47 - Guerra
"Não é vergonhoso se divorciar. Vergonha é permanecer em um casamento infeliz".
— Lady Anastácia Morrison
Quando Anastácia chegou a residência de Rose, aquela notícia já havia percorrido toda Londres. Any encontrou, portanto, todas funcionárias do The Royal, aflitas, tentando entender como tudo havia se tornado um caos.
— Any! — Rose abraçou a amiga assim que ela adentrou pela porta.
Anastácia colocou a mala no chão e encarou aquelas mulheres, notando o medo por de trás de cada olhar. Teria de lutar por elas, não as deixaria nas mãos de homens que apenas as explorariam em troca de prazer.
— Acredito que todas leram o jornal.
Não foi necessário resposta, pois aquilo estava evidente em cada face.
— Diga o que devemos fazer? — inquiriu Rosália. — Se precisar que façamos uma greve, nós faremos.
Any suspirou profundamente e ponderou muito antes de declarar:
— Não quero que façam greve. Ao menos não ainda. O clube precisa se manter como está. Preciso que ainda tenha a mesma reputação quando eu o recuperar. Não permitirei que Matthew destrua tudo o que minha família demorou anos para construir.
Rosália concordou com a decisão de Any. Uma greve não ajudaria em nada naquele momento.
— Posso garantir a todas vocês que não as deixarei desamparada. Se eu notar que as coisas estão piorando, eu mesma tomarei a frente da greve. Por ora, devem manter tudo como está. Voltem para seus afazeres. Infelizmente, minhas amigas, não há nada que possam fazer por mim.
Uma por uma, as mulheres abraçaram Anastácia, concedendo o devido apoio e então deixaram aquela residência.
Rose pegou a mala do chão e levou ao quarto de hóspedes, acomodando a amiga que passaria um bom tempo ali.
— E quanto a Matthew, negou aquelas palavras? — a espanhola indagou, ajeitando o lençol sobre a cama.
— Não disse nada. Apenas me observou partir. — Sentou-se na cadeira perto da penteadeira. — Eu pedi o divórcio, Rose.
Ao ouvir aquela revelação, a face da espanhola foi tomada por uma expressão de tristeza. Rose se ajoelhou em frente à Anastácia e segurou as mãos dela.
— Oh, minha amiga. Eu sinto muito.
E foi somente naquele momento que as lágrimas finalmente rolaram dos olhos de Any.
— Como eu pude me enganar tanto, Rose? — A voz saiu quase inaudível.
— Talvez não tenhamos nos enganado. Isso não me parece algo que o duque faria. Acredito que ele tenha alguma explicação.
— Se ele tivesse algo a dizer, teria dito antes que eu saísse. Eu teria o ouvido. Contudo, Rose, Matt apenas se calou e eu vi a culpa nos olhos dele. Foi triste e doloroso, mas ele sabia de tudo e agiu pelas minhas costas. Não consigo perdoá-lo.
Rose, pela primeira vez, não tinha um conselho a transmitir. Havia um limite de até onde se pode interferir em uma relação, aquele foi o limite dela.
— E o que fará a partir de agora?
— Lutarei pelo divórcio, para recuperar meus bens e minha liberdade. Farei o possível para ter a minha vida de volta. Eu não estou domada. Não se pode domar um espírito livre. Iniciaram uma guerra e eu não serei derrotada.
— Sabe que eu estou do seu lado. Não importa o que aconteça, eu sempre estarei contigo. — assegurou a espanhola, sabendo que Any iria precisar de toda sua força, mais do que nunca.
Assim que Anastácia se acomodou na residência de Rose, as irmãs Morrison's vieram até ela demonstrar o apoio. Rosalia claramente ficou confusa ao ver as garotas por lá. Sequer sabia que elas tinham aquele endereço, mas de alguma forma, haviam encontrado a cunhada.
— Any! — exclamou Joan se jogando nos braços da lady. — Viemos assim que soubemos da notícia.
— E como chegaram até aqui? — inquiriu a espanhola, cruzando os braços.
— De carruagem. — respondeu Felicity, balançando os ombros.
— Isso eu sei! — declarou Rose, impaciente. — Quero saber quem lhe deu o endereço.
— Matthew. — disse Joan. — Ele afirmou que Any estaria aqui.
