39 - Opostos que se completam
"Há uma teimosia em mim que nunca pode suportar a ser assustado com a vontade dos outros. Minha coragem sempre aumenta a cada tentativa de me intimidar."
— Jane Austen
Naquela tarde, enquanto ocorria a acirrada dinâmica de bordado, em que o silêncio da sala era rompido pelos movimentos das agulhas, tornando-se tudo o que importava para as jovens ladies, Joan ao contrário de todas, não estava nada motivada. Sentia o coração apertado por emoções contraditórias. O gosto do beijo de Albert ainda ardia em seus lábios, um vestígio de um passado que jamais conseguira enterrar completamente. Havia saudade — intensa, voraz, quase dolorosa — pelo tempo perdido; pelos anos em que fora obrigara a sufocar qualquer esperança. Mas, junto a isso vinha a culpa, pesada e implacável, pois aquele momento que deveria ser de redenção, trazia consigo o peso da traição.
Ela sabia da promessa que Albert fizera a outra mulher; sabia que o anel que brilhava na mão esquerda do conde era um símbolo de um compromisso o qual não lhe pertencia. E, entretanto, no instante em que seus lábios se encontraram, não houve espaço para racionalidade, apenas para o eco de um amor nunca esquecido. Todavia, porém, restava-lhe o remorso.
Teria sido um erro inaceitável ou a prova de que o destino ainda os unia? — pensou ela, tentando focar no desenho da rosa que tentava bordar.
Por outro lado, o coração oscilava entre o desejo de reviver o passado e a amarga consciência do terrível erro que cometera.
Enfim, logo após duas — quase infinitas — horas dedicada a prática de uma habilidade que jamais possuiria, Joan, assim como as demais moças entregaram o bordado a lady Foster que avaliaria cada trabalho com sua inestimável amiga, a condessa Amelie Montgomery.
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Em uma outra sala, Lorde Albert sentava-se à beira do campo de esgrima, os olhos fixos nos duelistas à sua frente, mas sua mente vagava para muito longe dali. O sabor de lady Joan ainda persistia em seus lábios: uma lembrança indecente que atiçava seus sentidos e fazia seu sangue ferver sob a fina camisa de linho. Ele deveria estar concentrado no combate; deveria estar preparando-se para sua vez na pista, porém, a imagem daquela mulher insistia em ocupar cada canto de sua consciência.
Lembrava-se do modo como os lábios dela se entreabriram sob os seus, quentes, famintos, como se cinco anos de ausência tivessem sido apenas um prelúdio para aquele instante. O som entrecortado da respiração dela ainda ecoava em sua memória, misturando-se ao tilintar das lâminas que se cruzavam diante dele. Davies sentiu os músculos retesarem, mas não pelo duelo iminente: era a lembrança do corpo de Joan pressionado ao seu, do cheiro inebriante de sua pele, da forma como suas mãos hesitaram antes de se perderem em seus cabelos.
Era uma loucura, uma afronta à razão! Ele estava noivo! Comprometido com outra, contudo seu corpo clamava por Joan como se ela fosse a única mulher a quem já pertencera. O desejo que crescia dentro dele era uma tortura doce, insuportável, um pecado que ele sabia que deveria enterrar, mas, naquele momento, não conseguia desejar que desaparecesse.
O som de seu nome sendo chamado trouxe-o de volta ao presente. Era sua vez de esgrimar. Ele se levantou de súbito, forçando-se a ignorar o calor que ainda queimava sob sua pele. Porém, enquanto empunhava a espada e se preparava para a luta, não era o embate diante de si que dominava seus pensamentos. Era Joan. Sempre Joan.
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No final da tarde, todos se reuniram na biblioteca para obter o veredito final de quem vencera tais dinâmicas.
Ao se depararem com uma mesa de xadrez devidamente montada à frente de lady Foster, todos souberam que houve um empate, entretanto, ninguém fazia a menor ideia de quem iria disputar aquela partida que levava ao prêmio final.
— Como bem devem saber... houve um empate. — começou lady Foster — Curiosamente, uma das moças se destacou, e muito, em seu bordado, deixando claro para mim e a senhora Montgomery, que ela de fato foi a vencedora. Nenhum trabalho pode-se se comparar ao dela. Estava impecável, digno de uma exposição do mais fino requinte. Sem mais delongas, declaro que a responsável pelo exuberante bordado é lady Helen Scot.
Todos aplaudiram Helen, que, como a perfeita dama que era, dobrou-se em uma curta reverencia, agradecendo aos aplausos.
— Quanto a esgrima, devo afirmar que houve também um feito curioso, jamais visto nas disputas ocorridas nesta casa. Há um lorde que, de acordo com a análise de meu mordomo, um verdadeiro especialista na prática de esgrima, informou que o homem em questão venceu a todos com unanimidade, de forma tão fácil, como se fosse um verdadeiro mestre das espadas. Trata-se, meus caros, do Capitão William Russel, que fora imbatível e implacável. — Mais uma vez os aplausos tomaram conta da biblioteca, arrancando um sorriso orgulhoso de Russel.
Joan vibrou eufórica, esquecendo-se dos padrões adequados para uma lady aristocrata.
— E novamente, caros convidados, a disputa termina destacando os casais lorde Albert e lady Helen, junto de Capitão Russel e lady Joan. Uma irônica coincidência, não acham?
