12. Luzes de emergência se acenderão automaticamente.
A vida é como uma balança.
E sei que essa é provavelmente a analogia mais cafona e clichê do mundo, mas parando para pensar neste ponto em que me encontro agora, tudo faz sentido. Toda e qualquer análise barata sobre como o universo funciona se aplica ao peso das consequências do agora.
Eu sempre entendi que quando algo bom demais acontece, ele sempre traz consigo uma consequência, um resultado negativo para a balança manter o equilíbrio.
Conhecer Jungkook e me apaixonar por ele tinham sido a minha própria descoberta no meio de todo caos, das más escolhas e das atitudes impensadas das últimas quatro semanas, sentir algo verdadeiro foi o meu benefício, mas lidar com as consequências do fim de tudo isso, era um risco que não havia calculado.
Tive certeza disso na última vez que o vi, quando reconheci as estrelas fluorescentes coladas no teto do quarto de Jungkook assim que abri os olhos pela manhã, quando aos poucos a claridade que entrava pelas frestas da janela tomavam forma ao ponto de meu cérebro finalmente identificar formatos, cores e objetos outras vez, mostrando que minha capacidade cognitiva estava completamente intacta, assim como o peso da culpa que recaiu sobre meus ombros no momento que me dei conta de que escolhi a despedida mais errada. Acordar na cama do ex-não-namorado, vestida em alguma peça de roupa dele.
Não foi um sonho erótico como havia deduzido, ainda sentia os braços firmes de Jungkook ao redor do meu corpo, mesmo completamente pernoitada, foi um aviso claro de tudo que passou pela minha cabeça no meio daquela confusão interna entre o real e o imaginário e aquilo, de fato, tinha acontecido: Jeon por todos os lados, de todas as formas, em todas as situações imagináveis. E aquilo também pesou na minha balança, foi o peso da consequência para manter o equilíbrio.
Tateio pelo meu celular em algum lugar da mesa de cabeceira para pausar a música que toca em modo repeat nos meus fones, depois de catar a minha própria bagunça no chão do dormitório e amontoar o que era desnecessário ao lado das gavetas do armário para jogar fora.
Minha mãe usava aquela desculpa de que, arrumar a bagunça externa era terapêutico pra bagunça interna aos poucos voltar aos seu lugar, de alguma forma havia comprado a ideia há anos e funcionava. Sentia que tinha mais controle da minha própria vida quando organizava tudo ao redor, mas parecia piada à essa altura, uma daquelas bem ruins que a gente ri por educação, enquanto o universo gargalha na nossa cara.
Tinha visto Jungkook há dois dias. Escapado do seu quarto enquanto ele ainda dormia, escondido em uma camada do próprio cabelo despenteado, deixando um post-it cor-de-rosa colado na porta agradecendo os cuidados e pedindo desculpas por outra vez ir embora ao invés de enfrentar as coisas como deveria.
Ninguém gosta de pessoas medrosas, eu sei, mas no fim das contas todos nós fingimos ter uma coragem quando quase nunca temos, é muito mais aterrorizante enfrentar nossos medos materializados do que as paranoias na nossa cabeça que se dispersam com uma distração.
Não poderia me livrar de Jungkook com uma distração e muito menos esquecer o que aconteceu. Nem nós, nem aquela noite, nem o que ele fez.
Porque sabia que teria uma consequência, e elas sempre aparecem uma hora ou outra.
Escuto o som das botas de Trine contra o piso, e só então percebo que ela já está de pé, ao meu lado se livrando delas, sua voz rompe o espaço e me traz de volta, estava tão distraída que não notei que ela havia chegado. — Ei, — começa — como se sente? — Parecia tão surpresa que ao menos saí da cama nas últimas horas, que sinto um rastro de culpa.
— Bem patética — respondo quase automaticamente.
— Quer conversar sobre isso? — O Isso em questão resumia todos os acontecimentos malucos da última semana, tudo que não consegui verbalizar quando apareci na porta do dormitório na manhã do sábado usando uma roupa que não era minha e com tinta vermelha até em pensamento por conta do que havíamos feito.