Rose se sentou no divã e as meninas a acompanharam. Todavia, mal ocuparam o assento, ouviram alguém bater à porta.
— Jesus! — exclamou a espanhola, colocando-se em pé. — Acho que essa casa nunca recebeu tanta visita. — Rumou até a porta.
Do outro lado, mantendo uma postura ereta e muito segura, encontrava-se lady Stephanie Davies.
— Olá, senhorita Rosalia. Any se encontra?
— Olá, lady Davies. Pode entrar. — Abriu a passagem para que a moça adentrasse na residência.
— Acredito que também tenha lindo o jornal. — comentou Any, um tanto chateada.
— Toda Londres leu. Não se fala em mais nada além daquele artigo. — explicou lady Davies, ainda em pé.
— Sente-se, querida. — Any apontou a poltrona acolchoada a sua frente.
A moça, com muita delicadeza, ocupou o lugar indicado.
— Matthew passou do limite, Any! Até mesmo mamãe que o ama tanto, está do seu lado. — comentou Joan.
— Ele foi uma canalha! — praguejou Felicity. — Não voltarei a falar com ele até que o idiota resolva essa situação.
Naquele momento, Anastácia teve a certeza de que as cunhadas, mesmo sabendo que a situação era deveras complicada, ainda tinham esperanças de que ela e Matthew se acertassem. Algo que não seria possível. Então, com muita dor no coração, Any revelou:
— Eu pedi o divórcio e pretendo solicitar um pedido formal junto ao parlamento.
O silêncio absoluto ocupou aquela sala. Felicity arregalou os olhos azuis. Joan apenas apertou os lábios em uma linha fina e lady Davies franziu levemente o cenho.
— Se acredita que essa é a melhor decisão a ser tomada, eu lhe apoiarei. — Joan declarou colocando a mão sobre a da cunhada.
Any sorriu agradecendo o apoio dela.
— As mulheres precisam se apoiar. É isso que precisamos fazer. Matthew errou. Não queria jamais ter de escolher entre você e meu irmão, mas estou do seu lado Any. — afirmou Felicity, um tanto ressentida por ter tomado aquela decisão.
— Meninas, eu agradeço o apoio. Entretanto, não quero que tenham de tomar um partido nessa luta. Não é justo que tentam de escolher entre eu e seu irmão. Isso é algo que eu deva resolver com Matthew; algo que resolveremos sozinhos. A única coisa que peço a vocês é que, independentemente do que venha acontecer, jamais deixemos de ser amigas. É apenas isso que me importa.
— Claro que seremos sua amiga. — expressou Joan, indignada. — Nada mudará, Anastácia. Mas eu realmente espero que você e Matthew se acertem. Mesmo que consiga o divórcio, espero que ainda possam ser amigos. A amizade de ambos sempre foi verdadeira e sincera. É uma pena perder algo tão valioso.
Anastácia suspirou profundamente sentindo a dor pressionar o peito. Sim, ela estava triste ao saber que talvez a amizade entre poderia ter chegado ao fim.
— Isso, minha cara, só o tempo poderá dizer. — Any disse, tristemente.
— Se está realmente decidida a prosseguir com o divórcio, posso pedir para que meu irmão indique os melhores advogados de Londres. Precisará de alguém realmente bom para conseguir persuadir o parlamento a seu favor. — informou lady Davies.
— Agradeço o apoio, Steph.
E naquela residência, em Soho, fora decidido o futuro de Anastácia Morrison que ansiava em voltar a ser apenas lady Lumb. De todos os possíveis destinos, aquele realmente foi o mais imprevisível e talvez o mais cruel.
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No decorrer daquela semana, Anastácia e lady Davies percorreram toda Londres à procura de algum advogado que aceitasse o caso de Any. Todavia, apesar de lady Morrison ter uma carta comprovando que Matthew havia beijado outra mulher após o casamento, todos foram unânimes em afirmar que aquilo não valia de nada no tribunal, alegando que Any não tinha provas alguma da infidelidade e não conseguiria divórcio algum sob o argumento de que estava insatisfeita com a união. Um deles até mesmo afirmou que defender o caso dela seria como enfrentar a rainha e ninguém em sã consciência se oporia à monarca. Anastácia tinha plena ciência de que seria difícil encontrar alguém para defender seus ideais, todavia, não pensou que tal seria uma missão impossível.
