01 - Sempre e para sempre
Ouço o som distante do despertador e tateio a cama sonolenta, encontrando meu celular ao lado do travesseiro. Com apenas um olho aberto, desligo o alarme e junto as sobrancelhas ao ver que são 07:00h. Não lembro de ter programado o alarme para esse horário.
Dou de ombros e coloco o aparelho onde estava antes, com a intenção de voltar a dormir. Porém, mal deito a cabeça no travesseiro quando dona Júlia, também conhecida como minha mãe, entra no quarto animada.
— Bom dia, filha!
— Bom dia? Ainda nem amanheceu direito — resmungo, cobrindo o rosto com o lençol quando ela abre as cortinas.
— Já são sete e meia, Cecília.
— Mas eram sete horas agora — resmungo me perguntando como dormi meia hora e nem percebi. Para mim, a sensação foi de encostar a cabeça no travesseiro e minha mãe entrar logo em seguida.
Me encolho mais debaixo do edredom e ela o puxa com força, me descobrindo.
— MÃE!
— Nem vem, levanta logo. Falta apenas uma semana para o início das aulas e você ainda não comprou um caderno novo e todas as dezenas de canetas que você coleciona e nunca acaba. Se não formos logo, depois você fica me enchendo o saco e choramingando pelos cantos como se não já tivesse uma coleção imensa de canetas, marcadores e sabe-se Deus mais o quê. Então levanta logo!
Sai do quarto e encaro o teto por alguns segundos e, não sei quando, mas em algum momento acabo adormecendo novamente e, quando menos espero, sinto o impacto de algo gelado contra meu rosto. Arregalo os olhos sentando na cama assustada e encontro minha mãe ao lado da cama, toda arrumada e com um copo na mão.
— A senhora jogou água na minha cara? — Pergunto incrédula.
— Deixa de drama, não tinha nem dois dedos de água no copo. E levanta logo, já são 08:10h.
— Já? Mas eu só descansei os olhos por um tempinho.
— E esse tempinho foi quarenta minutos, agora levanta, pois te conheço bem e sei que vai levar no mínimo duas horas pra se arrumar.
Continuo sentada na cama por uns minutos na intenção de desobedece-la por pura petulância, porém ela permanece parada ao lado da cama de braços cruzados e dirigindo-me um olhar muito intimidante. Por fim, acabo cedendo e levanto irritada. Como a criança que deixei de ser há anos, vou para o banheiro batendo os pés.
Juro, quando for mãe não vou ser chata assim não.
Ainda muito irritada, prolongo o banho o máximo possível e dura tempo suficiente para que eu saia mais leve, mais relaxada e menos irritada. Minha mãe às vezes é chata, no entanto, o maior motivo da minha irritação é ter sido obrigada a sair da cama.
Se eu precisar acordar cedo e souber disso não tem problema, meu psicológico estará preparado, se eu acordar cedo naturalmente também está tudo bem, pois quer dizer que meu corpo descansou o suficiente, porém uma coisa que me irrita muito é ser obrigada a levantar cedo desnecessariamente. Como hoje.
Cara, ela podia ter me avisado ontem.
Sentindo a irritação voltar, me obrigo a me distrair com as roupas. Meu closet é minha segunda parte favorita do meu quarto, a primeira obviamente são minhas estantes de livros. Voltando as roupas, escolho uma calça cintura alta jeans escuro, uma cropped sem mangas com gola alta e nós pés um tênis branco. Completo com uma jaqueta jeans claro.
Faço um coque nos meus cabelos, deixando alguns fios soltos em volta do rosto, que dão aquele falso ar casual que eu adoro. Guardo o celular em uma bolsinha preta, penduro-a me meu ombro e, a passos lentos, saio do closet. Antes de sair do quarto, dou uma última olhada no espelho de corpo inteiro que toma toda a porta do meu quarto. Sorrio para meu reflexo e saio.
Encontro minha mãe na cozinha, tomando café com Ângelo, seu odiável noivo, que dormiu aqui noite passada.
