20. Indecifrável, incorrigível, irredutível.
Às vezes eu sentia medo. Um medo gigantesco e disforme que tomava forma no escuro e outra vez, eu era só uma menininha assustada enfiada nos cobertores de uma cama de solteiro na casa nova enquanto o mundo lá fora parecia sombrio e ameaçador. Em um segundo estou ali, e no outro, tenho doze anos e estou perdida no meio de Busan, sem saber uma única palavra em coreano.
Os olhos mirando a direção que mamãe estava um segundo atrás, quando me distraí para ver peixinhos azuis e dourados em um aquário suspenso e retornei para chamá-la, no meio de um infinito de rostos desconhecidos, sem encontrá-la. Aquele primeiro segundo do reconhecimento solitário foi o mais assustador; olhar para trás e não vê-la em lugar nenhum, ter consciência de que eu não poderia recorrer a ninguém. Era uma memória antiga, mas ainda tão marcante.
Meus pés tropeçando na areia fofa, correndo em direção a praia de Gwangalli e chorando na areia, achando que ficaria sozinha para sempre.
Não consigo me lembrar direito do rosto do garoto, mas lembro de sua mão tocando meu ombro com delicadeza, seu inglês com sotaque engraçado em perguntas confusas.
— Está perdida? — ele perguntou, ajoelhando-se ao meu lado. Ouvir alguém falar o mesmo idioma que eu foi tão reconfortante quanto assustador. — Você entende o que eu digo?
Fiz que sim com a cabeça. Não conseguia verbalizar respostas para suas perguntas com honestidade, rasgada pelo soluço do meu choro amedrontado. Mas lembro dos detalhes; sua camiseta azul, das marcações numéricas no tecido, das suas pulseiras com contas de japamala enroscada no pulso, do seu bronzeado californiano em plena Busan e principalmente do seu mullet moderno.
— Eu não sei para onde minha mãe foi. — disse, com algum esforço.
— Tudo bem, podemos chamá-la pelo rádio da feira, como ela se chama? — Tentei limpar as lágrimas com as costas das mãos, a textura áspera arranhava o nariz. Os dedos estavam cheios de band-aids coloridos que River havia me dado de presente de sua coleção pessoal intocável, com a mudança para a Coreia, fez de tudo para não me ver triste, abriu mão até mesmo do que mais amava. Era do seu instinto, de sua natureza, abrir mão de qualquer coisa para me ver feliz.
— Ra-Rainbow.
— Rarainbow?
— Rainbow. Só Rainbow.
Ele esticou a mão, segurando meus dedos entre os dele.
— Vou ficar com você até ela chegar, não precisa ficar com medo. — Seu rosto infantil se aproximou do meu; os contornos tão delicados, olhos brilhantes, os dentes frontais proeminentes por cima do lábio inferior, era como uma espécie de cartoon animado.
— Não precisa chorar. Não chora, não! — Seus dedos limparam as lágrimas escorrendo em minha bochecha. — Sua eomma deve estar procurando você também!
Usava galochas e tinha uma cesta de conchas amarrada por um cordão, atado ao ombro. Um grupo de pessoas estava reunido a leste da praia, podia ouvir as risadas e a despreocupação do grupo enquanto as crianças brincavam. Ele apontou na direção das pessoas reunidas e disse: — Meus pais estão ali, se algo acontecer, podemos te levar em casa. Adultos sabem sempre o que fazer!
Naquele tempo ainda tinha medo do mundo; tudo causava pânico à minha sensibilidade, acabava afetada pelos meus entornos, meus sentimentos se somavam em algum resultado ruim no corpo. Estava acostumada a estar relutante quanto às mudanças, e não queria ir embora para um lugar onde eu seria a menina de fora como um título exclusivo cedido somente a mim.
Ele coletou a concha esbranquiçada na cesta, — a mais bonita entre todas — e colocou na cavidade de minha mão.
— Toma, é pra você! Sempre que sentir medo, aperte a concha dentro da mão. É um botão mágico, ela vai te levar pra onde você quiser. Para sua casa ou ao lugar que mais gosta. E você pode vir me ver caso se sinta sozinha.
Senti a textura da concha contra a palma apertada como uma flor até o seu formato octagonal ficar decalcado na pele.
— E se você não lembrar mais de quem eu sou?
O garoto sorriu, os olhos pareciam dois peixinhos mergulhados em linhas horizontais de um rosto infantil.
— Eu nunca vi ninguém com um cabelo igual ao seu. É um cabelo de mar super daora, não acho que vou me esquecer disso! — ele sorriu — Eu vou lembrar, eu prometo! — beijou a concha gêmea resgatada da cesta, deixando um traço de areia no canto do lábio.
Apertei seus dedos com toda força, um arrepio esquisito correu o corpo inteiro. Sentiria aquela mesma sensação somente anos mais tarde, já crescida, de mãos dadas com um estranho que viria a chamar de namorado. Mas ali, entre todos os lugares do mundo, naquele ponto imóvel, nas mãos de um menino, eu estava segura. Foi a primeira vez que me senti à salvo em minha própria pele, dentro daquela cidade estranha, de um país desconhecido onde eu começaria minha vida e fincaria meus pés.
Nos autofalantes da feira, o homem com chapéu de pescador improvisou um inglês quebrado e anunciou que eu estava ali, ao lado da barraca de peixe frito.
Mamãe apareceu, desesperada, correndo com sacolas de mercado batendo contra as panturrilhas, tão atemorizada que não conseguia falar uma palavra, só me abraçou, chorosa, beijando meu rosto repetidas vezes. Sentiu-se culpada por dias.
E assim eu me despedi do garoto que nunca tive a chance de saber o nome, — o garoto da concha mágica, como o chamava. Já adulta, eu tinha apenas um fragmento da concha quebrada, — pelo uso excessivo, a necessidade de recorrer ao meu lugar seguro, a força de minha mão de mulher, dos problemas de gente grande que romperam algo precioso —, que ele havia me dado. Mantinha o pedaço escondido em uma gaveta de calcinhas e volta e meia, me pegava indo até lá. E às vezes eu sonhava com o garoto. Seu rosto era somente uma luz sem formato, um raio-de-sol, um fragmento da Gwangalli de céu azul onírico.
