29. Sobre uma concha, um labirinto, Jeon Jungkook e eu.
— Lembra quando você me contou sobre a garota da concha? — Minha voz soou trêmula e meio disfarçada, a garganta arranha no segundo que a palavra é dita, segurando as sílabas dentro do peito, parecia algum tipo locutora fajuta de horóscopo de rádio fazendo mistérios sobre o rumo do dia pela manhã, mas meu corpo inteiro sentia o impacto do que estava prestes a ser dito.
Jungkook concorda.
Eu tomo fôlego e um gole de coragem e prendo a respiração antes de ficar submersa. Quero agarrar Jungkook como se ele fosse minha única esperança em meio a maré de emoções que me atinge, o movimento do mar revolto, a ressaca sentimental que me arrasta e me empurra de volta, e estou diante da verdade, diante dele, e não posso fugir dela outra vez.
— Leanor, do que... do que você está falando? — Era só um resmungo, meio sem força, como se estivesse tentando respirar, racionalizar e falar, tudo ao mesmo tempo. Observo ele de novo, com mais cuidado: seu cabelo úmido puxado para trás, seu peitoral despido de qualquer tecido, o ar correndo livremente por ele, até parece que consigo vê-lo por baixo da carne, dos músculos. Eu compreendo seus sentimentos, eu entendo o que Jungkook sente. Cada fio de emoção que corre as fibras do seu corpo. Nessas horas lembro do quanto ele pode ser frágil.
— O que isso significa? Eu quero entender, mas eu acho que não tô conseguindo...
Respirei fundo, preenchendo os pulmões de ar puro de novo. O ciclo de braçadas involuntárias para cruzar o oceano até um ponto seguro parecem cada vez mais rápidas junto ao ritmo do coração. Só me dou conta naquele meio segundo que desvio os olhos até a concha partida no meio de minha palma, que estou completamente despida. E não falo apenas de pele.
Meu subconsciente toma as rédeas da situação de forma quase automática. Alcanço o moletom solto no chão do quarto e visto de novo. Não era exatamente o momento para uma conversa séria com os peitos de fora.
— Há treze anos, logo quando cheguei a Busan, fiquei perdida na praia... — umedeço os lábios, tento olhá-lo outra vez. Seus olhos mal se movem, ele deve achar que é só uma brincadeira de mau gosto e que pela primeira vez, estou bancando a despreocupada, parece uma realidade alternativa, disfuncional, onde somos personagens de um enredo oculto, um programa de TV que une estranhos que compartilharam um mesmo passado involuntariamente, situações que não acontecem no nosso cotidiano mas sabia que coisas assim, tão fora da curva, só poderiam acontecer com pessoas como eu, como nós.
Jungkook caminha de um lado para o outro, eu quase consigo ver a névoa densa e confusa acima de sua cabeça, a ansiedade crescendo forte, posso jurar que suas mãos estão tremendo.
Parece antecipar e adiar a constatação dentro de si mesmo; querer tanto a verdade, mas temer confrontá-la.
— E... e um garotinho, um garotinho lindo me ajudou quando senti o maior medo de uma vida inteira. — a afirmação é só um fio de voz, quase inaudível.
Ele para por um instante, observa a concha quebrada na palma de minha mão. Mal consigo ver seus olhos agora, assim, tão inundados de lágrimas, mas ele se recusa a tocá-la. Sentir só trará realidade a situação, principalmente aquela, completamente inesperada. O que me acalenta é saber que do outro lado desta linha desconhecida, está ele. Se o destino amarrou fitas vermelhas em nossos dedos mínimos, entrelaçando nossas vidas no meio de um labirinto que, inevitavelmente nos levaria um ao outro, o que me deixava aliviada era saber que se tratava de Jungkook na outra porta.
— E sabe quem era esse garotinho lindo, meu amor?