— Pra ser sincera, não. — digo, e na verdade quero falar, mas não sei por onde começar, minhas listas não dariam conta do que quero dizer e do quero questionar, tudo vira um amontoado de palavras e não consigo escolher uma só. — Não agora. — Trine sorri e se estica na cama até alcançar o lixo amontoado ao lado do armário, no meio das apostilas velhas e provas antigas com notas A de períodos passados que eu ainda mantinha, orgulhosamente.
— Eu fico até surpresa de estar jogando tudo isso fora, você sempre foi tão metódica com tudo... — ela comenta, sabia que ficava silenciosamente me avaliando, usando seus recursos como uma boa aluna do curso de Psicologia para me ler assim, indiscretamente. — Você mudou tanto nas últimas semanas, — continua — mas gosto disso, dessa nova versão.
Fico em silêncio.
Ela está certa. Talvez a Eleanor de agora não consiga mais ter acesso a de antes, gosto de olhar para nós duas como pessoas distintas, completamente dissociadas, porque foi exatamente naquele ponto em que parei, entre deixar de ser uma e começar a ser outra.
No meio de um caminho confuso e complexo de uma realidade diferente.
— A versão irresponsável, você quer dizer — rebato, antes de ir até sua cama e ocupar o espaço vazio ao lado dela. — parece que perdi completamente o controle das coisas, pra ser sincera nem sei o que tô fazendo agora — Seus dedos cheios de anéis tocam de leve a ponta do meu cabelo, enrolando as ondas entre eles.
— Você não perdeu o controle de nada, Eleanor! Você só não esperava que as coisas fossem desse jeito e tudo bem, esses riscos não são previsíveis — Mas os sinais estavam claros, eram óbvios: regras quebradas, beijos, a primeira noite no dorm, como eu esperava que fosse diferente? Por que eu cheguei a acreditar que não me envolveria? Logo eu.
— Não tem como você controlar tudo, sabe disso né? — Trine diz, e permaneço com os olhos presos ao teto, não sei o que responder e simplesmente não sei se quero dizer algo. Estava certa. Claro que estava. Sempre está coberta de razão.
— As coisas só mudaram, Nô, simples assim. — Simples assim. Como doses homeopáticas de razão retornando ao meu cérebro, o que me assustava muito mais do que mantinha dentro da realidade.
Ainda existia Jieun e o passado mal resolvido com Jungkook, ainda existia Kim na metade de algo que eu simplesmente comecei e toda a bagunça que arrastei comigo nesse tempo, para o meio da minha vida.
Suspiro tão alto que tenho certeza que posso romper meu peito, meu estômago estava embrulhado, revirado, há horas sentia um enjôo que culpabilizava à ansiedade, com um nó na garganta de tudo que não foi dito.
— Não parece tão simples desse ângulo — respondo, e Trine se movimenta, sentando ao meu lado.
— Ok, vamos sair desse quarto, te pago uma refeição decente e você me conta tudo, vem! — Sua perna contorna o meu corpo esticado na cama, até seu pé tocar o chão, se esquivando como um obstáculo em uma pista de corrida, seu cabelo cobrindo os ombros como uma tempestade negra, quase projetados por cima dos meus olhos.
— Não quero comer nada, sério, eu tô meio enjoada — Seu rosto se contorce e dispersa o sorriso — Enjoada? Eleanor, vocês não andam trepando sem proteção, não é? — Levanto o rosto para encará-la bem, se àquela altura do campeonato achava que as razões daquele rebuliço interno eram uma gravidez indesejada e não minha ansiedade me comendo viva realmente não tinha ideia de como minha vida tinha evoluído até aquele ponto.
— Tá brincando, né? É claro que sempre uso proteção! — começo, quase tão indignada quanto o tom que ela usa. — Só tô a ponto de colocar todos os meus órgãos pra fora nos próximos minutos, — deito outra vez contra o seu travesseiro perfumado — e para de usar essa palavra com P, é horrível! — digo.
Trine não consegue esconder as emoções dela. Elas sempre ficam tão expostas em seu rosto, como uma placa no meio da estrada, um aviso claro que a entregam nos primeiros segundos, e eu sei que tô sendo uma amiga ridiculamente egoísta naquele momento, de preocupá-la à toa com todas as coisas que estavam acontecendo, mas ela respira tão aliviada com a resposta positiva que faz a franja, bagunçada contra a testa, se mover.
