26 - Temor
"Expressando-me friamente, afirmo com convicção, que prefiro verdades amargas do que mentiras veladas. Verdades são tudo em que podemos confiar".
— Albert Davies
O caos nunca vem com aviso prévio. É uma situação que simplesmente surge, do nada, e torna tudo uma bagunça tremenda. Joan Morrison, tinha a absoluta certeza de que o caos a atingiria, apenas não esperava que fosse tão logo; sem que pudesse se preparar para o pior.
Albert Davies, por sua vez, acreditava que vivia o momento mais feliz de sua vida, mesmo que estivesse preocupado com a mulher que amava, pois sabia que dias tristes surgiriam, afinal ela estava longe da família; ele também sentia falta de Stephanie, sua irmã. Compreendia aquele sentimento de ausência, mais do que a moça era capaz de imaginar.
Quando despertou na manhã seguinte, Joan ainda estava agarrada em seu pescoço, como se tivesse receio de que ele viesse abandoná-lo no meio da noite. Com muito cuidado, o conde conseguiu sair dos braços da mulher e a deixou dormindo pacificamente.
Naquele dia, Albert Davies, jamais pensou que todo seu mundo iria estremecer, tampouco esperava ser surpreendido negativamente com informações que alterariam todo o curso da sua vida. Ele iniciou a manhã de forma habitual, trajou-se formalmente, tomou a refeição matinal lendo as notícias do New York Times, logo em seguida tomou uma carruagem e foi para seu escritório em Wall Street.
Albert sorriu para todos — algo nada típico do conde. Subiu as escadas do prédio assobiando uma melodia qualquer, adentrou no seu escritório cuja arquitetura era o próprio reflexo do conde. Um local bem localizado, luxuoso e grandioso, com mobiliário elegante e ornamentado, organizado com poltronas estofadas e uma grande mesa de madeira maciça. A decoração era opulenta, com tapetes persas, cortinas pesadas, e no teto, pendia um reluzente lustres de cristal.
Após instalar-se atrás da mesa, Albert acendeu um charuto e começou a organizar os papéis sobre a sua mesa, até que se deparou com um envelope lacrado, endereçado a ele, cuja caligrafia seria capaz de reconhecer em qualquer lugar do mundo. O coração deu um salto, e Davies não soube se era uma emoção de desgosto ou raiva. De qualquer forma, ele abriu o pacote. Sobre do amontoado de papéis, havia uma carta da mulher que o traiu com seu melhor amigo e com este se casou.
Caro conde de Bastille,
Se está lendo essa carta, tenho a certeza de que a sua curiosidade foi maior que o orgulho. Algo deveras inédito, ouso dizer. Todavia, certa vez já fui sua amiga, assim como outrora também já fomos amantes, embora, infelizmente, o senhor nunca foi capaz de retribuir meus sentimentos da forma como eu desejava. Por tal razão, e em uma van tentativa de reparar — ou talvez amenizar os erros do passado —, eu lhe envio todas as evidências anexas a esta carta, salvando-te de mais um golpe de traição. Algo que eu acredito que não mereça passar novamente. O senhor já sofreu demais.
Nesse momento, Davies, o senhor hospeda em sua casa, lady Joan Morrison, irmã do meio de seu maior rival: Lorde Matthew Morrison, o duque Hereford. Óbvio que deve estar pensando que estou louca por afirmar algo, para ti, tão absurdo, mas é a verdade. A mulher que embarcou contigo navio no SS of de New York, não se trata da senhorita Jolie Taylor, tampouco é uma mera criada. Tenho provas irrefutáveis de que ela é lady Joan Morrison, que partiu de Londres, fugindo de ser apresentada a sociedade, cuja família esconde a situação escandalosa, afirmando que ela se encontra em uma temporada na Escócia, mas, na verdade, veio a New York e foi abrigada pelo senhor.
É de meu conhecimento, obviamente — e talvez de todos que estiveram presentes no último baile na residência dos Vanderbilt —, que o senhor nutre um sentimento amoroso por aquela que sempre acreditou se tratar da senhorita Taylor. Não, sei por qual razão a lady vem escondendo tal preciosa informação do senhor — algum motivo deve haver, pois parece que ela também nutre sentimentos pelo por ti —, porém, a moça é, indubitavelmente, uma Morrison de berço. Estranha-me o fato de que, mesmo após retornar à Londres, o senhor nunca tenha a avistado junto do irmão, ou da esposa dele, lady Anastácia Morrison, que se tornou, recentemente, a duquesa de Hereford e sua tão estimada sócia.