Penso nisso no instante em que ele me olha de novo, com aquela profundidade ameaçadora que seus olhos ganhavam quando encarava algo por um tempo excessivamente longo, — as pupilas engolindo a íris —, enquanto minha mente se embaralha, no vácuo que um segredo deixa quando ele é revelado em voz alta, o cânone inalterado da verdade confessa, todo trajeto de nossas vidas nos guiaram até esse momento; ao nosso redor, o círculo se fechava com um rumo imutável nos contextos de desconhecidos que se tornaram familiares, elos criados e desfeitos, a curadoria dos meus próprios sentimentos e a teimosia de Jungkook em nunca se permitir ser filtrado por nenhum dos meus medos e bloqueios mais fortes, ele ultrapassou todas as barreiras erguidas, cidades compartilhadas e tudo que estava envolvido para que nossas vidas se colidissem neste ponto. Nesta noite.
Não é irônico pensar nisso?
— Era você. — As palavras demoram a sair, o tom de clímax que a revelação ganha parece muito mais triste do que o esperado. É uma despedida, no fim das contas. Eu entrego o passado de Jungkook de volta em suas mãos e roubo seu presente, duas vezes.
— Não brinque com isso, Leanor. Não tem graça. — Seus olhos continuam fixos em mim, o rosto tenso, o pequeno vinco entre as sobrancelhas revela o medo. Há dois lados brigando dentro dele para abraçar a verdade dos fatos ou rir da minha piada cruel.
— Eu jamais brincaria com algo tão sério, você sabe.
O modo que seu lábio repuxa para o lado, quase imperceptível pelo queixo trêmulo, denunciam a iminência do choro, parece que as peças, aos poucos, se encaixam.
— Por favor, não brinque comigo...
— Não estou brincando.
Há um silêncio entre nós. O silêncio de emoções se ajustando em cada fibra do corpo, aqueles segundos de delay para absorver as informações. Conto o restante da história em suas nuances como se ele não soubesse; que lembro dos detalhes de sua roupa, do seu corte de cabelo meio anos 80 e da pele bronzeada, que permanecia inalterada, como se ele tivesse guardado todo aquele excesso dourado de sol dentro de si mesmo.
— Então, era você? Era você naquela praia? — seu tom de voz rasgado pela emoção me desestabiliza de primeira, ele está chorando mais do que me lembrava de ter visto alguma vez desde que nos conhecemos, e não sou capaz de verbalizar prontamente.
— Era você o tempo todo, gatinha?
E então assinto.
Suas mãos avançam até o meu rosto, me reconhecem outra vez no tato. E ele me olha de novo, como se estivesse me vendo pela primeira vez em realidades diferentes, me gira pelo quarto feito uma criança, rodopiando os meio drinques tomados na festa, as emoções e o choro das últimas duas horas, beijando meu rosto em todos os lugares que sua boca é capaz de alcançar; bochecha, orelhas, pálpebras, queixo, boca e testa. Conseguia sentir seu coração pulsando forte contra minha barriga, seu corpo inteiro trêmulo como notas de lira.
— É você! É você! É você! É você aqui comigo!
Quero enxugar suas lágrimas, sorrir com ele, ficar feliz por tirar esse segredo do lugar em que o mantive nesse tempo, mesmo que saiba que isso também significa que solto nossas amarras antes de ir embora.
— Espero que não tenha frustrado as suas expectativas. — digo, antes de me aproximar outra vez, depois do ataque moral de carinho.
— Sei o quanto sonhava com essa garota.
Ele revira os olhos.
— Você existe!
Jungkook toca meu rosto, cabelo, ombros, mãos, cintura e quadris.
— Você existe!
Havia tomado minha decisão por mais difícil e dolorosa que fosse. Não queria bagunçar a vida de Jungkook de novo, nem catar os caquinhos da minha como havia feito da última vez. Por mais que algumas coisas estivessem curadas, ainda tinha medo pelo que não estava.
