51 - Notícia
"Escolhas são o que determinam o destino".
— Lady Anastácia Morrison
2 meses depois
Do outro lado do Estreito de Dover, mais especificamente em Paris, Anastácia encontrava-se sentada em uma escrivaninha, em frente a uma sacada, enquanto a uma leve camada de neve se desprendia do céu. Era a primeira nevasca de inverno, e aquele clima cinzento a deixou ainda mais triste do que já estava. Era o maior período, em toda sua vida, em que ela havia ficado longe de Matthew. A saudade apertou o peito dela, assim como ocorrera em todos os dias desde que deixou Londres. Todavia, muita coisa havia mudado. O destino agiu de forma inesperada e ela foi obrigada a tomar uma decisão.
Completamente melancólica, Any pegou uma caneta tinteiro, um papel e começou a rascunhar uma carta.
Querido Matthew,
Antes de dizer qualquer coisa, devo expressar com toda sinceridade, que eu sinto a sua falta todos os dias, a cada instante, a cada batida do meu coração. Não teve um só dia, desde que deixei Londres, em que eu não pensei em você. Ainda te amo com a mesma intensidade e talvez te amarei para todo o sempre.
Nesse momento, soltei um longo suspiro enquanto tento organizar os pensamentos para revelar algo muito importante. Ironicamente, por mais que eu tenha passado dias pensando em como lhe contar o que eu devo dizer, ainda não encontrei as palavras corretas, seria tudo tão mais fácil se você estivesse aqui...
Any interrompeu a escrita quando sentiu o estômago embrulhar mais uma vez. Aquele mal-estar vinha a acompanhando a algum tempo, principalmente durante as manhãs. Sentiu o amargor subir a bile, e disparou apressada até a latrina mais próxima, despejando tudo que ainda restava no estômago.
Lucylle que passava por ali, parou perto de Any e observou-a se recompor. Ela não disse nada, pois não era da conta de ela interferir na decisão de Any, embora acreditasse que Matthew deveria saber a verdade.
Anastácia, ao notar o olhar contemplativo que Lucy lançava para a sua barriga, revelou por fim:
— Contarei a ele. Refleti muito a respeito, Matt tem o direito de saber que terá um filho.
Lucylle respirou aliviada e sorriu. Finalmente Any tinha visto as coisas com clareza. Contudo, o sorriso se desfez dos lábios quando a lady acrescentou:
— Estava justamente escrevendo uma carta para ele, para lhe dar a notícia de que será pai.
Lucy trincou o maxilar, não apreciando nem um pouco aquela atitude. Geralmente ela mantinha os pensamentos em segredos, mas naquela ocasião, foi obrigada a intervir:
— Sabe que nunca me intrometi na sua vida, tampouco em suas decisões. Contudo, Any, nesse caso, serei obrigada a dizer o que eu penso. Não acho que uma carta seja a melhor forma de contar a alguém que terá um filho. O que acha que o duque fará? Lerá a carta e vais dizer "Oh bom saber que serei pai, nem vou querer ir atrás do meu filho. Any sabe o que é melhor para todos". — Lucylle debochou tentando imitar a entonação de Matthew. — Não dou nem quinze dias para ele te encontrar e seguir seus passos aonde quer que vá. Se for o desejo dele ser um pai presente, não deve negá-lo. Eu não teria negado se o pai de Sebastian quisesse ter participado da vida dele.
Any baixou o olhar para o chão quando revelou sussurrando:
— Não sei se estou pronta para reencontrá-lo.
Lucylle uniu a sobrancelha ao centro da testa e questionou:
— Tem medo do que, exatamente?
— Não estou certa de como vamos lidar com essa gravidez. Não estávamos esperando por isso, ao menos não nesse momento.
— Entendo. — disse a moça, contemplativa. — Você ainda o ama?
Anastácia ponderou por um longo momento e lançou um olhar furtivo para as mãos quando falou:
— Nunca deixei de amá-lo. Nem por um instante sequer.
Os lábios de Lucy se curvaram em um largo sorriso.
— Se você o ama, Any, deve procurá-lo. Se fosse o contrário, se não sentisse mais nada pelo duque, eu lhe aconselharia a não permanecer ao lado dele apenas pelo bem da criança. Há possibilidade de ser um pai presente, mesmo não estando junto da mãe. Todavia, se você o ama, deve considerar retomar o casamento. Seria tolice condenar uma família a infelicidade, apenas por conta do orgulho descabível. Se há amor envolvido, sugiro que se acertem.
