Capítulo 6
Que o medo de cair mais uma vez não te impeça de viver mais uma linda história de amor.
Della não viu os meninos pelo resto da tarde. Por volta das cinco horas, não pôde mais conter a curiosidade e foi espiar o que estava acontecendo. Sua cerca ficara reduzida a uma pilha caprichada de madeira para fogo e a terra havia sido espalhada por igual sobre a horta da sra. Pontes.
Ela mal conteve o riso quando deu a volta na garagem e viu Demétrio, sério e suado, varrendo diligentemente a calçada da vizinha enquanto Régis vinha atrás com uma mangueira de água.
la voltar para casa quando o caminhão da Alto Peças Veículos estacionou no meio-fio e Alessandro desceu. Ele a cumprimentou com um aceno de cabeça e encaminhou-se para onde os meninos se encontravam. Colocou as mãos nos quadris, olhou em volta e falou alguma coisa com Demétrio. O garoto pegou as pás e a vassoura e depositou-as na carroceria do caminhão. Régis enrolou a mangueira e aproximou-se do irmão.
Della os observou por um momento, depois virou-se e voltou para casa. Ao passar pelos canteiros de flores, notou algum mato crescendo junto com os amores-perfeitos e ajoelhou-se no chão para arrancá-lo. Ainda encontrava-se no jardim quando os meninos entraram correndo, com sorrisos de orelha a orelha.
— Mamãe! O Sr. Montserrat quer falar com você. Adivinhe só? Quer que eu e Régis trabalhemos para ele! Como aprendizes em sua empresa.
Della levantou-se, hesitante, e olhou para o homem que vinha entrando no jardim atrás das crianças. Entusiasmado, Régis não lhe deu tempo de organizar os pensamentos.
— Sabe o que mais, mamãe? O Sr. Montserrat pagou cento cinquenta reais para cada um de nós por ajudarmos a cuidar da horta da Sra. Pontes! Agora podemos ir ao cinema? Podemos mamãe? Já temos dinheiro para pagar!
Embaraçada pela maneira espontânea com que o menino se expressara na frente de Alessandro, Della limpou as mãos nas pernas da calça e fitou os rostos ansiosos dos filhos.
— Sim, eu... Claro que podem ir. É melhor correrem para dizer a Domingas que houve uma mudança nos planos. Eu...
Os meninos não lhe deram chance de terminar. Saíram aos pulos do jardim e á deixaram sozinha com aquele homem, cuja presença lhe causava um nervosismo que não sabia explicar.
Precisou de um grande esforço para encará-lo.
— Não havia necessidade de pagá-los. Poderiam ter feito o trabalho como um favor.
— Por quê? Eles trabalharam bem. Se tivesse contratado outra pessoa para fazer o serviço, precisaria pagar certo? Foi um trabalho duro. Eles mereceram o dinheiro.
— Obrigada. Significou muito para eles.
— É; eu percebi.
— Imagino que sim. — Ela murmurou, sorrindo ao perceber um brilho bem-humorado nos olhos dele.
— Falo sério quanto a querer que eles façam alguns serviços ocasionais na oficina e na construtora, se você não tiver objeções. Eles são responsáveis e eu gosto disso. Eles podem fazer quando chegarem do colégio, claro, seus deveres serão prioridade. — Alessandro continuava a observá-la, como se quisesse avaliar cada gesto.
Della não sabia o que dizer, então levantou os ombros e fez um gesto confuso com as mãos.
— Bem, claro, se acha que eles podem mesmo ajudar...
― Tenho certeza de que sim. São crianças interessadas e percebi que aprendem rápido, conforme forem crescendo poderam aprender outros serviços dentro da oficina ou na construtora. Como lhe disse eu terei o maior prazer em ensina-los. — Ele levou a mão ao boné e puxou-o sobre a testa.
— Domingas Mendonça me disse que você está procurando emprego. Eu venho tentando encontrar uma pessoa para limpar o escritório depois do expediente e fazer algumas tarefas domésticas para mim. Será que estaria interessada?
Della ficou sem ar ao ouvir a proposta e demorou alguns segundos para conseguir responder.
― Eu... Sim, eu estou interessada. — Respirou fundo, tentando controlar o tremor que lhe agitava o corpo. — Eu lhe devo desculpas, Sr. Montserrat
― Pode me chamar de Alessandro. — Ele corrigiu, sorrindo. — E você não me deve nada.
— Claro que devo. No dia em que o pneu furou... Eu não tinha motivo para agir daquela maneira e sinto muito por isso.
— Não precisa se desculpar. Todos nós temos dias ruins.
― Aquele dia foi mais do que ruim para mim. Você apareceu no pior momento possível.
E então, aconteceu. Os lábios dele abriram-se num largo sorriso e Della ficou fascinada. A expressão de Alessandro tornou-se tão calorosa e havia um brilho tão especial em seus olhos que ela sorriu também.
