25. Em um fogo instantâneo de estrela cadente, tudo ardeu em azul.
TW: Depressão, menção ao suicídio, bullying.
Sinto a respiração dele como um sopro quente de nostalgia em minha pele e não me movo.
É tranquilo, a princípio. Assim, como os suspiros sonolentos que surgem logo pela manhã, na relutância em levantar da cama, iniciar o dia e na tentativa de abraçar o sono outra vez ao virar para o lado oposto e resistir à voz da consciência que indica o perigo de permanecer enrolada ao cobertor.
O quarto aos poucos vai tomando forma na claridade do dia: havia esquecido as janelas abertas, e de quebra, o chão já estava banhado pela luz da manhã de um sol litorâneo escaldante, fritando os miolos. Há pássaros cantando lá fora, um silêncio confuso de quando perdemos o rumo do dia. Tomo consciência do meu corpo aos poucos, observando os braços de Jungkook engatados ao redor da minha cintura, sua mão gigante suspensa sobre minha barriga e seu rosto enfiado em minha nuca.
Ele ainda está dormindo profundamente, ressonando como o motor de um carro velho.
Sinto vontade de rir e então me pego analisando o quanto ele parece indefeso, seguro, distante do homem de olhos profundos e intimidadores que havia ocupado o lado oposto da cama noite passada.
Os travesseiros permanecem ali, em súplica, esmagados pelo seu peso, enquanto sua perna encontra encaixe no espaço entre as minhas. Uma camada do seu cabelo está cobrindo o rosto e seus lábios, semiabertos, permitindo que o som que ele emite enquanto dorme, como um Snorlax musculoso, preencha o quarto. Com um pouco de esforço consigo me soltar e ele se move, o peso do seu corpo se arrasta para o lado oposto, as pernas abertas e os braços por cima da cabeça, tomando sol em algum lugar dos seus sonhos.
Relembro a noite passada com um gosto de culpa na boca. Nada aconteceu, é claro. Nada iria acontecer. Ele só esteve aqui, tão perto e infinitamente longe, emocionalmente indisponível, limitado à uma torturante apreciação.
Tropeço em minha calça de moletom ainda solta pelo chão do quarto, antes de cruzar o pequeno biombo que separa a cama de uma pequena sala privada com um sofá confortável. Visto a peça o mais rápido que posso, antes de caminhar até o banheiro.
Vejo ele abrir os olhos, a mão tateando pelo lado oposto da cama e então, olhando ao redor. Fico imersa na ideia do que ele está fazendo assim que fecho a porta e escuto sua voz profunda e sonolenta, quase vaporizada, sua voz da manhã. Como ele costumava dizer. Também a voz de quando tirava a roupa, outra piadinha particular que também sabia.
— Bom dia, gatinha... — Escuto seus passos pelo quarto, andando até a mesa de centro e abrindo o frigobar para pegar uma garrafa de água.
— Bom dia. — Respondo pela fresta da porta assim que puxo para abri-la e o vejo parado de pé, descalço, ao lado da porta, com as mãos nos bolsos — Já passou das 8h30, é bom ir se preparar, a cerimônia da Trine é às 11h!
Ele assente. O rosto ainda com marcas de travesseiro, uma linha de saliva ressecada no canto da boca, os olhos levemente inchados, fixos em um ponto aleatório como era típico de Jungkook pela manhã. Demorava um pouco para retornar ao seu estado natural de piadinhas de duplo sentido e o charme vagabundo sem esforços.
A cerimônia tradicional aconteceria em algumas horas e exigia dos convidados trajes coreanos. Havia comprado um hanbok em uma loja famosa em Busan há cerca de dois meses, mamãe havia separado as peças. Só havia vestido hanboks em algumas ocasiões específicas: para as nossas fotos do ano novo lunar, para o Chuseok, a renovação de votos de casamento de papai e mamãe e agora, no casamento de Christine.
— Acho que vou voltar pro meu quarto, o Hoseok já deve ter levantado. — Ele girou ao redor de si mesmo. — Obrigado por ter me deixado dormir aqui. — Balançou a cabeça duas vezes, assentindo.
Tive vontade de rir.
— Não precisa agradecer. De qualquer forma, valeu pela massagem...
— Por nada... — Ele parou por um instante, dando a volta. Coçou o queixo por um segundo. — Leanor, quer sair comigo mais tarde?
Respiro fundo. Não quero parecer nervosa ou começar a gaguejar aqui. Talvez ele ainda estivesse dormindo, sabia bem que os sonhos são traidores, sou uma prova viva disso.
— Sair? Tipo... um encontro?
— Bom, eu queria te levar a um lugar legal aqui em Jeju, acho que vai gostar.
— Hum, eu posso checar se a Trine não vai precisar de mim e te respondo. — Ele apoiou o braço contra a guarnição da porta. — Mas isso não é um sim.
— Não vou te deixar escapar disso, sabia?
— Ah, estou sendo intimada, é isso? — Ele ri.
— Considere como uma intimação! — Seu espírito já tinha voltado ao corpo, era perceptível. A assertividade em me deixar desconcertada era óbvia, meu juízo já estava girando ao redor dos meus pensamentos como um anel frouxo.
— Eu vou pensar e te respondo depois, agora vai, você tá com bafo. — Ele sorri.
— Sabe, tinha me esquecido de como você é tão bonita pela manhã.
Se eu fosse menos patética, não teria ficado vermelha.
— Obrigada e até mais ver, Jungkook. — Empurrei a porta, fechando-a contra o seu rosto sorridente e sacana.
E só tirei as roupas depois que ouvi o bip seguro da tranca automática do quarto. Estava a salvo outra vez.
Toco as bochechas antes de virar em direção ao espelho, envergonhada por encontrar exatamente o que ele estava vendo.
Poderia recusar o seu convite abertamente, mas a possibilidade parecia mais distante, sabia que não seria capaz de evitar Jungkook por tanto tempo ao ponto de nunca ter a conversa que estava evitando há anos. Teria que sustentar minha indiferença por um final de semana inteiro, mas no fundo eu queria ouvi-lo. Suas justificativas seriam em vão, de alguma forma, nada mais daquilo tinha algum tipo de conserto. Porém devia isso a mim mesma, esse senso de entendimento sobre o que havia acontecido, ou talvez, estivesse direcionando meu coração para outra mágoa iminente com uma desculpa fajuta.
Merda!
Por que esse cara ainda me afeta desse jeito?
Ah, deve ser porque eu ainda gosto dele!
Ligo o chuveiro e me desligo momentaneamente de qualquer coisa lá fora, pelo menos durante o tempo que dura aquele banho.
Em breve Hoseok chegaria aqui questionando tudo, óbvio, querendo os detalhes do que não aconteceu. Ele teve uma noite e tanto com a bonitinha da Aimee. Me perguntava como Hoseok era tão desinibido se tratando de conquistas, como uma espécie de habilidade natural, estava solteiro por pura opção dele, eu imaginava. De todas as bocas beijadas desde a época da faculdade até agora, de alguma delas ele deve ter gostado ao ponto de pensar em relacionamento sério.
Jihyo, talvez, que agora era uma atleta profissional de voleibol e havia até mesmo competido nas Olimpíadas de Tóquio, na mesma época que Hoseok passou basicamente o mês no Japão para fazer a cobertura dos jogos. Ok, namorar atletas pode ser mais complicado por conta do foco absoluto no esporte, as pessoas levam isso a sério.
Ou quem sabe a loirinha brasileira vestida de noiva que ele havia conhecido em um show. Os dois tiveram um fim de semana empolgante e Hoseok sofreu da síndrome da menção, por cerca de três meses, esta mulher sagrada era mencionada a cada suposição, assunto e circunstância que coubesse uma participação especial.
Pensava sobre isso, assim como eu pensava sobre a dimensão do tempo passando tão rapidamente. Trine estava se casando com o amor da sua vida. Até ontem éramos universitários quebrados comemorando a possibilidade de sermos convidados para qualquer festa que oferecesse cervejas gratuitas. Tínhamos profissões agora, um futuro, um destino mais direcionado, afunilado e assustador. Depois dos vinte e tantos, parece que as possibilidades vão se extinguindo até o fundo de um apertado funil, o leque de possibilidades que passeia pelos nossos olhos em outros tempos é uma fumaça que se esvai conforme esse mesmo tempo sopra e observar a sua vida, crua, sem o romantismo dos primeiros anos da vida de um jovem-adulta é assustador.
Queria viver no meu conto de fadas de vida perfeita que havia planejado aos dezoito.
Mas preciso acordar, pegar o metrô e ir até o trabalho, que apesar de ser um sonho almejado ainda ocupa a sua função de — ser um trabalho —, às vezes só me sinto esgotada e quero afundar na minha cama até desaparecer, outras vezes penso que se continuar levando tudo tão a sério, nunca encontrarei esse tempo pessoal e estático de grande felicidade que tenha esperado esse tempo todo.
Eu preciso ser feliz agora.
Preciso escolher isso.
Puta merda, como dá trabalho ser adulta!
Assim que saio do banho, a campainha toca, anunciando serviço de quarto. Ainda não havia pedido nada, talvez eles tivessem confundido a numeração dos quartos, já havia acontecido duas vezes.
Quando abro a porta, ainda enrolada na toalha, o rapaz se apressa em ser dispensado, o que me faz rir. Era um café da manhã completo.
O cartão escondido por baixo de um croissant de queijo me deixa curiosa.
A tática mais barata para tentar me convencer a sair com ele era justamente aquela, com um excesso de gentileza, cafés da manhã, cartões e sabe-se lá Deus que tipo de ideias tinha sobre mim ou para onde me levaria em Jeju. Não lembrava de Jungkook ter dito nenhuma vez, durante os nossos dias de faculdade, que esteve na ilha antes.
Penso nisso enquanto devoro um pedaço do croissant de queijo, meu estômago ainda estava embrulhado desde a noite passada, talvez pelos meus excessos de tudo; álcool, expectativas e sentimentos. Não era a hora exata de imaginá-lo com alguma acompanhante aproveitando um fim de semana romântico em Jeju.
Puta merda! Seria melhor cravar um machado no peito.
Abro o armário e alcanço o hanbok cor-de-rosa pendurado ao lado da primeira porta e só então reparo que mamãe havia pendurado o norigae que Jungkook havia me presenteado na peça.
Foi o primeiro e único que tive durante aquele tempo.
Um misto de saudades e angústia me atravessa; aquele poderia ser o souvenir de um momento especial para nós, mas ainda me lembra Choi, Dong-Yul e o fórum. De algum modo sentia que objetos carregavam certas energias com eles, e sabia que o intuito de Jungkook era me dar algo puro, que representava algo para nós na época, mas não conseguia olhá-lo sem lembrar do pior dia da minha vida.
Há tempos não era assombrada por aquela sensação sufocante no peito.
Muita coisa havia acontecido desde o fim da faculdade. Dong-Yul estava preso há cerca de dois anos, o reitor Choi estava morto e os outros garotos envolvidos no fórum, pagavam suas penas de forma mais branda, é claro, sendo filhos de CEOs, doutores, advogados e pessoas importantes no meio acadêmico, uma velha desculpa para metê-los no exercício como uma punição severa, quando nada, de fato, era realmente feito. Dong-Yul não havia escapado porque havia sido exposto, em questão de horas após a nossa matéria no jornal universitário, seu nome já reverberava em uma rede social popular, em um site de buscas e no próprio fórum acadêmico. Mais de 48 horas de sua exposição, sem qualquer tipo de alcunha misteriosa para mantê-lo anônimo.
O Paladino da Verdade era um criminoso, tinha um rosto e um sobrenome poderoso.
Vez ou outra ainda ligava para Kim pela madrugada, depois de sonhar de novo com aqueles vídeos, com a menina morta e com o rosto de Dong-Yul sendo atravessando pelo meu punho, quase sempre Taehyung estava do outro lado da linha, ainda alerta, pensando sobre o mesmo tópico.
A universidade havia se oferecido para bancar o tratamento psicológico das vítimas, além de um suporte financeiro por cerca de dois anos. Taehyung foi banido para sempre do esporte por estar envolvido, de maneira indireta, no bullying propagado pelo fórum, o caso de Jungkook foi anexado ao autos como uma das vítimas de violência acadêmica. Mas a cooperação de Kim facilitou sua vida, não havia qualquer prova de que soubesse sobre o que acontecia na outra parte do fórum, como de fato, não sabia.
A matéria que escrevi foi repassada, divulgada e impressa em grandes jornais do país; alguns boatos de namoros entre celebridades aleatórias surgiram no meio da investigação na tentativa de desviar o foco, mas a Kyung-Hee já havia sido exposta o suficiente para tudo desmoronar.
Casos de celebridades que foram aceitas na universidade através de um vínculo com o reitor vieram à tona, idols e outros nomes da indústria que sequer prestaram os vestibulares de seus respectivos anos, mas estavam ali, se graduando entre os demais. Corrupção aberta, como existia em qualquer lugar.
Choi não teve sequer tempo de ser condenado. Tirou a própria vida pouco tempo depois da exposição de sua família em horário nobre, a filha mais velha pediu em rede nacional que ajudassem a procurar o seu pai que havia saído para caminhar e não havia voltado. O corpo de Choi foi encontrado uma semana depois, dependurado em uma árvore, em uma mata fechada.
Observei tudo de longe depois de minha mudança para Nova York, justamente na época em que me aproximei de Ben, que integrava o time da revista. Ele era gentil, animado, curioso e tinha um humor do tipo que ainda me fazia rir. Eu era uma novidade e tudo sobre mim parecia interessante.
Benjamin também era muito bonito. De um jeito diferente, seguro, que jamais me remeteria a Jungkook.