Seu celular vibra alto no bolso e ela puxa automaticamente o aparelho para entender a ligação, desviando sua atenção de outra análise furreca.
— Anda, levanta, veste pelo menos um moletom, tô te esperando aqui fora! — O modo autoritário e quase materno com que ela me ordena só me faz rir. Nem mil anos de gratidão seriam suficientes para o que Christine fazia por mim e não sabia se estava oferecendo o mesmo à ela. Provavelmente não.
— Dois minutos e eu desço! — Respondo, antes de vê-la cruzar a porta do dormitório com o celular contra a orelha.
A primeira coisa que noto depois de tantos dias enfiada no dormitório, quando me olho no espelho, é que pareço exausta, mesmo depois de dormir por quase doze horas seguidas e procrastinar na cama assistindo vídeos aleatórios na internet, ainda me sinto cansada, como se estivesse carregando um peso enorme e desnecessário comigo.
Por alguma razão, tenho vontade de chorar. Uma vontade enorme e incômoda como um elefante branco e gigante no quarto, de me encolher em um lugar e colocar pra fora toda aquela exaustão estranha, parecia que sempre acabava machucando alguém e me machucando no meio de tudo. E minha intenção estava longe de ser aquela, muito além do que foi combinado e esperado. E se pudesse voltar e não fazer, eu só escolheria isso.
Mas odiava me sentir ainda mais culpada por tudo, como se pudesse controlar o meu coração também.
Fico alguns segundos encarando o amontoado de roupas no armário e pego a primeira — e menos amarrotada — peça que vejo, um vestido de verão com estampas de flores silvestres, com o moletom por cima pareceria aceitável, e calço o par de tênis sem ao menos soltar os cadarços. Não me importo nenhum pouco em como pareço. A minha tendência é sempre correr e me esconder como uma criança apavorada, se pudesse, não cruzaria mais aquela porta, fingiria que esse sempre foi o meu habitat natural e evitaria todo e qualquer contato externo, talvez isso poupasse alguns corações. De fato, pouparia o meu.
Quando saio, Trine está encostada contra à porta falando com um dos alunos da monitoria como se fosse uma criança, tão paciente e atenciosa no seu coreano impecável que ainda me surpreendia. Sabia que ela tinha crescido na Coreia, e assim como eu, também era uma filhote do exército. Não lembrava de nenhum outro lugar mais do que aqui, já que sua mãe servia no Paralelo 38, na divisa entre as coreias, há quinze anos, e Christine basicamente cresceu longe de casa.
Seu pai era professor de literatura e um homem extremamente tímido, e às vezes ficava me perguntando como ele lidava com Trine e seu jeito tão particular de ser, como um furacão categoria 5 na escala Saffir-Simpson na maior parte do tempo, tão diferente dele.
Talvez esse seja o motivo dela sempre pareceu ser tão bem resolvida sobre tudo. E talvez essa seja a qualidade que mais admiro nela: toda essa coragem, pra qualquer coisa.
— Tô pronta! — sibilo, e ela confere o que estou usando antes de entrelaçar o braço ao redor do meu e desligar o telefone educadamente. — Quer um conselho? Não faça monitoria pelas horas de estágio supervisionado, não vale a pena, é tudo um saco! Esses calouros são um saco! — ela chacoalha o celular de um jeito quase dramático antes de enfiá-lo no bolso e eu tento sorrir o máximo que consigo, parecia uma tarefa difícil até mesmo ali.
— Mas e aí, qual o lance? — seus olhos estão fixos no meu rosto, outra vez tentando me ler. Típico dela. O que poderia dizer? Que tô desesperada e perdida? Que o acordo acabou e simplesmente não sei o que fazer? Que acabei ferrando tudo quando me apaixonei pelo ex-melhor amigo do cara que eu deveria gostar e me sinto extremamente culpada por isso? Pode escolher!
— Acho que gosto do Jungkook... — solto, quase como uma lufada de ar que percorre o ambiente e atinge Trine como um soco na boca. É a primeira vez que verbalizo aquilo e o arrependimento me atinge como uma corrente elétrica quase imediatamente. Dizer em voz alta só tornava tudo muito mais real e consistente, consequentemente, ainda mais assustador.