Talvez o senhor já deve ter ouvido esse rumor da lady fugitiva, saiba, portanto, que ela se encontra na sua residência, em Staten Island, domando seus cavalos e, inesperadamente, o seu coração.
E se após todas essas informações que eu lhe transmito, ainda lhe restar alguma dúvida da minha palavra, basta analisar os documentos enviados e terá a certeza absoluta de que, ironicamente, o senhor se apaixonou por uma Morrison.
O que fará com essa informação, não cabe a mim tecer qualquer teoria. Mas mesmo que tenhamos rompido de uma forma abrupta e repleta de mágoas, saiba que eu e Daniel, que outrora foi seu melhor amigo, ainda nos importamos contigo e desejamos que seja feliz.
Saudosamente,
Clare Silver.
Após concluir a leitura daquela maldita carta, Albert sequer titubeou quando deixou o papel de lado e começou a analisar as evidências. Encontrou, primeiramente uma foto da família Morrison: Matthew, seu rival sentando em uma elegante poltrona, e ao lado dele se encontravam a mãe, lady Katherine, a irmã caçula a qual Davies conheceu como lady Felicity Morrison, e ao lado da moça mais jovem, com a tão conhecida expressão austera acentuada na face, estava aquela que ele infortunadamente conheceu como Jolie Taylor, mas na verdade se tratava de lady Joan Morrison, irmã do meio do maldito duque de Hereford. Albert sentiu uma dor imensa apossar de seu coração. Tudo que havia vivido até ali, fora uma mentira.
Havia outras evidências no envelope, como uma notícia no Jornal The London a qual narrava o casamento de lorde Morrison com sua amiga Anastácia a qual fotografaram o duque ao lado da irmã, agora conhecida por Albert como Joan Morrison. Também havia outros recortes de notícias sobre a família Morrison, capturando o retrato de Joan um pouco mais nova, emburrada, como se odiasse ser fotografada. Não havia dúvidas: a senhorita Taylor jamais existiu. Joan Morrison era a mulher por quem ele se apaixonou. Havia entregado o coração para uma mentirosa, e Matthew Morrison, do outro lado daquele maldito oceano, deveria estar gargalhando pelo fato de sua irmã ter o enganado tão friamente.
Naquele exato momento, com o coração ardendo em fúria, ele a odiou; embora soubesse que, no fundo, apesar de tudo, ele ainda a amava. Então, finalmente a fúria foi substituída pela dor, e pela primeira vez, em toda sua vida, Albert Ignácio Davies, o frio conde de Bastille, desabou em lágrimas. Chorou feito um menino, intenso e descontrolado, com lágrimas abundantes e soluços fortes, sentido toda mágoa o possuir e não teve ninguém para ampará-lo.
Por um longo tempo Albert permaneceu naquele escritório, sentindo-se completamente desolado, tendo no rosto uma triste expressão de angústia e sofrimento. Os olhos se tornaram vermelhos e inchados devido ao as lágrimas derramadas.
Sem que pudesse evitar, o conde ficou abatido, mantendo a cabeça baixa e ombros curvados, enquanto olhava para todas as evidências, perguntando-se como aquilo foi acontecer justo com ele? Novamente, Albert se sentiu traído e magoado, com a confiança abalada e a autoestima ferida. Davies, não sabia o que fazer diante daquela situação. Sentou-se perdido e confuso pela primeira vez, pois quando fora traído por Clare, não doeu daquela forma, devido ao fato de que ele não a amava verdadeiramente. Contudo, ironicamente, sem qualquer sombra de dúvida ele amava Taylor. Maldição! Amava Joan Morrison, irmã de seu único rival.
Inconformado, o conde juntou todas as informações e voltou a Staten Island. Não havia outra opção: teria de confrontar a mulher que amava. Talvez, após ouvi-la, ele poderia perdoá-la. Albert se agarrou aquela esperança. Entretanto, algo, no fundo de sua alma, lhe dizia que tudo havia ruído.
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Naquele mesmo dia, Joan Morrison também havia tomado uma decisão: ela fugiria novamente. Era tudo o que sabia fazer. Pensou em várias formas de revelar a verdade para o conde, de lhe dizer quem realmente ela era, mas nada foi como imaginou. Então, em um ímpeto de covardia, Joan decidiu que fugir era a melhor opção. Poderia ir para qualquer lugar da América, talvez até mesmo para o Sul, bem longe do conde. E quando tudo viesse à tona, ela estaria distante de todo aquele caos. Lidaria com as consequências depois.
Todavia, Joan não fugiria tão depressa. Tinha de organizar as coisas, planejar com certa cautela, saber exatamente onde seria o melhor lugar para recomeçar. Uma semana era o suficiente. Ela só precisava de um tempo; algo que, em breve, descobriria que jamais o teria.