Mas era bom vê-lo feliz de novo, e era pouco habitual vê-lo sorrir tanto, sabia da raridade de tudo que estava tendo ali e compreendia o peso da minha escolha. Não podia pedir que abrisse mão de nada por mim, nem podia aceitar seu sacrifício. Me sentiria ainda pior se isso tudo acontecesse, sentiria ainda mais medo por nós. Sei que Jungkook está à flor da pele, e para ele, estar aqui, presente, importa mais do que qualquer coisa, mas eu sempre estive acostumada a pensar no depois, uma mente ansiosa que prevê as mil catástrofes possíveis diante dos olhos em questões de segundos e, aquele momento parecia mais uma delas.
Eu não funcionava a base do agora. Minha mente estava sempre presa ao depois.
— Você não imagina o quanto eu sonhei com esse momento... — Ele cochicha, apoiando meus pés no chão outra vez, antes que eu possa tocar seu rosto lindo no meio das mechas do seu próprio cabelo caindo sobre os olhos.
— O quanto eu sonhava que ela pudesse ser você. E puta merda, é você. É você, meu amor.
E parece que neste momento, depois da verdade confessada, a fisionomia daquele menininho de dentes frontais proeminentes e olhos brilhantes se reflete no homem diante de mim, e se misturam.
Sua euforia é quase palpável.
— Eu nem consigo acreditar que você foi minha durante todo esse tempo... — e sorri outra vez — Sem que eu nem mesmo soubesse disso...
O peso do seu corpo é pressionado contra o meu em um abraço caloroso, suas mãos segurando minha nuca com um cuidado excessivo, seus olhos nos meus olhos. Puta merda. Isso iria me assombrar para sempre.
— Desculpe não ter contado antes, eu não sabia como. Eu achei que isso mudaria tudo... Na época, o acordo ainda era algo importante pra gente.
— Eu teria ficado feliz de saber que era você. As coisas teriam sido diferentes pra gente, você não acha?
— Você realmente acha que isso teria mudado algo? — ele toca a concha, analisa a rachadura no meio dela com as pontas dos dedos.
— Isso teria mudado tudo! Eu teria feito tudo diferente...
— Qual seria o seu plano, afinal?
Ele se antecipa, cheio de suas certezas, quando o Jungkook confiante tomava as rédeas.
— Tomaria você de assalto para mim.
— Rá. Com aquele cabelo feio?! — É uma ofensa desonesta e mentirosa, se ele soubesse nas horas diárias gastas pensando sobre a textura deles entre meus dedos, as memórias involuntárias no meio das aulas, a sensação febril no corpo por conta das mechinhas feias que um dia cheguei a odiar. Ele me beija de novo.
— Com aquele cabelo feio que você adorava meter a mão.
— Gosto da estratégia de relembrar as minhas mentiras. Rá!
Ludibriá-lo a essa altura era uma tarefa mais trabalhosa, Jungkook me lia como as linhas na palma de sua mão.
— Mas me conte sobre o seu filme, eu quero saber tudo. Afinal, eu vou estar nele.
Caminho até a cama, ocupando o espaço do seu travesseiro, puxando-o para perto.
Levo um segundo adaptando a fala, reconhecendo a minha coragem. Ainda era estranho admitir a verdade assim, abertamente. Mas sua empolgação juvenil, o brilho nos seus olhos, só revelam felicidade por isso.
— Bom, os personagens são duas crianças. Um garoto e uma garota. O garotinho se chama Toa, que significa guerreiro em maori, e ela se chama Eden.
— Uau, muito cristão. — digo, e ele gargalha.
— Eu gosto do significado da palavra, acho que Paraíso faz muito sentido quando a Eden não é só uma pessoa para o Toa, mas um lar.
— E o que acontece entre o Toa e a Eden.
— O Toa presenteia a Eden com uma concha, e sabe o que as pessoas dizem sobre objetos cujo valor sentimental é muito grande não é?
Me aproximo um pouco mais do seu rosto, vejo apenas metade dele.
