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31. A musa e o bobo da corte

JUNG

KOOK

— Cheguei numa hora errada? — Kim perguntou, empurrando a mala para dentro do cômodo. O retrogosto da minha mágoa subiu quente pela glote; eu tinha uma resposta desaforada pronta para dar na hora, uma performance épica de escrotice. Só tive dois pensamentos ao vê-lo parado na porta do apartamento de Leanor naquela manhã: 1. Mandá-lo para a casa do caralho no soco, ou 2. Mandá-lo para a casa do caralho no chute. E é verdade o que dizem: quando o diabo não vem, manda o secretário. Nesse caso específico, mandou seu advogado mais pau mole para me assombrar no melhor momento dos últimos vinte e cinco anos, com a desculpa mais esfarrapada que já ouvi.

Meu plano para o sábado envolvia preparar um café da manhã decente para Leanor, desfazer-me das bobagens e da base nutricional capenga que ela andava comendo todos os dias: o maldito cereal matinal açucarado e colorido, os bolinhos Twinkie e as rosquinhas com cobertura granulada guardadas na geladeira. Queria ficar com ela um pouco, assistindo a qualquer filme que, no fim das contas, não daríamos uma singela foda ao enredo; em algum ponto de Shrek 2, estaríamos centrados demais um no outro.

Eu também adoraria ouvi-la falar sobre o que estava escrevendo, sobre o trabalho, contando-me fofocas de gente que nunca vi as fuças, só pelo prazer de me sentir parte de sua rotina. Depois, queria comê-la de ladinho (antes do almoço), daquele jeito que fazia ela se contorcer inteira de tesão quando eu metia fundo (perna erguida, sua mão espalmada na coxa ou nos seus peitos gostosos) e meus dedos tocando no lugar certo, triplicando o prazer, fazendo-a abafar aqueles gemidos altos contra a minha boca com a ajuda da língua, ao ponto de me deixar louco e tornar tudo muito intenso. Leanor tinha flexibilidade para isso. Era uma verdadeira contorcionista na cama. Eu era só um espectador excitado.

Também queria levá-la ao boliche, jantar fora ou sair para dançar. Talvez tomar um sorvete sentados em um dos bancos do parque Hudson como um casal de namoradinhos da escola. Fiz até um pequeno cronograma dos lugares divertidos onde poderíamos ir nos arredores do bairro; as notas ainda estavam no meu celular, com horários de funcionamento e possíveis rotas.

Ao invés disso, temos Taehyung ocupando o sofá da sala e, antes dele, o arrombado do Ben, dizendo todo tipo de coisa que só me enfureceria. Não sei como não soquei a cara dele bem ali na sala de Leanor quando ele, sutilmente, me chamou de "George, o Rei da Floresta."

Poderia ter oferecido meu ódio em resposta, ter ido ao fundo do poço buscar o que eu tinha de melhor em termos de rancor para devolver, mas não deixei um pensamento intrusivo vencer – pelo menos, não daquela vez. Gastei toda a cota de paciência sendo humano com Ben. Era o que me restava de bom.

Os tronos do inferno devem estar vazios a essa altura, pensei.

— Achei que você me ligaria caso... — Leanor começou, tão desconcertada com a situação que sinto vontade de poupá-la daquele constrangimento desnecessário. Kim é quem estava sendo inconveniente. — Eu liguei! — Taehyung disse, mostrando a tela do celular com as chamadas perdidas. Ao lado do nome de Leanor, um emoji de pintinho amarelo. Puta merda. Meus punhos se fecharam quase automaticamente.

O celular dela tinha ficado na sala, em cima da mesa de centro, desde ontem. Mantive Leanor ocupada boa parte da noite, entre um cochilo e um pico de energia e saudade que nos manteve despidos, enroscados e famintos um do outro o tempo todo.

— Desculpe, acho que estou atrapalhando algo, você parecia preocupada nas mensagens, então achei melhor checar para saber se estava tudo bem.

Olhei para ela, quase em câmera lenta. Estava vermelha.

Então, significava que a proximidade entre eles estava naquele nível íntimo de dividir preocupações e talvez uma quantidade de outras coisas que eu nem queria imaginar – como trocar mensagens enquanto estávamos longe. Comprimi os lábios. Não queria parecer um imbecil enciumado, e por um segundo pensei em reavaliar aquela ideia. Se valeria a pena arruinar tudo pelo que lutei com unhas e dentes nos últimos meses em nome do nosso relacionamento, só por ter um foguete de ódio entalado no meio do meu cu. Faiscando.

Eu nem tinha contado a Leanor sobre o pedido de transferência para Nova York. Queria preparar o terreno primeiro, para não assustá-la ou fazê-la pensar que tinha arruinado qualquer coisa. Era uma decisão imprudente pra cacete e unilateral, nada muito fora do que se espera de mim, mas, caralho, não ia conseguir ficar longe dela por muito tempo. Eu tinha prometido que faria nossa relação funcionar, deixá-la solta assim só traria mais insegurança. E a sensação que eu tinha era de que estava sendo teimoso demais sobre uma coisa que deveria ser leve, o que a faria se sentir culpada. Conheço bem os caminhos da mente dela: sinuosa, sagaz e teimosa.

— Eu... eu acabei não vendo, Tae. Desculpa! O Jun tinha chegado e nós ficamos meio... ocupados com o jantar.

Tecnicamente, com a sobremesa.

— Eu entendo, vocês estavam aproveitando o tempo juntos. — Kim sorriu amigavelmente na minha direção. Se meus olhos pudessem perfurar seu crânio, ele estaria com os miolos espalhados naquele exato momento.

Com a visão periférica, vi Leanor puxar a gola da camiseta para cima, tentando disfarçar o óbvio. Havia um chupão visível na curva do pescoço e outro no ombro — um lembrete mental de culpa que ela nem fazia ideia de que direcionava só a mim.

Nem queria imaginar o estado de suas coxas, e me perguntava se essas marcas faziam Leanor sentir vergonha do tipo de homem que eu era, ou da exposição que meu comportamento meio canibalístico-adolescente provocava. Essa vontade insana de devorá-la sempre que podia, deixando rastro por onde passava. Para ser sincero, eu sabia a resposta para a pergunta; mas que mulher gosta disso?

Leanor era a doce e refinada donzela de um romance de época, e eu meio que era o jardineiro descamisado e rústico que aplacava suas horas de tédio naquela vida no campo. Sentia inveja de Kim nesse aspecto: por ser mais inteligente, sagaz e bonito. Era um filho da puta culto, que provavelmente entendia as referências que ela usava e ria das piadas literárias que eu levaria séculos para entender na mesma rapidez, provavelmente com uma busca no Google.

— Mas não se preocupe, vou embora, realmente só passei pra te dar um oi... — Não, fica! Estávamos indo tomar café agora, não é? — A mão de Leanor pousou no meu ombro, e só então eu me forcei a olhar para Kim. Era verdade, a mesa estava pronta; eu tinha acordado cedo para preparar o café dela, pensando em como cuidar melhor da sua alimentação. Até tinha lido sobre chás e suplementos para deixá-la mais saudável. Estava sozinha do outro lado do mundo, e, mesmo que não tivesse pedido, não fazia mal oferecer um pouco de apoio.

— Sim. — Minha resposta curta fez com que ele erguesse o rosto em minha direção.

— Não vou atrapalhar você, Kookie?

Um buraco negro parecia se abrir no peito, regurgitando todas as atrocidades que eu queria gritar na cara dele. O cinismo de Kim era quase um câncer. Sim, seu merda, você está arruinando tudo! Não deveria ter vindo. Não deveria estar aqui.

— Toma café com a gente. — Leanor sugeriu, segurando minha mão como se pudesse medir meu humor pela temperatura. Eu podia sentir meu rosto e orelhas queimarem.

— Trouxe isso pra você. Encontrei na França, na última viagem.

Era um vinho rosé que custava uma nota.

— Ah, não precisava, Taezinho! Vamos tomar mais tarde, que tal?

