Demétrio
Esta não é minha história, mas sim da minha mãe. Nosso pai não era, sendo bem generoso na minha colocação, a melhor pessoa do mundo.
Não, ele não batia na minha mãe, nem a insultava perto dos filhos, mas bebia muito e fumava também. A casa tinha um cheiro insuportável!
Mas além disso, era um tanto folgado. Ao longo da vida ele trabalhou, quando muito, por uns 2 anos. O resto do tempo ele passava em um sofá com um livro de apostas nas mãos, sem interagir com as pessoas ao redor.
Tenho um irmão e uma irmã, portanto, minha mãe era responsável por 3 filhos (4, contando com meu pai, que não fazia nada para ajudar em casa).
Tudo faltava, desde do básico.
Quando cresci um pouco mais e meu pai morreu, perguntei para minha mãe por que ela não havia se separado dele.
Ela respondeu que vivia com ele para o bem dos filhos, para não deixá-los sem um pai, e que ele "apesar de beber muito não batia nela". Eu não quis dizer nada para não magoá-la, mas o fato é que nunca tivemos um pai, exatamente...
Na verdade, o senhor Montserrat é o mais próximo de um pai que tivemos.
Minha mãe não sabe, mas ele nos protege de uma maneira única. Deu um trabalho pra mim e o meu irmão, mesmo nos dois sendo crianças ainda. Mas posso contar um segredo, Alessandro é que sempre fez a maioria dos trabalhos, nos permitindo apenas ser os seus auxiliares.
Por isso, ele está sempre exausto, está fazendo jornada tripla apenas pra ajudar a nossa família.
Ele ainda tira tempo para nós ajudar nos exercícios da escola. Brinca comigo e com o Régis, dá atenção a nossa irmãzinha.
Juro, que muitas vezes desejei que ele fosse o meu pai de verdade. Mas, sei que é impossível.
Mas antes disso, um fato mudou meu conceito sobre que tipo de pessoa eu desejo ser.
Estava perto do meu aniversário, faria 12 anos. Eu e o Régis estamos brincando no galpão onde eram guardados os produtos agrícolas e todo o maquinário do senhor Basurto, patrão de nossos pais.
Eram pouco mais de 15 hrs da tarde, quando percebi que meu pai entrou no galpão, em seguida a esposa do senhor Basurto entrou também.
Os dois se beijaram e eu perdi o meu chão na hora. Quando olhei pra trás vi que o Régis também estava vendo tudo.
Senti uma raiva tão grande, que dei dois passos na direção deles. Mas Régis segurou o meu braço e fez não com a cabeça.
Pensamos em sair pela porta dos fundos quando vimos que a madame La Rive entregou um maço de dinheiro pro nosso pai. Ele sorriu feliz a levantando no ar e rodopiando pelo galpão.
Nisso ouvimos passos e a voz de nossa mãe chamando pelo traidor.
Num movimento rápido, ele fez com que La Rive se escondesse atrás de uma pilha de sal mineral.
Eu e o Régis não acreditavamos que nossa mãe havia se submetido àquela situação por tantos anos. Ela que sempre defendeu nosso pai e tentava ajudar o máximo, para que o mesmo participasse das competições de rodeio não conseguiu prevenir e salvar si mesma de cair nas garras de algo que com certeza ela mesma jurou nunca cair.
— Estevão... — Ela chamou-o novamente, antes de entrar dentro do galpão, o encarando com as íris [cor dos olhos] totalmente opacas e sem vida.
Ali, eu e meu irmão percebemos o quanto ela está sofrendo.
Como nos dois nunca vimos isso?
Della olhou em volta e lembrou-se que a primeira coisa que o Estevão elogiou ao chegar de mais um rodeio, aonde ele havia ganhado na montaria... foi o brilho dos seus olhos e quase riu de desgosto ao se recordar o quanto havia ficado feliz em receber um elogio dele. Ele até brincou um pouco com os meninos antes de entregar alguns doces a ambos.
— Hm? – A maldição respondeu, sem tirar os olhos da pilha de sal mineral, o desespero em seu rosto deixava a cena ridícula.
— Eu quero... — Della começou sua frase, mas a interrompeu por alguns instantes, lembrando dos sorrisos de Estevão. Sua voz murmurando palavras como "Eu te amo" ou"Você faz eu me sentir vivo" ecoando em sua mente tentando te impedir de completar a frase e voltar atrás na sua decisão.
— Você quer o que aqui...? Não está vendo que estou muito ocupado agora. — Estevão questionou, finalmente olhando para nossa mãe ao estranhar sua frase cortada no meio.
— Eu quero... Que você me ajude na organização da festa de Demétrio. — Della sussurrou, com suas memórias inundando de imagens de Estevão e ela, seu primeiro beijo, sua primeira noite com ele, as palavras doces que ele sussurrava todas as vezes que ela pensava em tentar terminar e nunca conseguia escutar aquelas malditas três palavras saindo das cordas vocais dele.
— Della, querida, o que você quer dizer com isso? Sabe que estou completamente sem dinheiro pra isso agora. Questionou, colocando uma das mãos no bolso da calça onde eu e o Régis sabíamos estar uma grande fortuna em notas de cinquenta.