Até descobrir, dez anos depois, que a concha quebrada do garoto mágico e as pecinhas faltantes no meu coração partido, pertenciam ao mesmo enigmático dono.
Foi logo na volta de nossa viagem de Busan, na semana dos desastres anunciados, antes de tudo se romper como castelos no ar. Na semana do retorno de Jieun, após o fim de semana feliz, das infinitas vezes que fizemos amor, escondidos em algum lugar, descobri o inexplicável entrelace do nosso destino. Era uma memória secreta, até então nunca revelada para ninguém, assim como aquela noite e as proporções dela. E tudo que não machucava, mas se mostrava excessivamente feliz ao ponto de parecer perigoso. Não estava acostumada aos bons excessos e a balança natural do pensamento já me alertava sobre o risco; algo muito ruim aconteceria em breve.
Soava como um eufemismo barato falar que aquele silêncio que antecipava sua vinda não me deixava com um frio na barriga. Quando estávamos sozinhos nossos sentimentos falavam mais alto, em uma linguagem própria, conversavam sem que precisássemos abrir a boca, na maioria das vezes, elas estavam ocupadas com qualquer outra tarefa laboriosa. O corpo inteiro reconhecia a rota, a recordação do toque em minha memória muscular. As luzes do seu quarto, que ainda era o mesmo da primeira vez, estavam desligadas, a luminária neon de cacto projetada no teto enquanto ele deslizava pela cama, engatinhando vagarosamente pelo colchão, como se eu fosse uma presa encurralada, abraçada aos joelhos.
A quentura que começava nos lábios se alastrava pelo corpo, uma centelha de vontade que me fazia pensar que poderia morrer se ele não me tocasse naquele milésimo de segundo; era um ímã a sua procura, no encalço de sua polaridade, como se sua mão fosse apenas uma extensão de minha própria pele.
— O que quer fazer hoje? — ele perguntou. Tinha acabado de sair do banho, o cheiro inebriando às narinas, usava uma camiseta preta com alguma logomarca minúscula centralizada no peito, entre os músculos prementes no tecido, esmagando o símbolo.
A bermuda de boxeador que deixava o desenho de sua ta moko à mostra nivelado na pele. Uma visão bonita. Eu pensava. Um tanto tentadora. Uma espécie de afronta pessoal diretamente em um ponto fraco que ele havia descoberto em uma incursão minuciosa dentro de mim. Sabia bem como provocar o meu pior. Caras de cabelo longo e passado trágico me tiravam do eixo.
Os dedos tocaram os fios úmidos, puxando-os para longe do rosto quando se aproximou um pouco mais de mim, encolhida na cama. Jungkook era sensual sem esforços. A curva da sua mandíbula, a ponta do nariz, os olhos, a boca bonita. Às vezes só queria mandá-lo ao Inferno.
— Não tem nenhum filme cult para assistirmos hoje? — A pergunta era somente uma desculpa barata, fajuta, como as minhas tentativas de parecer fora da curva, um pouco menos entregue, quando sabia exatamente o que queria ali.
— Tenho alguns no meu computador, posso dar uma olhada. — Ele caminhou até o dispositivo, puxando a cadeira com rodinhas que ainda provocavam um barulho ruidoso no piso amadeirado, as luzes oscilando em ciano, azul e verde acenderam, a tela clareou o quarto.
— Eu tenho... À Bout de souffle, do Godard. Rocky Horror Picture Show, do Sharman e Quero Ser John Malkovich. Qual quer ver?
Me estiquei contra seu ombro, observando a lista extensa de filmes dispostos.
— Tem bem mais que três aí, seu sacana! — resmunguei.
— É que são todos um saco, gatinha. Muita gente analisando a vida de uma perspectiva filosófica e essas paradas meio merda para uma segunda à noite — Jungkook afastou cadeira, se movendo com leveza — Mas vem cá, senta aqui. — Ele bateu a mão contra a coxa. — Não vamos assistir nada, vamos só conversar hoje. Gosto quando você tá pertinho. — Suas mãos tocaram meu quadril, ajustando meu corpo em seu colo. Minúscula perto dele.
— Você quer dormir aqui? — Sua pergunta soava como uma intimação velada.
— É segunda-feira, Jeon Jungkook, não dá. — Apoiei os pés ao lado de sua coxa.
— Você pode acordar cedinho amanhã, eu prometo que te acordo... — ele riu. — Com beijinhos — Sorri, como se fosse puro sarcasmo, mas sabia que Jungkook estava falando sério sobre a proposta, não importava o momento, estava disposto sob o pretexto de qualquer situação que envolvesse nós dois.
— E outra, você sabe que isso não é certo, as coisas em Busan foram ótimas, mas...
— Mas?
— Não acha que estamos extrapolando todos os limites?!
Ele continuou me encarando, os dedos subindo e descendo na lateral do meu quadril. Seus olhos, incisivos e difíceis de interpretar, não davam sinais claros do que ele realmente queria dizer. Jungkook deu um sorriso triste.
— Você quer parar? — questionou. Esperei que a paciência dele se esgotasse, talvez me desse por vencida se ele fosse capaz de dar o primeiro passo, não tinha resposta para aquilo porque, de fato, não sabia o que fazer. — Hum?
— Eu não sei, eu só penso que alguém pode acabar machucado. Fizemos um monte de coisas irresponsáveis em Busan.
— Tipo o quê? Aproveitar nosso tempo juntos? Nos divertir? transar? Para mim não tem nada de errado nisso, errado seria fingir que não queríamos de verdade.
Minha frustração parecia ainda mais palpável, Jungkook tinha um ponto. Eu me agarrava à negação como se tivesse a chance de sair ilesa do que havia sido feito antes. Negar, negar, negar até esquecer.
— Ficar comigo tem sido ruim para você? — Sua voz mansa colidiu contra o meu tímpano provocando uma sensação de relaxamento, reconhecimento territorial através do corpo.
— Sabe que não. Sabe que não se trata disso. — Segurei os joelhos, mantendo os olhos fixos nos posters cobrindo a parede.
— Então o que é?
— Não sei dizer. — suspirei — As coisas podem acabar ainda mais complicadas para nós.
Meu medo de nomear os sentimentos chegava ao limite do ridículo, ocultá-los não iria impedir que eles continuassem crescendo de forma silenciosa e que minha necessidade dele parasse imediatamente.