Analisei a cena: Kim tinha a confiança de Leanor, e eu estava reconstruindo nossa relação naquele momento. Não podia agir como um lunático, já que a relação entre eles não me envolvia em nada. Mas não confiava em Taehyung, e isso me deixava pilhado pra caralho.

— Claro, claro. — disse ele, observando Leanor caminhar até a cozinha para guardar o vinho no armário. Segui o olhar dele até encontrá-lo de relance.

— E aí, Jungkook, como está o trabalho? — perguntou.

— Bem.

Escolhi a terceira e pior opção possível: fingir que não estava nem um pouco incomodado. A casa não era minha, e a visita, no fim das contas, era para Leanor.

Mas o clima se instalou da forma mais caralhuda possível: eu, o filho da puta e Leanor sentados à mesa. Tentei focar em coisas que me acalmassem. Uma dose de uísque seria relaxante no fim da noite, ou um banho frio. Ou, melhor ainda, Leanor deitada, lendo seus livros, aquele rabo perfeito à mostra para mim, e meu único trabalho sendo puxar sua calcinha de lad... Ok, Jungkook, não é hora para isso. Pensamento intrusivo agora não.

Porra, calma. Fica calmo.

Ela ainda estava usando uma roupa minha, com a voz meio grogue de sono, tentando ser educada com aquele pedaço de bosta, enquanto ele agia como se o espaço fosse dele. Porque já foi dele, uma vez.

Eu dançava no precipício das vontades: cuspir no café dele, esfregar as panquecas no meu saco peludo, ou qualquer outra porcaria que ele merecia. Agir como um moleque mimado e diabólico. Mas Leanor não merecia nada disso. Nem merecia se sentir desconfortável por não saber me comportar como um adulto, entender que aquele vínculo entre eles era diferente do nosso, e que minha mágoa era problema meu. Eu que tinha dado espaço para essa amizade começar.

Ela tentava me incluir na conversa enquanto ele dissertava sobre ter terminado Finnegans Wake, de James Joyce, jogando termos presunçosos como "anti-herói" e "figuras arquetípicas da humanidade", fazendo menções a Sartre, Camus e toda aquela merda existencialista. Leanor concordava, adicionava suas próprias reflexões, sempre inteligentes, e me olhava, como se esperasse meu apoio. Fiz uma nota mental para buscar sobre o livro depois.

Sei que não me encaixo aqui. Eu não sou esse cara, e preciso me lembrar disso sempre. Leanor sempre esteve fora do meu alcance, areia demais para o meu caminhãozinho, como Seokjin costumava dizer. Me pergunto como uma mulher como ela poderia ter olhos para mim. Esse é o maior motivo para eu questionar o que achei que tinha superado: tudo que faz de Kim o tipo de cara que Leanor costumava desejar. Toda essa inteligência e charme desgraçados que parecem vir sem esforço, essa beleza e a facilidade de acompanhar a mente brilhante dela, não são coisas que eu posso oferecer na mesma profundidade.

Ok, não estou dizendo que sou um merda. Não é isso. Tenho meus talentos. Mas, por outro lado, estou desconectado dela em tantos aspectos. Não sou bom com palavras, não sou o tipo mocinho de romance, nem o cara idealizado em cartas de amor ou qualquer coisa assim.

Leanor tinha uma doçura encantadora aos meus olhos desde a primeira vez que a vi. Mas eu já havia sido exposto a um raio de depravação moral que, no fundo, temia que algum dia pudesse assustá-la. Por mais que sempre respeitasse os limites dela, nunca pude mostrar 100% o que estava disposto a fazer para vê-la completamente satisfeita.

Eu temia assustá-la com qualquer impulso desnecessário de desejo e talvez devesse manter tudo isso só para mim, no meu imaginário.

Tento pensar em alguma outra coisa, qualquer sutileza que me leve a uma distância menos cruel de comparação. Parece que tenho dezesseis anos outra vez e sou aquele mesmo garoto desajeitado, de cara espinhenta e cabelo comprido que ficava pelos cantos da escola, meio isolado da adoração que Kim recebia. Ou sob a sombra de sua proteção para não acabar apanhando dos panacas do terceiro ano. Tudo sobre mim virou piada: ser virgem, ter pele bronzeada, ser um adolescente com tatuagens de "gangue" pelo corpo. Até a porra do meu pau era motivo de piadas nos dias de educação física. As proporções diferentes das dos outros garotos não foram motivo para glória; recebi um apelido de merda que me fez internalizar algumas ideias fodidas sobre mim ou sobre o meu corpo. Parecia ter sido construído de maneira errada. Ouvi que assustaria as garotas, que era um animal, uma espécie de besta enjaulada. Wang Daenamu, era assim que eles me chamavam.

Aquela palpitação estranha no peito ainda me apavora. Reconhecia os caminhos cruéis de minha própria mente, e Taehyung acionava todos os meus gatilhos de uma vez só, como a porra de uma criança cruel apertando todos os botões de um maldito elevador só pela diversão de vê-los piscar.

— Acho que vou sair um pouco para correr, aproveitar que você está com o seu... — a palavra trava na garganta, com gosto amargo. — Com o seu amigo.

Engulo em seco. Levanto-me mais rápido do que meus olhos conseguem acompanhar os movimentos de Kim, que observa atentamente Leanor.

— Mas agora, amor? — Leanor me segue enquanto caminho até o quarto. Tento não parecer irritado quando ela fecha a porta. Não queria que pensasse que era sobre ela. Não era. Jamais seria.

— Amor, eu não sabia que ele viria, eu... — Ela parece hesitar nas palavras, com medo de juntá-las em uma frase, tentando encontrar a melhor maneira de justificar a presença de alguém que não foi convidado. Consigo assistir à mecânica de sua mente.

— Tudo bem, não é culpa sua. Esse pedaço de bosta parece farejar a felicidade alheia e... Leanor, eu sei que vocês viveram algo, ele é seu amigo. Só que, puta merda, eu odeio esse cara. — Fico enjoado só de pensar no que acabei de dizer.

Vocês viveram algo.
Vocês viveram algo.
Vocês...

Parecia que eu não podia ter nada para chamar de meu sem envolver uma terceira pessoa querendo a todo custo tirá-lo de mim.

— Essa é sua casa, seu espaço, mas eu realmente não quero ficar aqui com ele. Vou sair para correr, espairecer um pouco e volto depois. Até lá, talvez ele tenha se tocado e se mandado daqui.

Odeio a ideia de deixá-los sozinhos aqui. Odeio, odeio, odeio pra caralho. Eu confiava cegamente em Leanor, mas Kim era traiçoeiro, mentiroso e nada confiável.

Ela passa os braços ao redor da minha cintura, numa proximidade calorosa.

— Não demora, por favor. É o nosso dia livre juntos, lembra? Quero aproveitar com você. — Ela se aproxima um pouco mais. — Quero aproveitar você.

— Eu sei, meu amor. — Caminho para buscar uma camiseta na gaveta que ela separou para mim no armário e alcanço meias limpas no bolso frontal da mochila.

— Posso pedir para ele ir embora, Jungkook. — Ela toca meu pulso com firmeza, os olhos erguidos na tentativa de encontrar os meus.

Não queria que ela se sentisse coagida a fazer algo só por minha causa. Seria desonesto pra caralho colocá-la nessa sinuca de bico. Seguro seu rosto entre as mãos, ainda me surpreende a fragilidade de Leanor comparada ao meu próprio tamanho. As pontas dos meus dedos quase se tocam ao redor da cintura dela quando a puxo para perto, ou quando quero senti-la de verdade, mal me aguentando quando ela se aproxima, mansinha.

— Eu só quero tomar um ar fresco, gatinha. Fique aqui, converse com ele, não se preocupe comigo. — Colo meus lábios nos dela, antes de me mover para pegar os outros itens e sair daqui.

Alcanço os fones de ouvido e a carteira, e tateio pelo celular embaixo dos lençóis. Não está lá; lembro que usei aquele travesseiro na noite passada para dar apoio ao quadril de Leanor — o celular devia estar na puta que pariu, ou quase isso: debaixo da cama.