Okay, agora eu preciso ser totalmente sincera, ele é o verdadeiro motivo do meu mau humor. Acordar cedo sem aviso só aumentou meu ódio.
De cara fechada, preparo um sanduíche rápido, encho um copo com suco de laranja e vou para a sala, ansiosa para sair de perto deles. Termino de comer rápido, deixo o copo sobre a mesinha de centro e me jogo no sofá. Pego meu celular e vejo que tem uma mensagem de Giulia, minha melhor amiga da vida toda.
Mal envio a mensagem e minha mãe aparece na sala.
— Vamos?
Assinto e aviso para Giulia que estamos saindo.
No elevador encontramos Leonard, um loiro de olhos verdes e sorriso muito simpático que mora no andar de cima. Deve ter a minha idade. Ele abre um sorriso, expondo suas covinhas e analisa-me de cima à baixo.
— Está linda, Cecília.
Sorrio, tímida e um pouco desconfortável. Nunca sei como lidar com elogios.
— Obrigado.
Desvio o olhar para frente e, através do espelho, vejo o sorrisinho da minha mãe. Leonard desce no térreo e minha mãe vira para mim, falando as exatas palavras que eu sabia que sairia de sua boca:
— Bem que ele podia ser meu genro.
— Não começa, mãe — resmungo.
Ela tem uma fixação esquisita com a ideia de me ver namorando. Normalmente as mães são o contrário, não querem que a filha namore, mas claro que minha mãe tinha que ser diferente.
Reviro os olhos.
Dou graças á Deus quando o elevador abre no estacionamento. Sento no banco do carona e, após prender o cinto de segurança, algo que odeio e me deixa meio claustrofóbica, coloco os fones e deixo Perfect do Ed Sheeran no último volume.
Duas ruas depois, minha mãe estaciona em frente ao prédio de Giulia. Ela e a mãe já estão esperando. Saio do banco do carona e vou para o banco de trás do motorista, abrindo espaço para tia Jade sentar ao lado da minha mãe.
— Bom dia! — Cumprimentam juntas, ao entrarem no carro.
Resmungo um “Bom dia”. Minha amiga pergunta se aconteceu algo, mas é minha mãe quem responde:
— Ignora ela, Giu. Foi dormir às três da manhã, mesmo sabendo que acordaria cedo, e agora fica aí de mal humor.
— Eu não sabia que ia sair cedo. Se soubesse não teria dormido tão tarde.
— Eu te avisei sexta-feira.
— Mas eu não lembrava.
— E a culpa é toda sua. Se prestasse mais atenção no que falo essas coisas não aconteceriam.
Reviro os olhos. Recosto minha cabeça na janela, aumento o volume e tento desligar meus pensamentos. Minha amiga, sabendo que sempre fico mal humorada quando Ângelo dorme lá em casa, não tenta puxar assunto. Uns vinte minutos depois chegamos ao shopping.
Nossas mães nos deixam em uma papelaria, avisando que vão nos esperar na praça de alimentação.
Assim como Giulia e eu, Jade e Júlia são amigas desde sempre. As duas trabalham juntas na Dreams, a editora que meu avô fundou junto com o avô de Giulia. Sim, nossas famílias são muito ligadas. Meu avô e o dela se conheceram ainda na infância, mas se perderam de vista por um tempo. Nossas avós foram o meio de reencontro deles.
Assim como Giulia e eu e Jade e Júlia, nossas avós estão, Bianca e Beatriz — sim elas têm nomes parecidos e os apelidos de ambas é Bia —, são amigas desde antes de nascer. Então era meio inevitável que Giulia e eu fossemos grudadas. Mas acho que nossas mães são ainda mais ligadas do que nós duas. Se veem todos os dias no trabalho, mas sempre têm assunto para conversar.
— Amiga — o tom meio incerto de Giulia me faz largar as canetinhas coloridas e olhar para ela —, eu sei que esse é um assunto delicado, mas por que você não dá uma chance para Ângelo?
Ergo a sobrancelha esquerda, mas Giulia não se intimida.
— Qual é, Ceci! Você nunca deu uma chance para ele. Eu já conversei com Ângelo, ele é um cara legal. Se você se permitir pode ser...
