41 - Baile
"Todo o selvagem sabe dançar".
— Orgulho e Preconceito, Jane Austen
Após ter triunfado na disputa de tiro a discos, Joan ainda se sentia revigorada quando se juntou às demais ladies para concorrer ao jogo da boca do palhaço, que era, ao seu ver, algo bem mais fácil que a disputa anterior.
Portanto, na ensolarada tarde de verão, os jardins da propriedade de Foster resplandeciam sob a sombra dos carvalhos centenários, onde doze ladies da mais alta aristocracia vitoriana, reuniam-se para uma competição singular: o tradicional jogo de acertos de bolas na boca do palhaço.
As risadas delicadas e os murmúrios animados entremeavam o farfalhar dos vestidos de seda e rendas, enquanto as damas, de luvas de renda e chapéus adornados, preparavam-se para o embate.
— Acredito que este seja um teste de destreza e não de mera sorte. — declarou lady Bennet, ajeitando suas pérolas antes de lançar sua primeira bola, que roçou a borda do alvo e ricocheteou para fora.
Um coro de suspiros e risadinhas se ergueu ao seu redor.
— Uma pena, minha cara, mas talvez sua força tenha sido excessiva. — observou lady Robson com um sorriso astuto. — Acredito que seja preciso o equilíbrio entre vigor e delicadeza.
O torneio avançou de forma acirrada — conforme o esperado — e as concorrentes demonstravam habilidades variadas. Algumas moças, como lady Carter, lançavam com entusiasmo, mas pouca precisão. Outras, como lady Turner, quase acertavam, mas sempre pareciam errar por um triz. O público, composto por cavalheiros entediados e damas curiosas, assistia a disputa com crescente interesse. Sobretudo, lorde Davies que ansiava, fervorosamente, pela vitória de sua noiva e a ruína de Joan.
E, então, lady Morrison entrou na disputa. Dona de uma elegância natural e um olhar afiado, ela pegou a bola com um ar de absoluta confiança.
— Desejo-lhe boa sorte, lady Morrison. — murmurou lady Scot, cujo tom carregava uma pontada de ironia.
— Obrigada, lady Scot, mas prefiro confiar na minha mira infalível, ao invés de contar com sorte. — respondeu Joan, sem desviar o olhar do alvo.
Com um gesto preciso, lançou a bola. O impacto foi certeiro, e a esfera atravessou a boca do palhaço sem hesitação. Um burburinho de surpresa e aplausos percorreu a plateia, Joan sorriu de leve e lançou um olhar afiado a Helen Scot.
A competição se intensificou e lady Scot mostrou-se uma adversária à altura. A cada rodada, ambas trocavam farpas sutis.
— Será que sua confiança sobrevive a mais uma rodada, Morrison? — provocou Scot, ao acertar seu próprio lançamento com precisão.
— A confiança, minha cara, é fruto da experiência. Algo que não se adquire apenas com palavras. — retrucou Joan, lançando mais uma bola certeira.
A disputa foi acirrada até a rodada final, quando Joan provou sua superioridade. O último arremesso foi um triunfo absoluto, e, no momento em que a bola entrou no alvo pela terceira vez consecutiva, um clamor de admiração preencheu os jardins.
— Uma verdadeira rainha da pontaria! — exclamou lorde Henry Collin, levantando sua taça em um brinde improvisado.
Lady Scot apertou os lábios, mas manteve a pose.
— Parece que hoje é seu dia de glória, Morrison. Todavia, é prudente manter em mente que a sorte pode rapidamente, em um piscar de olhos.
— Felizmente, lady Helen, conforme atestei nessa tarde, minha pontaria não depende da sorte. — rebateu a campeã com um sorriso vitorioso, recolhendo o laço de fita azul que simbolizava sua vitória.
E assim, entre brindes e sorrisos, Joan selou seu nome nos anais das competições aristocráticas, provando que, mesmo nos salões refinados da nobreza, uma tarde de jogos poderia se tornar um campo de batalha tão emocionante quanto qualquer outro.
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Naquela última noite, a mansão Foster brilhava sob a luz amarelada dos lustres, refletida nos espelhos dourados e nos copos de cristais finamente dispostos sobre as mesas.
O salão principal, decorado com elegância ímpar, transbordava de risadas e melodias suaves da orquestra, que executava uma valsa envolvente.
Os doze jovens casais, cujos laços de amizade haviam sido forjados ao longo daquela memorável estadia, dançavam com leveza pelo chão de mármore polido, rodopiando entre colunas adornadas por tecidos de seda e flores recém-colhidas. A noite era um tributo à cumplicidade e à alegria compartilhada; um último brinde antes do retorno às suas rotinas distantes.
Foi então que as grandes portas duplas do salão se abriram e um súbito silêncio se instaurou.
Lady Joan Morrison surgiu na entrada, irradiando uma beleza arrebatadora. Seu vestido vermelho escarlate, com camadas de tecido finamente trabalhadas e detalhes em renda, destacava-se entre os tons pastéis e pérolas das demais damas. As velas tremularam, projetando sombras delicadas sobre seu rosto, em que o brilho nos olhos castanhos revelava uma confiança serena.
Um murmúrio percorreu o salão. Todos a admiravam, mas nenhum olhar foi mais intenso que o de lorde Albert Davies. Ele, até então engajado em uma conversa trivial, interrompeu-se no meio de uma frase, incapaz de desviar os olhos. O magnetismo de Joan o atraía de forma inevitável e um calor inesperado se espalhou por seu peito.
Porém, antes que Albert pudesse se mover, Capitão Russel – sempre tão seguro de si – já havia se adiantado. Com um sorriso desenhado no rosto e a postura impecável de um cavalheiro experiente, ele fez uma reverência elegante diante de Joan.