Gostava de me levar a encontros mirabolantes em lugares inesperados, mas eu não era capaz de gostar dele. Amava ser cortejada por um cara bonito, ter a atenção e o tipo de sensação que nunca tive, mas não sentia nada que pudesse ser recíproco. Então passei a enxergar em Ben tudo que mais abominava, talvez sua versão mais crua, sem o meu romantismo pintando uma variação melhorada. Ele sempre estava ali, silenciosamente, criticando o meu trabalho, era só um comentário e então, uma parte do meu texto estava alterada pelas mãos de outra pessoa.
Pareça mais incisiva.
Assim você soa como uma adolescente!
Escreva sobre outra coisa.
Era para ser só uns amassos no sofá da sala, um cara bacana massageando meu ego ou algo mais sutil, menos incisivo e violento, e lá estava eu de novo, enfiada até as orelhas em uma situação que não queria.
Nesses momentos de desespero, meus gatilhos me arrastavam de volta a Seul quebrada que havia ficado para trás, puxada pelos cabelos até a Kyung-Hee, diante de todos. E então, lá estava eu outra vez ligando para Kim.
"Não consigo fechar os olhos sem ver o rosto de Misuk." ele dizia.
O segredo ainda era pesado e se mantinha conosco. Havíamos visitado a casa de Misuk, ajoelhado diante de suas cinzas e pedido desculpas por não termos tido tempo de salvá-la, como um dominó que despenca, levando consigo toda a estrutura de uma base falsamente segura, Misuk foi esta pequena peça causando destruição do outro lado da pilha.
Mas algo sobre ela havia mexido com Taehyung, que ainda mantinha uma foto da garota em um porta-retrato em seu escritório, encarava seu rosto misterioso e que agora, parecia tão juvenil comparado ao nosso avanço etário, enquanto ela permaneceria para sempre a mesma. Os olhos castanhos encarando a câmera, a franja balançando devido a uma brisa misteriosa e os braços apoiados por cima da saia, com os dedos cruzados, o jardim de flores incendiárias que nunca mais voltariam a oferecer o perfume das rosas.
Lembro de olhá-la bem quando ele me pediu.
"Olhe nos olhos dela, Lea. O que vê? Você vê isso, não vê?", Ele perguntou, uma vez.
Não precisava especificar do que estava falando. Eu via. Eu sempre conseguia ver seu medo refletido nas retinas. Era exatamente o mesmo que enxergava nos meus olhos toda manhã no espelho.
🔱
Hoseok só aparece depois que já estou pronta, lutando com um acessório de cabelo na tentativa de enfiá-lo na parte inferior de meu coque, ornado com flores. Escuto sua voz estridente no corredor antes mesmo da campainha soar. Abro rápido antes de voltar correndo para dentro do banheiro.
— Nossa, você tá linda. — Ele diz, caminhando até a porta. Seu hanbok parece um tom de verde água bonito e faz Hoseok parecer ainda mais charmoso com ele. — Precisa de ajuda?
Faço uma cara de frustração, olhando para ele através do reflexo.
— Sim. Não consigo posicionar o meu acessório.
— Tá, me deixa tentar. — Hoseok leva jeito para aquilo, já havia visto todo seu cuidado com a irmã mais velha, sua atenção e delicadeza. — Assim, nessa direção? — Ele posicionou o palito para dentro do cabelo, empurrando vagarosamente até encaixá-lo por completo.
— Sim, amigo. — Ele bateu palminhas. Quando dei a volta no quarto, puxando a saia para cima, na tentativa de não pisar na barra, observei o chupão consideravelmente grande em seu pescoço. — Ela tirou um pedaço da sua alma? — Olhei mais de perto, era o maior chupão que havia visto na vida.
Ele deslizou a mão, rindo.
— Tá tão grande assim?
— Bom, acho que alguém consegue ver isso de Marte se tiver uma lupa. — Ele gargalhou. — Ok, deixa eu tentar cobrir com um pouco de maquiagem. Vou tentar disfarçar com um truque.
Passei uma camada de lip tint vermelho por cima da mancha para amenizar a cor arroxeada, antes de uma camada generosa de corretivo.
— Foi bom? Digo, ontem? — pergunto e ele assente, enquanto observa os movimentos em seu pescoço. — A Aimee foi fantástica, mas esqueci totalmente do Tsunderezão. Foi um vacilo, eu sei.
Olhei para ele de relance.
— Então, ele dormiu aqui, não é? — Hobi falou, dessa vez com os olhos voltados para baixo, olhando para mim.
— Sim, mas ele só dormiu. Não adianta me olhar assim.
— Não rolou nada?
— Saímos ontem para conversar um pouco, jogamos uma partida de basquete e então voltamos para cá... — Oculto a parte da massagem para evitar qualquer expectativa infundada de Hoseok. Elas começariam a surgir de forma discreta e em breve, teria que lidar com o segundo divórcio para um filho que nunca tive.
— Basquete? Hum. Entendo. — Ele move o pescoço de um lado para o outro — Mas ele não tentou nada?
— Nadinha.
— E você não sentiu saudades?
— Hoseok, você lembra do nosso último ano de faculdade?
Ele cruza os braços, a expressão sorridente morre em seu rosto. E ele apoia as mãos contra a pia, me olhando através do reflexo.
— Significa que você fica isenta de saudade por isso? Sua resposta foi o sim mais óbvio que você poderia me dar.
Só então observo um rastro de cabelo picotado na roupa de Hoseok.
— Por que tem cabelo na sua roupa? Aparou a franja depois de pronto?
— Bom, não foi bem a minha. É que, você sabe, estávamos bêbados ontem a Aimee e eu e...
— Você cortou o cabelo dela? Hoseok!
— Não, calma! — Ele levantou as mãos estendendo as palmas em minha direção — E acho que estávamos com um chiclete na boca.
— Estávamos...?
— Você sabe, primeiro na boca de um, depois na boca do outro. E...
— E...?
— Meio que caiu no travesseiro e nenhum dos dois reparou.
Não sabia qual das partes era mais nojenta.
— Meu Deus, Hoseok! E colou no cabelo dela?
— Não. No cabelo do Tsunderezão!
Eu poderia ter sido poupada do susto e da ideia, atemorizante, de imaginar Jungkook com os cabelos cortados.
Não, não, não.
— Você... O quê... Calma, você cortou o cabelo dele? Ele não pirou? Jungkook ama mais aquele cabelo do que tudo!
— Não, mas tivemos que cortar uma franja. — Hoseok ri, dando de ombros.
— Puta merda.
— Mas não ficou ruim. A Aimee ajudou a dar uma aparada, ficou até legal nele. Sabe aquele cara da banda de rock dos anos 80?
— Qual deles?
— O vocalista daquela banda, Mot... Motoley
— O Nikki Sixx do Mötley Crüe?
— Você é genial! É, ele tá parecendo esse cara. Mas ficou charmoso. A Heeyeon gostou.
Hoseok ergue as sobrancelhas, em seguida os olhos, e então me observa, como se aguardasse uma reação para o comentário, as palavras deram origem a alguns questionamentos, mas para onde iria com eles? Não daria o braço a torcer para Hoseok em hipótese alguma, mesmo que não precisasse verbalizar nada. A culpa ainda era das fantasias as quais continuava me agarrando, mesmo com a verdade escancarada na minha cara.
E Heeyeon era uma mulher fantástica, interessante, inteligente e muito bonita.
Quem não ficaria interessado por ela?
— Bom para ele, não acha? — Me olhei no espelho uma última vez, analisando os detalhes do meu traje. Tudo parecia adequado, até mesmo os sapatos confortáveis que havia escolhido.
— Eu acho que sim. — Caminhei para fora do quarto e Hoseok me acompanhou.
— Mas eu tenho um pedido... — Procurei a bolsa no meio da bagunça, entre os lençóis, no meio do pijama solto pelo chão do quarto, encontrando-a abandonada no sofá, próximo a cama. — Pode me ouvir? — Hoseok protestou, fazendo com suas palavras fossem acompanhadas dos seus passos, cada vez mais rápido.
— Fala... — Imaginava bem do que se tratava o pedido, lógico, Aimee e ele estavam planejando algum tipo de continuação promíscua para o que havia rolado ontem. Era óbvio.
— Hoje à noite, a Aimee e eu combinamos de nos encontrar de novo, então será que... — Hobi foi diminuindo o tom de voz conforme as palavras iam escapando dos lábios. — O Tsunderezão poderia...
— O quê? Não! Não! Não!
— Nonô, não tô pedindo nada demais, ela já dormiu aqui antes! — Ele se ajoelhou, esfregando as mãos diante do rosto — Por favor!
— Por que vocês não usam o quarto dela?
— Poderia ser uma opção, mas então a Heeyeon dormiria com o Tsunderezão no meu quarto, — Ele parou um segundo, analisando a proposta, como se não tivesse parado para pensar naquela opção — Se bem que não é ruim de todo modo.
Me arrependo do comentário no segundo
— Não! — Me sobressaltei. Puta merda! — É que isso seria um pouco incômodo para ela, não acha?
Hoseok riu. Não fazia ideia de como gostaria de imaginar um mundo onde Jungkook não existisse e nossos caminhos não continuassem se colidindo desta maneira patética.
— Ela passaria uma noite bem ocupada, sabe o que quero dizer, né?
— Talvez ele possa ficar aqui. — Caminho para o outro lado do quarto na tentativa de fechar as portas gigantescas da varanda. — Por hoje.
Ele correu até mim, girando-me em seu colo dentro do quarto.
— O que não faço por você, uh?
— Várias coisas, na verdade.
— Ah, por favor, Hoseok!
O espaço da cerimônia seria em um local fechado, Hoseok e eu parecíamos parte do elenco de apoio de algum drama histórico, correndo por entre alguns corredores lotados de flores, porque, como de costume, havíamos nos atrasado.
Quando abro a porta, entrando vagarosamente por entre os vasos de flores de lírio-tigre, ao lado de Hoseok, avisto Christine, linda, em seu hanbok vermelho e bordado a mão pela mãe de Yoongi, com seus arranjos de cabelo enormes, permitindo que suas sobrancelhas grossas fossem ainda mais notadas no contraste com o vermelho pendurado ao redor do seu cabelo. Estava sustentando a base da volumosa saia, com ajuda dele no meio da cerimônia de Pyebaek, que era o ritual de fertilidade. A família de Yoongi arremessa tâmaras e nozes enquanto ambos tentavam pegá-las. Nozes significava, para a tradição coreana, a probabilidade de um garoto, enquanto as doces tâmaras, uma menina.
Yoongi sorria tanto que estava a ponto de romper a boca. De longe, do outro lado da sala, avistei Jungkook ao lado de Heeyeon, Christian Yu e Aimee. Irritantemente bonito com seu hanbok azul. Acho que nunca tinha o visto com roupas tradicionais, como uma espécie de príncipe coreano. Hoseok estava certo sobre a franja, estava ótima, como cada maldita coisa parecia se encaixar perfeitamente nele. Há milhares de coisas sendo gritadas dentro de mim naquele momento, enquanto o observo de longe, mas ele só parece notar minha presença quando a outra parte da cerimônia é iniciada e Yoongi carrega Christine em suas costas, dando voltas pelo salão. Quanto maior a volta, maior a casa dos dois.
Nossos olhares se esbarram e finjo não me preocupar com sua atenção, mesmo que ele não tenha movido os olhos para longe desde que me viu.
Hoseok está dando gritinhos de excitação enquanto Christine finge girar um laço imaginário, ainda montada nas costas de Yoongi, é claro, indo contra toda e qualquer tradição. As voltas continuam, e Yoongi até ensaia correr um pouco, fazendo Trine gargalhar de felicidade.
Christine e Yoongi ainda eram o motivo pelo qual eu acreditava no amor. Não havia como olhar para eles sem ver, de um jeito quase tangível, o quanto os dois profundamente eram feitos um para o outro. Acho que senti isso desde o primeiro dia, quando aquele cara esquisito de cabelo azul, no primeiro ano do curso, vivia enfurnado no dormitório, ocupando parte do quarto enquanto Christine tomava banho; esparramado em sua cama, lendo Kerouac e fazendo comentários pontuais sobre qualquer assunto que não me importava.
Mas não me sentia desconfortável com Yoongi e isso, por si só, foi o meu sinal verde para ele. Gostava de sua energia, de sua personalidade introvertida, de suas piadas secas e de sua inteligência assustadora. Christine era a mulher mais poderosa que já havia conhecido na vida inteira e sabia que alguém que tivesse ritmo para acompanhar o seu estilo de vida intenso.
Yoongi foi o único que conseguiu alcançá-la em velocidade.
Bem, os Golden Retrievers sabem mesmo correr.
Os dois finalizaram brindando com chá e então, compartilhando uma tâmara assim com adolescentes costumam fazer no Pepero game.
— Você não acha que a Trine está linda assi - — Quando olho para o lado, Hoseok não está mais lá. Meus olhos passeiam por entre os convidados com seus hanboks coloridos e seus acessórios bonitos de cabelo, e lá no canto da sala está ele, cochichando no ouvido de Aimee.
Ótimo, não consegue manter esse pênis dentro das calças nem mesmo hoje!
— Está linda, sabia? — A voz que colide contra o meu tímpano só não era mais familiar que a minha própria, mas ainda era capaz de reconhecê-la em qualquer lugar. — É a primeira vez que te vejo de hanbok.
— Que tal? — Dei uma voltinha para ele, que sorriu. — Parece que você saiu de um sonho, gatinha.
Revirei os olhos, mas no fundo, o elogio havia mexido comigo.