— Dizem que quando algo é muito valioso, retém uma espécie de poder. Como mágica ou essas merdas místicas... — ele me olha — com todo respeito.
— Isso é verdade, objetos têm energia...
— Então, é como se esse objeto tivesse a energia deles, e em determinado momento, ele retém tanta, tanta energia dos dois, que eles conseguem criar uma realidade paralela e se encontrarem sempre que quiserem. Acontece que crescer prejudica um pouco a nossa crença no que é mágico, e um deles acaba não indo mais até o lugar, então imagine, se é necessário que exista a energia das duas pessoas, quando uma delas não oferece mais, então o lugar simplesmente passa a não existir...
— E quem desiste de voltar ao lugar especial?
Ele suspira profundamente antes de responder.
— A Eden. Mas o Toa adulto não desiste, então ele quer procurá-la no mundo real. Porém o mundo real tem ameaças diferentes, exatamente como as coisas fora de nossa cabeça. Ele também não sabe se a Eden ainda lembra dele, já que ir até esse lugar era como uma espécie de devaneio.
Gosto de vê-lo tão empolgado, falando do que ama.
— É como realismo mágico, certo?
— Exatamente como realismo mágico. — Ele fecha os dedos ao redor da concha. — Você acha que alguém vai gostar disso? Sei que soa meio merda, mas...
— O quê? Eu amei. Além disso, as pessoas gostam de histórias honestas e cheias de alma, confie em mim, eu sou jornalista.
Seus dedos contornam meu nariz como uma pintura, passando pela boca, descendo até o queixo.
— Você quer ver um esboço da ilustração? — sugere.
— Claro.
Jungkook levanta e vasculha entre as misteriosas pastinhas em sua mala, lá está um moleskine de capa preta que ele misteriosamente abre na página exata, sem me deixar ver as outras.
— Aqui...
O desenho lindo, de traço delicado, exibe uma garotinha loira e sardenta chorando diante do mar, o garotinho de cabelo bagunçado e dentes frontais projetados está diante dela, entregando uma concha idêntica à nossa.
— É tão, tão lindo! Meu Deus, você é... uau. Você é assustadoramente talentoso.
— Não precisa mentir, é só um esboço meio fodido, mas acho que tá bem perto do que quero. E agora sei exatamente como ela se parece...
Seus olhos fecham quando o elogio, continua em negação.
Me atrevo a avançar até a página seguinte, tentando ver os outros esboços misteriosos. Antes que consiga avançar até o próximo rascunho, Jungkook puxa o caderno para longe.
— O que tem aí? Aquelas garotas peladas que você continua desenhando?
Ele gargalha.
— Não! Mas não quero que veja o resto.
— Por quê?
— Não é nada demais. — ele ri, meio tímido.
— Então me deixe ver.
— Nem fodendo.
— Por favor, gatinho...
Nem existe mais a resistência empenhada de antes, ele sorri, vencido, e me entrega o caderno. As orelhas vermelhas me fazem pensar que tipo de segredo ele esconde nas páginas, nada misterioso demais quando folheio os primeiros rascunhos. Bocas, mãos, olhos, uma quantidade infinita de cabelo ondulado. Uma pintinha que tenho próxima ao seio e outra na barriga. Nas páginas do meio, lá estou eu de novo. Deitada de bruços, adormecida. O cabelo cobrindo um travesseiro bagunçado, as mãos por baixo dele, o contorno do bumbum ganha um destaque bonito, um sombreado dedicado.
— Sou eu?!
Ele está deitado ao meu lado, cobrindo o rosto feito uma criança cuja pornografia foi confiscada pela mãe. Continuo avançando nas páginas na esperança de achar algo diferente, de forma involuntária, uma maneira de aliviar minha consciência porque só existe eu ali, e nenhuma outra garota.
— Estou falando com você, Jack Dawson-ssi.
Seu rosto está tão vermelho que a situação inteira parece um pouco mais cômica, de um jeito meigo. Ele assente.