— Acontece que eu não quero me permitir, Giulia. Nem quero falar sobre isso.
Bufa irritada.
— Você tá sendo egoísta, sabia? Pensando só em você mesma e odiando ele por nada.
Encaro minha amiga em silêncio. Sem esboçar reação alguma. Ela faz o mesmo.
Permanecemos assim por segundos, até uma menininha passar correndo e esbarrar em mim. A mãe da criança se desculpa e assinto, voltando a olhar minha amiga.
— Giu, hoje meu humor não tá dos melhores e eu realmente não tô afim de discutir com você. Podemos não falar sobre isso? Eu te amo, mas esse assunto não diz respeito a você.
— Você é praticamente minha irmã, e toda essa história te afeta muito, então é claro que me diz respeito. Você cuidou de mim quando precisei, jogou verdades duras na minha cara mesmo sabendo que eu não queria ouvir. Acho que tenho o direito de fazer o mesmo.
— Tá, mas não hoje. Meu humor realmente tá uma merda.
— Tudo bem, mas ainda vamos voltar a falar sobre isso.
Dou de ombros e me afasto.
Escolhemos alguns artigos de papelarias, como pen brushs e uma série de canetas coloridas. Alguns post it’s e um monte de outras coisas fofas.
Nossa escola é composta basicamente por riquinhos metidos a besta e a maioria prefere fazer anotações em tablets ou notebooks, mas eu, apesar de fazer parte da geração Z, ainda sou muito analógica, e completamente viciada em gastar dinheiro com artigos de papelaria, portanto, apesar de levar meu notebook ou tablet para a aula às vezes, eu ainda prefiro o bom e velho caderno com muitos textos bem coloridos.
Normalmente, eu pediria a opinião de Giulia sobre cada escolha minha, mas não estou no clima para interagir. Me sinto até um pouco mal por estar sendo chata, mas realmente não estou com energia para ser legal, nem mesmo com minha melhor amiga.
Após pouco mais que uma hora, meu humor já deu uma melhorada. Pagamos tudo e voltamos para a praça de alimentação, mas nossas mães não estão lá. Mando mensagem avisando que vamos ficar e comer, mas dona Júlia nem visualiza.
Comemos um sushi bem ruinzinho e depois saímos atrás das nossas mães, achamos as duas em uma livraria, o que não é surpresa nenhuma, são herdeiras — e funcionárias — de uma editora, afinal.
Caminhando entre as estantes de livros, sinto meu humor melhorar mil por cento. Compro alguns — muitos — livros e saio muito mais animada do que entrei.
Uns vinte minutos depois, elas nos deixam no prédio de Giulia para resolverem algo sobre a escola.
Suspiro encarando o teto.
— Tá pensando em quê?
Suspiro de novo.
— Tô meio ansiosa para a volta às aulas, e meio triste também porque já é nosso último ano.
— Chegou rápido, né?
— Muito — suspiro novamente. — Não sei se estou pronta pra crescer — confesso o que tem me atormentado desde que entramos nas férias de verão. — Na universidade as responsabilidades serão maiores, talvez a gente vá para longe dos nossos pais e tenhamos que agir como... adultas. Não sei se estou pronta pra virar adulta.
— Entendo. Estava pensando nisso ontem. É realmente assustador. Muito assustador. Uns anos atrás tudo o que eu queria era crescer, agora eu só queria voltar no tempo e aproveitar tudo mais um pouco.
— Com mais calma — completo e sorrio. — Pensamos tão parecido.
— Crescer é assustador. Pensar em sair da casa dos nossos pais e fazer nossa vida é apavorante — segura minha mão —, mas saber que sempre vou poder contar contigo deixa tudo um pouquinho menos aterrorizante.
Sorrio e sento na cama.
— Pelo menos isso — ela senta também e nos abraçamos meio desajeitadas.
Nos afastamos e unimos nossos mindinhos, como fazíamos na infância, e falamos juntas:
— Sempre e para sempre!
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Então, pessoas, me digam o que acharam desse primeiro capítulo?
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