— Você flerta assim? Uau! Você já foi melhor. — digo e ele sorri. — É sincero, se quer saber.
— Obrigada. — Tento ignorar todo o cenário para não observar de volta quem também me olha, não saberia como agir com a expectativa que era criada cada vez que Jungkook falava com qualquer mulher. — Bela franja.
Digo e ele ri, soltando o ar.
— O Hoseok faz questão de ser memorável cada vez que nos encontramos, — ele diz, tocando o rosto — Puta merda.
— Você tá a cara da sua irmã caçula.
— Dizem que as franjas deixam o rosto mais emocional, o que acha?
— Você ainda parece um canalha barato para mim..
— Então eu te provoquei alguma coisa.
— Náuseas, talvez.
— De ansiedade pela minha presença? — Fico em silêncio e ele continua — Falando nisso, você gostou do café da manhã?
Caminhei entre os vasos, fazendo o percurso contrário e seus olhos vão diretamente ao norigae pendurado em meu traje.
Assenti.
— Obrigada!
Seus dedos tocaram o pequeno acessório, deslizando o dedo contra as trincas texturizadas. Ele olhou para mim outra vez.
— Sai comigo hoje, — a realidade caótica ao redor é silenciada; as vozes, a música, a felicidade, existe um silêncio que nos engole, que é só nosso. — Por favor.
— Tem um lugar especial para mim aqui na ilha, queria que pudesse conhecer...
— Engraçado, você nunca me disse que tinha vindo aqui. —
— É, eu vim uma vez. — Olhei para o lado oposto, acenando para a mãe de Christine que conversava atentamente com a Sra. Min.
— Sozinho? — Não queria parecer tão curiosa
— Não...
— Ah, claro. Você não consegue ficar uma hora sem alguém pendurado no seu lábio...
— Com os meus pais.
Engoli o protesto como um pedregulho.
Jungkook riu, puxando a franja para trás com a ponta dos dedos. O clima pareceu um pouco mais constrangedor.
— Está com ciúmes?
Estou! Estava. Vamos supor que é um ciúmes do pretérito imperfeito, em uma situação hipotética.
— Sua autoestima está em dia, não é?
— Então está com ciúmes!
Desviei dele, caminhando até a mesa com as bebidas sendo servidas pelas tias de Yoongi.
Virei uma dose de soju, seguida de outra.
— Eu posso te pegar às 15h?
Continuei em silêncio, sentindo o álcool queimar a garganta. Mal passava do meio-dia e eu já estava enchendo a cara.
— Então combinado, às 15h eu passo lá. — disse, dando alguns passos adiante, antes de retomar para um último aviso. — Ah, vista algo confortável, tá?
— Devo ir pelada, então? — Alcancei outro shot de soju, sorvendo em seguida.
Jungkook riu, erguendo as sobrancelhas.
— Isso seria prático, mas está muito frio, não acha? — Parecia uma espécie de diabo sussurrando em meu ouvido. — Você prefere quando as coisas estão um pouco mais... quentes.
Forcei uma risada, olhando-o por cima do ombro.
Idiota.
🔱
Não era bem isso que tinha em mente quando planejei meu fim de semana em Jeju, em meu roteiro de viagem, nenhum cronograma previa um passeio com Jeon Jungkook para algum moquifo na ilha, aliás, para lugar algum. Minha intenção era parecer, no mínimo, invisível aos seus olhos, passar despercebida por aqui sem que minha presença fosse solicitada ou notada. Em um mundo hipotético talvez isso fosse possível; me esgueirar pelos cantos do hotel sem tê-lo em meu rastro o maldito tempo todo.
Tudo bem.
Talvez minha irritação parta deste lugar ansioso e confuso, quando não consigo absorver pequenas mudanças com facilidade e tudo vira um amontoado de caos atado às minhas costas, ainda estava cansada pela viagem, ainda estava tentando lidar com o meu passado inteiro dando boas-vindas como uma espécie de prequel de Lost e sabia exatamente que a motivação de Jungkook para me levar a qualquer lugar era justamente para me deixar escapar dele, nem da conversa desconfortável que parecia nos rondar a cada mínima aproximação.
Ela estava ali, como uma figura agigantada, como um elefante no cômodo, cada vez que ficávamos a sós.
Encaro meu rosto no espelho de novo depois de prender meu cabelo em um rabo de cavalo alto, ajustando os fios da franja. Não queria parecer excessivamente arrumada, mas não sabia ao certo para onde iríamos, da última vez que havia saído para um encontro com Jungkook, fui com roupas de ginástica a um restaurante relativamente sofisticado.
Bem, não que isto seja, necessariamente, um encontro.
Não era.
Não deveria ser.
Aplico uma camada generosa de batom vermelho nos lábios e me sinto um pouco menos sem graça com alguma cor no rosto em contraste com as roupas escuras, ainda estava com olheiras gigantescas e uma aparência de cansaço visível abaixo dos olhos.
Respiro fundo algumas vezes, repetindo alguns mantras para mim mesma enquanto aplico um pouco de perfume. Estava nervosa, essa era a verdade. Meus passos me guiam até o quarto de novo e checo as horas outra vez, tenho apenas mais dez minutos, o tempo para procurar minhas meias na zona caótica dentro de minha mala e meus coturnos enfiados no armário de sapatos.
Digito uma mensagem para Hoseok avisando sobre o encontro, que ainda era um não-encontro, mas que talvez me fizesse bem, se algum maldito ciclo fosse finalmente rompido neste meio tempo.
Ele me respondeu com um emoji de olhinhos curiosos.
Do jeito que Hoseok costumava ser curioso, apareceria por aqui em menos de cinco minutos para apurar os fatos por si só.
Dito e feito.
Assim que abro a porta do quarto, Jungkook já está sentado em uma das poltronas ao lado da porta, parecia relaxado enquanto jogava algum tipo de jogo de combinação de peças. Está usando uma jaqueta de couro preta com a logo da Harley-Davidson bordada nas costas e um jeans escuro bonito. Puta merda, por que ele não pode parecer mais normal como qualquer outro homem?
Ele vira a cabeça lentamente até me perceber ali.
— Gatinha, já está pronta?
Antes que tenha tempo de responder, avisto Hoseok saindo do elevador; reconheço sua papete rosa-pink chamativa contrastando com a camisa havaiana bonita.
Ele sorri, abrindo os braços.
— Ei, ei, para onde estão indo?
— Não faço a menor ideia. — respondo, enquanto Jungkook espera Hoseok se aproximar para cumprimentá-lo com um abraço.
— Quero mostrar algo a Leanor... — Hoseok me olha, puxando os lábios para baixo e erguendo as sobrancelhas.
— Tipo um encontro?
— Não. Sim. — Respondemos quase automaticamente.
Hoseok cruza os braços, observando nosso desconforto.
— Não é um encontro, mas quanto mais cedo a gente for, mais rápido a gente vai voltar, então... — Aponto para o elevador e Jungkook assente.
— Ok, então divirtam-se e se algo acontecer, se protejam! — Os tchauzinhos educados dançaram no ar, mas tive vontade de socar a cara de Hoseok de imediato.
Não, ele não havia falado isso.
— Sei que é provavelmente a milésima vez que digo isso hoje, — Ele começa, assim que entramos no elevador. — Mas você está linda.
Em um espaço minúsculo, não posso evitar seu olhar incisivo. Minha visão periférica vê os números em vermelho de cada andar passando lentamente. Seu braço está apoiado contra o metal escovado das paredes, a jaqueta aberta exibindo a camiseta preta por dentro do couro e sinto uma ligeira vontade de morrer.
Você está além de bonito pra cacete. Mas acho que não posso verbalizar o adjetivo saboroso que você merece agora.
Penso.
— Você também não está nada mal.
Ele sorri para mim.
O solavanco do elevador me faz checar o painel outra vez, dessa vez estamos no térreo.
As portas levam um tempo considerável para abrir de novo.
— Você já andou de moto, Leanor?
— Nós vamos de... moto? — PUTA QUE PARIU.
— Sim! Você tem medo?
Ele caminha até a recepção, antes de falar com o manobrista que desaparece em um carrinho de golfe até o estacionamento e volta com a motocicleta de motor barulhento como um trovão.
— Essa é a Cayetana. — Ele diz, encaixando o fecho do capacete ao redor do queixo.
— Sua moto tem um nome?
Jungkook faz que sim com a cabeça, deslizando a mão pelo tanque, antes de passar a perna para o outro lado e se acomodar no assento.
— Vem, sobe. Você vai adorar isso, a Cayetana é muito boa. — Sua mão bateu contra o couro do banco.
Estou rindo de nervoso quando ele me entrega o capacete amarelo com algumas flores havaianas pintadas. Era uma piada, só poderia ser uma!
— Segura firme em mim, tá? — Passei os braços ao redor de sua cintura e ele apertou meus dedos por debaixo dos seus antes de acelerar ao ponto de fazer meu corpo inteiro tremer.
— Tá pronta?
— Acho que sim.
As formas de Jeju passam rapidamente pelos olhos, um borrão azul e verde, entre os pomares de tangerina com um cheiro cítrico gostoso e o céu aberto e quase infinito que mergulha no oceano. Tudo é bonito como sonhos muito distantes.
A via costeira está praticamente deserta quando cruzamos, avistando o mar banhado pela luz do sol como milhares de pequenos cristais reluzentes.
— Meu Deus, aqui é lindo.
— Abre os braços, você vai ver como a sensação é boa.
— Aqui?
— É, anda. Eu te seguro. — Sua mão, ainda revestida com a luva, tocou a base da minha panturrilha. Lentamente abri os braços, devagar, o vento forte colidindo contra o corpo. Fechei os olhos por um segundo para sentir a brisa salgada no rosto. A sensação era libertadora.
Meus gritinhos animados fizeram Jungkook gargalhar, acelerando ainda mais.
A sensação estufava o peito, o frio na barriga era excitante.
— Eu tô me sentindo em Top Gun. — disse e ele riu de novo. — Isso é muuuuuuito bommmmmmm!
— Estamos quase chegando, falta um pouquinho, Maverick!
Mantenho meus braços atados ao redor dele de novo depois de minha perigosa aventura cinematográfica, ao menos, me sentia mais relaxada. Jungkook faz algumas curvas sinuosas e então, aviso a orla da praia na parte debaixo da pista, as luzes amarelas penduradas estão parcialmente acesas, as cafeterias ainda vazias, mas são as bicicletas paradas ao redor que me chamam a atenção.
— As bicicletas são para o quê?
— São para alugar.
— Ah, seria legal se eu soubesse andar de bicicleta, acho que pedalar por aqui seria bom.
— Por que acha que te trouxe aqui?
Ele sorri, antes de me olhar por cima do ombro.
Na última curva, Jungkook estaciona na pequena área restrita para motos. Parece que saiu diretamente de um comercial de shampoo quando remove o capacete e balança o cabelo impecável e sua franjinha meio torta.
Hoseok estava certo, Jungkook parecia um vocalista de banda de rock oitentista pronto para empunhar uma guitarra, tocar alguns acordes e enlouquecer algumas garotas e rapazes.
Já havia passado pelo processo de viver o meu amor de groupie.
— Ok, escolhe uma!
— Não vou fazer isso, Jungkook. — Eu digo, indignada. — Olha quanta gente aqui, não vou passar por esse constrangimento.
Ele ri.
— Eu vou estar com você o tempo todo, eu prometo. Prometi a sua mãe que cuidaria de você.
Olho para ele de relance, mostrando o dedo do meio.
— Por que está fazendo isso?
— Eu prometi, lembra?
Ainda lembrava da promessa, assim como daquele dia na sua bicicleta, desviando de carros por Seul, mas nada do que havia sido prometido, de fato, havia acontecido. Então seria mais fácil apenas fingir não saber.
— Tá, então, eu quero aquela ali, a cor de lavanda.
Quando Jungkook se aproxima da pequena barraca para alugar a bicicleta, penso em sair correndo e me esconder em algum lugar
— Ok, tá pronta? — Ele tira a jaqueta, amarrando ao redor do quadril.
— Eu tô fazendo isso certo?
— Você só está sentada na bicicleta — Ele ri — É claro que está!
— Ok, vou te segurar aqui, certo? E você vai pedalar e tentar mantê-la reta o tempo todo. Tente se equilibrar. Evite olhar para baixo para não perder o controle.
Assenti.
— É só pedalar, eu vou estar aqui o tempo todo.
— Estou com medo, Jungkook.
— Ok, vai cantando uma música... — ele começa — Que tal Dreams do Fleetwood Mac?
Respirei fundo.
Ele começou.
— Now there you go again, you say you want your freedom, well, who am I to keep you down? — Jungkook entoou — Vai, é sua vez.
— It's only right that you should play the way you feel it, but listen carefully to the sound of your loneliness... — Continuei, encaixando os pés firmemente nos pedais.
— Pedala, vai! — Ele falou, rindo — Like a heartbeat, drives you mad in the stillness of remembering what you had and what you lost, and what you had, and what you lost...
— Thunder only happens when it's raining, players only love you when they're plaaaaaaaaaaaying, say women they will come and they will go, when the rain washes you clean, you'll know... — Cantava alto, chamando a atenção dos poucos turistas ao redor da praia, rindo discretamente.
Ouvia a voz de Jungkook ao meu lado, harmonizando como Peter Green.
— Continue, gatinha. Isso, isso, isso. Continue cantando, não pare!
— Now here I go again, I see the crystal visions, I keep my visions to myself, itt's only me who wants to wrap around your dreams and have you any dreams you'd like to sell?
Fiquei em silêncio enquanto pedalava, esperando Jungkook iniciar a sua parte.