― Não se preocupe com isso. Ezequiel me contou que você se desculpou com ele e me disse que eu não devia tê-la tratado daquela maneira.
— Você estava coberto de razão.
— Isso não importa mais. Vamos esquecer o incidente, está bem? — Ele estendeu a mão num gesto conciliatório e seu sorriso tornou-se ainda mais cativante. — Bem-vinda a Alexandria, Della Giancinti.
Atordoada, Della colocou sua mão sobre a de Alessandro e sentiu o pulso acelerar ao experimentar o calor que emanava dele. Alessandro a fitou com um olhar divertido e presenteou-a com mais um de seus sorrisos arrasadores. Della podia jurar que o chão desaparecera sob seus pés. Domingas não sabia o que falava, lembrou. Ficar com as pernas moles era muito pouco.
Como poderia existir um homem com o sorriso tão sedutor, seus olhos claros emitiam um brilho único. Uma luz que hora transmitia paz e calor, algo que Della nunca havia visto antes.
A semana seguinte passou tão depressa que Della mal a percebeu. Houve a movimentação costumeira de início das aulas das crianças e, para completar, a própria agenda de Della tornava-se apertada. Ela trabalhava várias noites no bar do hotel e começara a fazer limpeza em três casas. No fim do horário normal de trabalho, ainda tinha de limpar o escritório de Alessandro e seus dias nunca pareciam ser suficientemente longos. O emprego como governanta na casa dele só iniciaria na quarta-feira seguinte, mas ela já experimentava uma sensação estranha cada vez que pensava nisso — o que ocorria com uma frequência maior do que gostaria de admitir.
O emprego no hotel acabara apresentando vantagens extras. Della nunca imaginara que poderia ganhar tantas gorjetas servindo bebidas e esse rendimento inesperado acusava uma diferença incrível em sua paz de espírito. Ainda não podia sair fazendo compras, mas já tinha condições de guardar um pouco de dinheiro a cada semana. E a cada gorjeta que conseguia economizar, sentia-se mais segura. Ainda assim, não podia dar-se ao luxo de arcar com qualquer despesa extra ou inesperada.
O sábado trouxe uma dessas manhãs claras e tranquilas de início de outono. Em primeiro lugar, a diversidade climática do estado é impressionante. E no outono é uma excelente oportunidade para se aventurar pelas montanhas. Como a estação é uma preparação para a chegada do inverno, os turistas podem aproveitar os destinos localizados nas proximidades da serra sem precisar enfrentar o frio extremo da região. Neste período, dia e noite tem a mesma duração e o clima mais ameno é propício para uma aventura na serra.
Della sentia-se inquieta trabalhando dentro de casa, por isso resolveu aproveitar o clima agradável e terminar a limpeza do pátio. Quando chegou à garagem, percebeu que a madeira quebrada da cerca havia sido retirada. No mesmo instante, retornou à sua mente a imagem dos belos olhos azuis e Della estremeceu com o súbito calor que lhe invadia o corpo. Seu lado prático a avisava de que era um erro divagar de tal maneira; porém, sua metade sonhadora apreciava aquela sensação que a lembrança de Alessandro lhe causava.
Séria, Della caminhou para frente da casa. Aquilo estava se tornando ridículo. Já não tinha idade para ficar sonhando acordada como uma adolescente.
Enquanto cuidava do jardim, examinou a varanda, cujas pilastras haviam cedido sob o peso de peitoril de cimento e concluiu que a casa ficaria com uma aparência bem melhor se tratasse de consertá-la. Se conseguisse um macaco de automóvel suficientemente grande, poderia levantar o parapeito inclinando da varanda e colocar sob ele, como suporte, os blocos de cimento que vira na garagem. Não seria um trabalho tão difícil.
Della olhou para a oficina de Alessandro e reparou que Ezequiel Mendes acabava de chegar com um caminhão. Após um segundo de hesitação, atravessou a rua correndo e aproximou-se dele.
— Oi, Ezequiel. Como vai?
— Ótimo. E você?
— Estou bem, obrigada. Será que poderia me emprestar um pouco o macaco de seu caminhão? Eu queria tentar levantar o parapeito da varanda.
— Pode pegar. Está na caixa de ferramentas. Quando terminar, é só colocá-lo de volta. Sinto muito não poder ajudar, mas tenho de sair para fazer uma entrega daqui a pouco.
— Tudo bem, Ezequiel. Obrigada.
Uma hora mais tarde, Della começava a duvidar se a idéia de consertar a varanda havia mesmo sido tão boa. Levantara uma das extremidades e conseguira apoiá-la com o bloco de cimento sem problemas, mas a outra, junto aos degraus, continuava cedendo.
Depois de ter tentado colocar o suporte de vários modos, sua paciência se esgotou.
Detestava quando as coisas não funcionavam por insuficiência de alguma coisa: faltava-lhe força, o macaco era muito pequeno e havia poucos blocos. Isso á deixava louca.