— Você acha?! — Ela sorri.
— Não, na verdade, eu tenho certeza. — continuo, e ela não desfaz o sorriso. Satisfeita por ter se dado conta de que estava certa desde sempre, desde quando deduziu que tudo isso aconteceria.
— E o que planeja fazer agora? — Esse é o problema. Eu não planejo nada. Eu não sei o que fazer. Até alguns dias atrás eu acreditava que as coisas podiam ser diferentes, mas Jieun estava lá agora e por mais que Jungkook continuasse a repetir que não existia mais nada entre os dois, não dá pra anular uma história de anos, muito menos uma história mal resolvida.
Sem pontos finais definitivos. E o beijo tinha sido a prova disso. O único plano que tinha em mente era desaparecer. Me enfiar naquele dormitório até a próxima vida ou até alguém da reitoria me tirar de lá para que uma caloura ocupasse o quarto.
— Não sei, o acordo acabou e — Antes que consiga concluir a frase, Trine me interrompe.
— Não me vem com essa de "o acordo acabou", certo?! — A maneira como ela me olha faz com que eu tenha vontade de chorar, me sentiria patética se começasse a chorar agora. Exatamente ali, dentro do elevador do dormitório. — Você e o Jungkook criaram essas regras idiotas e tentaram fazer isso funcionar, mas você não pode reduzir o que você sente por ele ao acordo, não se trata mais disso, Eleanor! — Ouvir a verdade era doloroso, mas ouvir a verdade cuspida na sua cara como Trine estava fazendo era um pouco pior do que o esperado. — Se tivesse uma chance socaria aquela cara bonita dele só pra ele parar de agir como um grande filho da puta com você! — ela diz, apertando o botão do elevador como se pudesse acelerar o processo da descida. — Mas ficar tentando adivinhar o momento exato que você simplesmente começou a gostar do Tsunderezão não resolve nada, não muda o fato de que você já gosta dele, não vai fazer com que anule tudo, sabe disso, não é? — E novamente está certa. Sempre acaba dizendo o mais óbvio e que eu nunca consigo ver.
Penso automaticamente no beijo de boa noite que ele havia me dado naquele dia no seu quarto, enquanto se encaixava ao meu redor para dormir na cama improvisada. Bem ali, atrás da orelha. Estava sonolenta demais e sob o efeito de vodca saborizada, mas tenho a vaga lembrança de ouvir sua voz cochichar algo meu ouvido. Queria lembrar as palavras outra vez, ter certeza que não estava delirando, pude jurar que ouvi aquelas três palavras mágicas, ou quis muito que tivesse sido isso.
Em que droga havia me metido?
Sou tirada de uma linha de pensamento abruptamente quando as portas de metal escovado se abrem e a primeira pessoa que encontro parada no meio da sala de convivência é Taehyung.
São só alguns microssegundos até nossos olhares se encontrarem e sua expressão inteira se tornar um sorriso. — Eleanor! — Ainda era estranho ouvir meu nome pronunciado por ele, não conseguia me acostumar com aquela sensação. — Eu tava mesmo querendo falar com você, não recebeu minhas mensagens? — penso em checar agora, na frente dele, mas também não sei exatamente o que fazer, estive ignorando tudo e todos nos últimos dias, as notificações surgiam no painel superior do aparelho e apenas deslizava para o lado e elas desapareciam. Mas agora estou parada entre as portas do elevador e com a expressão mais assustada possível, parece que fui pega de surpresa. Não tenho como fugir dele e nem daquela conversa.
— Puta merda, hein? — Trine cochicha bem atrás de mim, e tenho quase certeza que Kim não é capaz de ouvi-la, torço por isso.
— Desculpe, eu não vi... — começo, forçando um sorriso em uma tentativa de não parecer tão nervosa. Estava ponderando como havia conseguido chegar aqui exatamente no mesmo segundo em que Kim, calculando outra vez se aquela era uma ação ou a consequência dela.
— Podemos conversar? — ele pergunta e meu olhar se direciona para Christine — não vai demorar, prometo!