Foi quando percebi que ele não estava ao meu lado, mas a pelo menos dois metros atrás de mim.
— Continue olhando para frente! — Ele gritou.
Mal conseguia acreditar que estava pedalando sozinha.
Mas eu não sabia parar.
Como eu iria parar?
Meu Deus, como eu iria parar?
Em um segundo estou olhando para o oceano e no outro, estou coberta de areia, com rostos desconhecidos me olhando de cima.
Escuto a voz de Jungkook mais próxima de mim, correndo em um desespero que só posso imaginar, já que não me movo e não consigo falar nada, só gargalhar sem parar.
🔱
— Seu cotovelo ainda está doendo? — Ele pergunta, depois de tocar a base do meu braço para checar pela terceira vez o pequeno corte coberto por um band-aid do Bob Esponja cuidadosamente colado ali.
— Estou bem. — Digo, e gargalho outra vez. — Ficaria melhor se você abrisse logo minha cerveja.
Seus olhos desviam do pequeno machucado para a garrafa entre seus dedos, antes dele puxar com força a tampa e me entregá-la. Tomo um gole generoso e me sinto mais relaxada.
— Isso foi divertido. — Ele fica em silêncio por um segundo, a mão encostada ao redor do lábio.
— Fiquei preocupado.
— Porque é um mané. Eu tô bem!
— Não deveria ter te soltado tão cedo... — Ele toca o cabelo. — Você caiu de um jeito engraçado. — E só então ri, espremendo os olhos, jogando a cabeça para trás como uma criança.
Aos poucos, o sol se despede no horizonte, as luzes ao redor da praia parecem mais fortes, os cafés um pouco mais lotados, como se os casais saíssem de sua toca romântica somente depois que a luz do dia se despede.
— Queria ter aprendido quando era criança, mas, crescer aqui foi bem solitário.
Ele assente.
— Crescer é um processo extremamente solitário.
— E bem assustador. — Tomo outro gole da cerveja enquanto aviso um garotinho brincando com sua irmã caçula ao redor das luzes, ambos fascinados, com os olhos voltados para cima, como se estivessem dançando sob um punhado de estrelas. — Você já teve essa sensação de que estava tão só no mundo ao ponto de ninguém, em lugar nenhum, ser capaz de compreender o que você sentia? Como se uma espécie inteira de pessoas iguaizinhas a você tivesse sido aniquilada do universo e restou apenas você, sobrevivendo em meio a estranhos com os quais não consegue mais se conectar? — digo e Jungkook volta toda sua atenção para mim outra vez.
— Talvez sejamos da mesma espécie de esquisitos que sobraram aqui. — Ele me olha — Eu me sinto assim pelo menos uma vez ao dia.
Não sabia que aquele sentimento reverberava forte em outras pessoas também, imaginava que aquela solidão que sentia era por me sentir tão desconectada de tudo. Do lugar que pertencia e do lugar que adotei como meu, mas que nunca me abraçaria inteiramente.
— Mas você meio que realizou seu sonho, não é? É um diretor de filmes agora, aparece em capas de revistas sobre jovens promessas, é popular... Imagino que não deva faltar companhia ou sei lá, gente para se conectar.
Ele morde o lábio. Faz um meneio com a cabeça para o lábio.
— Um pouco, mas acho que só dei sorte. — Ele ri, sem graça — Às vezes acho que só dei uma bola dentro de estar no lugar certo, na hora certa. Em alguns momentos eu percebo que não mereço nada disso, sei lá...
— Não, você não pode dizer isso! — Apoiei a garrafa sobre a areia — Você é a pessoa mais talentosa que já conheci, você tem um traço único, tem assinatura visual, você tem expressão, firmeza, você um artista, Jungkook! — Seu rosto parece petrificado e só então me dou conta do quanto extrapolei o limite educado de um elogio sucinto. — O que quero dizer é que... Você se esforçou por isso, então é claro que merece!
— Sabe quando simplesmente todas essas coisas parecem sem propósito? Elas são enormes e ocupam lugares gigantescos dentro da minha vida, mas nunca me sinto completamente satisfeito, então quero mais e mais e acabo engolindo o mundo sem sentir ele passar pela garganta. E penso se estou fazendo algo de errado ou se é isso que quero de verdade, porque não consigo me sentir verdadeiramente feliz
Assenti. Meus olhos arderam pela brisa salgada.
— Acho que ninguém se sente totalmente feliz o tempo todo, é completamente normal.
— Só me senti assim uma vez. — Ele enfia os pés no amontoado de areia diante de nós. — Eu pensei que tinha sido feliz antes, mas então percebi que passei mais tempo desejando estar feliz por ter o que queria do que de fato, me sentindo feliz.
Toquei seu ombro de leve, afastando a areia da praia que ainda parecia presa ali.
— E quando se sentiu verdadeiramente feliz? Quando vivia em Aotearoa?
— Também. Mas principalmente quando estava com você. — Jungkook coça o nariz, parece constrangido com o tom da conversa. — Eu me sentia bem comigo mesmo, eu me sentia bem com tudo ao meu redor porque você me enxergava além de qualquer coisa, como se eu existisse. Mas, enfim, você sabe, eu acabo fodendo com tudo. É típico.
Ele tomou um gole da minha cerveja, olhando para a direção oposta, vendo um casal feliz caminhando de mãos dadas.
— É, você literalmente fodeu tudo que tinha pra foder. — Queria apenas quebrar o clima com a minha porcentagem Chandler Bing de soltar piadas sem graça nos momentos mais inoportunos.
— Algumas situações valeram a pena. — Ele diz, rindo para mim.
— Sabe, em algum momento eu realmente pensei que você não fosse bom para mim, Jungkook. Não, eu acho que em algum momento você realmente foi bem ruim para mim! — Ele engole em seco — Mas, eu não sei, eu aprendi a olhar para isso por um viés diferente, não posso dizer que a terapia não teve parte nisso, porque talvez eu só consiga falar com você agora graças a tudo que curei aqui dentro. — Ele respira tão fundo que consigo ver o movimento indiscreto de seu peito, seu rosto levemente preocupado. — Eu tentei entender, de alguma forma, que não existia um lado certo ou errado. Bom ou ruim ou toda essa merda maniqueísta. Você me feriu e eu também te feri. Você estava magoado e eu também estava magoada. Não sou uma má pessoa por desejar que você tivesse ficado comigo e você não é um cara ruim por ter sentido medo e fugido. Isso me doeu muito, pra ser sincera. Dói menos agora, mas já doeu ao ponto de me faltar o ar. Eu não queria ter que pedir que você ficasse... Mas naquela noite eu nunca quis tanto algo na vida como eu quis você.
— Eu vi o jeito que me olhou naquela noite. Honestamente, eu preferia levar um chute por segundo no saco do que continuar recebendo aquele olhar como se eu fosse... como se você me odiasse ao ponto de me querer morto. E sei que me odiou. Bom, eu também odiei.
— Eu nunca disse que te odiava.
Ele me olhou mais de perto.
— Mas por quê está fazendo essas coisas?
— Que tipo de coisas?
— Agindo como se estivesse se despedindo de mim. — Jungkook olhou para o oceano como se buscasse algo inédito além do que já havíamos visto na última meia hora.
— Você está? — Continuei.
— Podemos ser totalmente sinceros um com o outro hoje?
— Completamente sinceros?!
— É!
— Bom, então isso significa que não está sendo totalmente sincero comigo nesse tempo?
— Acho que isso seria impossível — ele ri de novo — Seria merda demais para você absorver.
— Podemos. — respondo.
— Não estou me despedindo, mas queria cumprir minhas promessas daquela época. — Encaro seu rosto em silêncio — Prometi que te ensinaria a andar de bicicleta, então, aqui estamos, prometi te levar a um lugar que adoro, então te trouxe aqui, queria sentir que algo ainda permaneceu intacto sobre as promessas que fiz.
— Parece uma despedida pra mim.
— Você me odeia, Leanor? — Ele se antecipou, a boca seca denunciando o nervosismo, — Te perguntei isso uma vez e você nunca me disse o que sentia, então tomei como um sim, mas queria te ouvir. Você me odeia agora?
— Não, eu não odeio. Acho que nunca cheguei a odiar você, mesmo depois de tudo...
— Você deveria me odiar. Eu fiz algo horrível. — Revirei os olhos e ri, pelo excesso de drama na frase, mas ele parecia paralisado, absorvendo tudo. — Eu precisava aprender a passar por aquilo sem esperar um retorno, porque... você não iria voltar. E você nunca voltou.
Ele ficou em silêncio.
— E doeu. Doeu muito saber que signifiquei tão pouco. — Ele faz que não com a cabeça, mas mantive minhas emoções a salvo, resguardadas e pacientes.
— Nunca se tratou disso. Eu só não... — Jungkook para um segundo e então, sustenta a respiração, tocando o peito. O ar para e então volta. Suas pálpebras piscam mais rápido, e vejo as lágrimas inundando seu rosto.
— Você só precisava ter me falado, só precisava ter dito o que estava sentindo — Apoio a garrafa entre as pernas, olhando fixamente para o gargalo ainda úmido.
— Eu não sabia como te dizer que eu não estava bem. — Ele sorri, mas as lágrimas ainda estão ali. — Eu não sabia como dizer para você que precisava de ajuda, porque eu também não sabia que precisava, até desesperadamente não conseguir sozinho. E não tem um só dia em que eu não pense naquilo tudo. Naquela época eu achei que estava tomando a decisão mais acertada e me afastar pareceu algo tão desesperadamente certo, parecia certo pra caralho mesmo que estivesse me matando por dentro.
— Me deixar sozinha foi a melhor decisão que poderia tomar?
Ele fez que não com a cabeça.
— Eu queria me desculpar pelo que fiz com você, por ter te arrastado pra toda aquela bagunça, essa... bagunça aqui. Você não merecia nada daquilo, você nunca mereceu nada de ruim, Leanor. E eu sei que não posso reparar o passado, não posso mudar todas as merdas que fiz com você nunca mais, mas quero que saiba que eu me arrependo tanto... todo dia, cada minuto. — Ele limpou as lágrimas com a manga da camiseta. — Você não precisa me perdoar, eu sei que não posso te pedir isso... Só queria que soubesse que eu senti sua falta todos os dias nesses últimos quatro anos e que eu sinto muito, eu sinto muito por tudo que eu te fiz. Por tudo que disse, por quem fui para você.
Continuei encarando as mangas de minha blusa enquanto ele falava, as palavras soavam entrecortadas pelo choro.
— Eu fiz muitas coisas das quais não me orgulho, Eleanor! Mas quero que saiba que de todas as minhas certezas, uma delas é saber o quanto eu...
As palavras são engolidas por algum tipo de choque.
— Do quanto eu te amo.
Ele me olha de novo, o mesmo olhar triste de nossa despedida, no meio da nevasca cruel de um inverno que levou um terço sagrado do meu coração. Minhas lágrimas não me deixam enxergar nada com clareza, minhas emoções são apenas um borrão, uma nuance sem forma, um amontoado de sentimentos enrolados em fios de palavras soltas. Apoio minha cabeça contra a dele, antes de envolvê-lo em um abraço retribuído de imediato.
Era só o começo de tudo, eu sabia disso.
— Você está perdoado, Jungkook. — Engoli o choro, na tentativa de me fazer mais clara — Eu te perdoo!
🔱
O caminho de volta até o hotel havia sido como tomar uma pílula anestésica, sem emoções, falas, sem caminhos de mágoas percorridos, somente o silêncio. Talvez não soubéssemos muito bem o que falar depois que tudo tinha sido posto na mesa.
Havíamos nos despedido no hall, depois de receber o aviso de que o hotel estava às escuras devido a uma pane nos geradores por, pelo menos, mais duas horas.
Penso nisso enquanto a névoa quase imperceptível da água fervida na chaleira sobrepõe o quarto, o barulho me alerta antes que esqueça que havia solicitado poucos minutos atrás, despejo a água quente sob a xícara de porcelana delicada, antes de mergulhar o chá e assistir o redemoinho se formar fazendo a colher rodopiar lentamente.
Tudo dentro daquele espaço é tão familiar no escuro que posso jurar que ficaria ali para sempre, conhecendo cada detalhe como se nada daquilo pudesse ter fim. Ainda não havia terminado de me vestir, o processo após o banho tinha parado justamente ali, entre me enrolar no kimono emprestado de Christine, calçar minhas meias e tolerar o meu chá com pouco açúcar.
Minha cabeça ainda estava rodopiando, tentando absorver a primeira camada daquela conversa.
Quando ouvi as batidas suaves na porta, soube de imediato que se tratava de Jungkook. Ainda estava tensa, imaginando o processo de olhá-lo de novo, encarar as verdades e enfrentar as minhas. Assim que abro a porta, ele sorri, tão bonito, carregando sua mochila e outros pertences: um travesseiro com estampas de ursinho, uma nécessaire e seus sapatos.
— A Aimee está por lá, então...
— Imaginei. Mas fica a vontade, tem whisky, se quiser.
Sento sobre o carpete quente do quarto e deslizo as meias contra o tecido grosso e felpudo, minha sombra se projeta na parede oposta graças as velas por cima da pequena mesa de centro, o silêncio do quarto permitia que meus pensamentos parecessem altos demais, furando a barreira segura da mente e talvez pudessem ser ouvidos.
— Quer continuar a conversa que tivemos mais cedo?
Ele ocupou o espaço vazio ao meu lado, com seu copo de whisky servido com pedras de gelo.
— Quer um gole?
— Não, por hoje só chá e leite. — Balanço a xícara para ele. — Me ajuda a relaxar...
Ficamos em silêncio por um minuto, observando as velas tremulando.
