito, ele se inclinou, tirando algumas folhas que caíram na lápide com cuidado. Sentia o coração se oprimir no peito, um soluço doloroso mal contido ao se inclinar um pouco sobre o túmulo.
Nunca mais veria uma mulher que nem sabia como era seu rosto, não sabia exatamente o que dizer, então apenas permaneceu em silêncio diante do túmulo, tentando criar coragem para as coisas que enfrentaria para sobreviver.
— O que está fazendo aqui? — uma voz hostil o tirou de seus devaneios e tratou de puxar a máscara, cobrindo o rosto outra vez ao olhar por cima do ombro e empalideceu ao ver Damian caminhando em sua direção com passos duros.
Era uma cópia fiel do arquiduque: os mesmos cabelos prateados, os mesmos olhos dourados, nariz reto, queixo forte. Era alto e, como o esperado de um alfa, com uma presença opressiva que o fez estremecer.
— Você não tem permissão de vir aqui! — dizia com um olhar furioso e sem aviso algum, segurou Lissandre pelo braço, o arrastando para fora do santuário.
Lissandre sequer teve forças para resistir. Foi jogado pra fora do santuário como se fosse um intruso, caindo no piso de pedras, algumas criadas que ficaram do lado de fora para esperá-lo olhavam com pavor aquela cena toda.
Acompanharam Lissandre por anos e ainda foram escolhidas para acompanhá-lo para o território do arquiduque, queriam defendê-lo. Mas do outro lado estava o herdeiro do arquiduque, como poderiam agir contra ele?
— Um assassino como você não pode pisar nesse lugar, está manchando a memória da minha mãe dessa forma. — Damian prosseguiu, cego pela raiva, antes de se dirigir às criadas que pálidas, tentavam apoiar Lissandre. — Levem-no para o quarto e não o deixem sair outra vez até que seja hora de partir amanhã. Ele não tem permissão para passear por aí. — e ajeitando o terno que usava, deu as costas e voltou para o santuário.
Lissandre estava de joelhos, as mãos sangrando por cair de mal jeito em algumas pedras não eram nada comparadas à dor que sentia com todas aquelas palavras cortantes.
Nunca pensou que chegaria o dia que ouviria tais coisas vindas de Damian, estava acostumado com a indiferença e o tratamento de silêncio vindos do irmão. Com a ajuda das criadas que estavam aflitas, ele se ergueu lentamente e foi amparado de volta até o quarto.
Sequer ficou surpreso quando, ao chegar no quarto, já haviam dois guardas parados bem na porta para impedi-lo de sair e as criadas se entreolharam ainda mais preocupadas, segurando firme no braço dele. Era sinal de que Damian o havia procurado antes, provavelmente planejando deixá-lo sob vigília para impedir alguma fuga.
— Chamarei uma curandeira para tratar dos seus ferimentos, jovem mestre. — Uma delas disse enquanto a outra pressionava um lenço nas palmas de sua mão. Já se encontrava em sua sala de descanso, olhando para a vista através da janela.
Repensando o que Damian havia dito, soltou um longo suspiro. Não era bem-vindo nessa mansão e tinha certeza de que não pretendia voltar. Após ser tratado por uma curandeira, os ferimentos que tinha haviam ido, nem mesmo havia percebido que tinha um hematoma onde o irmão o agarrou.
Era fraco.
O que um estranho faria com ele se o pegasse? Como fugiria?
Confiava nos pergaminhos e roupas que comprou, mas ainda não queria depender apenas disso.
Já era tarde da noite, deitado em sua cama, revirando desesperadamente aquelas anotações que havia feito semanas atrás em busca de alguma ideia, a urgência quase o fazendo praguejar – algo tão deselegante para um nobre -, quando seus olhos foram atraídos para um rabisco feito às pressas em uma das páginas.
Se sentou, observando com atenção aquele desenho. Era uma espécie de armadura negra e assustadora, o homem que a usava possuía asas negras enormes, um elmo com chifres e até mesmo segurava uma enorme espada com empunhadura repleta de escamas e a lâmina negra. O antagonista.
Havia feito um breve esboço de todos que surgiam naquele livro, ou pelo menos como imaginava pelas descrições.
O antagonista principal era, com certeza, o oponente mais difícil com o qual Maribel e sua trupe de alfas descerebrados enfrentaram em toda a história, uma figura manipuladora, poderosa, quase convenceu a protagonista a sair do caminho e deixá-lo destruir todo o império com a promessa de criar um mundo unido ao reino demoníaco, "pela paz entre as criaturas da superfície e do submundo".
Ele se sentou de repente, finalmente uma ideia surgindo em sua mente.
Continua...
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