— Te espero no refeitório, tá? — Trine diz, e assinto, antes de vê-la caminhar até as portas de vidro e desaparecer de vista no lance infinito de escadas que separavam o prédio do gramado principal.
— Aconteceu alguma coisa? — Aquela é a primeira coisa que pergunto, como um sinal de alerta na minha cabeça. Taehyung me procurando para conversar só me deixava pensar em uma possibilidade: ele sabia sobre o acordo. De alguma forma, ele provavelmente tinha descoberto tudo e naquele momento seria posta contra à parede para confessar o que tinha planejado.
— Não, — ele começa — quer dizer, sim, mas não exatamente agora. — O rebuliço interno parece piorar, sinto uma pressão estranha nas têmporas e tenho quase certeza de que colocaria tudo para fora, me sentiria pelo menos mais aliviada se aquela sensação ruim também passasse junto com a ânsia, infelizmente meu corpo somatiza as emoções, traz reflexos físicos de dores que não são visíveis, e acabam se tornando. — Quer dar uma volta? Você tá meio pálida...— sua voz me estremece, chacoalha meus miolos porque simplesmente não sei o que esperar, ele está sendo educado e na realidade devo parecer pior do que imagino.
— Ok — de alguma forma, Kim ainda me deixava nervosa. Ainda não conseguia dissociar o antes do agora, como enfiar o dedo em uma ferida cicatrizada só para ter certeza que não dói mais. Não queria avançar do limite que havia criado, parecia que em algum momento havia posto Taehyung naquele lugar para a veneração, como um ídolo, uma criatura boa demais para mim e não conseguia mais enxergá-lo daquela forma há algum tempo.
Assim que ele abre as portas frontais de vidro do prédio dos dormitórios, percebo a mudança brusca no clima, o ar gelado dança entre nós naquele fim de tarde, passeia bagunçando os cabelos de Taehyung, que estão longos ao ponto de cobrir as orelhas, e me faz repensar a ideia de merda que tive de usar aquele vestido.
— Mas então, o que você quer me dizer? — pergunto, sem rodeios, enquanto caminhamos pelo gramado principal. Seu cheiro de calêndula e lavanda me atinge, me faz lembrar do nosso primeiro encontro, na exposição de arte de seu amigo. Ele está usando o moletom com a logo da KYU e é a primeira vez que o vejo usando óculos de grau, que volta e meia ele ajusta no rosto.
— Antes de qualquer coisa, eu só queria dizer que eu realmente errei, eu fui um grande cuzão e você tá livre pra achar o que quiser de mim, mas queria que soubesse meu lado da história primeiro... — Poderia fingir demência, abstrair e encarar aquele como um assunto inédito, mas estava exausta demais pra interpretar um papel que não me cabe mais.
— É sobre a Jieun e o Jungkook, não é? — Me dou conta de que era verdade o que Kang disse, o fantasma dos acontecimentos passados ainda assombravam Taehyung e Jungkook, ainda se fazia presente mesmo quando não era convidado. Os boatos que nunca morrem.
— Ele deve ter te contado tudo... — começa, — só espero que você não me odeie agora — sua voz é suave e grave, ao mesmo tempo, e não, não o odiava, mas queria entender. Taehyung parecia tão inofensivo olhando de perto e tinha causado um estrago irreparável na vida de uma outra pessoa, alguém que ele conhecia desde sempre.
— Não te odeio, eu só acho que isso tudo não me envolve... — digo, encarando meus próprios pés e só então me dando conta que estou usando meias de um tom mostarda que não combinam em absolutamente nada com o resto das minhas roupas. Patética. — é só sobre você, Jungkook e Jieun. — Outra vez sua mão vai até a armação dos óculos e a ajusta.
— Acho justo que você saiba também, e não quero que isso afete nossa amizade — diz — se é que não já afetou. — Seus olhos me avaliam, e fico me perguntando quando foi que tudo se tornou aquilo, pessoas que conhecia há tão pouco e que agora, pareciam partes significativas e importantes demais da minha vida para ignorar assim.
— Na época que o Jungkook e a Jie namoravam, hmmm, eu acabei me envolvendo com ela, sabe? — Na verdade, eu não sei. Mas fico em silêncio, é sua vez de falar. Não sei se existe uma justificativa pra transar com a namorada do melhor amigo na cama dele, mas se existir, Taehyung será o pioneiro nessa tarefa.