— Eu só fiquei com medo de esquecer como você era. Acho que perdi um pouco da minha sanidade nesse tempo.
Traço as linhas acompanhando a textura do desenho, os sombreamentos delicados, as curvas. Alguns poderiam ser até bem íntimos, mas ele sabia exatamente cada detalhe do meu corpo.
— Você desenhou tudo isso de memória? Uau... — Aponto para uma sequência de pequenas tentativas de reproduzir meu nariz em traços leves. Todos erguidos.
Ele assentiu, sem me olhar nos olhos. Como um cafajeste desses podia ser tão doce assim, sem esforços?
— Algumas cenas ficam grudadas na mente. — Seu nariz deslizou pelo tecido do moletom, a voz vibrando contra o tecido — Você pode ser muito marcante.
— Você faz com que eu pareça tão sensual...
Ele mordisca um pouco de minha pele exposta, na altura da coxa.
— Você é muito sexy. É uma parada quase imoral.
— Eu só sinto sensual com você. — Jungkook me olha de novo, um arrepio corre minha espinha pela encarada nada sutil que recebo em retorno. Não era hora disso.
— Então, qual a sua favorita?
Lentamente ele se aproxima outra vez, tocando a capa de couro do moleskine, avançando página a página, até chegar a imagem que reconheço como minha. De um jeito mais romântico, vulnerável e bonito. Algo que só acontece quando você é amada por um artista.
No desenho, estou olhando em sua direção, por cima do ombro, meu sorriso está parcialmente escondido por alguns fios de cabelo de um vento invisível, reconheço o momento pela data. Outono de 2018. No dia que ele me convidou para ir até o dojang conhecer as crianças.
— Por que gosta desse?
— Me faz sentir tantas coisas quando olho pra ele, lembro exatamente de como eu estava nervoso pra caralho nesse dia e a minha mente não conseguia processar o motivo, eu mal conseguia tocar você...
— Falando assim, nem parece que nós tínhamos simplesmente engolido um ao outro uns dias antes...
Não era mentira.
— Sim, mas parecia que tudo estava invertido para mim. Eu pensava que se tocasse a sua mão, acabaria desmanchando. Eu lembro de pensar que você era tão linda, sentia vontade de te beijar o tempo todo, foi uma puberdade temporária. — Ele ri do próprio comentário.
— Tecnicamente, isso não mudou.
Fiquei em silêncio observando seus traços, os riscos do lápis até o desenho perder o sentido quando visto de perto.
— Você me vê de um jeito muito bonito...
— Eu só vejo você.
Dostoiévski uma vez disse que amar alguém é vê-lo como Deus o concebeu. Penso nisso agora. Porque eu vejo Jungkook exatamente como ele é em todas as suas nuances. E apesar de não ser uma pessoa religiosa, nem necessariamente a garota que cresceu em um lar cristão, não duvido que Deus exista, meu coração sente. Eu O vejo toda vez que olho para Jungkook.
Sua boca toca a minha testa. Deposita um beijo que se arrasta, deixando um vestígio de saliva.
— Leanor, sei que isso é meio impulsivo, e muito provavelmente você vai dizer que eu sou um fodido maluco, mas eu estava pensando que... — a pausa dramática agita meu coração.
— Pode falar...
Ele segura minhas mãos e sei exatamente o rumo daquela conversa.
— Você... você aceitaria...mor-
Acho que é hora de dizer a verdade.
— Jungkook, eu acho que sei o rumo disso, e... não posso aceitar.
— Do que está falando?
— Eu acho que nós acabamos por aqui, hoje...
Odeio ser a portadora das notícias ruins depois de tê-lo feito tão feliz em um curto espaço de tempo.
— O quê? Não. Leanor, espere, eu não queria te pressionar, não era minha intenção...
Nego com a cabeça.
— Eu adoraria ter sido sua namorada, ou sua noiva ou qualquer outro rótulo bobo e clichê, mas eu seria injusta com você porque eu estou morrendo de medo de tudo isso. De tudo, Jungkook. E, sei lá, vai ver que eu sou só uma fase na sua vida...