— Não precisa ser assim — ele sussurrou, — Não foge de mim, não, gatinha.
Dei um gole na sua cerveja, apoiada contra a mesa de trabalho. Meu dedo desenhou um círculo delicado com a água proveniente da lata descongelada, escrevi meu nome em hangul, ficando marcado por alguns segundos até desaparecer da superfície.
O ponto é que também não queria me afastar.
— Ok, sobre o que quer falar? — Cortei o assunto sem nenhuma destreza, vulnerável e exposta sobre o que sentia de verdade; claro e óbvio.
— Vamos fazer um jogo de perguntas.
— Ok. — disse — Eu começo: me diz algo ou alguém que você acha secretamente atraente? — Ele tomou outro gole da cerveja, apoiando a lata sobre a mesa, umedeceu os lábios antes de trazer a tona a resposta.
— Hum. Ver você gozar. Eu realmente gosto de assistir. — ele brincou com o lacre de níquel da lata — Falo sério. É bonito pra caralho.
Senti meu rosto esquentar.
— Por quê?
— Porque cada detalhe seu é especial de alguma forma e isso me deixa maluco. — ele riu, suspirando, os olhos fixos nos meus lábios. De novo. — Tudo que você faz me deixa maluco.
Aquela era uma emoção perigosa, o calor centralizado no meu peito sempre terminava direcionado para algum outro lugar, eclodindo desejo para todos os lados. Nunca era um bom sinal.
— Bom, é minha vez agora? — Ainda estava envergonhado pelo comentário feito, apesar da coragem de trazê-lo à tona.
— Uhum.
— Um lugar do qual sente saudade?
— Sinto saudade da casa da vovó em Rhiannon, de ir a Roseville no Verão. Tem uma praia quase deserta por lá, você pode tomar banho sem roupas. Mamãe me contava que uma atriz muito famosa tinha nascido lá e era verdade, tinha uma placa enorme com o nome dela na entrada da cidade. Ela também falou que a conheceu.
— A atriz?
— É! Uma vez, na feira do 4 de Julho. Ela tinha um namorado que gostava muito de ir a Rhiannon visitar nossa casa, a mamãe disse que era o rapaz mais charmoso que ela já tinha visto na vida, ele tinha um Maverick vintage chamado Eleanor por minha causa, acredita? Era uma espécie de padrinho ou algo assim.
Jungkook sorriu.
— E você não lembra dele? — Sua atenção está totalmente voltada para mim, ouvindo o que tenho a dizer.
— Não, eu era uma recém-nascida. Soube depois de adulta que ele gostava de cantar para mim e aparentemente eu adorava. Mas o River lembra bastante dele, ele gostava de levá-lo para a competição de lançamento de pedrinhas.
Jungkook entrelaçou os dedos nos meus, observando as sombras projetadas na parede
— Parece uma lembrança bem bonita.
— Agora você, me conta algo que você nunca contou para ninguém. — Encostei o rosto contra os joelhos, observando sua expressão
— Algo que nunca contei para ninguém... — ele tocou os próprios lábios, sua mania de esfregar as mãos contra a boca, puxar levemente a pele ressecada entre os dentes. — Eu gostei de uma outra garota antes da Jieun, mas eu nunca soube o nome dela.
— Como isso é possível?
— É meio maluco. Uma vez eu estava na praia com os meus pais, eu tinha por volta de dez ou onze anos, estávamos catando conchas para montar a decoração da varanda da casa, precisávamos de muitas conchas e foi um domingo divertido. Passamos o dia na praia, entre os turistas de Seoul, os feirantes. E eu lembro de ver essa menina, nossa... era uma menina linda, e eu lembro que pensei que estava vendo fantasmas, porque eu nunca tinha visto ninguém daquele jeito na vida. E eu lembro que ela estava chorando muito porque estava perdida, perdida da mãe, eu acho, não me recordo bem, tem tanto tempo. Mas eu lembro que segurei a mão dela por alguns minutos até a mãe dela aparecer, dei a ela uma concha que era exatamente igual a minha e disse que sempre que ela sentisse medo, podia pedir para a concha levá-la até um lugar legal, ou até mim. Pensei nela por meses. Acho que daí nasceu minha obsessão por cabelos, ela tinha os cabelos mais bonitos do mundo.
Meu coração batia tão acelerado que podia ouvi-lo contra as orelhas. Tum-tum-tum-tum. Ritmado como uma base de som. Tum-tum-tum-tum. Era ele. Era ele. Era ele. Desde o princípio.
— E você ainda pensa nela?
Jungkook apoiou o cotovelo contra o apoio da cadeira.
— Quase sempre. Eu queria saber se ela está bem. Provavelmente nunca mais vou vê-la na vida e ela também nem deve se lembrar de mim. — Enrolou as pontas dos meus cabelos em seus dedos.
— Não acho que seja um tipo de situação fácil de esquecer. Você deve ser importante para ela também. — Tentei me segurar ao máximo para não chorar, mas antes que pudesse disfarçar, ocultar de Jungkook o que quer que fosse, as lágrimas inundaram meus olhos — E eu tenho certeza que ela está bem. Certeza absoluta que você fez o melhor para deixá-la bem.
O seu rosto preocupado me fez levantar, caminhar pelo espaço pequeno do quarto até a porta do banheiro, Jungkook me acompanhou.
— O que foi, gatinha?
— Nada, não foi nada. É só que você é especial demais. — Ele secou as lágrimas com as pontas dos dedos, antecipando as outras que ameaçavam cair.
Por mais que tivesse um impulso de contar que eu era aquela garotinha que ele ajudou em Gwangalli, anos atrás, eu sabia que o resultado da decisão seria pior para o meu coração. Havia mergulhado tão fundo em nós dois, que já não encontrava o meu fim e o começo de Jungkook. Havíamos nos tornado inextricáveis. Uma criatura com quatro braços e duas cabeças. Um único coração. Seria difícil dar adeus ao presente e passado quando havia encontrado amor duas vezes, na mesma pessoa. No ponto imóvel de um mundo em rotação. Nele. Somente nele.
Jungkook se movimentou lentamente, aproximando-se com cautela; tinha um sorriso no canto da boca.