Após sair do último endereço da lista escrita cuidadosamente pelo conde de Bastille, Any e Stephanie se encontraram frustradas e desesperançosas no meio da calçada.
— O que fará agora, Any? Todos negaram seu caso. — pontuou lady Davies, preocupada.
— Há algo que eu posso fazer. Venho pensando nisso ao longo da semana. Terei de procurar a rainha e convencê-la a apelar ao meu favor no caso do divórcio. — revelou Anastácia, trincando o maxilar.
— Acha que a monarca fará isso por você?
— Não. Mas eu tenho que tentar. — Direcionou até a carruagem. — Se importa em pedir o transporte de aluguel, Steph?
— Claro que não. Faça o que deve fazer. Não se preocupe comigo, eu sei me virar.
Any sorriu e fechou a porta.
— Dê-me notícias, Anastácia. — solicitou lady Davies, assim que a carruagem começou a mover.
— Eu darei.
Então o cocheiro deixou The Citty e tocou os cavalos rumo a Windsor.
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O clima de Londres havia mudado bruscamente. A última vez que Anastácia havia colocado os pés no castelo de Windsor, era o início do verão. Naquele dia, no entanto, o outono tomava conta da Inglaterra e as folhas das árvores mudavam de cor, colorindo a paisagem em exuberantes tons laranjas que Any tanto amava. Quando desceu da carruagem, a leve chuva tocou a face dela e a temperatura amena a fez se encolher sutilmente. Determinada, a lady caminhou para dentro do castelo, mas foi impedida pelos guardas de ir além do grande pátio.
— Diga a rainha que lady Anastácia Morrison deseja vê-la e não sairá daqui sem falar com ela. — declarou obstinada.
O emissário da rainha apenas assentiu levemente com a cabeça e adentrou no palácio para levar o recado.
Any esperou por um bom tempo. Andou de um lado para o outro, organizando os pensamentos, planejando o que diria a monarca. A chuva que desprendia do céu cinzento havia aumentado consideravelmente quando a rainha, enfim, decidiu receba-la.
O emissário levou Any até a sala de leitura, onde a lady encontrou Victoria, impecavelmente acomodada em um poltrona, trajando uma veste azul escuro, mantendo nas mãos um livro erguido à altura do rosto.
Por um momento, Any não disse nada. Apenas aguardou que a monarca lhe concedesse a atenção.
A rainha, contudo, prosseguiu a leitura da página e só fechou o livro após encerrar o parágrafo.
— Lady Morrison. — disse por fim. — Estava me perguntando quando viria. Confesso que demorou mais do que o esperado. — Depositou o livro sobre a mesinha redonda ao lado da poltrona.
— Vossa majestade. — Inclinou-se em uma referência.
A rainha analisou Any com muita atenção. A última vez que havia a visto, a lady estava sofrendo com o luto, pois acabara de perder o pai. Todavia, ali na frente dela, havia uma outra Anastácia, feroz e determinada, pronta para um embate.
— Sente-se. — A monarca indicou a poltrona a sua frente.
A lady, com muita educação, atendeu ao pedido da rainha.
— Qual o motivo da sua visita, lady Morrison?
Any alinhou a postura, cravou o olhar sobre a rainha e disse sem rodeios:
— Quero que interceda ao meu favor quando eu solicitar o divórcio junto ao parlamento.
Victoria gargalhou alto. Anastácia havia enlouquecido? Aquele pedido não poderia ser real.
— Não farei isso. Se veio aqui à espera da minha ajuda, perdeu o seu tempo.
— Imaginei que diria isso. — comentou Any. — Sendo assim, desejo que revogue o testamento a qual permite que o duque de Hereford esteja de posse de meus bens. Se não podem ser meus, também não serão dele.
A rainha curvou os lábios enrugados em um sorriso torto.
