Capítulo 7
Que o medo de cair mais uma vez não te impeça de viver mais uma linda história de amor.
Nos dias que se seguiram, Della percebeu que pensava em Alessandro Montserrat com demasiada frequência. Por razões que não queria analisar, ele lhe infundira uma vitalidade que há muito não experimentava. A sensação de bem-estar perdurara após ele ter ido embora no sábado e Della não tinha certeza se gostava ou não daquilo. De certa forma, a sensação a perturbava e ela preferia tirá-la da cabeça. Mas, mesmo assim, tinha de admitir para si própria que estava contando os dias que faltavam para a quarta-feira, quando começaria a trabalhar na casa dele.
No dia combinado, dirigiu-se ansiosa a casa que mais parecia uma mansão de tão grande e não se decepcionou com o que viu. O lugar era simples e rústico, mas possuía uma atmosfera aconchegante que a envolvia cada vez mais à medida que percorria os cômodos. O jardim era bem cuidado e havia um imenso pomar nos fundos.
A cozinha era bem grande, com armários de madeira e uma área espaçosa para refeições. Uma mesa de madeira rústica que cabia pelo menos 12 pessoas. A saída para a varanda ficava em um dos extremos do aposento e, do outro lado, havia um quartinho que Alessandro utilizava como depósito.
A sala de estar também era ampla. Uma bela lareira de pedra dominava a parede dos fundos e sobre ela havia um grande disco achatado que parecia ser um velho escudo de bronze. Sobre as prateleiras ao lado encontravam-se uma grande coleção de livros e um aparelho de som. Com uma estande cheia de discos de diversos estilos musicais. As outras paredes eram decoradas com quadros retratando animais selvagens e dois painéis coloridos retratando paisagens naturais de outros lugares do mundo. O assoalho escuro ostentava apenas um tapete marron entre os dois sofás brancos que se colocavam frente à frente junto da lareira. A mesa de centro era quadrada e simples, com poucas peças de decoração. Um lance de escada levava a um espaço aberto protegido apenas por uma grade de metal e, algumas plantas ornamentais, mais atrás, havia um corredor com quatro portas.
A primeira porta levava a um banheiro moderno e bem equipado, inclusive com uma banheira toda em madeira de hidromassagem. A segunda porta conduzia ao quarto e Della experimentou uma sensação estranha ao ver a enorme cama com colchão de água, os lençóis desarrumados. Os outros dois quartos poderiam ser considerados quartos de hóspedes, mas eles estavam vazios.
Inexplicavelmente atraída, vltou para o quarto principal e era como se a visão a magnetizasse, adiantou-se para o centro do aposento e ajeitou devagar o travesseiro amarfanhado. Consciente do cheiro de Alessandro, que permeava as roupas de cama, sentiu uma intensa necessidade interna que relutava em definir, mas que estava presente bem dentro dela.
Experimentava uma solidão mais opressiva do que nunca. Respirando fundo, tirou as mãos do travesseiro e encarou a realidade não muito agradável: homens como Alessandro Montserrat não precisavam recorrer a uma viúva com três filhos para preencher suas noites solitárias.
Desanimada, Della iniciou a arrumação da casa e terminou o trabalho bem a tempo de pegar Nádia na escola; porém, por mais que tentasse, não conseguia afastar a sensação de vazio que se instalara dentro dela.
Os dias seguintes foram ruins para Della. A terça-feira, em especial, foi péssima e seu humor piorou ainda mais quando Demétrio e Régis chegaram da escola com uma circular avisando que todas as crianças deveriam usar tênis de ginástica adequados, com solado de borracha. Della leu o recado com desânimo, imaginando quanto iriam lhe custar os calçados exigidos pela escola.
Haviam acabado de jantar quando Della recebeu um telefonema de Oliver Meirelles, o proprietário do Hotel, perguntando se ela poderia trabalhar naquela noite. Ela ainda não havia limpado o escritório de Alessandro, mas se Generosa concordasse em vir dormir com as crianças, cumpriria essa tarefa de manhã bem cedo, antes que todos acordassem. Della disse sim, embora com vontade de poder ter dito não. Não estava com a menor disposição para servir drinques a um bando de pessoas barulhentas e alegres, mas não tinha como recusar a oferta após a notícia dos tênis novos.
Della começou a trabalhar às sete horas e às oito já se sentia exausta. A noite estava com um movimento incomum para meio de semana e havia um grupo em especial que não lhe dava sossego.