— Vem cá, comprei algo e quero que veja, estava esperando você para usar! — ele disse, acionando a luminária conectada aos fios coloridos do computador, fazendo as luzes coloridas serem projetadas no teto reproduzindo supernovas, galáxias, estrelas em pontos néon e auroras boreais.
O quarto inteiro parecia mergulho em um infinito azul e lilás, sobrepondo toda superfície como se tivéssemos mergulhado no Céu. — Meu Deus, é lindo!
— Você que é linda. — Seu nariz deslizou na pele do meu pescoço. A respiração suave arrepiou meu corpo inteiro, eu tremi. — Tão linda que fez meu coração doer.
Meu coração batia forte. Um ponto de colisão de amor.
— Leanor... — sussurrou; tinha a mão cautelosamente apoiada em minha cintura, a réstia de luz contornava sua silhueta no escuro, e nem mesmo com um esforço significativo encontraria seus olhos na penumbra — Eu tô com muita vontade de te beijar.
Fechei os olhos, ansiando seu contato para voltar a respirar aliviada.
— Por que não beija?! — sussurrei. Suas mãos deslizaram por dentro de minha camiseta, sua pele quente tocando a minha, enquanto mordiscava meu pescoço. Existia algo por trás de seu olhar de diabo — que não desviava do meu nem sequer um segundo — que me fazia ter vontade de nunca mais ir embora.
— É que eu sou do pior tipo, — cochichou — eu nunca me contento com um pouquinho só de você. Eu sempre quero tudo.
Minhas mãos correram pela nuca dele, enquanto ele me erguia em seu colo, como um peso neutro, tomando a iniciativa de um beijo. Meu corpo ardeu instantaneamente quando sua língua tocou a minha, a sensação macia em contraste com a parte metálica do piercing, resistente, deslizando contra o meu lábio, em um estalo sujo. — Não, não...— a impetuosidade me fez segurar Jungkook pela gola da camiseta, numa tentativa de afastá-lo
— Não deveríamos fazer isso de novo.
As estrelas dançavam em seu rosto no escuro, e continuava puxando-o para mais perto. Estava falhando na minha única missão: manter uma distância segura.
— Você não me quer? Eu paro, eu juro paro se você me quiser longe. — Fincou seus dentes em meu pescoço com uma precisão necessária, mal conseguia manter os olhos abertos. Seu timbre de voz, — até então suave, dócil — parecia excessivamente erótico. Uma nuance familiar, mas ainda surpreendente.
— Eu não deveria... — sussurrei. A resposta dos meus atos não condiziam com o que verbalizava, era hipócrita, em outras palavras. Mantendo-o ali, dentro dos meus braços enquanto suas mãos erguiam o tecido de minha camiseta para fora do seu caminho.
Tinha me esquecido do motivo daquela roupa patética, que dificultava o processo. Uma ideia ruim para o cacete!
Queria fazer tudo ao mesmo tempo, descontroladamente; meu coração ansioso tinha medo que em um piscar de olhos ele desaparecesse outra vez, quando desviasse o olhar. Já esteve ali uma vez e sumiu, como um sonho. E sentia o amor transbordar além do que era permitido em meu corpo quando era tocada por ele. Um jogo cruel que me fazia correr e então voltar por cima das pegadas de volta para ele.
Indecifrável, incorrigível, irredutível.
Meus olhos se perderam em algum ponto que me mantivesse inteira na realidade, entre o relógio que indicava a brevidade das horas, em números vermelhos, a luminária como uma fenda cósmica derramando uma brecha de estrelas em nós, com os pés fincados no chão eu tentava lutar contra o desejo, quando sua boca fechou-se ao redor do meu seio, a língua tocando o mamilo rijo, antes de sobrepujar a dor latente dos seus dentes mordiscando — levemente — o lugar.
— Às vezes penso que posso morrer quando você me toca assim... — Toquei suas sobrancelhas franzidas com a ponta dos dedos, lendo suas emoções com o tato, enquanto sua língua traçava uma rota molhada de um seio ao outro. A expressão era dele era sensual, de puro deleite. Suas mãos fincadas em minha cintura não permitiam uma infinidade de movimentos da minha parte, estava limitada a sua boca, condenada a ela.
— Me deixa devorar você. — ele cochichou contra a pele de minha barriga. E de olhos fechados, sentindo seus dedos se arrastando em minha pele, assenti. — Eu acho que poderia gozar só te assistir.
Ele abriu os botões do jeans, puxando a peça pelas pernas até se livrar dela. Também queria agir tão impulsivamente quanto ele; havia encontrado naquele espaço, em uma dimensão errada, o que tanto buscava. Alguém havia me ensinado que o amor era sagrado em qualquer forma, e gostava daquela forma de receber amor. A que era nossa.
Da sua linguagem, sem códigos, sem traduções mentais; nossos corpos conversavam livremente, com a mesma facilidade dos nossos corações, tudo que era preciso ser dito, era por fim, dito quando éramos um só.
Jungkook esticou os braços para o alto, ficando de pé outra vez, e puxei sua camiseta, deixando sua pele nua tocar a minha. Pelados, como a geração do amor no Woodstock.
Estava quente, como de costume, o calor mais gostoso que já havia sentido na vida: sua pele firme e febril.
Seu nariz raspou contra a minha bochecha, enquanto seus lábios semiabertos, sem tocar a minha boca, ameaçavam um beijo. Os olhos fixos no meu rosto, enquanto as mãos desfaziam o rabo de cavalo preso em meu cabelo, que despencou cobrindo as costas inteiras. Seguindo em direção a minha bunda, apalpando forte ali, ao ponto das marcas rosadas dos seus dedos ficarem desenhadas na pele, em contraste.
Sentia o tecido úmido de minha calcinha colado à pele. Raspando contra o quadril de Jungkook, ainda coberto pela peça de roupa. O tecido fino de sua bermuda sacana que me separava da ereção marcada ali, podia imaginar sua situação por baixo da cueca, a quentura me fazia salivar de vontade de devorá-lo inteiro; e a ideia por si só conduzida pelo desejo desenfreado, era excitante demais para se imaginar sem algum sintoma físico que me denunciasse.
Enfiei a mão em minha calcinha, tocando a boceta, antes de deslizar os dedos por cima dos lábios dele. Queria que ele soubesse o quanto o queria, o quanto desejava estar ali, com ele.