— Minha lady, permiti-me o privilégio desta dança? — perguntou o capitão, oferecendo a mão.
Joan não hesitou nenhum instante e lançou um olhar enigmático ao salão antes de aceitar a oferta. O brilho travesso em seu olhar não passou despercebido pelo conde, que sentiu um aperto incômodo no peito ao vê-la deslizar suavemente para os braços de outro.
Albert não deveria se importar. Não tinha nenhum direito sobre ela. No entanto, ao ver Joan sorrindo para Russel a medida em giravam pela pista, algo ácido subiu-lhe à garganta. Seus punhos se fecharam involuntariamente e sua mandíbula enrijeceu. Davies sabia que deveria desviar o olhar, mas era impossível. Cada risada dela, cada toque sutil entre as mãos enluvadas dos dois, parecia um golpe certeiro em seu orgulho.
Conforme a melodia avançou, Albert sentiu a impaciência crescer dentro de si. Assim que a valsa chegou ao fim, antes que qualquer outro cavalheiro pudesse se aproximar, ele deu um passo à frente, determinado.
Quando Joan voltou ao centro do salão, ainda envolta no brilho daquela dança arrebatadora, ele se inclinou em uma reverência impecável.
— Aceitaria esta dança, lady Morrison? — sua voz saiu firme, mas havia algo mais ali: uma súplica velada; um desafio não declarado.
Joan ergueu o olhar para homem, e, por um instante que pareceu eterno, seus olhos se prenderam nos dele e então ela falou:
— Acredito que seja contraproducente aceitar, quando sua noiva, logo atrás nos observa com tamanha descrença.
Albert meneou o pescoço, encontrando o olhar furioso — e um tanto desapontado — de Helen.
— Resolvo-me com ela depois. Agora, desejo resolver minhas pendências com a senhorita.
Joan lançou um leve sorriso de canto.
— Ao menos que tenhas a intenção de iniciar uma proposta de venda de sua propriedade em Staten Island, não temos outra pendência a acertar.
Albert bufou, impaciente, mas logo disse.
— Trataremos disso, então.
Joan sorriu satisfeita e lançou a mão aveludada para ele.
— Acompanhá-lo nessa dança será um prazer, Devil.
Logo, ambos se juntaram aos casais e começaram a dançar enquanto conversavam:
— Desejo comprar sua propriedade, bem como sua parte na sociedade a qual firmamos há cinco anos. Apenas dê-me seu preço.
Davies exibiu um sorriso maroto.
— Sempre direta, exatamente como uma Morrison. Como me deixei enganar quando a verdade estava bem diante dos meus olhos? — proferiu indignado.
Joan ergueu o queixo e adotou uma postura mais fria.
— Acredito que já se passou o tempo de falarmos do passado. Cinco anos é o suficiente para tornar essa conversa obsoleta.
Davies apertou os lábios, contendo as emoções que fervilhavam dentro de si.
— Como pode ser tão fria ao ponto de ignorar tudo que vivemos? — o conde asseverou indignado.
— Não tens o direito de julgar minha frieza, quando o meu comportamento apenas refletiu o seu. Ou o senhor se esqueceu de que tirou minha virgindade e largou-me em outro país, deixando apenas uma mera carta, ignorando tudo que vivemos somente pelo fato de eu ser uma Morrison? Não fale de frieza, Devil, quando você é muito pior que eu.
Joan tentou se afastar, pois as lágrimas começaram a subir aos olhos, porém Albert foi firme trazendo-a de volta para si.
— A senhorita me magoou quando insistiu em mentir para mim. Eu lhe entreguei meu coração, Joan. Eu estava mais do que preparado para casar contigo e te fazer a mulher mais feliz desse mundo, mas a mentira foi demais para eu suportar.
— Acho um tanto irônico o senhor falar em casamento, logo agora, estando noivo de outra mulher e esquecendo-se completamente das consequências deixadas após ter tirado a inocência de uma jovem sonhadora e ter partido sem dar notícias, mal se importando com o que deixou para trás.
Naquele momento Albert empalideceu, tomando noção, pela primeira vez, do quanto sua amargura o tornou tão tolo e cego.
— De quais consequências a senhorita se refere? — Havia, claramente, o tom de medo em sua voz.
— O senhor me abandonou, grávida. E, durante cinco anos, apenas obtive o silêncio amargo que deixou para trás.
— E só agora a senhorita teve a decência de me dizer que, do outro lado do oceano, existe um filho meu? Não passou por sua cabeça egoísta que eu deveria saber disso? — inquiriu ultrajado.
— O senhor não tem o direito de me chamar de egoísta, quando todo o egoísmo partiu tão somente de ti. Não há uma criança te esperando na América, pois esta faleceu ainda em meu ventre, jaz enterrada para sempre, assim como o amor que eu sentia por ti. O senhor apenas tirou minha virgindade, engravidou-me e partiu. Por cinco anos não pensou nas consequências de seus atos. Eu fiquei só, sentindo a dor de ter perdido um filho, aguardando mês a mês qualquer notícia sua. Um ano depois, deixei de ser ingênua e soube que nada haveria entre nós além do silêncio e um ventre tão vazio quanto meu coração.
A música se encerrou e Joan se desvencilhou de Albert, sumindo entre as pessoas, deixando-o completamente imóvel e triste no meio do salão.
O conde soube, finalmente, o quanto fora cegado por um orgulho besta.
Era, de fato, o homem mais canalha de todos, afinal.
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Olá, ladies!
Capítulo curtinho, mas com gancho para fortes emoções, então preparem seus corações para os eventos que se seguirão!!!
bjs, Luana Maurine
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