46 - Como domar uma Lady Selvagem
"Palavras possuem poder. Quantas palavras são necessárias para destruir toda uma vida?"
— Mary Garrison
No dia seguinte, Any despertou com a cabeça latejando, como se algo estivesse pressionando suas têmporas. Com muito esforço, abriu o olho, mas aquela foi uma péssima ideia. Deveria ter fingido que estava dormindo, assim o estômago não teria acordado e se revoltado contra ela. Sentiu o enjoo subir à bile e disparou correndo rumo ao quarto de banho, despejando tudo no sanitário.
Naquele momento se arrependeu de ter consumido o uísque, não deveria ter bebido tanto. Voltou ao quarto e tentou se recordar da noite anterior. Alguns fragmentos de lembranças ocuparam a mente, mas nada muito significativo. Todavia, lembrava claramente de algo: Matt havia a impedido de entrar no The Royal.
Aquela mera recordação fez a cabeça dela doer com força. Irritada, pegou algumas vestes do guarda-roupa e levou ao outro quarto. Tinha voltado a residência, entretanto, não significava que teria de dormir junto a Matt, aquele traidor.
Anastácia passou o dia todo de molho, intercalando entre o a cama e o quarto de banho, vomitando até às tripas. Mary Garrison, conforme esperado, a encheu de sermões e a obrigou a comer a sopa horrível.
No fim da tarde, quando Matt retornou a residência, ficou desapontado ao saber que a esposa pedira para que levassem todos os pertences dela ao quarto ao lado. Era sinal de que Any ainda estava brava com ele, entretanto, ainda permanecia em casa. Aquilo era uma vitória, afinal.
Nos dias seguintes, eles mal se falaram. Anastácia o evitava a todo o custo. Descia para comer apenas quando o duque já tinha saído e se trancava no quarto durante a noite. Por vezes, pediu para que levassem as refeições no dormitório, e fazia de tudo para não trombar com o marido. Ainda não estava preparada para vê-lo. Tinha receio do que pudesse ocorrer caso se confrontassem novamente. Dessa forma, ambos residiam no mesmo teto, porém mal se viam.
Todavia, em uma manhã, tudo mudou.
Lá estava Anastácia, sentada na cama, bebendo seu chá preto enquanto lia as notícias dos jornais. Ela estava muito calma, até que seus olhos se depararam com um artigo presunçoso:
COMO DOMAR UMA LADY SELVAGEM
Por Joe Lancaster, out. 1889
Em menos de três meses, a sociedade dará início a uma nova década: 1890. E, daqui dez anos, estaremos em um novo século. Acredito eu, que tantos avanços científicos e tecnológicos, estão nos levando a tempos modernos, e tais modernidades passaram a afetar a mente de muitas jovens ladies, como Anastácia Morrison, a duquesa de Hereford, que insiste em ocupar um lugar destinado a homens, querendo entender de economia, administração de finanças e liderando negócios que jamais deveriam estar sob o controle de uma mulher.
Lady Anastácia Morrison, sendo uma duquesa, deveria ser o exemplo de mulher casada para as futuras ladies que debutarão nos anos seguintes, as quais esperam firmar um bom matrimônio. A essa altura, ela deveria estar grávida, prosseguindo com a continuidade de sua geração. Até poderíamos compreendê-la por ainda não ter gerado um filho se estivesse respeitando o período de luto após o recente falecimento do pai, lorde Thomas Lumb, antigo duque de Pennesburg. Mas, como toda sociedade bem sabe, a lady em questão já deixou as vestes pretas para trás e foi vista recentemente, a altas horas da noite, na companhia do conde de Bastille, dentro de um pub repleto de homens, bebendo uísque e gargalhando alto como um verdadeiro marinheiro. Lastimável!
Entretanto, meus caros, posso lhes assegurar que a situação está sob o controle. Lady Morrison é uma mulher casada, e como tal está sob o controle do marido, lorde Matthew Morrison, o quinto duque de Hereford. O homem em questão nos ensinou lições valiosas de como domar uma Lady Selvagem, aqui estão elas:
1. O duque que, por meio de um decreto real, tornou-se o proprietário de todos os bens de sua esposa, ainda nessa semana, impediu a entrada dela ao The Royal, renomado clube de cavalheiros, e também passou a comandar os negócios que antes, de forma ultrajante, estavam sob os cuidados de lady Morrison.