Jungkook gira pelo quarto, com as mãos contra o rosto voltado para cima.
— Uma... fase? — seu risinho irônico me põe em um silêncio, sua língua toca o interior da bochecha. — Você é simplesmente a pessoa mais preciosa para mim!
Não quero obrigá-lo a repetir tudo que me disse meia hora atrás, nem o esforço que fez para me convencer, sem querer me pressionar, com seus argumentos que pareciam irrefutáveis. A minha insegurança era o que temia de verdade. Não saberia o que fazer com ela. A cura é progressiva, até posso escutar a voz de minha terapeuta no fundo de minha mente, mas nenhum processo seguia em linha reta e as baixas podiam ser indiscutivelmente baixas, como agora, que me sinto roçando os dedos no lençol freático de minha própria vulnerabilidade.
— Eu... eu não sei, Jungkook! Eu não sei. O que eu sei é que talvez eu possa arruinar tudo isso na primeira oportunidade! E te machucar muito. E me machucar muito também.
O seu silêncio me apavora.
De sobressalto, quero fugir. Alcanço minha mala, enfiando coisas pela metade, deixando tecido para fora dos trilhos do zíper. Por Deus, eu ainda estava sem calcinha.
— Meu voo é amanhã cedo, eu deveria ir dormir com a Heeyeon hoje, eu vou te deixar em paz, ok? — Puxo a alça da mala, balançando o conteúdo para se ajustar de forma desordenada no compartimento.
Ele se atravessou no meu caminho, meio sem querer. Uma criatura linda e despenteada, com um rosto tristonho, um metro e setenta e nove de pura força de vontade, parada entre a porta e eu.
— Não quero que vá. — Seu tom de voz ameno era quase um abraço, a mensagem estava clara por trás da suavidade de sua insistência: não vou desistir de nós. Eu não vou.
Mas até quando?
— Você vai me perdoar por isso algum dia? — A pergunta ecoa, sinto a interrogação dançar e rodopiar até ele em um período mais longo do que o previsto, minha ansiedade corrói as tripas. Parece que, insistentemente, quero provar um ponto tóxico para mim mesma. Que não sou digna desse amor, que não mereço esse esforço, que não sou boa o bastante, levá-lo a exaustão é tão cruel quanto tudo que tenho feito comigo mesma quando sei exatamente o que quero, mas estou paralisada por isso. No meu próprio ciclo vicioso de rejeição.
Jungkook caminha até mim, tão devagar que o processo parece durar o dobro de tempo de dois passos e meio até a mesa ao lado da porta.
— Não vá, por favor. — Seu nariz roçou contra meu cabelo, na lateral de minha cabeça. Seu sussurro me aquece.
— Não vá. Não vá. Não vá, meu amor. Não vá. — Suas mãos seguram minha cintura, me trazem para mais perto.
Eu desabo ali.
— Só dessa vez escolha ser feliz... — Ele seca as minhas lágrimas, mesmo que também esteja chorando — comigo.
A suavidade habitual dele parece doer contra a minha pele.
— Eu não sei como fazer isso funcionar. Não sei fazer dar certo! Eu tô quebrada... Eu nasci quebrada. — A minha voz embriagada pelo choro é honesta, as feridas sangram de uma vez só. Eu só tenho medo. Esta é a palavra que não quero dizer de novo. Eu estou apavorada. — Eu não sei.
— Tudo já deu certo porque nos encontramos de novo, Leanor. Já deu certo porque estamos juntos aqui. Você não vê?
Suas mãos amparam o dorso de minha cabeça, seus olhos mergulhados nos meus olhos, seu hálito raspando na minha boca em nossa conversa secreta.
Você não vê?