— Porra, gatinha, — Jungkook chupou as pontas dos meus dedos com os olhos fixos no meu rosto, antes de encostar a boca contra a minha orelha. — Seu gosto é bom pra caralho.
Meu pulso minúsculo ficou perdido na envoltura de sua mão, não era necessário explicar muito, tudo estava às claras.
— É a minha vez — falei, com uma coragem que só dava as caras arrastada pelo tesão, normalmente não era despudorada como Jungkook, mesmo em momentos que só queria me tirar do sério. Me colocar à prova. — Deita, vai. — ordenei e Jungkook prontamente atendeu. Seus cabelos espalhados no travesseiro como uma auréola de anjo. Os olhos atentos, curiosos, brilhantes, seguindo tudo que eu fazia. A inocência deles se esvaía quase como se nunca tivesse habitado em seu corpo.
— Será que você faz ideia do quanto é bonito? — Os lábios tocaram a ponta do desenho solar serpenteando o pescoço, provocando um arrepio.
— Senti falta disso. — ele murmurou. E prossegui a rota em seu braço, beijando cada uma delas, me demorando em cada lugar. Estava disposta a congelar o momento para sempre.
Puxei o tecido da bermuda para baixo, tocando a base de sua cueca preta, dando continuidade ao caminho de beijos contornando o quadril e a coxa, e a cada mínimo encostar de lábios, — ou quando a ponta da língua tocava a pele — de olhos fechados, o corpo inteiro de Jungkook era agitado por um arrepio.
Lambi o pré-gozo que escorria de seu pau, afastando o efeito cascata que meus cabelos criavam impedindo sua visão completa. Jungkook se contorceu, erguendo o quadril, minimamente, em direção a minha boca. Mordiscava os lábios, as mãos amparando um suporte invisível, antes de tocar a própria testa, incrédulo. Repeti a ação, lentamente. Sem desviar dos olhos dele. Jungkook gemeu baixinho enquanto deslizava minha língua inteira nele.
— Por favor, me chupa. Eu tô implorando. — Sua voz desconexa soou suja. Estava quente, pulsante como um coração. — Coloca ele na boca, me deixa ver.
Era loucura, eu sabia. Aquela mulher segura, agindo como se fosse uma expert no assunto, não parecia nada comigo. Eu pensava. Alguma parte minha condenava a minha própria liberdade de sentir o que achava certo. Era sempre assim. A culpa atravessando tudo que eu tomava como verdade.
— Assim?! — perguntei antes de deslizar a extremidade do seu caralho para dentro, e ele assentiu, trêmulo.
Sua textura era deliciosa na boca. Viciante. Não sabia ao certo se estava fazendo do modo correto, não tinha um parâmetro de experiência para uma avaliação; era tudo intuitivo, as reações do seu corpo sendo meu único guia. Gostava de vê-lo daquele jeito. De ter algum poder sobre ele.
— Puta merda, você faz isso de um jeito que... — ele suspirou. — que me mata.
Jungkook mordia os lábios, a cabeça curvada para trás, apoiada no travesseiro. A respiração pesada, entregue ao ponto de esquecer de quem era, do poder que tinha. Ali, as regras poderiam ser minhas, sem questionamentos. E ele, era sexy o suficiente para gravar os detalhes daquela cena em minha mente; as tatuagens cobrindo a pele, o suor deslizando no pescoço, ombros, peitoral, até a virilha. As sobrancelhas franzidas, lábios semiabertos. Os sons, os cheiros, os gostos. E assistir era insuportavelmente excitante.
Sua mão deslizou em meu cabelo, afastando-os para trás do ombro, enquanto sibilava um "vem aqui" para mim. Já devorando minha boca no meio segundo que levei para levantar o rosto e me encaixar em seu colo. Vivia brincando com aquele maldito piercing, mordiscando, girando a peça metálica entre os dentes, enroscando na língua e tinha uma habilidade para usá-lo nas ocasiões mais impróprias possíveis. Tipo naquela ideia de merda que acabaria comigo.
— Você me enlouquece... — ele sussurrou.
Sua mão correu para as lateral da calcinha, puxando-a para baixo com a minha ajuda para empurrá-la com as pernas. — Afasta os joelhos, me deixa te sentir. — Os movimentos exploratórios do seus dedos tinham ritmo próprio, enquanto sua boca mantinha-se sagaz, sugando suavemente meu mamilo, as bochechas se contraindo ao meu redor, o circuito da peça metálica se chocando na ponta da pele sensível. Estava tonta. Os pontos luminosos que via de olhos fechados eram um indicativo de que me desmancharia em um orgasmo, que foi abruptamente interrompido.
— Vem cá, gatinha, coloca essa boceta na minha boca, vem. — ele disse, deslizando para baixo do meu corpo, com as mãos apoiadas em minhas coxas. — Senta na minha boca.
Minhas pernas trêmulas, ansiando pela finalização incompleta, mal conseguiam se mover. Sua respiração morna batendo contra o meu clitóris sensível me faria gozar ao seu mínimo toque. Era delicado e gostoso, a língua indo e vindo em mim: ele era bom com a boca, disso eu tenho plena certeza; — de um jeito único que só Jungkook sabia.
— Você tá uma delícia. — comentou, antes de retomar sua tarefa no mesmo ritmo de antes, molhado e macios, com seus gemidos ecoando dentro de mim.
De olhos fechados, as luzes sobrepondo o meu corpo, mergulhada em um paraíso próprio, inventado, movimentei o quadril em sua boca, enquanto Jungkook me comia, deixando que a sensação tão familiar e ao mesmo tempo tão nova, tomasse conta do meu corpo inteiro.
— Continua, só continua. — Mantive a mão guardando o nosso segredo, impedindo que meus gemidos ultrapassassem as barreiras do seu quarto. Não tinha como evitar o ritmo que me atingia. Gozei ali mesmo.
Os músculos trêmulos de minhas coxas causavam espasmos enquanto me movimentava para deitar ao seu lado, exausta. Mas era só uma pausa figurativa. Sua boca colada a minha outra vez me deu motivos para entender que ainda não havia acabado.
— Foi gostoso? — Minhas costas tocaram o colchão, enquanto ele trocava de posição. Os cabelos úmidos de suor, as têmporas molhadas, as gotas pesadas escorrendo sobre a testa, como se tivesse corrido uma maratona. Puxei os fios para trás, mantendo-os afastados do seu rosto lindo. Na realidade, nunca havia experimentado nada parecido, nem mesmo em fantasias elaboradas. Em nenhum cenário era capaz de criar naquele nível de detalhes e destreza.