A bateria está em 78%, um alívio. Mas tem duas chamadas de mamãe, uma mensagem atrevida de Jihye sobre o uso indiscriminado do meu cartão de crédito e uma notificação de Yoongi no aplicativo de mensagens.

Ela continua parada ali, usando minha camiseta branca com a logo da Nike x Stussy bordada nas costas, que parece gigantesca no corpo dela, enquanto calço as meias. Só levanto os olhos quando ela abre a porta, depois de vestir a calça de moletom que pegou no armário. Não demoro em acompanhá-la para fora do quarto, vendo-a servir Kim com o hoddeok que fiz mais cedo.

— Até logo. — Digo, olhando em sua direção. Ela balança a cabeça.

— Leve uma jaqueta, pode estar frio lá fora. — Pego a jaqueta de nylon pendurada ao lado da porta e os sapatos.

— Até mais, Kookie. — Taehyung diz, e aceno por cima do ombro, batendo a porta antes de mandá-lo mentalmente pro caralho.

Meu peito pulsa tão forte que sinto minhas mãos trêmulas. É frustrante, ridículo pra cacete.
Caminho até o elevador, quase zonzo. Puta que pariu. Uma crise de ansiedade agora, não, porra. Evito o espelho do corredor, nem quero ver minha cara feia nessa hora do dia; em vez disso, encaro meus pés enquanto tento enfiá-los no par de tênis, apertando de maneira ininterrupta o caralho do botão.

Porra de elevador que não sobe. A aspereza da minha respiração quase me faz gemer.

Fecho os olhos, toco o prendedor de cabelo em meu pulso, a espiral preta que se enrosca nos meus dedos enquanto junto uma quantidade significativa de cabelo para amarrá-lo.

Quando o elevador chega, vejo quatro portas de metal escovado se abrindo. Tonto como uma beyblade, ainda estou amarrando os cadarços e pulo para dentro da caixa enquanto finalizo o nó firme. O calor me consome a ponto de molhar minha camiseta. Fico remoendo as palavras por dentro, pensando se não fui grosseiro com Leanor; a tontura parece se prolongar mais do que deveria. Os cenários se atropelam em minha cabeça, chocando-se em acidentes trágicos. Kim ainda era um filho da puta que fazia mal para todas as partes mal resolvidas da minha vida. E aqueles números no visor lateral parecem durar uma eternidade para se moverem.

Me direciono para fora do elevador quando as portas se abrem e agradeço pelo sofá vazio na área comum do prédio de Leanor. Caminho até lá aos tropeços e fecho os olhos por um segundo: só precisava restabelecer a cacete da minha respiração, retomar as rédeas daquela situação ridícula.

Você está sendo um babaca, Tamanui Teerã. Não temos tempo para isso de novo. Você não será esse cara outra vez, não aqui.

Assisto minha mão chacoalhar sozinha. Aquele pânico grotesco sobe pelo meu estômago como a porra de um animal enjaulado.

Um grupo de garotas caminha para dentro do prédio e as vejo cochichando ao me verem ali. Penso o óbvio: que estou começando a assustar os moradores, que provavelmente se perguntam sobre o esquisito tatuado e ofegante ocupando um terço do sofá da área comum como algum tipo de stalker maluco perseguindo sua obsessão da vez. Deslizo o antebraço contra o nariz na tentativa de parecer menos ofegante; ainda estou com o perfume dela na pele.

Espero que todos desapareçam dali; ainda é cedo, um sábado de manhã. Algumas pessoas estão se preparando para correr, outras para comprar café na esquina, e a movimentação naquele horário é mais amena, consequentemente mais tranquila. Talvez tomar um pouco de sol me faça pensar com mais clareza; só preciso forçar minhas pernas a caminharem até a porra da porta e sair daqui.

Faço um esforço significativo de dez passos até lá.

Desejo bom dia ao porteiro amigável e abro a porta de vidro do prédio, sendo recebido pela brisa fria, mas ainda assim, estou morrendo de calor.

Sabia que tinha um parque ali por perto, tinha visto ontem quando fui até o mercado coreano, admirando a arquitetura art-déco misturada aos prédios industriais do bairro. Tribeca era um bairro bonito. Lembrava um episódio de Friends. Pensava que a razão para Leanor ter escolhido aquele lugar era justamente por seus sonhos cinematográficos sobre a América. Qualquer criança tem o padrão americano enfiado no rabo desde cedo. Eu não fiquei de fora. Costumava ter os mesmos desejos de criança colonizada quando era mais novo.

Encaixo os fones e coloco algumas músicas para tocar. A playlist ainda está na categoria de canções do Bowie que ouvi enquanto limpava a casa, mas gosto de ouvir pop antigo para correr; isso me faz sentir em um filme e ainda me relaxa em dias estressantes.

Quando Kylie Minogue canta: "How do you describe a feeling? I've only ever dreamt of this" enquanto me aqueço na esquina da avenida Duane, sou acompanhado por alguns olhares. Antes da batida começar a tocar, dou início aos meus quarenta minutos de corrida. Coloco minha mente em outro plano de funcionamento.

Liberar um pouco de endorfina sempre acaba me fazendo bem. A Srta. Emiko, minha terapeuta, costumava dizer que essa era minha válvula de escape. Não sabia lidar com minha angústia como deveria, então tudo virava punição e alívio. A corrida, o boxe, os exercícios de resistência e o excesso de tesão. Meu corpo somatiza tudo em uma grande bola incômoda presa no âmago; esse excesso de estamina que não me deixa cansar nunca parecia sair de mim apenas de duas maneiras: pelo suor ou com porra. (E ouvindo divas pop dos anos 2000 em segredo).

Fui solitário quase a vida inteira. Nunca me senti bonito, nem muito inteligente, nem mesmo agora, quando meu trabalho tem um certo reconhecimento, e questiono todos os dias se mereço. Me apaixonei pela arte muito cedo e, de alguma forma, quis me esconder nela. Aprimorei minhas táticas de alívio do ócio: malhar ou bater punheta como todo adolescente.

Com o tempo, aprimorei meus talentos artísticos, fiquei obcecado pelo cinema francês e achei que seria o próximo Jean-Luc Godard. Não sou nem mesmo o próximo Tommy Wiseau. Talvez tenha sido na mesma época em que aprendi a fazer tranças francesas porque minha irmã caçula ficou obcecada por aquele penteado fodido. Deixava Jihye pintar minhas unhas de vermelho e rosa e colorir minhas ta-mokos com canetinhas difíceis pra caralho de sair no banho. Não sabia dizer não a ela. Até hoje não sei. E é por isso que o valor da fatura do meu cartão quase me fez cagar nas calças no último mês. Jihye estava no segundo ano da faculdade e provavelmente achava que tinha um irmão mais velho milionário.

Eu amava o Natal, odiava aglomerações, não me apaixonava fácil, gostava da meia-luz da sala da minha casa e de falar sozinho. Também gostava de colocar canções pra tocar enquanto decorava a casa, dormir pelado e tomar banhos gelados. Me sentia desconectado do resto das pessoas. Nasci no leste asiático, mas sou um indígena polinésio e um conflito étnico do qual me orgulho. Tenho 79% do meu corpo coberto por história, ta-mokos que precisavam viver escondidas onde vivo, e parece que a vida inteira fui um mero disfarce do que sou de verdade. Às vezes, penso que sou um perigo para os outros do jeito que sou para mim mesmo: meio impulsivo, com meus sentimentos sempre em tinta fresca, à flor da pele. Sou mastigado pelos meus pensamentos sujos com mais frequência do que deveria; gosto de trepar mais do que ouso dizer em voz alta. Mas com Leanor, essa palavra parece errada, enrolada na língua, esquisita. Nosso elo envolve outra coisa, e me sinto especial por ter isso; me sinto escolhido, como um passeio noturno na Terra do Nunca, um convidado secreto para um lugar onde só eu e ela podemos estar, longe de todos, só nós dois, inatingíveis.