— Obrigada pelo passeio hoje.
— Ah, eu meio que te devia isso, né?
— É estranho que ainda me sinta mais confortável com você do que com qualquer outra pessoa no mundo? — disse e quase voltei atrás no excesso de sinceridade, poderia ter poupado aquele comentário que feria até mesmo o meu orgulho.
— Não, eu me sinto da mesma forma... — Seus olhos pareciam tridimensionais, brilhantes, imensos sob o brilho das chamas, olhando fixamente para mim. — Como se algumas coisas só pudessem ser ditas pra você.
— Ainda podemos ser sinceros um com o outro? — Ele tomou outro gole e disse e fez que sim com a cabeça — Você se apaixonou por outra garota nesses últimos anos?
Seus dedos correram por dentro do cabelo, a franja recém cortada despencou lentamente para frente, cobrindo parcialmente os olhos. Naquela distância, conseguia sentir o cheiro do seu xampu e da sua roupa excessivamente limpa. Excessivamente confortável.
— Não, não acho que tenha me apaixonado.
— Mas dormiu com muitas garotas, não é? — Ele olhou para mim outra vez, respirando fundo.
— Com algumas.
— Com a Aya? — Jungkook suspirou, pareceu surpreso pelo questionamento aleatório e ciumento, porque claro, eu estava sendo corroída por dentro. — Sim, uma vez.
Sua resposta me fez ter vontade de chorar. Quão humilhante seria chorar ali?
— Ah, entendi.
— Você ficou chateada? — Sua mansidão me fazia ter pena de mim mesma por não suportar certas verdades, cutucar algumas feridas que eu sabia que ainda sangravam. Eu prometi ser sincera.
— Não é bem isso, nem é como se você me devesse nenhum tipo de fidelidade ou algo assim, é só que na época em que me senti mais solitária, vi uma foto de vocês juntos, pareciam tão íntimos que eu só pensei...
— O que pensou?
— Pensei em milhões de coisas. Mas acho que o que prevaleceu foi a ideia de que você tinha superado tudo, de que gostava dela.
Jungkook estava atento, prestando atenção em tudo que estava dizendo com toda honestidade, pela primeira vez, como se não quisesse interromper uma torrente de verdades. A chuva pareceu ainda mais forte lá fora, fazendo com que o vento frio apagasse as velas e caminhei até as portas da varanda para fechá-las, ao menos poderia respirar ar puro, me distanciava das verdades que estavam soltas e espalhadas pelo chão agora. Confrontá-lo era difícil, mais difícil do que havia sido avisada.
— Ela é melhor do que eu na cama? — A pergunta saiu quase como uma lufada de verdade, no mesmo impulso sincericida de quem já havia perdido uma falsa dignidade há alguns minutos e continuava buscando algum tipo mais profundo e inédito de humilhação. Ele desviou o olhar até mim.
— Gatinha, não acho que o rumo dessa conversa seja -
— Você a chamava de gatinha também?
Ele permaneceu em silêncio, imóvel. Os olhos tão fixos no meu rosto no escuro como se tentasse decifrar um enigma, unir as misteriosas e ilegíveis partes da Mandíbula de Caim.
— Você sabe que não. — Sua voz saiu quase como um cochicho.
— Para qual das perguntas?
Ele tocou o próprio rosto.
— Para as duas.
— E por quê não?
Jungkook tomou outro gole da bebida, dessa vez mantendo o copo mais perto, como uma válvula de escape que poderia ser apertada caso eu saísse do controle. Seus olhos já estavam vermelhos, levemente alcoolizados.
— Com você nunca foi um lance casual, foi algo mútuo, muito...
— Bom?
— Talvez eu ainda não tenha encontrado a palavra certa para definir isso, porque não foi somente algo bom, parecia sempre que eu me conectava com alguma parte sua tão profunda... — Ele continua — Não era sobre trepar, era especial.
Ele fecha os olhos por um instante.
— Isso soou cafona pra caralho, foi mal... Acho que tô um pouco bêbado.
— Não, continua, eu gosto quando você fala...
Jungkook pressionou os lábios um contra o outro, parecia envergonhado pelo que havia dito.
— Você se sentiu usada pelo que fizemos, na época do acordo e do que rolou com o Kim?
Caminho até ele de novo, ocupando o meu espaço enquanto ele parece mais relaxado com minha aproximação.
— Nunca. Nem mesmo uma vez.
— Quando estava lá em Tóquio pensei em milhares de situações hipotéticas, pensei que poderia ter arruinado uma série de experiências pra você e pensei nisso também, porque nunca quis que você sentisse como se isso tivesse significasse pouco, é só que, eu nunca me senti desse jeito com outras pessoas. — Ele tomou um gole do whisky de cheiro forte, deslizando o dorso da mão contra os lábios. — E não acho que vou.
Meu coração se aperta, diminui o seu tamanho e preciso parar um único instante para respirar de novo. Eu queria tanto beijá-lo. Eu queria beijá-lo até me curar da vontade que tinha de não sentir mais nada. Ficaria saciada ao ponto de conseguir ir embora sem precisar implorar por um pouco mais de tudo aquilo que eu nunca tive o suficiente; e suficiente para mim talvez significasse para sempre.
— E o que você sentiu? — Ele mexeu os ombros, olhando fixamente para as chamas dançantes ao nosso redor, hipnotizantes como uma pequena valsa de despedida.
— Amor. — Prendi a respiração por um instante. — Eu senti amor.
Jungkook me olhou de novo, sem desviar dessa vez. Suas pupilas pareciam dilatadas, enfeitiçadas, uma midríase que só acontece quando estamos tentados a olhar infinitamente para algo que gostamos muito. Parecia a resposta que eu estava buscando para uma pergunta que nunca havia sido verbalizada, mas existiu dentro de mim desde o dia que ele foi embora.
Aqueles foram os sete segundos mais longos daquela noite.
Desviei o olhar.
— Sabe, ontem eu pensei em tanta coisa. Você tinha chegado e estávamos aqui... e eu só pensei que queria muito que você tivesse me beijado. E você pode me beijar, se quiser... — disse e Jungkook continuou olhando para mim.
— Não acho que consigo me controlar se eu começar agora...
Levei sua mão até a minha bochecha, seus dedos úmidos pelo gelo do whisky tocaram a quentura febril da minha coragem.
— Você não precisa.
— Não me diga essas coisas... — Ele soltou uma risada mínima, quase sarcástica. Mordiscou o piercing como parecia ter sido uma mania adquirida para substituir a ganância que costumava ter em morder os próprios lábios.
Meus dedos correram pelos seus fios de cabelo, excessivamente macios, afastando-os para longe do rosto, Jungkook afundou o nariz em meu pescoço, deslizando os lábios sobre a pele sensível, tão devagar quanto um castigo, arrastando a ponta de sua língua molhada.
— Não brinque comigo desse jeito, gatinha.
Foi como respirar aliviada outra vez, me livrar de um tecido pesado, incômodo e gigantesco envolvendo o corpo em um excesso de calor. A mão de Jungkook correu livre pelo meu joelho, pressionando o cetim do kimono de Trine contra a minha pele. Afasto minimamente os joelhos, fazendo com que a base da peça desliza ao redor da coxa e sua mão avance, lentamente, mais para cima.
— Senti tanta saudade de você. — Sussurro, tombando minha cabeça contra seu ombro. Estava tonta, mesmo sem uma gota de álcool no sangue. Jungkook pressionou os lábios em minha testa.
— Não imagina o quanto senti sua falta, Leanor. — Ele se arrasta até minhas pálpebras fechadas, seus lábios tatuam beijos ali. — Pensei que morreria de saudade.
— Abre os olhos. — Ele sussurra. — Me deixa te olhar de pertinho assim...
A ponta do seu nariz toca o meu e meu coração tropeça.
Ele está chorando.
Com os braços ao redor de sua cintura, abraço Jungkook um pouco mais perto, talvez pudesse entrar em suas roupas, me fundir com ele.
— Eu deveria ir embora, eu não deveria ficar aqui... Prometi que ficaria longe dessa vez. — Em um impulso, ele se afasta, ficando de pé, quase trôpego. Acompanho seus passos como uma sombra.
— Fica! — digo, mais alto do que pretendo, do que soou na minha cabeça — Por favor...
Jungkook está parado no meio do quarto, quase engolido pela escuridão. Conseguia ver suas costas bonitas, suas mãos apoiadas no quadril, a cabeça tombada para a frente. Sabia que estava travando uma batalha consigo mesmo. Eu havia passado por isso algumas horas antes. Meus braços se enroscaram ao redor dele, a cabeça pressionada contra as suas costas, podia ouvir o seu coração acelerado, sem ritmo próprio. Sua respiração alterada. Estava pedindo muito dele, talvez o que nunca teria coragem de pedir em outra ocasião.
— Se eu ficar, vou te machucar.
Minhas mãos vão se esgueirando, intrusas, para dentro de sua camiseta, tocando sua cintura, meus dedos rastejando em sua pele, pela sua barriga, sentindo as suas pequenas peças de metal raspando contra as palmas das mãos. Estava tão suado.
— Não vai!
Ele respirou fundo.
— Você ainda me ama, Eleanor? — Um formigamento correu a espinha, em outras ocasiões Jungkook jamais seria tão suave como agora, parece manso, rendido, afetado. Entregue. Seu corpo gira em minhas mãos e observo seu rosto mais de perto agora. — Fala pra mim...
— Eu te amo. — Sussurro.
— De novo. — Sua cabeça tomba para frente, tocando minha testa.
— Eu disse que te amo, Jungkook.
— De novo, só mais uma vez — Não me movo, nem desvio de sua aproximação repentina. Ele raspa a língua contra os lábios, os olhos presos em minha boca, ofegante. — Puta merda.
— Eu te am -
Quando a boca de Jungkook toca a minha, tudo dentro de mim parece se fragmentar feito um castelo de cartas atingido por um furacão, se esvaindo, em um silêncio abrupto. Uma sensação tão inédita que chega a me causar fraqueza física, como uma pílula instantânea de relaxamento, anestésica e interrompida.
Senti saudades de sentir a textura de sua boca, do modo erótico que sua língua deslizava, despudorada, contra a minha, seus dentes substituindo a tensão do seu lábio sugando-me para dentro de sua boca, junto ao aperto firme em minha cintura, tatuando seus dedos no lugar que era mais seu do que eu mesma. E tudo nele parece mais atrativo e infinitamente mais envolvente.
Ele solta um choramingo baixo, afastando-se minimamente, como se estivesse prestes a me dizer algo importante, digno de ser verbalizado, mas os seus lábios permanecem próximos dos meus insaciáveis, e é quase entorpecente. Como morfina correndo nas veias...
— Puta que pariu... — ele sussurra, seus olhos são duas fendas quase imperceptíveis diante do meu rosto, perdidos entre a franja torta, o rosto avermelhado pelo álcool. — Como eu senti falta disso.
Devagar.
Devagar.
De-va-gar.
Tão... tão... de va gar.
Repito a palavra e devoro cada consoante e vogal embaralhada e sem sentido, um borrão colorido penetra as minhas pálpebras fechadas quando seus dedos tocam meu pescoço. São nuances de cor que vem de lugar nenhum. Excesso de calor. Vermelho, laranja, azul, violeta e então nada. Uma profunda escuridão.
Penso em pedi-lo para tirar as roupas de uma vez. Se livre de tudo, Jun. Não me deixe sequer pensar duas vezes.
As minhas ou as suas? Ele perguntaria.
Não, Jungkook não era do tipo que questionaria um passo a passo sobre as próximas ações, conhecia bem demais o meu corpo para saber cada mínima necessidade dele. Estava começando a me desacostumar com suas habilidades tridimensionais; suas mãos em todos os lugares, seus lábios em cada parte que somente desejava em silêncio, como uma mensagem via córtex pré-frontal enviada até ele.
Me sinto tão humana, viva e pertencente aqui. Era necessário não ter uma gota de sangue quente correndo nas veias para ser imune a ele.
Há tempos não me lembrava da sensação com tantos detalhes. Não me recordava nem mesmo da última vez que havia ficado tão molhada assim somente com a ideia de ser tocada por alguém. E não era qualquer um, era ele, era o meu amor.
Sempre foi tão bom desse jeito?
Ele se afasta de mim, os lábios tão úmidos e com os olhos profundamente escuros, quase fechados, como a versão escondida de um deus que habitava dentro dele. Impudico, conciso e firme.
— Gatinha... — ele suspirou contra a minha boca, os lábios deslizando em meu queixo, o rastro do meu batom vermelho pintando as extremidades do seu rosto — Me beija daquele jeito que só você sabe, vai.
Estou em um abismo entre o céu e o inferno, dependurada em seus cabelos como os jardins suspensos da Babilônia. Sua boca era uma condenação fácil, lançando a minha versão mortal e excessivamente humana a um êxtase do qual meu corpo não seria capaz de suportar.
Ele era um charmoso Cavaleiro de Copas, em suas nuances sensíveis, deliberadamente romanescas, sensuais e afetuosas, como mamãe havia visto nas cartas marcadas do velho tarô ensebado que costumava abrir para mim. Jungkook viria, como um terço abissal do oceano, a parte mais violenta de uma corrente marinha que me arrastaria para uma zona profunda, então reluto inutilmente, me afogo nele e acabo submersa. O velho disco setentista, com seus ruídos e chuviscos nostálgicos, quando a agulha afundava em suas ranhuras imperceptíveis na superfície da pele e me preenchia de música, a melodia de uma canção de amor incrustada em meu coração tanto quanto era feita de carne, a mesma que anunciava sua chegada. Nas letras do diário de uma enigmática compositora de saias esvoaçantes e volumosos cabelos solares cuja composição já prenunciava nossa história.