Me senti motivada, enlaçando Jungkook com as pernas ao redor do seu quadril, puxando-o para mais perto, amparando seu rosto com a mão para morder seu lábio; sabia que amava aquilo. Deslizei os dedos pelo seu caralho, sentindo a pulsação excitante na ponta, enquanto ele masturbava o próprio pau.
— Me deixa te foder um pouquinho... — ele pediu, enquanto substituía sua tarefa, assistindo minha mão subir e descer em seu caralho. Assenti.
Foi uma série premeditada de erros, — sua mão alcançou o preservativo na gaveta da mesa de cabeceira, enquanto eu assistia o processo do látex deslizando até a extremidade de sua ereção visivelmente dolorida. Naquele meio segundo que levei até encontrar sua boca outra vez, tonta pelo excesso de luzes.
Jungkook gostava de meter fundo, até que minha respiração se tornasse inaudível, essa era a verdade. E eu gostava de senti-lo dentro de mim. As extremidades dos seus quadris tocando os ossos do meu. Peças perfeitamente encaixadas de um jogo de montar.
Ele riu, gostava de falar sacanagem como seu dialeto original, me deixando ser vítima dos seus caprichos. — Você quer?
Fiz que sim com a cabeça. Sentindo o aperto rude de suas mãos em minha bunda.
Ele ergueu minha perna ao redor do seu quadril, enquanto minha mão deslizava pela linha visível dos seus pêlos escuros, escondendo uma parcela mínima de sua tatuagem, subindo pelo seu abdômen bonito. Ele gemeu.
— Eu posso enfiar? — perguntou, a voz suave era de quem havia esperado o suficiente pelo momento certo.
— Pode. — Ele se movimentou devagar, sua boca raspando contra a minha orelha, um gemido baixinho escapou, me fazendo fechar os olhos, enquanto sentia Jungkook dentro de mim, até a base de nossas coxas se tocarem outra vez.
Seus olhos estavam presos aos meus olhos. As galáxias tatuadas em suas costas, a luz infinita do Universo entre nós dois enquanto sentia tudo, de uma única vez. Seus lábios contornaram um desenho imaginário em meu ombro, em minhas bochechas e nas minhas pálpebras fechadas enquanto minha respiração, ansiosa, se ajustava a calmaria de seu coração.
Tum, tum, tum. Outra vez tenho a concha mágica em minha mão. Tum, tum, tum. Outra vez encontrei o meu lugar à salvo no mundo.
A língua dele deslizou para dentro de minha boca quando seu quadril se moveu pela primeira vez, no mesmo ritmo. Um movimento circular que roçava seu osso pélvico contra o meu lugar mais sensível. Amparei minhas mãos na curva de seu bumbum, mantendo-o perto.
Algo crescia forte dentro de mim, muito além de prazer. Sentia vontade de dizer que o amava.
Droga! Que merda de ideia é essa, Eleanor?
Então era assim que as pessoas acabavam apaixonadas? No meio da emoção de uma foda decente?
Estava sendo patética. Eu sabia que estava. Mas ali, observando-o tão de perto, senti uma estranha vontade de chorar, porque nada nunca havia sido daquela maneira.
Toquei a ponta de seu nariz, perfilando com o dedo o seu rosto masculino e bonito. Ele fechou os olhos de novo. Os lábios amparados em meu queixo enquanto movia-se dentro de mim. Pulsante.
— Porra, ninguém é como você, gatinha... — ele cochichou — Ninguém nunca vai ser assim.
Jungkook ergueu o queixo, mordendo o próprio lábio. Uma investida com ainda mais força fez minhas pernas tremerem, suas sobrancelhas franziram.
— Tá gostoso assim? — ele perguntou, o tom erótico outra vez me fez suspirar de tesão — Me diz, uh, é gostoso assim?
Meu corpo reagia em resposta à pergunta, sem forças para verbalizar o meu desejo.
— Tudo que você faz é bom, Jun. Você é excelente.
Ele riu, me erguendo em seu colo, ainda dentro de mim, na ponta de sua cama de solteiro, apoiando-me contra suas coxas nuas.
— Quero te ver gozar assim, sentando no meu pau. — O excesso de sacanagem sussurrada ao pé do ouvido exerciam seu papel primordial, estava mole de tesão de novo; os sons molhados de nossas línguas se tocando, o desprendimento ruidoso dos lábios ou do caminho tortuoso de chupões em meu seio, uma troca confusa de querer Jungkook em todos os lugares possíveis do meu corpo. Informações que não conseguiam ser indexadas em meu organismo pelo prazer em excesso.
Seu olhar oscilava entre a minha boca e o movimento do meu quadril, fazendo seu caralho entrar e sair, apertado, de mim, em um ritmo mais lento, enquanto suas mãos espalmadas, apertavam firme o meu bumbum. Seguido de palmadas que esquentavam o sangue, e que me fariam acordar dolorida pela manhã. Ele queria captar tudo. Assistir cada reação de perto.
— Merda, você é gostosa demais. — Ele fechou os olhos, concentrado enquanto meu corpo se movia com mais vontade contra ele. — Isso, assim...
Jungkook amparou a lateral do meu bumbum, deixando a penetração ainda mais profunda enquanto me beijava.
Estava perto, eu conseguia sentir.
— Se toca para mim, me deixa assistir... — implorou baixinho, e minha mão prontamente deslizou para baixo, tocando o clitóris enquanto ele metia forte e fundo. Sua respiração ruidosa contra minha boca me levava ao limite. Seus olhos estavam abertos, fixos no movimento dos meus dedos e do seu quadril. Ajustes corretos.
— Olha para mim, — sussurrei — Você é meu. Estava frenético, a cabeça largada para trás, os dentes mordiscando a boca, como um delírio. Ele estava prestes a gozar e eu podia sentir a antecipação dentro de mim.
Jungkook fez que sim com a cabeça. Enquanto erguia meu quadril para cima, de leve.
— Eu sou seu. — gemeu contra a minha boca — Eu sou seu.
Fui dissolvida por uma onda de prazer que me atingiu com toda força, crescendo silenciosa e me atravessando inteira. Silenciando tudo ao redor.