— E se Matthew tiver seguido em frente? Se ele estiver com outra pessoa? Se nem quiser saber dessa criança? — Any inquiriu agoniada.
— Você apenas saberá disso se o encontrar. E se seus temores se concretizaram, apenas terá em seu coração a certeza de que tentou reatar. Além do mais, não tem o que temer, pois se há alguém no mundo que pode ser uma mãe solteira, é você. Uma mãe pode muito bem criar um filho sem um pai. Além disso, nunca estará sozinha, Any. Eu jamais abandonarei.
Anastácia envolveu a amiga em um abraço apertado, e foi ali, naquele exato momento, que ela tomou a decisão.
— Providencie a minha acomodação para o próximo navio que partirá a Londres. — pediu Any, determinada. — Tenho toda uma vida a resolver.
— Acha que é seguro viajar nesse estado? — Lucylle questionou, preocupada.
— Os enjoos não cessarão, independentemente de eu estar aqui, ou no mar, continuarei vomitando. Não há muito que eu posso fazer em relação a isso. — Balançou os ombros.
Lucylle abriu um singelo sorriso e no mesmo momento em que Sebastian, filho dela, surgiu todo feliz.
— Tia Any, tia Any! — correu agitado — Vamos brincar de Cowboy e Xerife? Vamos? — pediu, todo empolgado.
A face de Anastácia se iluminou em felicidade. Aquele mês de convivência junto a Lucylle fez ela se aproximar do pequeno Sebastian, e assim ela soube que levava jeito para cuidar de criança, talvez pudesse ser uma boa mãe.
— Tudo bem, mas eu serei o Cowboy dessa vez.
O garotinho torceu os lábios um tanto contrariado e por fim concordou com Any.
— Tá bom, mas não vale correr muito. — advertiu, entregando a ela a réplica de um revólver de madeira.
Lucylle, por sua vez, deixou ambos brincando e partiu atender ao pedido de Anastácia, torcendo para que tudo desse certo e a amiga conseguisse ser realmente feliz.
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Três dias depois, Anastácia desembarcou em Londres, sendo abraçada pelo frio avassalador de uma tarde gelada no início do inverno. Desceu pela travessia de madeira carregando nas mãos uma mala, no coração a esperança e no ventre uma criança que era fruto de um grande amor.
Pegou a carruagem de aluguel e partiu ao encontro de Matthew sem saber o que o futuro tinha lhe reservado.
Naquela dia, Any procurou pelo duque no parlamento e soube que fazia mais de dois meses que ele não aparecia por lá. Aquela informação a deixou profundamente preocupada. Era um mal presságio. Com o coração apertado, Any marchou até a residência White, sabendo que aquele era o único lugar em que Matt poderia estar.
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Antes de entrar naquele que um dia fora seu lar, Any se deteve em frente a passarela de cascalhos brancos que levava à porta. Não fazia ideia o que encontraria do outro lado, no interior daquela casa. No entanto, conjurando toda a coragem que possuía, ela respirou fundo, alinhou a postura, arrastou a mala e bateu na porta.
Embora fizesse muito frio, todo o corpo de Anastácia transpirou excessivamente ao aguardar que alguém lhe atendesse. Ouviu-se passos do outro lado, então a porta se abriu, revelando lady Katherine Morrison cuja cor sumiu da face ao se deparar com aquela que ainda era a sua nora.
— Olá, senhora Morrison. — Foi tudo o que conseguiu dizer.
Rapidamente a expressão de espanto foi substituída pela fúria e a duquesa viúva logo indagou com demasiada rispidez:
— O que está fazendo aqui? Por que voltou?
Any franziu o cenho, não esperava por tal comportamento agressivo.
— Tenho algo a dizer a Matthew e devo dizê-lo pessoalmente. — proferiu com firmeza.
Um sorriso sarcástico ocupou a face de Kate.