Éramos os ídolos arruinados, sujos e infames daquela banda de rock, os protagonistas sádicos daquele livro nunca terminado, a bebida doce que amarga a garganta e causa uma ressaca infernal. Nós dois. Juntos. Em um infinito de segundos. Em um fogo instantâneo de estrela cadente, antes de suas derradeiras palavras ao cruzar o céu, quando tudo arde em azul.
Eu nunca me dei conta até aqueles cruéis sete segundos.
— Tira isso aqui... — Cochicho e Jungkook assente, balançando a cabeça como um filhotinho de cachorro enquanto puxa a peça pela gola, em uma rapidez que ainda me surpreendia, arrastando o cabelo para cima junto com o tecido.
Merda!
Ele é muito gostoso.
Meus olhos observam sem pudor algum, tudo que consigo naquele meio segundo antes dele me arrastar de novo até sua boca. Minha respiração ofegante só denuncia o que quero esconder por baixo dessa peça ridícula que me separa da pele dele. O cetim parece ainda mais úmido quando pressionado contra o seu dorso suado. Ele está pingando, e não é o único. Penso em coisas terríveis. Penso em tudo que faria. O que quis fazer nesses últimos anos. Nada que pode ser dito em voz alta.
Jungkook me puxa, devagarinho, pela cintura, até o sofá branco ao lado da cama. Empurra as suas roupas limpas e muito bem dobradas para o chão e ocupa o espaço que mal abriga sua dimensão física.
— Vem cá.... — Ele disse, seu pedido poderia soar como uma ordem que acataria de imediato como uma boa menina. Estou de pé, entre suas coxas, ele toca uma delas, me instiga a chegar mais perto, meus dedos tocando seus cabelos enquanto Jungkook desliza as mãos até o nó do kimono de Christine, desatando a pequena faixa de cetim enquanto me olha. O lugar se mantinha em um silêncio quase religioso, a escuridão cobrindo o cômodo, como se estivéssemos mergulhados em uma planície abissal. — Eu posso?
Faço que sim.
Jungkook desfez o nó apertado e algo em mim desamarrou junto a ele; as cordas firmes do meu aprisionamento claustrofóbico e injustificado de amor contido. De todo meu desejo renegado. Seus lábios tocaram a pele nua de minha barriga, provocando um arrepio que percorreu o corpo todo, a sensação era familiar e inédita, tão gostosa que foi necessário um segundo de olhos fechados para reaver meu equilíbrio.
O processo se prolonga.
Não estava usando nada por baixo daquilo além de uma calcinha ridícula e meias. Penso em dizer que não há grandes surpresas ali, ou deixá-lo assustado em saber que estava seminua, sentada ao seu lado aquele tempo todo. Quando o nó é desfeito, Jungkook suspira alto, a expressão sôfrega em minha direção dá lugar ao movimento satisfatório dos seus beijos em minha barriga, seu nariz roçando pela pele da minha cintura. Meus dedos, impulsivos, ansiosos, correram por entre os fios do seu cabelo colados na testa pelo suor em excesso, puxando-o para trás quando sua língua desliza em mim.
Toc, toc, toc.
Imaginei se as batidas eram reais ou se estava delirando.
— Nonozinha? Trouxe cerveja! Tá acordada?
Jungkook me olha de relance, as mãos ainda ao redor da minha cintura.
— Não abra. — Ele sussurra pra mim.
— Não posso deixá-lo lá fora, ele sabe que tô aqui. E agora vai saber que você também tá. Vai rápido, veste a camiseta.
— Eleanor? — Três batidinhas firmes na porta outra vez e meu celular toca a todo volume preenchendo o silêncio do quarto. Jungkook tropeça na própria roupa jogada no chão e veste a camiseta em um microssegundo, do avesso.
Aperto firme o nó do kimono de Trine antes de ir até a porta.
— Desculpe, eu estava quase dormindo — Bocejei falsamente. Jungkook passou as mãos no cabelo, sentando-se na pequena sala, depois do biombo.
— Ah, o tsunderezão já está tá aqui?
— Hum...
— É que a Leanor ficou de ler o roteiro que escrevi, tinha pedido algumas dicas pra ela, para melhorar alguns trechos.
Hoseok apoia as cervejas contra a mesa de centro.
— Certo e cadê o roteiro? Eu posso ler também? — Ele olha ao redor, buscando, no mínimo, um pedaço de papel, um item, um livreto, qualquer coisa que prove a teoria.
— Está no meu celular, vou te enviar. — Jungkook responde, tranquilo.
— Jungkook, tá sujinho aqui... — Hoseok riu, antes de olhar pra mim. Jungkook raspou as mãos contra os lábios, tirando boa parte dos rastros de batom da boca. — Já saquei, vou embora, tô indo! — Ele me deu um beijinho no rosto, cochichando no meu ouvido.
— Tem certeza disso?! É o que quer de verdade?
— Não estava fazendo nada. Só conversando. — digo e Hoseok acompanha meus olhos na direção em que desvio.
— Conversando, tá. Tudo bem. Olha, eles terminaram a manutenção há uns vinte minutos, vocês receberam os avisos sobre a energia elétrica? — Caminho até o celular na tentativa de verificar a mensagem, o sistema do hotel havia notificado. — É, tá aqui.
— Bom, eu só passei pra saber se precisava de companhia, mas acho que as coisas estão bem por aqui.
— Você pode ficar, se quiser! — proponho e ele sorri. — Voyeurismo não é bem minha vibe.
Tento não ficar constrangida com o comentário porque sei que Jungkook não se importa de fato, ali, estou assegurada nos conhecemos tempo suficiente para alguns comentários simplesmente não parecerem incômodos como antes.
Hoseok acena, antes de puxar a porta do quarto e fechá-la de maneira sutil, fazendo o bip da tranca automática deixar um rastro de som ecoando pelo quarto. Recosto a cabeça contra a madeira da porta, deixo que o ar se renove, de olhos fechados, respiro fundo.
Foi por pouco. Por muito pouco.
A constatação disso faz uma pontada de constrangimento me acertar em cheio, subindo até as bochechas, provocando timidez e riso frouxo.
Como uma adolescente pega fazendo algo indevido.
Consigo ouvir os passos de Jungkook pelo corredor, caminhando em minha direção; sua presença é difícil demais de ignorar. Me viro, quase encurralada, para olhá-lo de novo. Suas mãos tocam meus quadris. Ele pressiona os lábios um contra o outro, prendendo o riso.
— O Hoseok tem um faro pra isso, não é possível! — Jungkook sussurra.
— Talvez tenha sido melhor assim. — Apoio as costas contra a porta quando ele se aproxima um pouco mais, as sobrancelhas estão franzidas enquanto falo, como se tentasse decifrar o meu idioma estrangeiro — Que tal se assistirmos alguma coisa? Podemos ver um filme até dormir, talvez uma série ou...
Ele coloca uma mecha de seu cabelo lindo para trás da orelha antes de se curvar para beijar meu pescoço.
— Por que não continuamos o que estávamos fazendo? — Ele sugere. Prendo a respiração por um segundo, enquanto sua boca traça uma rota de beijos da minha garganta até o meu queixo.
— Tem filmes muito bons nesse streaming, sabia? — Me desprendo dele, meio tonta, meio afetada, trôpega de tesão. Vou caminhando lentamente, enquanto ele me acompanha a passos calmos. — Tipo quais? — E me alcança, sussurrando em minha orelha como uma obscenidade materializada — Tipo... hum, aquele... com o cara... e a garota... — Os lábios de Jungkook estão em minha nuca, enquanto suas mãos voltam ao maldito nó do kimono de Trine, desatando-o com mais facilidade que antes. — Calças coladas...
— Fala mais, tô ouvindo... — Ele riu contra minha orelha, sacana. Sinto sua ereção pressionada contra o meu quadril e tento erguer os pés um pouco mais. — Minha atenção é toda sua.
— Tem aquele filme que eu adoro do cara que é... — Suas mãos deslizam pela minha cintura, ele apoia o queixo contra o meu ombro, observando a própria ação como um privilegiado espectador, lentamente subindo, subindo e subindo... — ... que é um fantasma e precisa... — Suas mãos agigantadas tocam meus seios, massageiam devagar — Merda. — Sussurro.
— Ele precisa de merda? — Ele mordisca a pele seminua do meu ombro, soltando uma risadinha baixa — Se concentre, gatinha, quero descobrir de que filme está falando.
Por que você não vai se foder, Jeon Jungkook? Eu penso, mas verbalizar isso só me levaria a uma proposta que seria impossível de recusar.
Suas mãos parecem seguir a rota que meu cérebro silenciosamente pede, descendo até o ponto de maior necessidade, mas nada em Jungkook é capaz de me deixar constrangida.
— Então ele precisa de ajuda para... — respiro fundo, os lábios trêmulos, com os meus pensamentos se embolando aos poucos, minha linha de raciocínio se rompe como um fio frágil e insignificante — Para falar com a esposa dele e...
— E o que acontece, uh? — Seus dedos tocam por cima do tecido excessivamente úmido no meio das minhas pernas e meu corpo reage, estava sensível.
Ele suspirou.
Merda!
— Ainda quer ver o filme? — Seus dedos mornos tocaram de leve minha nuca. — Podemos ver o que você quiser ver...
Minha interrupção soou mais necessitada do que pretendia, simplesmente não conseguia me controlar.
— Eu quero te ver sem roupas — As palavras tiveram impulsos mais fortes que eu mesma, como uma espécie de diálogo primitivo, de uma voz oculta, de uma outra versão minha que estava dando as caras outra vez. — Eu posso?
A minha safada interior estava de volta.
Seus olhos se abriram devagar, antecipando um meio sorriso indecente que mostrava sua covinha na lateral da bochecha direita. Os dedos se enroscam no tecido cetim úmido, puxando pelos braços, para fora do meu corpo.
— Você pode fazer o que quiser comigo. — Murmurou antes de me erguer em seu colo com uma facilidade assustadora, apoiando meu corpo contra o sofá outra vez.
— Gosto de te ouvir dizer isso. — respondo entre os lábios dele e Jungkook ri — Você também?
Ele faz que sim com cabeça, erguendo o corpo minimamente para tirar a camiseta outra vez, se movimentando no estofado.
— Gatinha, — ele diz, um tom de voz tão baixo que preciso me aproximar para ouví-lo — Não tenho preservativos, seria melhor se nós não...
O comentário alivia algo dentro de mim, uma insegurança absoluta, um medo irracional. Ele não tinha pensado na possibilidade de ficar com outra pessoa. É uma mensagem subliminar que consigo captar na imensidão de alguns detalhes, como seu desinteresse por uma mulher bonita como Heeyeon ou qualquer uma das outras madrinhas dispostas a conhecê-lo melhor, mesmo que por uma noite.
Sorrio ao pensar nisso. Era tola por me satisfazer com tão pouco?
— Tudo bem, — Deixei um beijinho na ponta do seu nariz — Eu estou tomando anticoncepcional.
O controle remoto pressionado pelo joelho de Jungkook acionou a televisão e meus olhos bateram de relance contra a tela, algum programa de humor noturno estava sendo exibido, reconheci alguns rostos enquanto a luz branca da TV projetava-se contra as costas nuas dele, seus braços estendidos e as mãos apoiadas contra o encosto do sofá, um holofote direcionado a algo proibido, por cima do meu corpo, como uma criatura agigantada, pronta para me devorar.
Minhas mãos tocaram os ossos do seu quadril parcialmente cobertos pela calça do pijama, dedilhando os traços de sua Ta-Moko, a minha favorita, que despontavam ali. Meus dedos se arrastam, ansiosos, tocando sua ereção pulsante, visível pelo tecido. Minha boca pede mais dele. Tenho um pensamento cruel e rastejo por um caminho duvidoso, não era assim tão experiente quando se tratava de sexo, mas os outros caras, o número simbólico de homens para os quais havia tirado a roupa, não costumavam ficar naquela situação tão rápido assim.
Alguns corpos são diferentes. Eu penso. Mas talvez ele se sinta assim por minha causa.
Deslizo os dedos para dentro do tecido e ele assiste a ação, ansioso e assim que toco-o, Jungkook fecha os olhos devagar, parece ajustar suas pupilas a um excesso incômodo de claridade direcionada, as sobrancelhas franzidas me fazem querer tocá-las também, aliviar aquela tensão no centro de sua testa.
Ele suspira alto, o queixo despenca para baixo suavemente, antes de seu lábio inferior ser cruelmente maltratado pela sequência de mordidas. Seus dedos pressionam o tecido do sofá com uma rigidez incomum, deixando a marca de sua mão ali. Pobre estofado!
— Você... — ofeguei, precisava me concentrar, forçar minha voz a sair sem um gemido patético só por vê-lo daquele jeito, tão envolvido — Você quer que eu...pare?
Ele fez que não com a cabeça, mesmo que eu conseguisse sentir o seu pré-gozo escorrendo entre os meus dedos, pelo dorso de minha mão.
— Desculpa, é que já faz um tempo... — Ele suspira outra vez, movendo o quadril contra os meus dedos — E... é diferente com você... — Um gemido baixinho escapa da sua garganta.
Ele se curva para baixo, contraindo os músculos dos braços, sua mão sustenta meu rosto entre os dedos, seu polegar pressionando firme minha bochecha e então, me beija de novo. Minha visão parece turva, afetada. Queria dizer que consigo me desvincular disso tudo quando for embora, matarei seu fantasma e seguirei livre
— Sei exatamente o que quer dizer. — Sussurro. — Nada é assim pra mim.