Se transamos, tenho vontade de chorar quando gozo, e às vezes quero dizer "eu te amo". E me sinto vulnerável demais quando me abro com alguém, mas nunca me abri do mesmo jeito que faço com ela.

Sou sujo, não sei nada sobre literatura e jamais leria Dostoievski por vontade própria. E quando a observo, mergulhada na leitura de Notas do Subsolo, lendo em voz alta seus trechos favoritos nas vídeo-chamadas, penso que sua sensibilidade é uma das partes mais bonitas dela, com seus óculos de leitura que me remetem à Velma (a personagem mais sexy dos desenhos animados depois da Sailor Moon). Meus ossos queimam, minhas veias são como lava correndo.

Aprendi a esfriar uma parte do coração para não viver dependente de um amor que não posso ter; Jieun foi a prova de que me amar era uma tarefa quase impossível. Mas Leanor curou essa parte.

Nunca contei a ela que, na nossa primeira noite, eu me senti diferente; ela me beijou exatamente onde doía mais, como se sua boca fosse guiada até o lugar que mais precisava ser beijado. Senti vontade de chorar quando seus lábios tocaram minha cicatriz. Foi como se ela tivesse me amado por inteiro, ao primeiro amar a parte quebrada. Talvez tenha sido nesse momento que percebi o quanto estava pateticamente envolvido com ela, com nosso lance, com a ideia de não deixá-la ir.

Às vezes sou sentimental pra caralho, mas não tanto quanto minha decadência moral parece me atingir primeiro. Leanor me deixa despido das fantasias do dia a dia, me toca sem medo de ser machucada. É o meu cordeirinho apaixonado.

Me sinto ridículo, às vezes, mesmo com todo esse alcance midiático, esse suposto sucesso. E com todas as entrevistas, fotos, pequenas obsessões em grupo, eu tinha minha própria demanda de síndrome do impostor. Queria ser tomado por um surto megalomaníaco e acreditar que era realmente bom. Mas me sentia como um golpe de sorte.

Caralho, tem churros ali!

Me aproximo do carrinho de churros, assustando o vendedor que não me viu chegar, e peço dois, com recheio de chocolate. Do outro lado da rua, há uma cafeteria. Tomar café me fará bem, talvez chacoalhe meu corpo e me dê mais clareza mental. Não sabia quanto tempo precisaria ficar fora antes de Kim se mandar do apartamento.

Observo as vitrines bonitas do centro comercial ao lado do parque e, parado diante da vitrine da loja de joias, engolindo um café da manhã improvisado — dois churros de chocolate hidrogenado com gosto de pica suja e um espresso que mais parecia água do ralo de uma cafeteria — vejo aquele solitário que me faz pensar automaticamente em Leanor. Era discreto, bonito e brilhante.

Enfio o último pedaço de churros de uma vez na boca antes de empurrar a porta de vidro.

— Bom dia, senhor. Posso ajudá-lo? — Dou uma boa olhada no meu reflexo no espelho atrás dela. Pareço a porra de um maluco: suado, desgrenhado e usando moletom; ela com certeza acha que vou quebrar uma dessas vitrines no soco e correr para fora daqui com esses colares mais caros que meus órgãos saudáveis.

— Estou procurando algo para a minha namorada; gostei desse anel aqui. — Apontei para o solitário com pedra em formato de bolinha decorando a caixa de veludo.

— É uma excelente escolha, senhor. Este aqui é um anel em platina com diamante de lapidação brilhante. Quer vê-lo?

Ainda estava com a mão cheia de açúcar cristalizado do churros que havia devorado em duas mordidas. Esfreguei as palmas no tecido da calça.

— Eu posso?

— Claro. — Adeline diz, seu nome está gravado no botão discreto no terninho chique. — Como a sua namorada se chama?

— Le... Eleanor.

— Que nome clássico. Este diamante também é um clássico. Muito elegante, discreto. Como a Eleanor é? Me conta um pouco sobre ela; talvez eu possa ajudar na escolha...

Visualizo Leanor na minha cabeça: seus olhos castanhos, seus cabelos longos e volumosos, seu corpo pequeno, firme e arredondado, seu nariz metido e seu jeito altivo de falar, esticando as sobrancelhas. Penso em mostrar a Adeline a foto de Leanor que tenho em minha carteira. Tinha inúmeras delas no celular também, lógico. Mas lembrava de como meu pai costumava mostrar a mamãe orgulhoso quando viajamos até a casa do koro Hoani, sempre com uma foto linda dela em sua carteira. Achava romântico pensar que, entre todos os documentos de suma importância na vida de um cara, o amor de sua vida estivesse entre eles. Fazia sentido para mim.

Então imagino ela usando aquele anel, ao mesmo tempo que a imagem dela rejeitando o presente me perturba quase imediatamente. Talvez eu tivesse a ideia errada. Mas que caralho de intenção eu passaria além da única que se pode ter quando seu namorado oferece um solitário dentro de uma caixinha azul?

Queria que ela soubesse o quanto queria fazê-la ainda mais minha. Não como uma posse errada, um título fodido para manter outros caras longe, mas uma garantia material de que estava disposto a levar aquilo a sério, a levar nós dois a sério.

Já era gostoso encher a boca para dizer que ela era minha namorada. Queria que fosse, inicialmente, só um anel de compromisso. As pessoas ainda usam anéis de compromisso? Ah, tomar no cu, Jungkook. Você usa, cabô!

— Ah, a Eleanor é uma criatura excepcional — digo — Ela é absurdamente inteligente; acho que é a pessoa mais inteligente que já conheci na vida. Ela escreve para a Rolling Stone. Sim, uns artigos fodas... desculpe, uns artigos incríveis sobre música. A bagagem musical dela é absurda; tenho quase certeza de que ela tem um ouvido absoluto. Além disso, ela é linda, e puta merda, uma delí... uma delicada criatura.

Adeline ri.

— É, você parece bem apaixonado, senhor...?

— Jungkook.

— Jungkook! — ela repete. — Ela parece mesmo ter fisgado seu coração. Mas sobre as proporções físicas da Eleanor, o que eu deveria saber?

— Ela é pequena, acho que bate aqui, na altura do meu peito. — Gesticulo e ela concorda. — Além disso, tem mãos pequenas, dedos finos, sabe?

Tinha o hábito de medir a mão de Leanor contra a minha só pela implicância, quando ela bancava a irritante na época da faculdade, e também compará-las em relação a outras partes do meu corpo; uma adorável vista de suas delicadas mãos de mulher adulta atormentando meu juízo.

— Sem problemas, podemos ajustá-lo caso fique um pouco largo.

— Tudo bem — digo. — Posso dar uma olhada nas outras joias?

— Claro, sr. Jungkook, o valor dessa aqui é...

— Não, o valor não é problema. Só quero garantir que ela vai adorar.

🐚

Volto para o apartamento perto do almoço, depois de passar no mercado coreano para comprar alguns ingredientes. Leanor estava sem tempo e não queria que ela passasse o fim de semana preocupada com outras coisas além do próprio descanso, ou comendo mais fast-food. Queria que pudesse aproveitar sem ficar atolada de responsabilidades; além disso, cozinhar para ela me mantinha relaxado. Tinha trazido alguns doces também.

Quando digito a senha da tranca automática, sou recebido pelo cheiro de nicotina. Tiro os sapatos e a jaqueta, caminhando para dentro com o saco de papel do mercado, e vejo Kim parado na varanda, soprando a fumaça do cigarro para fora. Puta que pariu, cara, se manda!

— Cadê a Leanor? — pergunto, pegando-o de surpresa. Taehyung ajusta os óculos antes de caminhar de volta até a sala, descalço e sem o suéter que estava vestindo mais cedo. O filho da puta está se sentindo em casa.

— Ah, oi. Ela precisou dar uma saidinha, disse que era uma emergência do trabalho, mas que volta logo.

— Achei que você já tinha se mandado.

Ele ri, mas não parece ofendido. Merda.

— Não se preocupe, meu check-in no hotel é em uma hora. — Ele diz, checando o relógio de pulso que deve ter custado uma nota.