— Não se deu o trabalho de se explicar quando partiu e agora retorna, dois meses depois, como se nada tivesse acontecido, ignorando todo o caos que deixou para trás. Não posso permitir que o veja. Meu filho está sofrendo muito com a sua ausência. Não posso permitir que torne as coisas piores do que já estão. Não posso perder Matthew. Então sugiro que volte à lugar de onde nunca deveria ter saído e leve consigo todo o seu egoísmo. — Tentou fechar a porta na face de Any, mas a lady impediu.
— Entendo as suas razões, mas realmente não sairei daqui antes de falar com Matthew. É um assunto sério e urgente que deve ser tratado, primeiramente, entre nós dois. Matt deve ser o primeiro a ter conhecimento da informação que eu trago. A senhora sabe o quanto sou obstinada, não há nada que possa fazer para impedir que eu fale com seu filho, eu farei isso de uma forma ou de outra, portanto, sugiro que saia da minha frente, pois pretendo resolver meus assuntos ainda hoje e nenhum dia a mais.
Lady Katherine refletiu por um instante a medida em que observava a face de Anastácia. Sabia que seria inútil tentar evitar aquele encontro, então, sem outra escolha, ela abriu caminho permitindo a passagem de Any.
Anastácia adentrou pela porta, no entanto, antes que pudesse avançar, lady Morrison a segurou pelos braços e advertiu severamente:
— Não ouse magoá-lo, mais do que já magoou.
Any não disse nada. Não era capaz de assegurar o que poderia ocorrer após aquela conversa, quando havia a possibilidade de ambos saírem magoados.
A lady deixou a mala ao pé da escada, subiu os degraus, percorreu o corredor e parou em frente a porta do quarto que um dia ela dividiu com Matt. Segurou a maçaneta fria, e deteve-se, por um curto momento, antes de tomar a coragem para abrir porta. Any respirou fundo e finalmente adentrou no quarto escuro.
Aquele lugar estava um caos. Havia muitas garrafas vazias espalhadas pelo chão, junto de alguns charutos usados os quais provocaram no cômodo um odor desagradável. Any desviou das roupas jogadas pelo caminho, passando por cima de jornais, das vestes que pertenciam a ela e então alcançou Matthew submerso nos cobertores.
— Matt. — ela chamou, sacudindo os ombros dele. Como não obteve resposta, solicitou novamente: — Matt.
Aos poucos o duque começou abrir os olhos, colocando a vaga atenção sobre ela.
— Any! É você mesmo? Você está aqui? — sussurrou, com a voz embargada pelo choro eminente.
— Sou eu Matt. Estou aqui. Nós precisamos conversar.
O duque segurou as mãos dela, temendo que tudo fosse uma ilusão de sua mente à beira da insanidade. Ainda um tanto incrédulo, ele perguntou:
— Como posso saber se é real? Já esteve aqui antes e desapareceu em um piscar de olhos.
Aquela declaração encheu o coração de Anastácia de tristeza. Quando ela o deixou, não tinha ideia de que Matthew se afundaria em uma tristeza sem fim. Não teria partido se soubesse que ele sofreria daquela forma.
Anastácia, tomada pela melancolia, deitou-se do lado de Matthew, pegou a mão dele e a levou sobre o peito.
— Está sentido as batidas do meu coração, Matt? Estou aqui agora e não tenho nenhuma intenção de partir.
O duque encostou a testa na de Anastácia e desabou em choro.
— Não me abandone, Any! Se deseja a liberdade, eu a darei. Se quer sua independência, eu ajudarei a conquistar. Terá o The Royal de volta, eu nunca deveria ter lhe tirado. Por Deus, Anastácia! Eu prometo que tratei o The Ladies de volta. Podemos abrir milhares de clubes se você quiser. Eu juro que serei seu companheiro fiel e jamais tomarei a sua liberdade, tampouco seus direitos de mulher. Any, minha linda. Se quiser enfrentar a rainha, eu estarei do seu lado. Se desejar ir de contra o Papa, eu te apoiarei. Jesus! Eu ficarei ao seu lado mesmo que tenha de enfrentar o Diabo. Farei de tudo para tê-la de volta. Eu não consigo viver sem você, Any. Não consigo, pois é a minha metade e sem você eu fico incompleto. Eu te amo tanto, que chega a doer.