— Também não atenderei a esse pedido. Você não entente, lady Morrison. Isso é o que possibilita eu a ter em minhas mãos. Eu sou contra o divórcio. Sou contra a qualquer espécie de perversão moral. O casamento, minha cara, deve ser sagrado. Mulheres devem zelar pelo matrimônio, fazendo os esposos felizes. Eu quero que permaneça casada e farei de tudo para que não consiga o divórcio. Matthew me garantiu que a colocaria nos eixos e tem mantido a palavra até agora. Tudo está caminhando conforme eu planejei. — revelou a monarca, sem qualquer remorso
— Então você é a responsável, por tudo isso? Como convenceu Matthew a participar desse plano ardiloso? Eu deveria ter suspeitado que Matt não teria feito isso sem uma razão.
— Eu não fiz nada demais, minha cara. Seu esposo apenas se convenceu que deveríamos lhe impor um limite. Chegamos em um consenso, afinal. — debochou ironicamente.
— Isso não é a verdade.
— Se não acredita em mim, pode perguntar a ele. Homens, no fundo, são todos iguais, Anastácia. Pena que descobriu isso da pior forma possível. Deve ser doloroso ser traída pelo melhor amigo. — A monarca não poupou o veneno. Realmente tinha a lady como sua maior inimiga.
Por mais que as palavras da rainha tivessem lhe provocado dor, Anastácia não esboçou nenhuma reação além da frieza, encarou a monarca com demasiada austeridade e proferiu com muita confiança.
— Sei exatamente as razões pela qual me tem como inimiga e é realmente contraditório que uma mulher, na sua posição, seja contra ideais que apenas beneficiariam milhares de mulheres em toda Inglaterra. Todavia, é de meu conhecimento que jamais se importou com a liberdade, afinal já nasceu destinada ao trono e com muito mais independência do que qualquer outra mulher. É uma pena, no entanto, que com tanto poder nas mãos, vossa majestade diminuiu significativamente o seu gênero, tornando as mulheres submissas e invisíveis, tão inferiores ao ponto de não ter valor algum, caso não tenham um homem as amparando. Eu, no seu lugar, teria feito tudo ao contrário. A senhora apenas ocupa esse trono, porque foi destinada a ele, caso contrário, ninguém teria a colocado na posição a qual se encontra e qualquer homem já teria usurpado o seu lugar, pois deu mais vozes a eles do que em qualquer outro reinado. De que adianta temos uma figura feminina no trono de uma grande nação, se ela possuí a voz masculina, se fala e age como um homem, se condena todas as mulheres a uma vida medíocre? Eu posso lhe assegurar, rainha, que se as mulheres pudessem escolher entre eu ou você para ocupar o trono, eu seria a vitoriosa, pois as mulheres me seguem por admiração e não por medo. Ela sabem que eu represento o futuro e você o passado. O mundo está mudando, Victoria, mulheres desejam muito mais do que a Coroa lhes impõe. Não somos submissas, nós temos voz e desejamos usá-las. Nem todas desejam ser esposas ou mãe. Há possibilidades muito maior que isso. Eu represento um ideal, vossa majestade. Você pode tentar me calar, pode me prender ou até mesmo me condenar a forca. Isso não matará o que eu represento, pois meus ideais são eternos e permanecerão vivos em cada mulher que deseja o mesmo que eu: um futuro grandioso, onde seremos livres. — Anastácia se pôs em pé. — Você iniciou uma guerra, Victoria, mas saiba que eu sou muito mais forte do que imagina. Não meça forças comigo, pois eu tenho as mulheres e você apenas um trono. Acha que está preparada para uma revolução?
A cor fugiu da face da monarca cujos olhos evidenciaram o terror que lhe abateu. Naquele momento ela soube: Anastácia deveria ser interditada, antes que fosse tarde demais.
Quando Any deixou o castelo de Windsor, não teve ideia do perigo que lhe ameaçava. Ainda assim, ela estava pronta para guerra, mesmo sabendo que poderia levar a sua morte. A rainha já havia lhe tirado tudo, o que mais ela tinha a perder?
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Olá, ladies! Tudo bom?
Faltam apenas três capítulos para o desfecho dessa trama. Eu tô sofrendo com ansiedade, mas vai dar tudo certo (eu espero!) 😁
Enquanto isso, corre lá no meu perfil que eu acabei de liberar o primeiro capítulo do livro do conde de Bastille! Estou ansiosa para saber o que acharam!!!
Não se esqueçam de clicar na 😁 e deixar o seu voto!
Bjss
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