Alcanço as uvas que comprei no mercado, decorando o centro da mesa, e enfio metade delas na boca de uma vez, evitando qualquer comentário merdoso que estava prestes a cuspir, como um "você nem deveria ter aparecido!"

— Ótimo — digo — Boa estadia para você. — No inferno.

— Você continua patético, hun? Saiu correndo daqui como se fosse um adolescente emburrado, deixou sua namorada sozinha... — Chacoalha a cabeça. — Algumas coisas não mudaram mesmo.

Tenho licença poética pra enfiar esse relógio no meio do cu dele?

— Você sabe bem o motivo de não suportar olhar pra essa sua cara fodida, seu babaca do caralho.

Taehyung sorri, encostando os antebraços contra o balcão de mármore, o cigarro ainda pendurado no lábio.

— Saiu pra correr ouvindo Kylie Minogue?

— Não é da sua conta!

In My Arms ou Can't Get You Out Of My Head?

O que mais odiava era não poder negar o passado de confiança cega em Kim, e que ele ainda sabia detalhes sobre mim, detalhes que detestava pra caralho que ele soubesse. Tipo esse. Tipo a porra da coisa mais particular sobre mim. Inferno do cacete!

— In My Arms.

Ele balança a cabeça, alcançando o cinzeiro para apoiar o cigarro.

— Olha, não vim aqui pra te tirar do sério, Ju. Eu tava preocupado com a Eleanor de verdade. Ela me mandou mensagens bem desesperadas.

Tiro a camiseta suada que estou usando e caminho até a lavanderia, sua voz me acompanhando.

— Você não tem a porra do direito de me chamar assim de novo.

Taehyung se aproxima com cautela, segurando o pingente de tartaruga pendurado em meu pescoço. Mantém perto dos olhos e analisa bem.

— Então você ainda usa... — diz — Achei que tinha dito que não queria mais nada que fosse meu por perto.

Afasto sua mão com um empurrão.

— Isso não tem mais nada a ver com você. É o meu espírito animal.

— Uma tartaruga é um espírito animal bem merda. — Ele diz, gargalhando.

— Você que escolheu, por isso é uma merda. — Caminho até a cozinha para buscar gelo, servindo uma dose de uísque para mim. — Aceita um pouco?

— Se você não cuspir nele!

— Vou mergulhar o meu pau, talvez seja mais do seu agrado.

Ele me olha de relance.

— A Eleanor gosta mesmo de você. — Taehyung diz enquanto caminha pela sala, avaliando os discos de Leanor e lendo as informações do encarte. Ele se sente muito à vontade ali — tipo, pra caramba. Desde a faculdade até agora, nada realmente mudou.

— Onde você quer chegar com isso?

— Ela é especial pra mim; talvez você não entenda a nossa aproximação do jeito certo... — Odeio seu tom presunçoso. Odeio a caralha da expressão de merda que ele usa para falar dela, como se estivesse em um lugar separado, onde não posso alcançar.

— Ela me contou muita coisa que rolou na faculdade!

— Mas contou tudo? Eu duvido!

— Porra, Taehyung. O que você está insinuando?

— Tenho certeza de que a El te poupou de muita coisa. O que aconteceu na faculdade foi completamente fodido, Jungkook. Depois que você foi embora, as coisas ficaram piores. Você sabe sobre a fama de vadia que a Eleanor teve que carregar durante o último semestre inteiro? Ou que o Dong-Yul humilhou ela na frente do clube de engenharia? Eu tinha certeza de que não sabia disso...

Estava na defensiva com ele; sabia que Taehyung poderia muito bem inventar mentiras só para me ver fora de controle, mas ainda o conhecia naquele limite de nossa antiga amizade para saber que ele estava sendo honesto.

— Pera aí, o que aquele filho da puta do Dong-Yul fez?

Kim se aproximou, tomando um gole de uísque.

— Ele disse que a Eleanor era uma, abre aspas, estrangeira fácil que servia para ser depósito de porra. — Ele diz. — Além disso, tentou beijá-la à força. Conhecendo a El como conheço, sei que ela não te contaria essa parte podre, porque isso faria você se sentir pior. E ela te ama demais para te provocar toda essa culpa.

E porra. Aquilo me atinge como uma estaca de madeira atravessando o peito.

— Ela nunca me disse isso, ela...

— Claro que ela não disse. Foi uma época cruel, Jeon. Principalmente para ela. Eu estava lá com ela; eu segurei a mão dela. Você... você não tem direito de se sentir magoado pela nossa aproximação. Você nem mesmo estava lá.

É quase automático: sinto vontade de chorar.

— O meu problema é você, Taehyung! É você! É o mal que sei que é capaz de causar a qualquer um quando está disposto a descartá-lo e juro por Deus, se você magoar a Leanor, sou capaz de...

— De quê? De sair correndo para outro país?

É quase automático, um descontrole que age mais rápido que minha habilidade de racionalizar. Fecho o punho e acerto a boca de Taehyung com um soco forte pra caralho.

Ele move a cabeça em minha direção, a linha de sangue escorrendo pelo queixo, o sorriso ensanguentado. Sei que era isso que ele queria.

— Kookie, eu acho que precisamos resolver isso. — Seu tom de voz pacífico, enquanto limpa o sangue do canto da boca com a língua, me faz querer quebrá-lo inteiro.

— O que temos pra resolver?

— Acho que basicamente tudo. Eu sei que não fui a melhor pessoa do mundo pra você.

Ele se inclina para tocar o copo de bebida, levando-o até a boca. Era a porra de um sociopata.

— Não, você foi literalmente a pior, em todos os aspectos. Vamos supor que você pensou que o meu cu era um alvo e jogou todas as suas flechas nessa porra. — Kim deu um sorriso, mas não oferecia seu cinismo letal. Parecia ferido.

Aquele silêncio se prolongou mais do que deveria.

— Desculpe pelas coisas horríveis que te disse. Também pelo que fiz com você. Eu não sei nem como começar a explicar o quanto me sinto envergonhado disso tudo. Era como se não fosse eu, como se eu precisasse destruir tudo ao meu redor só para me sentir um pouco menos quebrado sozinho. — Moveu os olhos pela sala até me olhar de novo — Você não precisa, não precisa mesmo comprar minhas desculpas, Jungkook. Não é isso que quero, mas é bom te ver do outro lado da mesa e ter a chance de te dizer isso pessoalmente, de algum jeito. — Ele suspirou — De alguma forma, acho que sempre te invejei por isso, por ser tão cheio de personalidade, por ter tanta certeza de quem você era, de quem sempre foi. Eu nunca consegui me sentir assim.

Sinto o choro preso na garganta, aquela sensação esmagadora no peito de uma ferida reaberta.

— Então você achou que se encontraria na buceta da Jieun? — minha boca se movimenta sozinha, a porra de um pensamento intrusivo me rasgando ao meio como um titã, o maldito demônio guardado no peito falando mais alto que meu autocontrole. — Porra, desculpa, não queria dizer isso, eu só... eu só senti tanta raiva, tudo foi tão humilhante. Eu amava você mais do que amava qualquer um, Taehyung. Caralho. Você deixou claro que o meu amor por você, nossa amizade, não significam nada. Você sabia que tudo aquilo me machucaria muito.

— Tudo bem, você tem todo direito de sentir o que quiser. Mas queria que soubesse que, durante esse tempo todo, acho que percebi que você foi realmente o amor da minha vida. — Podia ver as lágrimas no canto dos seus olhos enquanto ele alcançava o cigarro.

— Não tô falando no sentido romântico, acho que posso ter confundido meus sentimentos sobre você em algum momento. Não sei, minha mente estava uma bagunça naquela época. E tive tanto medo de que isso fosse verdade, de que o que eu sentia não fosse apenas um amor de amigo; eu não saberia o que fazer. Eu só queria me afastar de você e...