Ele entrelaça seus dedos nos meus, pressionando firme sua a pele contra a minha.
— Você ainda sente amor? — pergunto, com medo de que tivéssemos perdido aquele elo de antes — Ainda sente amor comigo?
Seu olhar pensativo analisa meu rosto, antes de depositar beijinhos na bochecha, nariz e testa me fazendo fechar os olhos outra vez. Não queria parecer tão afetada de imediato, mas esse pensamento só me ocorre ali, quando estou seminua, por baixo dele, no processo mais excruciantemente delicioso de algum tipo de perdão pessoal. Para minha surpresa, não sou atingida por nenhum raio de culpa, de arrependimento ou incerteza. Sem a sombra de um garoto que havia criado em minha cabeça, sem o fantasma de uma ex-namorada, sem Choi, sem Dong-Yul, sem meus medos, sem um fórum patético me fazendo de piada, sem as nossas tristezas profundas entrelaçando-se uma na outra.
Por tanto tempo eu quis isso.
Somente sentir amor. Somente me sentir amada. Era sobre aquele garoto. O estranho me encarando na biblioteca ao me oferecer um curso exorbitante. Mal-humorado em nossos almoços de quinta-feira e no meio de um acordo mal sucedido, com o cabelo longo e bagunçado por baixo de um capuz patético. O mesmo com o rosto pintado como uma estrela do rock em algum Halloween passado, aquele para o qual eu falei eu te amo pela primeira vez. Também o mesmo que pedi, tão profundamente, que nunca mais falasse comigo, mas somente da boca para fora. Era Jeon Jungkook, o tempo todo.
Queria saber tudo sobre como conquistar esse garoto e acho que, no fim das contas, havia encontrado todas as dicas.
— Nunca senti nada diferente disso. —
No fim das contas, percebo por um viés oposto que somos dois extremos, espectros em pontas diferentes que são impossíveis de equilibrar, já entendi que só cheguei a odiar Jungkook em um começo sincero porque no fundo o queria muito mais do que estava apta a ter, porque era incapaz de absorver o sentimento até a última gota. Ou pior, fui deixando que ele ficasse, em cada lugar, cada canto, aresta, curva, vírgula e gosto, eternizando-o em algum lugar que não devo, como uma espécie de maldição transcrita que será lida em voz alta, sumonando-o de volta a novos tempos, onde essa carcaça humana não existirá mais, mas a fortaleza e história do que senti ainda existirá para assombrar os pedaços de mim que ainda o amam, espalhados em filhas, netas e descendência. E daqui eu vejo minha alma se partindo em duas, enquanto uma insiste em ficar e esperar pacientemente com algum tipo de fé cega que as peças se ajustem paciente tem aos seus devidos lugares, como um jogo de cartas marcadas, dados viciosos, insistentes em seus resultados idênticos, desejando somente ele, feito uma promessa de vida.
E cada vez que preencho meu mundo com um pouco mais dele, como se ao menos sua imensidão fosse capaz de colidir com a minha, deixo que me tenha inteira: desde a minha voz, às cicatrizes na minha pele, às pintas espalhadas entre boca, cintura, coxa e calcanhar, devotamente amadas por sua maldita boca.. A textura do meu cabelo, o meu beijo, o som de um "eu te amo" e vou me condenando um pouco mais. Às vezes penso que se me fragmentar em milhares de pedaços e me remontar outra vez, como malditas peças de um lego, vou acabar descobrindo o disfarce que esconde o componente roubado, o troféu que ele carrega ao redor do pescoço, de que fui dele e nunca serei completa porque de alguma forma, eu continuo sendo.
Acho que me amaldiçoei para sempre quando o deixei ficar. A regra é sempre clara, mas acho que ele sabe melhor do que ninguém, eu nunca fui do tipo que gosta de segui-las.
Ele se move devagar no sofá, tocando a base de sua calça de pijama com listras bicolores, puxando-a para baixo. A etiqueta da Emporio Armani bordada ao lado do bolso me causou uma vontade estranha de rir pelo choque. Puta merda, até o pijama dele valia uma pequena fortuna!
Foco, Eleanor. Foco!
— Está com pressa? — Ele perguntou, enquanto eu continuava observando sua ação lentamente, até que a calça fosse outra no meio do amontoado de peças no chão do quarto — Não deveria estar.
— Por quê? — Meus olhos acompanhava seus movimentos como se pudesse prever o que seria feito em seguida, me preparar antecipadamente para não ser pega desprevenida.
— Porque... — ele riu, desta vez, enquanto tocava o scrunchie atando meu cabelo em um nó no topo da cabeça enroscando em seu pulso, fazendo com que uma camada pesada de fios desgrenhados despencassem em meus ombros, mantendo a boca colada ao meu ouvido — Eu nunca me satisfaço com um pouquinho só de você, — Virei a cabeça minimamente, vendo apenas sua boca quase tocando a minha. — Hoje vou dar tudo que você precisa...
Fiz que sim com a cabeça, enquanto ele erguia uma de minhas pernas até a altura do seu ombro, livrando-se de uma meia, seguido de um beijo doce em meu tornozelo, e então, do outro solitário par.
Estava prestes a desmaiar e poderia exemplificar os motivos em uma lista extensa, as causas estariam descritas ali, entre o seu sorriso sacana, as pontas do seu cabelo raspando contra minha pele nua cada vez que ele prolongava o caminho dos seus beijos, indo até uma zona perigosa e então, recomeçando o processo por pura provocação. Seus dedos enroscados no elástico de minha calcinha, puxando-a, de leve para cima, fazendo com o algodão fino marcasse o ponto em que precisava ser tocada, enquanto seu pau ainda coberto pelo tecido de sua cueca esbarrasse ali, deslizando devagarinho em mim de um jeito gostoso.
Morreria se ele continuasse me provocando daquele jeito.
Enfiei meus dedos entre os seus cabelos, precisava me agarrar a algo tangível, Jungkook soltou um gemido baixinho quando toquei seus lábios de novo, sentindo a minha língua se enroscar na sua, e em um movimento rápido, que fez minha cabeça rodopiar, me puxou para o seu colo, afastando meu cabelo para trás do ombro.
— Vem cá, vem, gostosa. — Ele tocou meu mamilo, primeiro com a língua, e então a ponta metalizada do seu piercing deslizou para cima e para baixo, me fazendo ver estrelas. — Você precisa ter calma comigo, — respirei fundo — estou desacostumada com isso... — Jungkook fechou os olhos, contornando meu seio com os lábios, me engolindo inteira, enquanto as mãos moviam meu quadril contra ele, para frente e então, para trás, de mansinho.
Ele continua observando a própria ação de movimentar meu quadril, roçando de um jeito gostoso em seu colo, os lábios úmidos, ainda com resquícios de batom vermelho e os olhos, que já tinham perdido seu brilho inocente, dando lugar àquela vastidão escura que aparecia quando suas vontades dominavam seu corpo inteiro.
— Gatinha, tira essa calcinha pra mim, — ele cochichou contra o meu ouvido — Me deixa assistir...
Minha perna bambeou quando meu pé tocou firme o chão, meus músculos pareciam feitos de papel dobrável, inertes, incapazes de sustentar minha firmeza. Estava eclipsando a luz da TV e diante dele, recostado contra o sofá branco, em sua dimensão física agigantada, passou as mãos contra os cabelos, afastando-o do rosto, antes de tocar o elástico da cueca preta e puxá-la para baixo, afastando as pernas para deslizar a mão contra o próprio caralho mantendo os olhos vidrados em mim.
— Tira vai... — Sussurrou.
Meus olhos captaram cada detalhe do corpo aveludado e nu de Jungkook. Desde sua boca bonita até os contornos visíveis do seu peitoral, com as duas pequenas peças metálicas brilhando contra a luz, descendo pelo seu umbigo, até a virilha coberta de pêlos escuros em gradações de tons e nuances que acentuam as sombras de seu corpo; — a ferocidade habitual dando lugar a um Jungkook manso, suave e dócil, mas ainda assim, perigoso, que me fazia acatar ordens sem questioná-las —, e suas pernas torneadas, de pele tão firme, pintadas pela Ta-Moko que agora estava completa outra vez.
Senti um impulso de tocá-la.
Os dedos sustentaram a base da pequena calcinha cor-de-rosa colada ao corpo, antes de passá-la entre as coxas, devagar. Os olhos de Jungkook acompanhavam, extasiados, os meus movimentos mínimos, apertando firme o pau entre os dedos na tentativa de aliviar a sensação pulsante. Meu corpo inteiro reagiu à cena, nunca tinha visto nada tão bonito em toda a minha vida.
— Você é perfeita, puta merda... — Murmurou.
Tudo parecia sufocante e insuportavelmente quente, senti as gotas de suor escorrerem em minhas costas, se acumulando na superfície úmida do meu bumbum, o incômodo pegajoso entre minhas coxas parecia não ter sido aliviado nem mesmo pela nudez. E sabia que aquele não era bem o antídoto para me livrar da sensação.
Jungkook esticou a mão livre em minha direção e dei apenas um passo adiante até encontrá-lo ali, tocando a ponta dos meus dedos, tão quentes quanto os seus e lentamente, levou minha mão até sua boca, deixando um beijo marcado em seu dorso.
Meu joelho dobrado pesou contra o estofado, minha perna se acomodou ao lado do seu quadril como uma peça em seus ajustes corretos, os braços dele presos ao meu redor como um torniquete, a sensação da sua pele contra a minha era excessivamente prazerosa.
Se o seu toque era capaz de dizer mil vezes eu te amo, então, imploraria para que me tocasse agora. Continue me tocando para sempre, Jungkook.
— Você ainda gosta daquele jeito? — Ele pergunta, deixando uma trilha de beijos em minha barriga. — Deixa eu refrescar sua memória...
A pergunta dança em minha cabeça, as palavras passeiam por dentro de mim, se tornam um borrão e desaparecem. Lembro que era gostoso, lento, quente e muito molhado. Lembro que mal suportava olhá-lo daquele jeito, de olhos fechados, me devorando, repousando a cabeça entre minhas coxas. Da textura do seu cabelo entre os meus dedos e do quanto era bom. Do quanto ele fazia tudo ser delicioso.
— Me deixa te chupar daquele jeito de novo? — Ele apoiou a boca contra a minha barriga de novo, deslizando a língua na pele sensível, um arrepio correu meu corpo inteiro.
Assenti.
Ergui a perna, apoiando o pé contra o encosto do sofá enquanto ele assistia com os olhos voltados para cima, fixos nos meus, me atravessando de dentro para fora. Manteve as costas confortáveis contra as almofadas, uma de suas mãos enroscada por trás de minhas pernas, segurando firme meu quadril; seu polegar muito bem encaixados ali, nos ossos proeminentes.
Jungkook tocou minha coxa, bem diante do rosto dele, deixando um beijo marcado na parte interna da pele. Um arrepio correu pela minha espinha dorsal, antes de jogar a cabeça para trás, os cabelos despencando para longe do rosto, emoldurando-o como um halo divino.
— Acho que ainda lembro de como você gostava de sentir minha boca aqui. — Sua respiração quente tocou a minha carne ultrassensível.
Ele deslizou os dedos contra mim, afastando os meus lábios antes da sua língua, macia e aveludada, lamber exatamente o lugar onde mais precisava ser tocada. Puta que pariu!
Para cima e para para baixo, com a ponta metálica do criminoso piercing. E então, com a boca inteira, me chupando de um jeito gostoso e suave ao ponto de me fazer ver estrelas. Precisei de mais apoio do que um maldito joelho abraçado por um estofado branco, precisava me agarrar a algo tangível, à realidade. Jungkook soltou um suspiro suave, antes de desprender os lábios de mim, em uma melodia de sons molhados excessivamente erótica.
— Sou viciado pra caralho no seu gosto, gatinha. — Ele fechou os olhos antes de me provar de novo, sua língua indo muito mais longe desta vez; conseguia sentir sua saliva escorrendo para lugares mais distantes do ponto de sua atenção extrema, enquanto sua cabeça se curvava para o lado, e sua língua friccionar em um ponto capaz de me fazer desmaiar. Ele soltou um gemido abafado que reverberou pelo corpo como um acorde em uma velha guitarra.
Mordisquei minha própria mão, contendo qualquer som.
Jungkook mantinha uma das mãos espalmada contra a minha bunda, em um aperto tão firme que não me deixava escapar dele, enquanto a outra masturbava o próprio pau em um ritmo mais lento e satisfatório. Não conseguia ver a cena, mas observava a movimentação sensual do seu braço, subindo e então descendo outra vez, a expressão prazerosa de olhos fechados, que se abriam somente de relance, para olhar fixamente para mim, até suas pupilas rolarem para cima outra vez.
Sabia que não suportaria muito mais disso, nos últimos anos não estive nem perto de sentir uma sensação parecida.
Sua boca parecia o mais perto do céu que estava destinada a chegar.
Mas eu queria mais.
Eu queria tudo.
— Jun, — Minha respiração ofegante já indicava que meio caminho havia sido andado, era tola o suficiente para ser afetada triplamente por tudo que o envolvia, hiperexcitada somente pelo que via, ouvia, imaginava e sentia, da forma mais deliciosa possível. — Eu... eu preciso que você pare agora. — Toquei seus cabelos e ele levou meio segundo até compreender a mensagem, se desprendendo de mim lentamente.
— Fiz algo que você não -
A frase morre em um protesto interrompido, assim, pela metade, porque puxo Jungkook para minha boca de novo, não havia tempo a perder, não queria mais ter que esperar, queria ele aqui, agora, me tocando. Sua pele tão odiosamente quente, morna como um raio de sol penetrando pele em um dia ensolarado; estava bêbada de tesão.