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Quando o conde retornou a residência, com os olhos vermelhos e inchados de tanto chorar, ele logo pediu que seu mordomo chama-se por Joan e partiu rumo ao escritório, levando consigo aquele envelope que o destruiu de todas as formas possíveis.
Albert, ainda muito magoado, ocupou o devido lugar atrás da mesa e apenas aguardou pela mulher a qual havia destroçado o seu coração.
Não tardou para que Joan entrasse no cômodo e deparasse com a terrível imagem do conde completamente desolado.
— Mandou me chamar, Albert? — sussurrou, analisando a face do homem, tentando extrair qualquer informação que indicasse a razão de ele estar naquele estado de lamento.
— Sente-se. — ordenou friamente, olhando diretamente nos olhos de Joan.
A moça engoliu a saliva em um ato de nervosismo e tomou o lugar vago.
Davies a olhou como se fosse a primeira vez e analisou, meticulosamente, cada traço da face da moça, enxergando, pela primeira vez, a evidente semelhança entre ela é o duque que por anos foi o seu maior rival. Ela tinha o mesmo maxilar marcado de Matthew, bem como a mesma postura orgulhosa de todos os membros daquela família. Era uma Morrison, com toda certeza.
— Diga-me... Quem é você? — indagou por fim.
Naquele exato momento, Joan fechou os olhos e respirou fundo sentindo todo o peso da verdade a atingir. Soube, sem qualquer dúvida, que o conde havia descoberto a verdadeira identidade dela.
— Acredito que, a essa altura dos acontecimentos, se o senhor está me fazendo esse questionamento, é porque já sabe exatamente quem eu sou.
— Diga-me, em alto e bom tom... Quem é você? — repetiu o questionamento, em um tom duro e frio.
Joan lançou o olhar sobre o envelope em que ele repousava uma das mãos e leu o nome de uma mulher "Clare", escrito em uma caligrafia perfeita que ela jamais teria.
— Sou exatamente a pessoa cuja informação se encontra dentro desse envelope. Meu nome é Joan Morrison, mas isso o senhor já sabe. — Ao dizer aquelas palavras em voz alta, ela sentiu os olhos queimaram com as lágrimas que surgiram.
Albert fechou os olhos e sentiu o impacto daquela verdade atingir em cheio o que restou de seu coração. A voz soou embargada pelo choro, quando ele perguntou:
— E quando a senhorita pretendia me contar isso? Por quanto tempo mais continuaria a me enganar com suas mentiras? Até quando tu e seu irmão continuariam fazendo chacota da minha tolice?
— Meu irmão não tem absolutamente nenhum envolvimento nessa história. E se quer saber a verdade, eu não pretendia lhe revelar quem eu sou. Deixaria isso a cargo de terceiros. Minha intenção era fugir daqui na próxima semana. Quando o senhor viesse descobrir a verdade, eu já estaria longe e não precisaria lidar com as consequências de meus erros. Fugir é o que eu sei fazer de melhor. Nunca soube enfrentar os problemas. Não estava preparada para essa conversa. Não era para ser assim. — As lágrimas finalmente rolaram pela face dela.
— A senhorita sempre soube exatamente quem eu sou e o que seu irmão representa para mim. Eu só quero saber: por que a senhorita fez isso comigo? Por que deixou que eu me aproximasse de ti, sendo exatamente quem és?
— Acredite, Davies, eu tentei detestá-lo, tal como o meu irmão o detesta. Eu tentei me afastar do senhor, mas quanto mais eu tentava me afastar, mais nossos caminhos se cruzavam. Não era para ser assim. Nunca tive a intenção de me aproximar tão intimamente de ti. Simples aconteceu, e infelizmente, eu não posso mudar quem eu sou.
— E você fugiria sem me dizer a verdade? Mesmo depois de eu dizer que a amo, você, ainda assim, teria a coragem de partir sem me contar quem és? — Naquele momento, o conde se encontrou em prantos.
— Como eu lhe diria que sou uma Morrison odeias tanto o meu irmão a ponto de também, possivelmente, me odiar? Eu só preciso que saiba que eu tive de criar uma identidade falsa para poder fugir, sem levantar suspeitas de que eu sou irmã de um duque, e embarcar no navio, de modo conquistar a minha independência. Meus planos eram desembarcar em New York e trabalhar domando cavalos em qualquer lugar que viesse me aceitar. Para que tudo ocorresse bem, e Matthew não viesse atrás de mim, ninguém poderia saber da minha identidade, nem mesmo o senhor. Tudo fugiu do meu controle. Como pode uma Morrison ter se apaixonado por um Davies? É um absurdo, mas aconteceu.