Jungkook, gozou logo em seguida soltando o fôlego de quem está submerso há minutos, despencando o rosto contra o meu pescoço.
Nossos corpos estavam excessivamente colados, sinapses nubladas, pontos de vista invertidos.
Ele me olhou de novo, os olhos brilhantes estavam ali outra vez, antes de me beijar com tanto amor.
Por alguma razão, eu chorei por horas depois disso.
— Você nunca contou para ninguém sobre o que aconteceu? — Raspei as meias contra o piso acarpetado da sala fria de Sunja, minha terapeuta, observando seus quadros minimalistas perdidos no ambiente excessivamente iluminado enquanto contava sobre a lembrança que vinha me atormentando em forma de sonho há meses. Encolhi as pernas contra o sofá de couro preto.
Sua pergunta soava como uma acusação, embora soubesse que não era necessariamente o que ela queria fazer.
Fiz que não com a cabeça.
— Não, nem mesmo para os meus melhores amigos. Era algo que eu queria que fosse só meu, só nosso, sabe? Sem interferências. Não queria que ninguém mudasse o que foi feito nem opinasse sobre o que foi especial para mim.
Ela fez uma anotação em sua prancheta, ajustando os óculos que pendiam na ponta do nariz.
— Então me diga, Eleanor-ssi, de onde esse medo vem? — Queria dizer que sabia, e que havia tentado me convencer com condições falsas que contava para mim mesma, mas a verdade é que não fazia ideia, as interpretações dúbias que tinha nunca me levavam a lugar algum, continuava andando em círculos tentando entender onde havia errado. Para mim, tudo, desde o começo, parecia um erro.
— Não sei, às vezes tenho a sensação de que o meu amor nunca é suficiente para que ninguém fique. E parece que as pessoas já chegam prontas para ir embora. Fico me perguntando se eu sou demais para alguém lidar. A questão com o Jungkook é que ele modificou minha relação com uma série de problemas, como por exemplo, o sexo. Eu sempre tive uma ideia errada sobre... transar, sei lá. Me sentia culpada, suja, sentia como se aquilo não fosse correto de algum ponto.
Sunja tocou o próprio cabelo, puxando-o para trás da orelha. Era uma mulher de quarenta e poucos anos, excessivamente charmosa com suas roupas sociais caras. Seu terninho preto Balenciaga provavelmente era pago pela alta demanda de pessoas como eu, atoladas e com vidas complexas. Aqueles saltos Yves Saint Laurent também foram pagos com os problemas de alguém. E apesar da seriedade, Sunja Lee sabia bem como acolher.
— E a relação entre vocês fez com que você se sentisse mais confiante sobre essas questões?
Encarei o gesso cobrindo meu pulso. As mensagens de Hoseok me fizeram ter vontade de cair na gargalhada. Estava desviando do foco outra vez.
— Eu nunca tinha me sentido daquela forma, eu nunca tinha sequer sentido prazer daquele jeito. Parecia que ao mesmo tempo que eu me entregava a ele, eu me amava na mesma proporção.
Me sinto patética dizendo aquilo tudo em voz alta. Parecia emocionalmente dependente. Talvez aquele fosse o meu diagnóstico. Uma idiota que não superava um ex-namorado. O pior de tudo era perceber que nunca chegamos a ser nada um do outro. Ele não era meu namorado, nem havia sido quase isso.
— E o que você pensa sobre isso? — Sunja cruzou as pernas.
— Eu tenho medo de não ter sido tão importante para ele quanto ele foi pra mim, e é um pensamento egoísta, eu sei, mas me pego pensando como pareceu tão fácil para ele seguir em frente com a vida dele, enquanto eu continuo presa ao que me foi dado. E não falo só de... O ponto não se trata do sexo, nem dos sonhos, nem do fato dele ter sido a primeira pessoa que confiei nesse país, é só que às vezes parece que experimentei um tipo de amor que meu corpo nunca soube lidar direito, sabe? É como se ele tivesse enfeitiçado cada pedaço da minha pele, cada parte minha e tudo não tivesse o mesmo gosto de antes, a mesma sensação, as nuances de cor...
Ela me encarou por alguns segundos.
— E isso te assusta?
Ri, incrédula.
— Isso me apavora! Não é que eu não deseje que ele seja feliz, é só que outra vez eu percebo que signifiquei pouco para alguém para quem me entreguei completamente. Eu posso estar sendo tóxica agora, é só que... ele parece bem e eu continuo aqui. Aí às vezes me pergunto "será que ele vive tudo isso que vivemos, de uma forma mais feliz, com outra pessoa?" Pra ser sincera, só de pensar, isso me dói.
Toquei a ponta do meu casaco, puxando os fios que escapavam do tecido. Estava fazendo um esforço significativo para não chorar.
— Ele me deu as costas quando mais precisava dele, não sei se consigo perdoá-lo.
Sunja tirou os óculos, apoiando o cotovelo contra as costas da poltrona.
— A grande questão entre você e o Jungkook-ssi é exatamente essa, ambos foram vítimas de uma mesma situação, ambos estavam emocionalmente fragilizados. Talvez ter ido embora tenha sido, sim, a melhor decisão no momento.
— A melhor? — Precisei reforçar a resposta, sentia que havia confundido.
— A questão é: você tentaria buscar equilíbrio em alguém que também estava quebrado. Vocês acabariam desgastando essa relação até os limites, o resultado seria catastrófico para os dois. Tóxico ao ponto de vocês transformarem esses bons momentos em ruínas de uma relação totalmente disfuncional.
Respirei fundo, me encolhendo no sofá.
— Eu só queria sentir algo, algo que... me provasse que eu ainda posso continuar vivendo como antes. Ele modificou muitas coisas para mim.
Odiaria sentir que minha vida havia sido encerrada nesse ponto de necessidade, enquanto continuava aqui, desejando algo que tenho plena consciência de que não teria de novo.
— Eleanor-ssi, estamos avaliando o seu caso há quatro meses e se me permite dizer, eu acredito que seja importante para você se abrir para o mundo ao redor. Não apenas o ciclo limitado da faculdade que te levam ao mesmo ponto, mas, experimentar algo novo. — ela sorriu. — Que tal retomar um hobby antigo, o ballet, por exemplo? É algo que você sempre amou! Conhecer gente nova. Você é jovem! Uma menina ainda, prestes a se formar.