— Você não precisava ter me arruinado para se afastar de mim, caralho. — vociferei. — Você só precisava ter dito que precisava de espaço. É isso que amigos fazem. Eles se abrem. Eles contam os problemas. Eles não destroem a porra da vida do outro porque estão infelizes. Você é a porra de um maluco, Taehyung!

— Eu sei. — ele se inclinou. — Eu... eu era só uma criança burra. — Kim comprimiu os lábios e espremeu os olhos. Ele ainda reconhecia bem quando queria chorar. Ainda tínhamos aquele maldito elo de ex-melhores amigos. Meu coração havia sido forçado a parar de amá-lo abruptamente, como uma máquina com suas funções interrompidas.

— Quando soube sobre toda aquela sujeira no fórum, e a Eleanor me ajudou com tudo, nós conhecemos a história daquela garota, Misuk, e... e ela foi exposta de um jeito tão cruel, Jeon, ela era tão jovem. Eu li os diários dela, li seus posts no Tumblr, foi quase como me enfiar na cabeça de uma adolescente, e foi horrível. Foi horrível sentir que cheguei tarde demais e não consegui salvá-la, não consegui dizer a ela: está tudo bem, essas pessoas vão pagar por tudo! Ela morreu se odiando, morreu sentindo que a vida dela tinha acabado naquela droga de quarto do dormitório. Eu posso jurar que às vezes eu escuto a voz dela na minha cabeça, eu...

Odiei meu primeiro instinto de tocá-lo, de oferecer qualquer gesto de humanidade que ele não merecia. Ou talvez merecesse, mas aquela parede de mágoa era dura como concreto firme. Posso usar um termo chulo? Sei lá, mais dura que o meu pau quando a Eleanor fica pelada. Me sentia compelido a fazer algo para amenizar sua dor.

— Você fez o que podia, Taehyung. Você fez o que estava dentro das suas condições. Expôs aquela podridão no fórum; de alguma forma, você a salvou. E não só ela, as outras garotas também.

O choro de Taehyung era doloroso de ouvir, o soluço entrecortando as palavras.

— Eu demorei tanto, eu demorei tanto... Eu só queria ter ajudado ela.

Envolvi seu corpo para perto do meu, a mão em sua nuca, amparando sua tristeza com um beijo na testa.

— Tudo bem, Tae. Tudo ficará bem agora.

🐚

Leanor só voltou para casa quase uma hora depois que Kim tinha ido embora. Eu estava aproveitando para preparar algo para comer quando a vejo enfiar a cabeça pela brecha da porta e me ver ali, parado, olhando para ela.

— Ah, você tá aí! — ela comenta.

— Onde estava?

— Resolvendo umas paradas do trabalho.

Sei que está mentindo pelo jeito que seu nariz se franze quando fala; também não consegue me olhar nos olhos.

— Paradas do trabalho? E você comeu algo?

— Comi uma salada com frango e tomei um café.

— Isso não é uma refeição, gatinha. É no máximo a porra de um lanchinho. Vou preparar algo para você comer. — digo

— Não precisa. — Ela rebate imediatamente, removendo o casaco.

— Claro que precisa.

— Cadê o Kim?

— Já foi, mas disse que passa aqui para te ver antes de voltar para a Coreia.

— Tudo bem. Vou tomar um banho.

— Você sabia, né? — a pergunta paira em um silêncio estranho, enquanto ela decide se está ou não disposta a me contar a verdade.

— Hum, talvez.

— Gatinha... 

Ela sorri. 

— Vem, entra no chuveiro comigo. Eu te conto tudo. — a tática mais baixa que se pode usar contra um homem.

Ela caminha até o quarto, se desvencilhando de uma calça jeans, uma camiseta e um pulôver.

— Não pense que foi algo planejado, não foi. Mas depois que você saiu para correr, ele disse que queria falar com você, que achou que essa seria a única oportunidade...

Tiro a calça de moletom, acompanhando Leanor até o banheiro.

— E você concordou, sem me perguntar. — pressionei.
— Jun, não foi por mal. Só pensei que talvez fosse o momento de vocês terem uma conversa de adultos.

Dei um soco nele. Ele falou que achava que eu era o amor de sua vida. Bom, podemos resumir isso em amizade adulta ou apenas uma necessidade do caralho de terapia em grupo?

Ela se livra do sutiã e, então, da calcinha. Daí por diante, meu raciocínio vira puro ruído branco.

— Vocês conversaram? — a pergunta dela me coloca em sua atenção de novo, enquanto molha o cabelo.

Tiro a cueca e me enfio no pequeno espaço do seu box, alcançando o shampoo atrás dela.

— Sim, mas...
— Não foi uma boa conversa?
— Ele me pediu desculpas. Mas nós brigamos. — Com isso quero dizer que não me aguentei e soquei a cara dele.
— E como se sentiu?

Aplico shampoo no cabelo dela, com delicadeza, quando ela vira de costas para mim.

— Acho que precisava ouvir aquilo, de alguma forma. Mas vou precisar de mais tempo para digerir a conversa. Taehyung ativa todos os meus gatilhos.
Não queria dizer a ela que tive uma crise de ansiedade, que agi como um completo maluco pelas ruas de Tribeca e assustei seus vizinhos no processo.

Ela fica em silêncio.

— Você queria que eu fosse diferente? — pergunto.
— Como assim?
— Tipo, menos assim como eu sou e mais refinado como o Taehyung, que gosta de vinhos e fala de literatura. Alguém que pensa menos em sexo e mais em romance...

Ela me olha por cima do ombro; está engraçada com o cabelo cheio de espuma.

— Você pensa em romance; você é absurdamente romântico, Jun, do que está falando?

O gatilho já havia sido acionado.

— É que sei lá, às vezes penso que você é uma garota tão inteligente e eu...
— E você é igualmente inteligente. Além disso, eu amo você exatamente assim, por ser tão quente, tão sexy, tão... você! Eu não mudaria nada. Absolutamente nada sobre a sua personalidade.
— É que eu sei que mulheres não gostam tanto disso.
— Que mulheres andou conhecendo? — a pergunta dela me faz rir. — Outra coisa, foda-se quem não gosta disso. Você é meu. E eu gosto disso. Eu gosto disso pra caramba.

Afasto a camada úmida de seus cabelos para deixar um beijo em sua nuca. Ela toca meu pescoço quando me aproximo.

— Mesmo quando eu falo que amo seus peitos?
— Eu também amo os seus. Temos isso em comum.
— Mas desse jeito que sou, eu nunca seria digno de inspirar algo que escreva, não acha? Talvez um livro erótico.
— Eu leria todos os livros do mundo escritos sobre você. Eu escreveria um livro sobre você. Quem sabe nossa história não vira uma comédia romântica?

Ela abaixou a voz; um suspiro conspirador tomou conta do ambiente minúsculo.
— E se virar filme, quem você quer que seja você no cinema?
— A Sydney Sweeney! E você? — ela disse.
— O Dwayne Johnson. — digo, e ela gargalha.
— Sério, Jun, sério, vai...
— Quero um asiático presença!
— O Gong Yoo!
— O Gong Yoo não tá meio velho pra ser eu?
— Se cortarem uma franjinha nele, ficará igual.
— Porra, amor.

Ela sorri, esticada na ponta dos pés para me dar um beijo úmido.

— Eu te amo, sabia?
— Eu te amo mais, gatinha.

Quando saímos do banho, fico parado na porta do banheiro, ainda enrolado na toalha, vendo ela caminhar até o closet para pegar uma roupa limpa. Abrindo a gaveta de calcinhas bonitinhas e escolhendo uma para vestir, depois uma camiseta larga que serviria de pijama, mas essa sai da minha gaveta "emprestada", perdia a autonomia de minhas próprias roupas quando ela estava por perto.  Não me incomodava, eram mais fáceis de tirar. Seu cabelo está enrolado na toalha e ela cantarola uma música de Patti Smith que está tocando na TV.

É linda, doce, delicada e intimidantemente refinada.

Porra.

Meu coração parece bater mais rápido quando ela para ali, me vendo ainda molhado, observando-a cantar e dançar de um lado pro outro. Eu era uma canção melancólica do Oasis, e Leanor era um hit dançante de festa.