Anastácia caiu em lágrimas, sabendo que aquela declaração era verdadeira, feita na sobriedade, pois embora houvesse garrafas vazias naquele quarto, Any não sentiu o cheiro de álcool no marido. Ali, naquela tarde, ele estava plenamente lúcido e ainda completamente apaixonado por ela.
— Eu amo você, Matthew Morrison. Não deixei de amá-lo em nenhum instante sequer. Perdoe-me por ter o feito sofrer.
— Apenas não me deixe jamais. É tudo que eu peço. — Beijou a testa dela, e Any sentiu a aspereza da barba tocar a pele.
Anastácia aconchegou-se nos braços do marido, sabendo que aquele era o único lugar em que ela deveria estar.
— Matt, acho que precisa de um banho. — murmurou sem graça.
O duque, no entanto, gargalhou pela primeira vez em muito tempo e Any sentiu o peito dele se mover sob a face dela.
— Acredito que tenha razão, minha linda.
A contragosto, ambos se afastaram e colocaram-se em pé.
— Você vem comigo? Não quero passar um instante sequer longe de você. — suplicou, temendo que ela negasse.
Any, todavia, sorriu e disse:
— Acho que também estou precisando de um banho.
Matthew entrelaçou os dedos nos da esposa e juntos seguiram ao quarto de banho.
Quando ficaram a sós no ambiente iluminado, a lady constatou o estado em que ele se encontrava. A barba havia crescido novamente, o duque tinha emagrecido, o cabelo estava uma tremenda bagunça, e ao redor dos olhos, havia visíveis sinais de olheiras. Any lamentou profundamente o quanto o havia o feito sofrer.
— Preciso que me ajude com o espartilho. — ela pediu, ficando de costas para ele.
Matthew, agilmente atendeu ao pedido da esposa e começou a despi-la como costumava a fazer, sorrindo ao saber que Any realmente havia voltado para ele.
Ao finalizar a ação, as vestes da lady caíram ao chão, deixando-a completamente nua. Matt também despiu-se e ambos se colocaram sob o chuveiro. Os dois permaneceram abraçados por um longo momento, à medida em que a água morna escorria pela pele deles. Ali, tornaram-se apenas respirações e batimentos cardíacos em sincronia, assim como deveria ser.
Após um longo momento, Any finalmente teve coragem de lhe contar a razão pelo qual havia retornado.
— Matt... — sussurrou ela.
— Sim, minha linda.
— Eu estou grávida e você é o pai. — revelou subitamente.
Por um momento, o som da água se chocando contra o piso frio foi tudo o que se ouviu em meio ao silêncio que se instalou.
Contudo, Matt separou-se sutilmente, segurou o rosto molhado da lady em suas mãos e disse por fim:
— Claro que o filho é meu, Anastácia. Você não estaria aqui se não fosse. Podes ser muitas coisas, mas não é uma mentirosa. — Então os olhos novamente foram tomados pela tristeza quando ele perguntou: — Foi apenas essa razão que voltou? Foi somente por causa de nosso filho?
— Não, Matt! — Também levou as mãos a face dele. — Eu voltei, porque não consigo passar um dia a mais longe de você. Voltei porque eu te amo, incondicionalmente e a cada instante. Voltei, porque, embora eu carregue uma parte de você em meu ventre, ainda assim me sentia incompleta por não ter você ao meu lado. Voltei por você, por nós.
Os lábios do duque se curvaram em um sorriso antes de ele selá-los na testa da esposa. As mãos dele desceram até o ventre dela, tentando se conectar com a criança ali dentro, disse por fim:
— Eu prometo que os protegerei de tudo e jamais os abandonarei. Não importam as circunstâncias, ou quem ouse se colocar entre nós, eu permanecerei ao lado de vocês, pois são a minha família, meu tesouro e todo o meu mundo. Amo você, Anastácia Morrison. — Abaixou-se em direção a barriga da mulher. — Amo você, pedacinho de gente. — Depositou um beijo sobre a leve protuberância que começava a surgir.
E foi ali, naquele quarto de banho, sob as águas mornas que desprendiam do chuveiro, em uma tarde de inverno, em Londres de 1889, que Anastácia e Matthew finalmente se completaram, unidos pelo amor de amigos, amantes, e, sobretudo, pelo amor dos pais para um filho ou filha que em breve surgiria no mundo. Um amor sem fim.
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[...] C O N T I N U A . . .
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