E é assim que tudo termina, Jungkook. Saio deste labirinto, solto a linha para que você escolha seu destino, não te puxo de volta para mim. Eu te amo demais para te colocar nessa bagunça de novo. Eu tenho muito medo do amor, eu preciso admitir desta vez. Dos meus hábitos, das minhas inseguranças que gritarão no primeiro momento. Você sempre foi a minha maior certeza e eu tenho tanto medo de destruí-la sozinha. Este é o acordo mais difícil que preciso firmar comigo mesma.
Mas você sempre me escolhe todas às vezes.
— Então me deixa consertar seu coração, gatinha. — ele suspira, em minha visão microscópica, vejo as lágrimas escorrem pela sua bochecha — Me deixa cuidar dele...
Escolher ser feliz apesar de tudo. Escolher ter esperança em mim, apesar do medo. Escolher Jungkook. Nas infinitas vezes que tiver essa milagrosa chance.
Porque ele me escolheu mais uma vez.
Eu te amo. Eu te amo. Eu te amo. Eu te amo. Eu te amo. Eu te amo. Eu te amo. Eu te amo.
Eu te amo. Eu te amo. Eu te amo. Eu te amo. Eu te amo. Eu te amo. Eu te amo. Eu te amo.
A frase toma as dimensões do meu sentimento.
Passei a vida inteira traduzindo a minha alma para estranhos desinteressados, mas meu dialeto próprio conversa com o coração dele, que fala minha língua, sem qualquer esforço.
Ali eu desarmo outra vez.
— Eu aceito, Jungkook. — Encerro aqui nossos desacertos, nossas paródias românticas, nossos acordos quebrados, nossas noções de conquista, nossas tentativas falhas de obter corações tomados, rumores, nossas mentiras e negações de vontade. Eu encerro aqui o elo de não-namorados, me dou por vencida e me torno seu pronome possessivo favorito diante de qualquer substantivo amoroso que queira me dar. Amiga. Namorada. Noiva. Mulher. A partir de agora sou sua.
— Eu aceito tentar de novo com você.
#ClaCCEG
—
Nota da autora:
Eu sempre pensei que paciência era uma virtude. Sempre tive meu próprio tempo para planejar as coisas em minha cabeça, eu tenho um processo muito pessoal de administrar e absorver o mundo ao meu redor. Pequenas coisas me inspiram desesperadamente: como palavras que me seduzem, imagens que me provocam algum tipo de inércia sentimental ou objetos pessoais e histórias minhas que gosto de inserir em meus contextos fictícios para que minha vida ganhe uma certa magia a partir do momento em que compartilho essas não-ficções com vocês.
Como Conquistar Esse Garoto nasceu disso. De um sentimento maluco que tive uma vez quando estava no caminho da faculdade, em meu último ano de graduação, Jornalismo, assim como a Eleanor. Eu queria guardar aquele sentimento de ser uma universitária. Hoje, quase seis anos após me formar, vejo que consegui resguardar um pouco daquela Sofia quebrada e atulhada de atividades acadêmicas que estava prestes a agarrar o próprio diploma.
Com a Eleanor eu divido uma profissão, uma bagagem musical antiga, empírica e intuitiva e uma textura de cabelo. Acho que também já dividimos o mesmo coração. As mesmas angústias. Os mesmos temores. Como qualquer menina e qualquer mulher.
CCEG foi fruto desse sentimento nostálgico, minha base de escrita desde que me entendo por gente, e da oportunidade de contar a história desses personagens maravilhosos e apaixonantes que conheci ao longo dos anos.
Meu amado Taminha, que foi uma espécie de aparição. Este homem surgiu na minha mente em um dia qualquer enquanto eu estava olhando para o teto, a mente cheia de ruído branco. Minha mãe me avisou que mente vazia é oficina do diabo e nada nunca fez tanto sentido quanto essa afirmação. Me senti o Joseph Geefs esculpindo aquela estátua de Lúcifer diante da capela, desviando a atenção dos fiéis pelo excesso de beleza daquele sedutor anjo sentado em uma rocha com longos cabelos ondulados. Foi assim que ele nasceu; com sua cara de poucos amigos e seu coração regido pelo fogo. Um dos meus maiores orgulhos como escritora até o momento.