Pela conversa, deduziu que eram estudantes universitários vindos de outra cidade, e faziam o possível para serem desagradáveis. Della aproximou-se deles de mau humor para servir mais uma rodada de cerveja.
— Ei, por que não se senta conosco? — Sugeriu um dos rapazes, visivelmente embriagado. — O que uma gata como você está fazendo num lugar destes?
Della já aguentara o suficiente de maus modos e linguagem vulgar daquele grupo.
Sua resposta veio acompanhada de um sorriso irônico.
— Estou aqui para servir rapazinhos que estão tentando, sem muito sucesso, agir como gente grande.
No estado de embriaguez em que se encontrava, ele demorou alguns instantes para compreender o significado da resposta de Della, mas quando seu raciocínio funcionou, tentou segurá-la enquanto lhe dirigia uma série de palavrões.
Porém, antes que o rapaz tivesse chance de fazer qualquer coisa, um braço se interpôs entre ele e Della, jogando-o de volta para a cadeira.
— Tente isso, colega e, eu quebro a sua cara agora mesmo.
Surpresa com o inesperado da situação, Della recuou com o coração aos pulos e, ao levantar a cabeça, deparou-se com Alessandro Montserrat. A expressão dele era dura e seus olhos faiscavam de raiva.
— Ei, eu só estava brincando. — Balbuciou o estudante. — Não ia fazer nada. Não sabia que a dona era casada. Sinto muito senhor...
— É bom mesmo. — Alessandro prosseguiu inflexível. — Agora paguem a conta e caiam fora daqui.
— Algum problema, Alessandro? — Meirelles indagou, aproximando-se da mesa com as mãos apoiadas nos quadris.
— Nenhum problema, Meirelles. Estas pessoas estão indo embora. É só.
O proprietário do hotel fez um sinal de assentimento com a cabeça e virou-se para Della.
— O pessoal daquela mesa dos fundos está querendo mais uma rodada, Della. — Avisou, com um tom de voz estranhamente calmo para a situação. Quando Della virou-se para ir atender a mesa, ele piscou para ela e abriu um largo sorriso. — Não me diga que conseguiu fazer alessandro Montserrat se esquentar. — Murmurou tentando na rir da situação. — Isto quase merece uma rodada por minha conta.
Della afastou-se com o rosto corado. Pelo menos o incidente servira para dissipar seu cansaço.
Alessandro sentou-se com Meirelles e outros colegas numa mesa que Genna, a esposa de Meirelles, servia. Della estava tão ocupada que nem teve chance de ir agradecer-lhe.
Houve apenas uma troca de olhares em uma das vezes que ela parou junto ao balcão, esperando por um pedido. Della fitara, distraída o salão cheio de fumaça e percebera que Alessandro a estava observando. O barulho em volta pareceu desaparecer quando seus olhos se cruzaram; então Alessandro sorriu e sacudiu lentamente a cabeça. Enrubescendo outra vez, Della desviou o rosto. Nenhum homem poderia ter tamanho magnetismo, pensou, sentindo as pernas moles.
Quando ela terminou de arrumar as coisas para ir embora, eram quase duas horas da manhã.
Colocou a alça da bolsa sobre o ombro, enfiou as mãos nos bolsos do casaco e saiu no ar frio da noite. O único som na rua era o zumbido das lâmpadas de mercúrio. Ao tomar a direção da casa, um vulto surgiu das sombras do prédio e Alessandro surgiu à sua frente. Uma brisa leve lhe agitava os cabelos escuros e arrastava folhas secas sobre a calçada. Ele levantou a gola do casaco cinza e enfiou as mãos nos bolsos enquanto a esperava em silêncio. Uma onda de excitação atingiu Della com tal força que lhe dificultava a respiração. Alessandro continuou calado quando ela o alcançou; então lhe ofereceu o braço. Sentindo-se como num sonho, Della aceitou a oferta e colocou seu braço no dele. Alessandro sorriu; os olhos brilhando sob as luzes da rua.
— Oi, vizinha... — Ele murmurou. Della não pôde falar. A voz grave de Alessandro em seu ouvido, o calor de seu corpo tão próximo á deixavam fraca. — Gostei das suas palavras sobre rapazinhos querendo parecer gente grande. Alguém já lhe disse que você é cruel?
Ele tirou a mão do bolso e enlaçou seus dedos nos de Della. Sentindo-se corar, ela teve receio de que seus olhos revelassem mais do que seria conveniente.
— Meus filhos me dizem sempre. Obrigada por ter me defendido, Alessandro.
— Duvido que você precisasse mesmo de ajuda. Parecia estar indo muito bem; sozinha.