— Não queria ter me aproximado da maneira como me aproximei, mas foi no meio de uma fase tão difícil entre eles e eu senti que a Jieun tava sozinha, — ele diz, enfiando as mãos nos bolsos do moletom — não foi proposital e não me orgulho disso, mas aconteceu... — Taehyung está visivelmente tenso, sabia disso porque lembrava de sua concentração nos jogos, o olhar afiado e firme sempre que se preparava para lançar uma bola, que tinha obrigação de ser certeira, exatamente como naquele momento. — Era pra ser só um beijo... — Que provavelmente se tornou uma série de outras coisas bem longe de ser só aquilo. — Mas eu já gostava tanto dela, eu não queria perder aquilo também e eu sei, eu deveria ter sido sincero com ele sobre como me sentia. — Permaneço em silêncio porque não sei o que dizer. Queria dizer que sentia muito e perguntar os motivos dele evitar Jungkook ao invés de tentar explicar as coisas, ele preferia continuar arrastando aquela história como um peso desnecessário ao invés de apenas pedir desculpas.
— Mas isso só aconteceu uma vez, certo? — pergunto, e seu olhar o entrega, denuncia Taehyung como culpado. — Não é, Taehyung? — Quero ouvir a resposta dele, se havia começado e tido a brilhante ideia de me contar, que ao menos fosse até o fim.
— Não, não foi só uma vez. — Por um segundo me pergunto por que me coloquei no meio de um fogo cruzado, em como minha vida se tornou uma série de fatos que preencheria um livro de romance de banca com todo tipo de coisa anormal e estranha acontecendo nele.
A verdade é que nunca soube quem Taehyung era e toda a vulnerabilidade que ele me mostra agora, enquanto parece tão aberto para dizer essas coisas não me deixa ter sentimentos ruins.
— Você deveria dizer essas coisas pro Jungkook... — começo, — deveria deixar ele saber como se sente, tenho certeza que ele vai te ouvir, algumas coisas a gente simplesmente não controla — Exatamente como Trine tinha me dito mais cedo, embora não tivesse tanta certeza assim, mas sabia que Jeon não era, nem de longe, o que falavam dele por aí. Os boatos tinham recaído de maneira negativa só pra ele, afastando quase todo mundo, enquanto Taehyung saía quase ileso e vitorioso. — Já tentei me explicar, mas acho que ele não tá interessado na minha versão. — Ele dá um passo, enquanto eu permaneço parada no mesmo ponto, enraizada como uma árvore antiga no meio do gramado.
— É que... — começo, e me pego pensando se deveria contar ou não, se aquele era o momento certo pra dizer — Jungkook e eu não estamos mais juntos, então... — Taehyung dá um passo atrás, a expressão tão preocupada, a mesma de Trine um pouco mais cedo.
— O que aconteceu? — ele começa — Quer conversar sobre isso com alguém? — Na realidade, eu não consigo. Eu apenas não consigo. E falar disso com Taehyung seria estupidez.
— Tudo bem... — digo, — vai ficar tudo bem. — Sua mão segura a minha e por um segundo simplesmente não sei o que fazer, a sensação que tenho é de que perdi completamente o controle do meu próprio corpo.
— E eu aqui te enchendo com meus problemas e sendo um babaca... — Taehyung diz, — me desculpa! — Seus braços cercam meu corpo e me envolvem em um abraço apertado, sinto seu coração contra o meu peito, calmo e tranquilo. — Eu tô aqui caso você precise de alguém pra conversar. — Em algum ponto daquele ano, aquele abraço era tudo que eu esperava, aquele olhar cuidadoso e aquelas palavras. Mas agora, exatamente agora, quando fecho os olhos, vejo Jungkook. Seu sorriso bonito e raro, seu olhar estrelado, como um pedaço do Céu à noite, por cima do meu rosto, como da última vez.