Sem falar das minhas estrelas coadjuvantes que simplesmente foram e são primordiais em cada vírgula de CCEG, Christine Hastings, Jung Hoseok, Min Yoongi, Kim Seokjin, como começar a falar dessa galerinha que mal conheço e já considero pakas? Eu poderia fazer um spin-off só de causos da nossa testemunha ocular da história, o meu próprio repórter Esso, Jung Hoseok.
CCEG me lembra do quanto ter amigos pode ser valioso, que o lar não é necessariamente uma casa numerada em uma rua com destino certo, alguns corações também são capazes de nos abrigar.
Além disso, o nosso vilãozinho da Malhação, o charmoso Kim Taehyung. Existe uma carta no tarô chamada O Mago, a carta do mago representa um homem que domina todos os elementos, ele controla tudo, ele sabe que é bom, articulado, eloquente, sedutor, mas ele pode ser igualmente perigoso. E por sentir tudo em uma intensidade agonizante, ele também é capaz de reverter esses sentimentos em caos, pura destruição. Kim não é confiável, mas ao mesmo tempo, sua sinceridade é pura e caótica. Do jeitinho que a gente gosta.
CCEG cresceu muito, de uma forma que jamais sonharia que uma história minha pudesse crescer. Eu entendo que as pessoas buscam apelos diferentes, e bem, é isto que tenho a oferecer aqui, nada muito revolucionário, mas feito com muito amor. Sou grata por quem passou e desejou ficar e por quem já se foi, sou grata pelo apoio sincero em todos os momentos, porque se existe algo do qual nunca me esqueço é: ser grata às pessoas que são boas para mim!
E é justamente por ter sido inundada por essa imensidão de carinho e amor aos meus pequenos e amáveis/detestáveis queridos, que tenho o prazer de anunciar que:
COMO CONQUISTAR ESSE GAROTO TERÁ UM LIVRO FÍSICO!
Respirem fundo, olhem aqui nos olhos da Tia Sofi, vamos conversar:
Para quem já me acompanha há algum tempo, sabe que tenho um primeiro livro que está previsto para ser publicado em 2024, então teremos ainda um tempo considerável até o lançamento de CCEG, que ainda não tem uma data definida, mas é engraçado pensar que talvez ele venha junto com os meninos. (Nunca mencionei nada por aqui, tá? shiiiiiu!)
Toda a adaptação e preparação leva um tempo considerável e quero adicionar alguns conteúdos surpresas a história, melhorar a forma como ela é contada, adicionar alguns pontos de vistas interessantes, rever as questões culturais que envolvem a linda e rica história Maori, cujo respeito que tenho é imenso, e quem sabe, presentear vocês com mais algum outro volume, mas caaaalma, isto é assunto para outro momento.
De antemão, deixo aqui a minha felicidade em compartilhar este anúncio feliz de que CCEG será meu segundo livro publicado. (Ainda é estranho pensar nisso, uau!)
Saiba que sempre fiz o esforço mais absurdo e honesto para entregar o melhor, o meu amor e minha gratidão, e agora, eles estarão materializados nas mãos de vocês. Para folhear, grifar, abraçar e decorar a estante de livros.
Saiba que amo vocês do fundo do meu coração, e se tudo isso é possível, é porque vocês existem.
Ao meu clã, minhas garotas. Devo tudo isso a vocês. Este livro é dedicado a vocês!
Mas circulaaaando, circulaaaando, que acabou o show! CCEG ainda tem capítulos para serem publicados e história para ser contada, vamos lá, ca-mi-nhan-do!
— Com amor, me desfazendo em lágrimas de pura felicidade, e desejando um feliz Natal e um ótimo ano novo para vocês, volto com muito mais em 2024!
Da autora de Como Conquistar Esse Garoto,
Sofia Belle.
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