— Bem, eu... — Constrangida, Della mudou de assunto depressa. — Você não precisava ter esperado por mim. — Murmurou.
Alesandro segurou-lhe a mão com mais força e a puxou para perto de si.
— Eu quis esperar. — Sua voz tinha um tom quente e íntimo. Caminharam em silêncio durante alguns minutos e, então, ele a fitou. — Os meninos gostaram do filme De Volta para o Futuro?
— Como você sabe qual era o filme? — Della levantou os olhos, questionando-o.
Tinha certeza de não ter mencionado esse detalhe.
— Os filhos de Domingas Mendonça são quase da mesma idade e eles fizeram questão de me contarar todo filme. — Ele respondeu, desviando depressa o olhar.
— Alessandro... — Ela parou de andar e o encarou, com um nó na garganta.
— O quê?
— Você sabia, não é? Sabia por que eles não podiam ir. Foi por isso que deu aquela tarefa a eles. E os pagou como se eles fossem adultos e...
Ele baixou os olhos e apertou com mais força a mão de Della. Ficou em silêncio por um longo tempo e, então, respirou fundo e a encarou.
— Sim, eu sabia. Eu ouvi os meninos conversando, mas não derrubei sua cerca de propósito.
— Por que fez isso, Alessandro? — Ela insistiu séria.
— Porque eu sabia como eles deviam estar se sentindo. Quando eu tinha mais ou menos a idade de Demétrio, meu pai ficou desempregado e mamãe tinha de economizar cada centavo. Nunca havia dinheiro extra e o que mais me irritava era ninguém me dar uma chance de ganhar alguma coisa com meu trabalho. Adultos às vezes mostram-se muito condescendentes com crianças. Eles acreditam que as crianças não sabem ou não percebem as coisas, mas estão enganados. — Alessandro recomeçou a andar, sem soltar-lhe a mão.
— Então você inventou um emprego para eles.
— Não, Della. Eu teria de contratar um garoto para arrumar aquela terra na horta da Sra. Pontes e cheguei à conclusão de que precisava de ajuda na loja, pelo menos durante algumas horas por semana. Quando vi como Demétrio e Régis trabalhavam com responsabilidade, achei que valeria a pena dar-lhes uma chance. Os dois apesar da pouca idade possuem algo que muitos da idade deles não possuem. — Ele olhou para Della, esperando por algum comentário, mas ela continuava a andar em silêncio. Após alguns instantes, ele continuou a falar. — Eu percebi que você queria resolver o problema sem ajuda de ninguém e tive medo de que visse minha atitude como um gesto de caridade. Não foi essa minha intenção.
Della permaneceu pensativa, tentando raciocinar sobre o que ele lhe dizia. Por um lado, podia mesmo encarar o que ele fizera como um gesto de caridade, por mais sutil que fosse. Mas por outro, era possível admitir que ele apenas houvesse dado aos meninos uma chance de provar seu valor.
Simplesmente lhes oferecera um emprego. Ela recebera a mesma oferta e não hesitara em aceitar.
Pararam em frente à varanda da casa dela e Alessandro a fitou, incerto. Por um longo tempo, ficaram em silêncio, sentindo a tensão crescer. Por fim, ela arriscou um sorriso.
— Gostaria de continuar esta conversa lá dentro?
— Que tal se esquecêssemos esta conversa aqui fora e iniciássemos outra lá dentro?
— Pode ser... — Ela concordou, rindo da maneira como ele falara. — Esta conversa não está mesmo levando a lugar algum.
Ele a fitou de uma maneira diferente e, então, levantou a mão para afastar-lhe lentamente os cabelos do rosto. Della estremeceu com o toque suave; todos os seus sentidos estavam em alerta pela proximidade dele.
— Está com frio? — Alessandro perguntou. — Por que não deixa os seus cabelos na cor natural?
— Não, não estou com frio. Os meus cabelos? Bem, eu... — Ela murmurou; incapaz de desviar os olhos do rosto dele.
Ele sorriu e continuou a fitá-la, com um ar de intimidade estonteante. Sem pensar, Della apertou a mão dele com mais força, sentindo necessidade daquele contato sólido para manter-se firme sobre o chão.
― Vamos entrar. — Ele sugeriu, com um tom de voz grave que mais parecia uma carícia.
Depois, colocou o braço sobre os ombros dela e a conduziu até a porta.
Della girou a chave com dedos trêmulos e fez um sinal a Alessandro para que se mantivesse em silêncio.
— Generosa está dormindo na sala. — Avisou.
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