Chantagem emocional, claro que ele usaria isso. Ele sempre usava quando nossa mãe tocava no assunto de dinheiro, dissimulando uma face confusa enquanto esboçava uma falsa preocupação. Estevão não era idiota, obviamente ele sabia o que significavam aquelas palavras e o quão mal ele fazia a nos.
Mas nossa era a bonequinha predileta dele, e Estevão estava disposto a torturar e matar quem quer que tentasse lhe tirar dele. Era isso que o mesmo afirmava nas rodas de jogatina com os seus amigos beberrões.
— Você sabe o que gastar o meu dinheiro suado com uma festa idiota de aniversário?
Minha mãe murmurou, contendo a vontade de desabar em lágrimas. Ela ainda o amava ou era tão dependente a ponto de achar que aquilo erabamor.
— Você não pode fazer isso. Demétrio está ansioso por isso e foi você mesmo, que prometeu uma festa pra ele!
— Eu fiz isso? Tem certeza? Indagou ele, parando à frente de nossa mãe e acariciou levemente sua bochecha, com um sorriso gentil em sua face cheia de esperanças.
Era impressionante o quão bem Estevão dissimulava suas próprias ações e fingia ter algum sentimento positivo em relação a sua esposa e filho.
— Acho que eu estava bêbado. Mas infelizmente não terei como cumprir essa promessa. Faça você mesmo um desses bolos caseiros. Demétrio nem vai perceber a diferença mesmo.
— Estevão...
— Afinal... Eu te amo e amo os nossos filhos. — Ele continuou acariciando seu rosto e aquele toque, por mais gentil que fosse, eram como várias agulhas perfurando a face de nossa mãe, doía, ardia, causava repulsa nela.
Eu e o Régis podíamos sentir tudo isso diante de nossos olhos agora.
— Faça o que eu digo e tudo vai dar certo. Amanhã vou pegar a estrada, tem um rodeio em Mato Grosso. A madame Lá Rive se ofereceu pra me acompanhar.
— Você realmente precisa ir. Olha eu...
— Della, não seja tão imprudente. Ele levantou o queixo de nossa mãe com bruscalidade. Pela segunda vez tentei intervir e Régis me deteve. — Cuidado com o que fala. Sabe que a culpa é sua por eu ter que me ausentar. São quatro bocas para alimentar agora. Eu lhe disse que dois meninos eram suficientes. Por isso, não seja uma mulher histérica quando eu digo que irei viajar com a madame La Rive.
Em seguida ele a empurrou.
— E jamais se esqueça que ninguém vai te amar tanto quanto eu, Della! Afirmou a puxando de volta para seus braços.
— Por favor, não me toque... — Estevão afastou as mãos de nossa mãe e deu as costas com irritação, engolindo o choro que teimava em borbulhar dentro de si ela foi em direção a saída do galpão.
— Eu te amo Estevão. — Della murmurou. — Mas eu amo os nossos filhos mais. — Dito isso, ela começou a caminhar em direção à nossa casa, contendo a vontade de voltar atrás naquelas palavras, de lembrar do quanto os beijos de nosso pai pareciam cheios de amor e todas as vezes que ele sussurrava palavras carregadas de um carinho que ela sabia que não passava do sentimento de posse que ele tem com relação à nossa mãe mas que ainda assim fazia ela sentir borboletas no estômago.
Della precisava enterrar todos aqueles sentimentos a sete palmos abaixo da terra, ela precisava fugir daquela maldição. E foi o que nossa mãe fez assim que recebeu a notícia da morte de nosso pai.
O destino foi justo, Estevão Giancint morreu em cima de um boi que escorregou numa arena e o esmagou.
Lembro de ter visto a Madame La Rive sair de detrás da pilha de sal com o olhar de divertimento e deboche.
— Você não vai atrás dela? Sabe que precisamos dela para manter o nosso relacionamento em segredo. — A mulher de cabelos vermelhos e roupas inadequadas perguntou, assim que a viu sumir do galpão, saindo do local em que estava escondida e escutando a conversa de nosso pai com nossa mãe. Não se surpreendendo ao ouvir a gargalhada animada de Estevão, que parecia realmente entretio com toda aquela situação.
— Óbvio que vou. A idiota acredita em tudo que eu digo. — Estevão disse, em meio às risadas. — Minha bonequinha é muito preciosa para nossos planos. — Ele comentou, sentindo-se extasiado com toda a situação. — Eu não consigo conter minha animação por nossa viagem. — Ele disse, olhando para madame La Rive com os olhos castanhos escuros brilhando de alegria. — Eu preciso quebrá-la até o fim. Pois Della só serve pra isso mesmo!
Desse dia em diante, eu e meu irmão passamos a proteger nossa mãe e nossa irmã das maldades de nosso pai. Vivíamos em constante vigília. Tudo pra impedir o pior, por um tempo funcionou, mas depois Estevão começou a perceber o que estamos fazendo e tanto eu como Régis viramos alvos de suas palavras amargas.
1660 Palavras
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