Aquele comentário, um tanto perspicaz, despertou um burburinho na biblioteca, deixando Joan extremamente atenta.
— Todavia, meus caros — retomou a senhora Foster cessando os buchichos —, mais curioso ainda, é que o resultado dos piores nas dinâmicas foram seus pares. Lady Joan tentou bordar algo que até agora estou tentando decifrar do que se trata. Já lorde Albert, mal sabe empunhar uma espada. Sabemos, portanto, que estamos diante de casais cujas habilidades opostas se completam. Pensando nisso, após muito debater, chegamos à conclusão de que lorde Davies e lady Morrison devem se enfrentar na partida de xadrez, e, quem vencer, levará a vitória ao casal e conquistará o grande prêmio.
Albert encarou Joan e esboçou um sorriso presunçoso. Ele poderia ser um péssimo esgrimista, mas de xadrez o conde conhecia muito bem.
Joan, por sua vez, não se deixou intimidar com o olhar do homem e esboçou um leve sorriso repleto de satisfação. Sempre fora imbatível no xadrez e não seria aquele conde presunçoso que a derrotaria.
— Podem ocupar seus lugares. — disse Foster, apontando para as cadeiras diante da mesa do tabuleiro de xadrez.
— Permito que fique com as peças brancas, lady Morrison. Dar-te-ei a vantagem de efetuar o primeiro movimento. — provocou Albert, ocupando o assento em frente às peças negras.
— Quanta bondade da sua parte, lorde Davies. Apenas não se culpe por tal decisão quando eu vencer. — Joan sentou-se de frente para as peças que lhe restaram.
— Preparados? — indagou lady Foster e ambos assentiram em concordância, já avaliando as respectivas estratégias do jogo.
— Que vença o melhor/1 — declarou a anfitriã que ocupou um assento da biblioteca para acompanhar aquela disputa.
Com muita segurança, Joan moveu o primeiro peão.
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Na penumbra daquela biblioteca que guardava infames segredos, Lady Joan e Lorde Albert, outrora amantes e agora rivais ferrenhos, sentaram-se frente a frente. No centro, um tabuleiro de xadrez brilhava como o palco de um duelo silencioso, mas carregado de muita tensão.
— Pronta para mais uma derrota, Morrison? — provocou Albert, ajustando os as abotoaduras douradas dos punhos de sua camisa. Ele sempre começava com alguma bravata, mas Joan, com seu semblante impassível, apenas arqueou uma sobrancelha.
— Derrota? A única coisa que me derrota é o tédio... e, felizmente, você é sempre tão previsível que eu nunca corro esse risco.
Albert, então, moveu um peão com um gesto dramático.
Joan, por sua vez, respondeu com uma leveza que transparecia uma confiança quase insultante.
À medida que a partida avançou, os diálogos entre os dois tornaram-se tão afiados quanto suas jogadas.
— A senhorita ainda joga como no passado. — comentou Albert, esquecendo-se completamente que não estavam a sós, e posicionou o cavalo com precisão. — Rápida, mas sempre deixando brechas. — completou a seguir.
— Curioso — retrucou Joan, movendo seu bispo para capturar um peão exposto. — O senhor também não mudou. Ainda subestima o que está bem na sua frente.
Albert o lançou um olhar carregado de uma mistura de admiração e frustração.
Ainda assim, foi essa confiança que sempre me encantou. Pensou, contendo o ímpeto de provocá-la de forma mais audaz.
O tabuleiro tornou-se um campo de batalha acirrado. Albert tentou algumas manobras ousadas, porém, Joan parecia antecipar cada movimento, como se lesse não apenas o tabuleiro, mas também a mente de seu adversário.
Quando o conde moveu sua dama em um ataque inesperado, ele sorriu triunfante.
— Xeque.
Joan inclinou-se levemente para frente, seus dedos delgados pousando em sua própria peça.
— Ah, Davies, sempre tão dramático... e tão impaciente. — Com muita delicadeza, ela deslizou sua torre pelo tabuleiro, encarou Albert com um olhar destemido e esboçou um sorriso venenoso antes de dizer prolongadamente:
— Xeque-mate.
Albert ficou imóvel por um momento, encarando o tabuleiro como se esperasse que uma solução milagrosa surgisse entre as peças. Finalmente, ele riu, balançando a cabeça em rendição.
— Realmente, Morrison... Continua implacável.
Não admira que tenha partido meu coração... e agora meu ego. Pensou irracionalmente.
Joan se levantou com a elegância de quem está acostumada a vencer.
— Isso, sempre.
Todos aplaudiram a vitória de Joan.
Russel não conteve a emoção, abraçou Joan e a rodopiou no ar deixando Davies muito irritado com aquela intimidade descarada.
Então ela deixou a biblioteca radiante, vitoriosa e inabalável.
Albert ficou para trás, ainda sentado, observando o tabuleiro, sabendo que aquela derrota não era apenas no jogo. Joan, como sempre, estava um passo à frente — tanto na estratégia quanto na vida. Soube, portanto, que ela sempre o venceria, afinal.
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Olá, ladies!
Bom estar aqui, novamente, e triunfante por a escrita ter reacendido uma esperança dentro de mim. Fico feliz em afirmar que todos os planos para essa história estão tão vivos quanto a mim. Terá um desfecho impactante e emocionante, portanto, preparem vossos corações para as tramas que virão a seguir!
Obrigada por estarem aqui, comigo! Vocês são incríveis!
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