As mãos de Taehyung avançam até minha nuca, tocando-a com as pontas dos dedos, em uma aproximação repentina que me deixa sem reação e sinto o calor dos seus lábios, do seu hálito doce, tocando meu rosto. Seus olhos estão quase fechando, a pinta bonitinha escondida entre seus cílios parece tão próxima agora por trás das lentes do seu óculos que posso vê-la perfeitamente. Sei que vai me beijar, mais um pouco e sua boca estaria na minha.
— Taehyung, eu... — começo, tropeçando nas palavras e tão perdida dentro de mim que não quero continuar ali, o afastando como um reflexo, o que ele achava que estava fazendo? — tenho que ir agora, a Trine tá me esperando no refeitório e...
— Eu te levo lá, — ele começa — você não parece bem — Os pontos amarelos dispersos por todos os cantos são um resultado catastrófico do meu próprio organismo, a sensação de antes parecia ainda mais forte como se estivesse me preparando para uma coisa fisicamente dolorosa.
Eram os sinais de alerta, as luzes de emergência que se acendem automaticamente no escuro e guiam nossos passos para fora das situações de risco, queria dizer não para Taehyung e não soar grosseira com sua preocupação gentil, queria fingir que estava surpresa com algo que ele havia me contado que, aparentemente, era um segredo profundo com uma cicatriz permanente e queria entender o motivo dele tentar me beijar, depois de me contar que se sentia péssimo com o que havia feito, mas no fundo eu só estava cansada de todas as escolhas erradas que havia feito e de como tinha me envolvido naquilo e no meio de tantas mentiras, até afundar.
— Não, não precisa! Eu preciso mesmo ir, a gente se fala depois! — Não espero sua resposta, embora deduza que ele tenha gritado um "desculpa", e avanço pelo gramado correndo como se minha vida dependesse disso, cruzando a biblioteca central e avistando as portas amarelas do refeitório um pouco mais a frente.
Meu coração parecia uma bomba prestes a explodir, e preciso me amparar em algum lugar antes de continuar. Por sorte, minhas coxas tocam o corrimão gelado da escadaria do refeitório e por um segundo, desabo.
Droga, droga, droga! Tudo acabava dando errado. Absolutamente tudo.
É quase sem querer que meus olhos pousam no quadro de avisos, em uma das listas coladas lá, e encontro seu nome por acaso, lendo uma segunda vez para ter certeza.
RESULTADO PRELIMINAR DO CONCURSO JOVEM CINEASTA
- SEMESTRE NO EXTERIOR - TOKYO UNIVERSITY OF ARTS/JAPAN-
Encontram-se listados abaixo, em ordem alfabética, os alunos pré-selecionados para participarem do Programa de Intercâmbio Jovem Cineasta - Melhores curta-metragens universitários Jun/Jul, concedido pelo Diretor Park Chan-Wook, com destino à Tokyo University of Arts no próximo semestre.
CHA EUNWOO
JEON JUNGKOOK
SON SEUNGWAN
É um baque certeiro e que quase me desestabiliza como um soco no estômago.
Jeon Jungkook. Jeon Jungkook. Jeon Jungkook.
Releio uma terceira vez, até meu cérebro associar: Jungkook. Tóquio. Próximo semestre.
—
*Luzes de emergência se acenderão automaticamente, é o título de um livro de Luisa Geisler, e acho que combina perfeitamente com a situação do capítulo.
N/A:
Olá! Como vocês estão? Estava com saudades de vocês!
Passando para agradecer as leituras, ainda tô sem acreditar no crescimento de CCEG, e cada dia é uma surpresa linda pra mim, inclusive, tenho uma surpresinha pra vocês, não deixem de me seguir lá no twitter: @etthereal_, pra ficar por dentro de um sorteio bem especial que vai rolar de uma camisa inspirada na estória. (Carol é a fada CEO do clã CCEG e é dela todos os créditos do sorteio).
E dando uma divulgada na minha nova estória, "Querido Namorado (não tão) Imaginário", que é uma das minhas favoritas atualmente, dêem uma passadinha lá para ler o primeiro capítulo (caso queiram).
Obrigada por tudo e peço desculpas por qualquer errinho que tenha passado despercebido. Tentarei reler novamente essa semana para corrigir qualquer coisa, ok? Não esqueçam de se cuidar, lavar as mãos, e se puder, ficar em casa. Amo muito todos vocês.
— S.
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