— O que foi?
— Nada, tô só te assistindo.
— Vem, senta aqui; quero fazer sua skincare direitinho hoje.

Ocupo o espaço na cadeira de sua penteadeira enquanto ela desenrola a toalha dos cabelos e chacoalha os cachos, antes de penteá-lo para trás com um creme perfumado que fica na palma de suas mãos e nuca.

— Leanor, o Taehyung me contou sobre as coisas que o Dong-Yul te disse.

Ela me escuta, mas não me olha nos olhos. Continua o seu trabalho de amassar os cachos, os olhos fixos no espelho.

— Não faz ideia do que eu teria feito com aquele filho da puta se eu soubesse, se eu ao menos...
— Se você ao menos estivesse lá?

A frase me atravessa, porque só desta vez ela me olha nos olhos.

— Eu sinto muito, sinto muito por ter deixado você sozinha, Leanor. Se eu pudesse mudar tudo, eu teria feito de outro jeito, eu teria...

— O que o Dong-Yul disse ou fez não tem nada a ver com você, Jungkook. Além disso, eu me defendi sozinha. Eu precisava me defender sozinha.

Ela se aproximou, tocou meu rosto.

— Uma vez, um garoto lindo me ensinou a socar a cara de alguém, e eu simplesmente quebrei um nariz depois dessa. — ela riu. — Acho até que fui bem criativa. Quebrei um nariz e um notebook bem caro.

— Babaca do caralho.

— É, babaca do caralho.

Leanor caminha até a escrivaninha, alcançando um diário e passando as páginas rapidamente.

— Mas você falou sobre inspirar um romance. Você acha que não é inspirador o suficiente?

— Nem fodendo.

— Quero que leia isso.
— O que é?
— Lê, então depois me diz o que acha.

💌

24 de abril de 2021, NY.

Às vezes, penso que converso com ele; toda a minha alma se dobra na ponta dos meus lábios e tenho medo de que outro nome escape no meio da saudade. Sinto-me uma traidora por pensar em J. quando B. me toca; considero essa ideia desleal.

Então, sinto falta do seu cheiro de roupa limpa. Acho que isso é o mais engraçado: quando fui até o dormitório dele, imaginei uma mistura de cheiros inesperados: fatias esquecidas em caixas de pizza, álcool, pés suados e a bagunça generalizada de um ambiente masculino. Ao invés disso, fui recebida pelo cheiro de roupas limpas, vela aromática e um resquício de perfume com creme dental.

Ele me disse para não notar a bagunça, que não teve tempo de limpar o espaço, pois não esperava uma visita. Então pensei na ausência das garotas ou na mentira sobre a inexistência delas. Não havia nada tão bagunçado assim, eu pensei. Havia apostilas e roupas limpas na cama, algumas peças de roupas tiradas às pressas que me fizeram imaginar o movimento de suas pernas deixando o tecido deslizar para fora do corpo ainda marcado pelo uso. Nunca me deixei pensar no quanto o corpo dele me enlouquecia. Até estar mais velha, era algo que evitava me apegar, mas gostava dos seus ombros largos, dos seus braços erguidos como os modelos vivos em aulas de desenho, exibindo as axilas com uma quantidade considerável de pelos que sombreavam a região. Ficava excitada ao ver suas costas nuas, a curva que seu cabelo costumava fazer na nuca quando ele se inclinava para me chupar, a fenda entre suas omoplatas como um mar aberto em que adorava afundar a mão, o contorno de suas nádegas livres de qualquer tecido, um traço bonito que me lembrava algum tipo de vigor heroico, deuses despencando do Olimpo por descuido. E suas coxas, panturrilhas e pés, de arcos elevados e musculosos, com tendões e veias visíveis. Subia os olhos até o seu pau bonito (mesmo aqui, diário, fico vermelha ao dizer isso; ele iria rir, eu sei), que era largo, firme e longo, tinha cor; minha boca ainda se enche como um rio de saliva ao pensar nisso, no gosto agridoce de pele quente e rosada. Era capaz de hipnotizar. Uma parte de sua virilha estava encoberta por uma ta-moko, contornando toda a lateral direita do corpo; ele tinha pelos ali também, escuros, espessos, e parecia tão humano, tão vivo, mas era arte.

A catedral de Chartres, com seus vitrais sacrossantos; o mausoléu do Taj Mahal, com sua simetria perfeita e todos aqueles detalhes que adornam as estruturas; a Capela Sistina, onde toda sua pele era responsável por resguardar a arte.

Era como se existisse algo especial e saboroso encoberto por um segredo — uma camada generosa de tinta, um pincel firme na tela —, e ter um segredo era excitante. Você separa aquilo do resto do mundo, você entra no vórtice, você é uma trapaceira, uma criminosa, uma mentirosa compulsiva, mas ninguém nunca saberá o que sabe, nunca sentirá o que sente. Você abjura em nome de uma adoração e ergue aquele altar em seu próprio submundo; ele, Hades, e eu, Perséfone.

Ele me olhava daquele jeito quando tirava as roupas, e eu simplesmente atravessava a sua alma inteira. J. era esse homem: colocava a alma às portas do corpo, como um abismo; quem ousasse se aproximar demais corria o risco de cair lá para sempre, e este olá eu mando das profundezas.

Eu era um cordeiro pronto para o abate; ele, um lobo faminto, com sua língua áspera, seu hálito carnívoro e um coração forasteiro.

Ah, Deus, até mesmo o seu maldito "olá" soava como um "chegue mais perto". Acho que soube desde o princípio onde estava me metendo e lhe dizia não só pelo prazer de ser sua caça, de sentir aquele frio na barriga e a certeza de que ele viria todas as vezes, sussurrando aquela beleza suja entre os dentes, aquele amor horrendo, aquela devoção que nunca me achei merecedora de receber. E, de joelhos, me adorava.

Esse era o problema: algo sobre J. era intenso ao ponto de romper os limites do meu viés sobre mim mesma; ele era tão feito de carne quanto eu daquela inocência de que sairia ilesa se experimentasse daquele veneno. Um copo de vinho com cantarella e caí morta em seus braços.

Penso sempre no fragmento de Hélène Cixous em um dos meus livros favoritos: "Imploro, devore-me. Deseje-me até a medula, e ainda assim, me mantenha viva." Nunca tinha entendido bem como era sentir desejo; não falo daquela coisa superficial de querer preencher uma vontade com algo momentâneo, mas daquele amor que assusta pela dimensão, pela força, pelo subtexto do que nunca é dito. E ele vem, com toda sua alma, me bagunça, me provoca como um deus insano: meio Ares, meio Afrodite.

Então, penso no seu sorriso preso por dois parênteses ao redor da boca, na sua adorável pintinha abaixo do lábio, um ponto final que nunca é dado; ele tem aspas perfurando as bochechas, e seu corpo inteiro é um poema declamado. Às vezes, ele me procura no meio da noite; então, sinto sua boca enquanto escrevo isto. Ele acaricia meus cabelos, meus lábios, me promete amor e me toca lá, exatamente onde preciso ser tocada.

Gosto de pensar que ele faz o mesmo quando penso nele. Ainda tenho essa cena quase em chamas nas minhas retinas, do jeito que ele sussurrava meu nome e nunca estava satisfeito: não gozava até que eu lhe dissesse, com todas as letras, que era sua.

Gozar na menção da minha posse. Porra.

Essa deve ter sido a coisa mais sensual que já experimentei.

💌

Puta que pariu, o que eu tinha acabado de ler era mesmo sobre mim?

Eu nunca tinha me visto tão bonito pelos olhos de alguém.

E Leanor é uma obra de arte, uma frantumaglia, uma desordem reunida em tudo que é bonito, caótico e poético, que a transforma na criatura linda que ela é. É isso que Leanor faz; eu jamais teria aprendido essa porra de termo chique, nunca abri um livro da Elena Ferrante na vida, mas ela me explicou com calma, com aqueles olhos encantados de quem descobriu um novo truque de mágica. Penso na maior cafonice romântica do mundo: quero aqueles mesmos olhos no rosto de uma garotinha linda que chamarei de amor. As espirais duplas de nossos DNAs conectadas.