— É... aconteceu. — Albert concordou tristemente.
— Eu disse que iria magoá-lo e partir o seu coração. — Joan relembrou, chorando.
O conde cravou o olhar no dela e sentiu os lábios estremecerem quando falou:
— Pelo menos em relação a isso a senhorita não mentiu.
— Eu sinto muito. Sinto de todo o meu coração.
— A senhorita realmente me amou, ou foi apenas mais uma mentira?
Joan ergueu o queixo, limpou as lágrimas e respondeu com muita firmeza:
— A única mentira dessa história, Albert, é que eu não me chamo Jolie Taylor. Todo o resto é uma verdade universal. Eu sou completamente apaixonada por cavalos, desde que eu era uma menina que mal sabia falar, assim como, incondicionalmente, eu sou completamente apaixonada por você. Mesmo sendo um Davies. Eu o amo com todo o meu coração e espero que possa me compreender e me perdoar.
— E mesmo me amando, a senhorita partiria, deixando-me no caos. — ele ironizou, sem ter coragem de fitá-la nos olhos.
— Os Morrison's nunca foram bons em dizer verdades que machucam. Isso o senhor já deveria saber.
— Os Davies nunca foram bons em perdoar mentiras, mas isso a senhorita já deve saber. — rebateu, inconformado.
Joan compreendeu, finalmente, que tudo entre eles havia se rompido. Aquela última frase deixou claro que Albert não a perdoaria. Por isso, ela levantou-se da cadeira e declarou:
— Arrumarei as minhas malas. Partirei ainda hoje. Sairei da sua casa e também da sua vida. Tudo que eu desejo, a partir de agora, é que o senhor seja feliz.
Ao ouvir aquilo, tomado pelo impulso, e também pelo medo iminente de perdê-la,, Davies deu a volta na mesa e se aproximou da moça, segurando o rosto dela em suas mãos e disse:
— Joan Morrison, não ouse partir dessa casa. Você me magoou de todas as formas possíveis, partiu meu coração em milhares de pedaços, ainda assim, eu farei de tudo para que alcance os objetivos pelo qual veio lutar.
Joan agarrou o conde as lapelas do paletó dele e revelou aos sussurros:
— Eu não estou preparada para te perder.
Albert encostou a testa na dela quando disse:
— Eu também não.
Tomado pela urgência, Davies selou os lábios nos de Joan em um beijo desesperado.
As lágrimas continuaram a rolar pelo rosto de Joan e ela se agarrou ao homem, mantendo a respiração ofegante e sentindo o coração bater acelerado no peito.
Albert a segurou com firmeza, mantendo mão em suas costas e outra em seu pescoço, puxando-a para mais perto dele, tentando, desesperadamente, apegar-se àquele momento único. O beijo se tornou intenso e apaixonado. As línguas se entrelaçaram em um frenesi de desejo e necessidade. Ambos se beijaram como se não houvesse amanhã, tentando absorver um ao outro e se proteger do mundo ao seu redor que desabava em ruínas e ecoava uma única mentira: ela era uma Morrison. Naquele beijo, os dois se entregaram e as emoções tão fortes que qualquer palavra se tornou desnecessária; não havia mais nada a dizer. Tudo, a partir dali, tornar-se ia apenas mágoas.
Por fim, Joan se afastou lentamente, ainda com lágrimas nos olhos e o coração completamente destruído. Ela havia magoado o conde, mas no final, também se magoou.
— O que faremos a partir de agora? — As palavras trêmulas tocaram os lábios molhados de Albert.
— Eu preciso de um tempo para pensar. Não tomarei nenhuma decisão nesse momento.
— Tome o tempo que precisar. Eu ficarei à tua espera. Não figurei dessa vez.
No meio daquela imensa tristeza, Albert foi capaz de sorrir antes de dizer:
— Finalmente eu venci o seu orgulho.
— O medo de te perder é maior do que qualquer outro sentimento que eu possa sentir. — revelou, sentindo o coração se apertar.
Albert não disse mais nada, apenas depositou um beijo casto na testa da moça e partiu, deixando para trás um escritório ecoando o peso das verdades, a mulher por quem se apaixonou e aquela que também o magoou. Deixou Joan Morrison para trás; e talvez para sempre. Ele era um Davies afinal.
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Olá, ladies!
Obrigada por todo apoio! Ainda não estou bem, mas continuo aqui, vencendo dia após dia!
Obrigada por lerem; por estarem aqui!
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