Já faz tanto tempo desde a última vez.
— Jungkook, — cochicho contra sua boca e vejo seus olhos abrirem outra vez, surpresos
— Eu quero que você me foda.
Senti algo dentro dele explodir, como uma resistência que precisava ser rompida por um gatilho. Nunca havia dito isso para ninguém, em voz alta, nunca havia suplicado por algo como parecia desejar tanto aquilo.
— Me diz como você quer... — Ele mordiscou meu queixo, mantendo os olhos presos em meus movimentos mínimos.
— Da forma mais gostosa que você puder... — A sugestão dançou entre nós, ele era experiente o suficiente para que aquilo fosse fácil, simples de me oferecer.
— É isso que quer? — Ele segurou meu rosto entre os dedos quentes — Tem certeza?
Fiz que sim com a cabeça.
O desenrolar da noite pareceu gradativamente mais infernal, quente e úmido. Deliberadamente mais intenso do que antes. Como uma retração automática no ar.
Jungkook me beijou como se estivesse faminto.
Seus dedos se enroscaram em minha nuca e mal conseguia manter meus olhos abertos, havia algum tipo de transe hipnótico cada vez que era tocada, em qualquer vestígio de pele. Me ergueu em seu colo com ajuda de apenas um braço, enquanto o outro me mantinha perto de sua boca, guiando nós dois em passos automáticos até a cama.
— Você sabe que te respeito, não é? — ele sussurrou contra a minha boca. — Jamais te machucaria.
— Eu sei. — ri, antes de beijá-lo — Eu sei que sim.
— É que tô prestes a foder você sem respeito algum agora. — Sussurrou.
O tecido branco da colcha foi bagunçado pelo mesmo furacão que havia deixado os destroços dentro daquele quarto, sem nome, referência ou previsão. Jungkook beijou minha nuca, enquanto seus dedos traçaram uma rota gostosa me tocando por dentro; sentia a pressão do seu abdômen contra as minhas costas, a firmeza das suas coxas tocando as minhas, como um suporte para a fragilidade de um corpo que mal conseguia se manter de pé.
— Fica de quatro pra mim, uh... — A confissão desconexa percorreu cada fibra da minha carne, cada poro, cada célula. — Isso não é um pedido, gatinha...
Meu corpo inteiro pareceu obedecer a ordem de imediato, curvando-se para frente, com os cotovelos apoiados contra a cama. A mão áspera de Jungkook deslizou pelas minhas costas até o bumbum. Não conseguia verbalizar uma palavra pronta, uma frase que fizesse algum tipo de sentido além de um patético som que parecia ser emitido a cada vez que tentava abrir a boca.
— Quero que diga o quanto quer isso. — Ele continuou me masturbando, mantendo a outra mão agarrada em minha bunda. — Você quer isso, não quer?
Respirei fundo, ainda trêmula. Suas mãos deslizaram pelas minhas costelas, me mantendo ainda mais perto.
— Eu quero. Eu quero muito.
Ele sorriu, antes de sugar meu lábio inferior para dentro de sua boca, em um processo provocante e lento. Era difícil acompanhá-lo em seu ritmo próprio, seu excesso de vigor, do tipo que não cansava fácil e quase nunca era saciado com pouco. Nessas horas não sabia ler os sinais do seu corpo, saber o que estava pensando, mas gostava de imaginar o que passava por sua mente quando estava comigo.
— Senti saudades de fazer isso... — Meu coração batia forte. Tum, tum, tum. Em todo lugar. Contra as orelhas, no peito, no meu ventre, como se uma espécie de salvação extra passeasse pelo corpo para me manter viva, atenta. Ainda sentindo. — De te foder assim, por trás.
Não era bem o que tinha em mente quando decidi trazê-lo até aqui. Nossa conversa nunca deveria ter parado nesse lugar perigoso. É inesperado, mas necessário. Como cada movimento mínimo que resultou nisso aqui.
— Leanor — Ele sussurrou, antes de me curvar de volta até a posição inicial. — Eu te amo.
Jungkook tocou o próprio pau, massageando contra a palma da sua mão, as veias proeminentes controlando um fluxo de sangue muito maior, agitado e pronto para se transformar em outra coisa, conseguia ver o líquido pré-seminal escorrendo entre os dedos, a linha úmida abaixo do seu umbigo que corria para baixo, como se antecipasse a sensação que não era inédita, mas hoje, agora, parecia completamente nova.
Ele penetrou fundo. Sem nenhuma misericórdia.
Ainda era quente como eu lembrava. Meu ventre esquentou com a fricção dele dentro de mim, um fogo que consumia os ossos e queimava a garganta. Agarrei os lençóis como uma espécie de salvação, conseguia ouvir meus suspiros reverberando pelo quarto, sentindo o choque dos seus quadris contra o meu bumbum, sua pele quente se chocando contra a minha.
Tento olhá-lo de relance por cima do ombro.
Vejo somente um fragmento de sua postura, os cabelos cobrindo os olhos, os quadris se movimentando em um vai e vem que me deixa tonta, a cabeça jogada para frente. A cena inteira é tão sensual que é quase insuportável assistir, mas quero memorizar aquilo, aquela imagem dele me comendo por trás.
Levaria aquela memória para o túmulo comigo.
— Eu acho que posso morrer só de te foder desse jeito... — Ele geme baixinho, a mão passeando em minha cintura — Eu quero te comer assim amanhã e depois de amanhã e depois e...
Sua mão se enrosca em meus cabelos, puxando de leve para trás, mas não dói, nada é capaz de me ferir, existe uma delicadeza em cada pequena atitude de Jungkook, até mesmo quando ele é assim, obstinado.
Mas era torturante, de todo modo, não existia outra palavra para descrever aquilo: uma tortura autoimposta, deliberadamente aceita. Assim como o formigamento gostoso que antecipava um ápice correndo por dentro, em uma linha de fogo que atava meu corpo inteiro em um nó nas mãos dele, brincando com as malditas cordas; e cada movimento mínimo era acompanhado de uma sensação febril e tortuosamente mais gostosa.
— Todos os dias? — Minha respiração escassa não me deixava pensar com clareza, as palavras se tornavam dispositivos soltos, sem propósito, sem coerência.
— É, todos os dias. — Ele gemeu, metendo com ainda mais força — Eu posso?
Tento alcançá-lo com a mão e sinto seus dedos em minha cintura, entrelaço aos meus para senti-lo mais perto. Minha sanidade está tão perto de ser rompida que posso senti-la partindo.
Fiz que sim com a cabeça.
— Eu sou sua, sabia disso? Eu sempre fui.
— Puta que pariu, — Soa voz soa um pouco mais distante, desconectada da minha zona própria de prazer, consigo ouvir os meus próprios gemidos, muito mais altos dessa vez.
— Sua boceta tá tão gostosa que eu tô quase... — Ele me puxou para perto, mantendo meu corpo colado ao seu — Você fica tão gostosa assim que é insuportável pra caralho.
Mal conseguia manter os olhos abertos pela intensidade com a qual seu quadril se chocava contra o meu, mas precisava beijá-lo, sentir o cheiro dele, olhá-lo nos olhos.
Precisava, precisava, precisava.
Ou morreria.
Ele sabia disso, de alguma forma parecia entender minhas necessidades silenciosamente.
— Vem, deixa eu te foder de ladinho — Ele cochichou entre risinhos em minha orelha, sua respiração ofegante era um som diabólico, perigoso, infernal. Sua franja bonitinha estava úmida, colada à testa, os cabelos no meio de uma bagunça sensual e úmida e ainda estava dentro de mim, conseguia senti-lo pulsar forte. Algo sobre ele estava diferente,
— Assim eu consigo te beijar e, — ele riu outra vez, por pura provocação — Te comer assim, do jeito que você quer, não é?
Meu rosto tocou o travesseiro, antes de sua mão envolver minha cintura deslizando até o quadril, a quentura febril dele tão perto de mim era quase alucinógena, as nuances de cor continuavam surgindo sempre que fechava os olhos. Ele suspirou profundamente contra minha orelha, a quentura tocando meu pescoço, quando ele se moveu dentro de mim de novo.
— Não é?
É necessário fechar as pálpebras para reajustar meus sentimentos pulsando aqui dentro, com as unhas fincadas na coxa dele, subindo pela lateral do seu quadril, tocando as linhas da nova tatuagem recém descoberta, sentindo a textura macia da sua pele antes de afundar os dedos em na carne de seu bumbum bonito.
Ele gemeu.
Por Deus, como senti falta disso!
— Quando você faz assim, — ofegou alto, de olhos fechados — Parece que me quer inteiro dentro de você.
— É que você é tão gostoso que.... — Estou movendo os quadris devagar, acompanhando seu ritmo, colidindo contra ele, que se curva para frente na tentativa de alcançar minha boca. Chupo seus lábios devagar e ele solta um gemido baixinho. — Eu quero sentir tudo de uma vez, ao mesmo tempo.
Sua respiração ofegante contra meu pescoço faz o calor entre nós ser quase totalmente sufocante.
— Eu tô quase, gatinha... — Seus gemidos em meu ouvido me instigam a mover o corpo mais rápido, deixá-lo ir mais fundo. — Me deixa te assistir. — Ele me beijou devagar de novo.
Sentia meus próprios espasmos, meu corpo abrindo e fechando, ansiando por ele, de novo, se ele me tocasse com um pouco mais de ritmo, mesmo que sem querer, eu gozaria fácil.
Jungkook leva só um segundo para ficar por cima, com o cabelo pendendo sob o meu rosto outra vez e enfiando-se lentamente dentro de mim de novo.
A sensação ainda era viciante.
De olhos bem abertos, eu conseguia vê-lo; ofegante, molhado de suor, metendo fundo.
Enquanto ele observava sua própria movimentação lá embaixo, entrando e saindo.
Eu precisava beijá-lo.
Eu precisava manter minha boca na dele.
Precisava aliviar a saudade, a sensação quente se alastrando por dentro, crescente, firme, infernal, a ponto de explodir e me partir ao meio. Eu quero senti-lo aqui, em todo lugar.
Fechei os olhos por um momento, tentando me controlar ao máximo, Jungkook gemia alto.
— Estou me segurando pra você, gatinha. — Ele suspirou, os olhos fechados, as palavras quase ininteligíveis.
Ergui o corpo para cima, tocando seu rosto, no meio da cama de cabelos que pendia para frente. Movi os quadris contra ele, a boca presa em sua boca.
Estava tão perto que mal conseguia verbalizar uma palavra que fizesse sentido. Sua língua dançou na minha boca, seu maldito piercing raspando contra o meu lábio.
Como era bom fazer aquilo com Jungkook!
Ser sua.
Tê-lo só para mim.
Conseguia ouvir seus gemidos tremulando meus lábios, as sobrancelhas franzidas, as mãos atadas à minha cintura, com mais e mais força.
Então de novo, e de novo, de novo, de novo.
E então...
A cabeça pendeu para trás, a respiração ofegante.
Eu sinto o que ele sente, eu sou o que ele é.
— Tá gostoso, não é? Puta merda! Assim está bom, meu amor? Diz pra mim... — Ele sussurra, com as palavras perdendo força na boca.
O orgasmo me atinge com tanta força que sequer consigo manter o meu corpo firme, a sensação se prolonga mais do que estava acostumada e preciso me manter pairando entre duas realidades diferentes, substituídas, invertidas, onde não posso ser nada além de sua.
Os olhos dele, nebulosos de tanto prazer, mal conseguem me encontrar em seu foco embaçado. Sinto seu corpo derreter dentro do meu, tão quente que a sensação é insuportável, vibrante e febril. O som brutal de sua voz ecoando pelo quarto me deixa tonta de amor.
Sinto vontade de chorar somente por olhá-lo assim de novo.
Não suportaria que isso se encerrasse aqui.
— Eu te amo, gatinha... — Ele sorri, de olhos fechados, deixando a cabeça descansar em minha barriga. — Eu te amo.
Beijo a ponta dos seus dedos e observo seus olhos sonolentos, que me olham, amorosamente, de volta.
E dessa vez, não tenho mais medo.
—
#ClãCCEG
Este capítulo é dedicado a Jennynha, a Vit Abreu e a Amannda!
N/A: Eita como perdoa essa Eleanor!
Ah, gente, como esse capítulo foi trabalhoso! Mas sinto que a primeira camada das emoções dos dois já foram ali, trabalhadas. A sessão terapia desses dois tá só no começo, principalmente porque conversas fluem como ondas, o primeiro impacto precisa ser absorvido para que venham as próximas marés, e como sabemos, tanto o Taminha quanto a Eleanor passaram por situações complicadas, então expressar de forma clara o resultado de tudo isso, nunca é fácil.
O amor requer esforço!
Quis respeitar os limites dos personagens, o ritmo da história e é claro, suas identidades. Não poderia ser infiel a versão que os criou. O modo como eles conseguem se perceber melhor é quando eles podem aproveitar esse tempo um com o outro, então ainda tem bastante coisa para rolar aí!
Bem, peço que me perdoem por qualquer possível errinho, já sabem né? Eu escrevo, edito e reviso, então é muito trabalho para uma autora (centralizadora) sozinha dar conta. Durante a semana, faço uma segunda leitura para ajustar esses pequenos pontos.
Caso alguma parte do capítulo esteja faltando, corre o risco de ser por conta da própria plataforma, então já fica o aviso, ok?
Não tenho previsão para a próxima atualização de Como Conquistar Esse Garoto, até porque durante as próximas semanas estarei focada em Badlands.
Espero que vocês tenham gostado e até a próxima!
Com carinho e muito cansaço!
— Sô!
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