Meu sangue no dela. Nós dois, misturados para sempre. Seu rosto para sempre em um pedaço de minha descendência, porque ela existiu e foi tão amada, pelo coração de um homem, pelas ruínas de um demônio de mentira com essas asas de Ícaro.

E não sou capaz de dizer uma palavra; só quero beijá-la, beijá-la até me fundir no seu corpo, no seu gosto.

Eu quero ler suas palavras para sempre, quero sentir seu cheiro preso à minha pele pelas manhãs da eternidade, deslizar os dedos entre seus cabelos, tocá-la onde sei que ela ecoa como um theremin. Quero rasgar essas calcinhas bonitinhas que ela usa e nunca saciar essa minha fome, quero continuar sedento pelo seu gosto e beber dele até a última dose daquela poção, com a mesma certeza de Dylan Thomas, aceitar a morte iminente no gole, sabendo que seu gosto é capaz de me intoxicar mais do que qualquer gota de álcool ou veneno.

Ela tocou meu rosto, afastando os fios úmidos para trás. Em estado de choque.

— Agora me conta sobre as suas ta-mokos; ainda não sei nada sobre as novas. Em Jeju, perdemos tanto tempo só... — Acabando com a saudade. — completo a frase, acompanhando seu sorriso bonito. — Quero ter mais material para escrever sobre o meu templo de adoração... — Ela cochicha em minha orelha.

Começo pelo pulso, segurando a mão de Leanor para que ela sinta o formato. As ta-mokos contavam a história de minha origem: minha ancestralidade, minha genealogia, minha família, meu status social e minha própria vida. Para um maori, uma ta-moko era uma maneira de nos mantermos vivos, de mostrar que nossa identidade resistia e de repassar a nossa existência contada em algo menos mortal do que a própria língua, que até pouco tempo estava morrendo com o próprio povo maori. Eu era um homem indígena, com uma parcialidade coreana, embora não fosse metade de porra nenhuma. Era inteiro. Completo.

Seu dedo contornou um koru no início do braço; havia ganhado as mokos ali apenas depois de adulto, depois de testar minhas habilidades como guerreiro. Era considerado ágil, forte e incansável. Tinha um broto de samambaia, que representa novos começos, subindo pelo antebraço, um padrão de ziguezague como dentes de tubarão, dedicado à força, contornando o cotovelo até a parte interna da pele.

— Essa é tão bonita... — ela disse, deslizando a mão sobre a camada fina de pelos por cima do desenho.

— Se chama pakati.

Na parte superior do braço, até o pescoço, tinha um padrão Taratara-a-Kae, que simbolizava as batalhas e desafios que um maori era capaz de superar. Leanor contornou com a mão, apertando a carne.

— Também gosto dessa. — Ergueu os olhos antes de tocar os lábios por cima do desenho. Senti a tensão correr pelo corpo inteiro; puta merda, um arrepio na espinha dorsal que me obrigou a fechar os olhos.

Podia ver os mamilos durinhos dela contra o tecido fino de sua blusinha de pijama; meu dedo tocou de raspão naquele ponto eriçado quando deslizei a mão até sua cintura, na tentativa de equilibrá-la enquanto se esticava até meu pescoço. Deveria parar de ser um ingênuo do caralho achando que Leanor usava aquilo por pura inocência, em uma escolha aleatória de roupas de dormir; ela sabia exatamente o que estava fazendo.

— Aqui é um sol, não é? — ela pergunta, e assinto, enquanto a vejo se apoiar em meu ombro. O dedo brincando com o desenho, um contorno gostoso de sua mão quente em minha nuca.

— Se chama korowai, e o sol é honu; aqui fica a conexão de um guerreiro com seus ancestrais, também sua força, sua posição social...

— Seu ponto fraco também?

Sorrio ao pensar nisso.

— Meu ponto fraco está bem aqui. — Afundo o dedo contra sua bochecha e ela morde o lábio, segurando o riso, tombando a cabeça contra o meu ombro.

Eu nunca tive a menor chance contra aqueles encantos.

— Mas às vezes está aqui, não é? — Sua mão desliza pela minha barriga, até o meu pau. Seu toque é delicado, mas gostoso. Solto um grunhido baixinho que a faz rir.

— Não brinca assim, gatinha...

Ela se ampara em meu ombro, uma pequena criatura felina pendurando-se em seu novo brinquedo favorito, o dedo acompanhando a trilha até as costas.

— E aqui, o que significa? — Retoma as aulas de anatomia com aquela frieza calculada, enquanto preciso de alguns segundos para retomar o raciocínio. — É um whakapakoko. São como redes entrelaçadas e significam que minha maior vulnerabilidade está protegida por aqueles que amam. Você sabe, as costas e a traição, toda aquela parada...

Ela faz que sim com a cabeça, deixando um beijo em meu ombro.

— Senta aqui, deixa eu te mostrar as outras. — digo, enquanto ela gira ao meu redor naquela penumbra, alcançando a cama.

Puxo a toalha azul com listrinhas brancas para fora do corpo, exibindo os desenhos por completo, apoiando o pé contra a cama. Leanor ergue os olhos para mim antes de tocar o padrão de mokos cobrindo a carne. Seu dedo atrevido contorna a coxa, até a virilha.

— Esta aqui é um Hei-tiki, representa fertilidade. — Sua mão raspa em minha pele até a virilha, contornando a parte visível da tatuagem até o limite dos pelos, subindo até o quadril. — Agora eu entendo o motivo. — Seu comentário me faz sentir constrangimento quase infantil. — Faz todo sentido que ela exista, sabia?! Doeu?

— Não doeu nadinha. — digo, alcançando a ponta do seu dedo e levando até a boca para beijá-lo.

— Você é tipo uma catedral, tipo a capela sistina... — ela sussurra — Lindo e cheio de arte.

Suas mãos macias continuam dançando em minha pele úmida.

— Mas faltou essa, o que significa? — Leanor perguntou, acompanhando as formas em meu peito.

— É um kōwhaiwhai, são ondas do mar. Simbolizam a força do portador, o que está mais próximo do coração. Por isso fiz aqui, no peito. Meio óbvio.

— Sua força está no mar, então...

— Tem ondas, mas não é necessariamente o mar. — digo, e seu sorriso se desmancha fácil. Deixei tudo tão óbvio que ela se enrosca na frase, transita nela e retorna para mim — Embora tenha água, me arrasta como uma maré violenta, e me deixa bem molhado, com gosto de sal, com medo de me afogar. Não, não é o mar.

— E o que poderia ser o oceano sem ser ele, Jungkook? 

Beijo sua boca antes de dar a resposta que ela merece. Quero que ela sinta primeiro, enquanto me livro daquela peça de roupa incômoda que me separa de um mergulho em suas águas profundas.

— Você. 

#ClaCCEG

Nota da autora:

Olá, demorei, mas finalmente estou de volta! Como vocês estão? Nesse tempo, aconteceram tantas coisas, incluindo o incrível marco de 400 mil visualizações em Como Conquistar Esse Garoto, um número que considero totalmente surreal. Comecei essa história sem pretensões e sigo surpresa com o carinho e apoio que vocês têm demonstrado por CCEG.

Dentro de alguns dias, meu primeiro livro será lançado e convido todos vocês, que ainda não tiveram a chance de ler, a conhecer Badlands. É uma história um pouco diferente de CCEG, mas igualmente escrita com muito amor.

Peço a compreensão de todos nos próximos dias, pois estarei totalmente focada na divulgação do livro. Mas não poderia deixar vocês sem um miminho: espero que aproveitem este capítulo! E já adianto que o próximo trará aquilo que vocês mais amam: FURDUNÇO! (vocês sabem do que tô falando, rá!)

Amo vocês e sou infinitamente grata por todo o apoio. Obrigada por cada voto, comentário, expectativa, paciência e espera. Até breve!

— Com amor, Sofi!

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