Talvez os sonhos estejam voltando porque você está lidando com toda a situação envolvendo o fórum, todo esse contato com exposição sexual e o seu trauma, são informações difíceis de absorver em pouco tempo, tente tirar um para você fora desse ciclo de problemas, será sua tarefa da semana. Pode ao menos tentar?
Mesmo relutante, assenti.
Se o problema maior era eu mesma, como faria para me desligar de mim?
🔱
Passamos as duas últimas semanas inteiras trocando o dia pela noite.
Taehyung mostrando tudo que havia pesquisado e organizado a respeito do caso, tinha ligado para algumas instituições e conversado com algumas pessoas, sabia da importância de ter uma mulher falando sobre o que acontecia no fórum, ao invés dele ocupando aquele lugar que não era seu por direito. Não era bem a ideia que tinha em mente, tudo estava longe de ser como o planejado; ver e rever aquele material perturbador me fazia repensar todo e cada detalhe da experiência de confiança. Garotas tendo sua intimidade violada de uma forma tão brutal, expostas para um número significativo de estranhos em um momento tão íntimo.
— Ver tudo isso me dá um embrulho no estômago. — falei, Taehyung estava curvado sobre a mesa fazendo anotações. Havia chegado da sessão com a psicóloga somente há meia hora, trazendo cervejas e uns snacks que ele havia me pedido.
— Não consegui ver a maioria, mas percebi que existe um tipo de padrão no fórum, se você prestar bem atenção, alguns dos responsáveis pelas postagens abordam garotas da mesma maneira.
Tirei os sapatos antes de deitar na cama com cheiro de lençóis limpos.
— Essas meninas sabem que estão aqui? Eu me pergunto isso.
— Elas provavelmente já foram assediadas outras vezes por conta desse material, sabe como acontece, não é? — ele disse — É como um... sneak peak do que elas podem fazer.
Observei Taehyung de costas, escondido por trás do seu moletom verde em seu tamanho naturalmente agigantado. Tinha acabado de tomar banho pelo modo como as pontas do seu cabelo ainda pareciam úmidas. Droga!
Tenho uma ideia de merda e tento fugir daquele pensamento cretino focando em qualquer outra superficialidade.
— É ainda pior do que eu imaginava. — ele concordou, sem se virar.
— As pessoas são assim. Um tanto podres. — E pela primeira vez, me olhou — E como foi a consulta? Os pesadelos continuam?
Havia categorizado para Taehyung como pesadelo apenas para justificar porque estava gemendo enquanto dormia, ali, com ele trabalhando ao meu lado. Nada poderia ser mais constrangedor do que dizer que estava sonhando com uma foda do passado com seu ex-melhor amigo.
— Digamos que vão continuar até eu me concentrar em outras coisas... — ri, sentindo meus músculos tensos. — Ou pessoas.
Taehyung virou a cadeira em minha direção, apoiando os pés descalços no chão liso outra vez.
— Você realmente gosta do Jungkook, não é? — Se aproximou, apoiando a garrafa sobre a mesa, ocupando o espaço vazio da cama.
— Esse tópico é importante para o trabalho?
— É pura curiosidade. — Sorriu outra vez, parecia engraçado somente tocar no assunto como um tormento premeditado. Que grande idiota! — Você não quer falar a respeito? Tudo bem por mim.
— Me diga você, Taehyung, ainda gosta dele?
Por longos minutos fui engolida pelo silêncio.
— Já pensei ter sentido algo do tipo, — Taehyung começa e a resposta soa como um soco no meio do meu rosto — Mas no fim das contas era uma projeção errada do que eu queria. Então acho que passei a desejar ser quem ele era ou o ter o que ele tinha. O problema era justamente a comparação. — ele ri — É estranho dizer isso em voz alta. — ele toma um outro gole da cerveja. — Pelo menos eu descobri coisas sobre mim mesma graças a isso, sobre a minha sexualidade, sobre quem sou de verdade.
O novo método é foder a vida alheia? Uau.
— Essa não é bem uma justificativa, e não sou uma terapeuta, mas acredito que ser sincero pode ser bem saudável.
— Então vamos tentar ter o máximo de sinceridade possível um com o outro, certo? — Ele sugeriu, balançando a coxa para um lado e para o outro, tinha o braço apoiado por trás da cabeça, os olhos fixos no teto.
— Parece o melhor a se fazer. — respondi. — Mas não vamos tocar mais nesse assunto.
— Que assunto? — Sua voz grave ainda causa impacto quando próxima demais.
— Jungkook. Não quero mais falar dele. — Passei o braço por cima de seu peito, alcançando a cerveja apoiada contra a mesa e levei até a boca. Taehyung assistiu. — Vamos recomeçar do zero.
— Sim, Capitã. — riu, alcançando a garrafa que desprendi do lábio e tomando outro gole.
— É um bom plano.
Nos olhamos por alguns segundos, em completo silêncio enquanto a garrafa entornou outra vez.
— Acho que vou gostar disso. — concluiu.
—
#ClãCCEG
Feliz CCEGsário!
N/A: Alguém esperava por essa rasteira do destino? Pois é, o universo sempre trabalhando para unir esses dois estrupícios.
Agradeço a vocês que esperaram pacientemente e que estão tendo compreensão em relação ao tempo de atualizações, como expliquei antes, o tempo entre um capítulo e outro levará mais tempo por conta do projeto principal que estou focada em concluir esse ano, e se tudo der certo, CCEG será a próxima história a virar um livrinho cheiroso (mas vamos por partes, não é mesmo?)
Queria que essa memória da Nô fosse um respiro para aliviar a saudade do casalzinho não-casal, e como sempre, gosto de tocar em temas que acredito que são importantes para serem tratados, principalmente quando envolvem a liberdade feminina, já que a Eleanor, entre todas, foi uma das minhas personagens mais criticadas por outras mulheres (o que me deixa profundamente triste 😞) por conta das suas escolhas e do seu aprendizado pessoal.
Eu espero que vocês tenham gostado do capítulo e não tenho previsão para o próximo, mas adianto que para quem acompanha o spin-off, teremos surpresas nos próximos dias.
Eu amo vocês demais. Até a próxima!
— Sô.
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