2. Tenho informações de fontes deveras confiáveis, que o duque afirmou a rainha que fará o possível para impedir a reabertura do escandaloso The Ladies, clube destinado ao entretenimento feminino, fundado pela inconsequente lady Morrison.
3. Usando seus poderes de marido, ele foi capaz de fazer com que a esposa retornasse para casa, a conhecida residência White. Minhas fontes afirmaram que, desde então, a lady se mantém reclusa no lar, sem provocar qualquer rebuliço na sociedade Londrina.
4. E agora a lição mais valiosa de todas: Matthew Morrison está persuadindo os lordes do parlamento a aprovarem uma Lei com vistas a impedir que qualquer mulher possa administrar negócios de entretenimento, de quaisquer espécie, ou se filiar a qualquer sociedade, devendo sempre nomear um parente de gênero masculino para tomar a frente de possíveis empreendimento herdados dos familiares.
Como vocês bem podem compreender, o duque de Hereford agiu rapidamente e tomou o controle da situação. Lady Anastácia Morrison finalmente foi colocada no devido lugar. Então podemos esperar que, no ano de 1890, a família Morrison seja ampliada com o nascimento de um herdeiro do maior ducado de Londres.
O mal foi cortado a tempo, ao menos antes que a erva daninha se espalhasse e destruísse toda uma geração com ideais que apenas poderiam levar as mulheres ao caminho da eterna perdição.
Não se preocupem, meus caros, os valores tradicionais ainda prevalecem. Lady Anastácia Morrison está, finalmente, domada.
— DOMADA É O ESCAMBAU! — gritou furiosa, arremessando a xícara contra a parede.
Irada como jamais ficou, ela pegou aquele maldito jornal e marchou a passos duros até a cozinha. Os olhos quase saltam as órbitas quando viu Matthew, todo pomposo, degustando o café da manhã com muita tranquilidade, como se tudo estivesse em perfeita ordem.
Caminhou até ele, socou, com toda força, o jornal sobre o pires, estilhaçando-o e rugiu:
— EU QUERO O DIVÓRCIO!
Matthew arregalou os olhos, alarmado. Realmente não compreendeu o porquê daquele rompante de fúria.
— Any... — começou a falar, mas foi interrompido.
— Anastácia Lumb para Vossa Graça! Estou deixando você, estou deixando essa casa e vou lutar pelo divórcio. Essa maldita história de casamento chegou ao fim. — Girou os calcanhares e rumou determinada em direção a escada.
Por um momento, Matt não entendeu o que havia acontecido ali. As mãos começaram a tremer, nem mesmo conseguiu se levantar da cadeira, pois as pernas tinham perdido a força. Lançou um olhar para o jornal, sabendo que a resposta estaria ali. Não tardou para que descobrisse o motivo da fúria de Any, e enquanto lia aquele artigo, soube que tinha perdido Anastácia. Começou a chorar, não de desespero, mas sim de tristeza. Cedo ou tarde aquilo viria à tona. Ao menos tinha certeza de que Any estaria segura. Por mais que doesse saber que tinha a perdido, ao menos ela estava ali, em plena liberdade e viva. Era o único conforto em que poderia se apegar.
Any juntou alguns pertences às pressas. Estava com tanta raiva que nem conseguiu chorar. Conhecia Matthew a anos, jamais pensou que ele poderia ser capaz de fazer algo como aquilo. Ela tinha se casado com ele justamente porque acreditou que o amigo nunca seria capaz de a privar da liberdade. Ironicamente, lá estava ela, sem seus clubes, sem seus negócios, casada, infeliz e presa. Perderá tudo, não tinha mais nada, nem mesmo o sobrenome.
Ao descer os degraus Any se deparou com Matt escorado entre a porta da cozinha, olhando-a tristemente. Atrás dele, aos prantos, estava Mary Garrison, que também não era capaz de acreditar que o duque fora tão rude com Any.
Matthew não disse nada, nem impediu que ela saísse pela porta.
E foi assim, numa manhã fria, em outubro de 1889, que Anastácia deixou a residência White, levando nas mãos uma mala, no peito um coração partido e na mente a certeza de que perdera tudo, inclusive o melhor amigo.
Deixou toda uma vida para trás
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Oiêe! 😁
Tchau!!! 😘
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