— Pela sua expressão zangada, acho que estou procurando encrenca se oferecer ajuda.
Ela levantou os olhos e deparou-se com Alessandro Montserrat observando-a com um sorriso
nos lábios.
— Oi, Alessandro. Veio apreciar meu sofrimento?
— Estava a caminho da oficina e ouvi você resmungando.
Ela sacudiu a cabeça, nervosa, e atirou o macaco no chão.
— Se você me arrumasse uma banana de dinamite eu explodiria isto tudo agora mesmo!
— Não era bem esse o tipo de ajuda que eu tinha em mente. Mas tenho de admitir que, nas atuais circunstâncias, eu me sinto mais seguro com esse macaco, longe de suas pequenas mãos, assassinas.
— Não abuse da sorte. Estou a ponto de cuspir balas!
Ele ajoelhou-se ao lado de Della e, apoiando a mão no solo, abaixou-se para examinar a estrutura da varanda.
— O que você precisa é de um macaco maior.
— Não diga!
— Ei, você quer ou não quer ajuda? — Ele perguntou, rindo.
O olhar bem-humorado de Alessandro e seu sorriso conseguiram neutralizar instantaneamente a raiva de Della. Quando ela respondeu, tinha também um sorriso nos lábios.
— Isso depende. Você tem um macaco maior?
— É, por acaso eu tenho.
— Então, esteja à vontade. — Ela convidou, gesticulando em direção aos blocos de cimento.
— E o que eu vou ganhar com isso? — Ele indagou, fitando-a de perto.
— Suor, cansaço, provavelmente uma boa dose de raiva. — Della retrucou; embaraçada pela proximidade dele. — Mas se trabalhar direito e só xingar em voz baixa, eu lhe darei uma xícara de café e um pedaço de bolo caseiro.
— Um pedaço apenas? Se deixar por dois pedaços grandes, eu aceito.
— Se conseguir consertar esta maldita varanda, pode comer todo o bolo.
— Feito. Voltarei em cinco minutos!... — Ele avisou e tomou o rumo da oficina.
Meia hora depois, Della tinha a sensação de que Alessandro lamentava o momento em que se deixara subornar por um bolo simples e ainda por cima caseiro. Ela esforçava-se para não rir ao observar o rosto suado e bravo de Alessandro. As coisas não iam bem.
Alessandro atirou o bloco de cimento ao chão e praguejou em voz alta.
— O que acha agora de idéia da dinamite? — Della perguntou, com ar inocente.
Ele a fitou com um olhar irritado e seu rosto carregava tamanha frustração que Della não pôde mais se conter. Caiu de joelhos no chão, rindo até lhe saírem lágrimas dos olhos. Por fim, conseguiu controlar o acesso e sentou-se, mas bastou encará-lo outra vez para recomeçar a rir.
— Você tem alguma idéia de como isto é frustrante? E você rindo assim não está me ajudando em nada. — Ele desabafou, com as veias do pescoço saltadas de impaciência.
— Tenho sim, mas está muito engraçado. — Ela respondeu, numa pausa entre as risadas.
— Isto não tem graça, Della.
— Claro que tem. — Ela levantou a mão e enxugou os olhos. — Você parece estar a ponto de destruir esta varanda com as próprias mãos.
— Você se importaria se eu fizesse isso? — Alessandro indagou com um meio sorriso, levando Della a rir outra vez. — Ouça, se não parar com isso eu vou afundar seu rosto naquele tanque de água!
— Desculpe. Você tem razão. — Ela reconheceu, sentando-se e controlando a vontade de rir com uma inspiração profunda.
— Afinal de contas, o que estou fazendo aqui? Por que estou dando trabalho a mim mesmo?
— Por uma xícara de café e um bolo caseiro, lembra?
— Espero que esse bolo seja realmente bom? — Alessandro perguntou, fitando-a com ar desconfiado.
— Meus filhos dizem que é o melhor da região. Quer provar um pedaço agora?
— Não até que eu conserte esta porcaria ou desista de tudo e quebre em milhares de pedacinhos! — Ele exclamou, gesticulando com ar ameaçador em direção à varanda.
— Está bem. Alessandro, eu tive uma idéia. Se você levantar bastante o parapeito, eu posso me enfiar por baixo e tirar um pouco da terra que está acumulada sob o cimento. Talvez dê certo se a gente colocar os blocos de apoio mais para trás.
— Certo, só que eu faço isso.
— Você não vai caber aí embaixo. — Ela constatou, fitando os ombros largos e o tórax forte dele. — Deixe comigo.
— Não gosto da idéia de ver você enfiada sob este parapeito. Se algo sair errado, pode cair tudo em cima de você.
— É só apoiar direito que não acontecerá nada. Será seguro se colocarmos uma escora aqui na frente. Vamos tentar?
— Está certo, mas espere até eu deixar isto bem firme.
Uma hora mais tarde, a varanda estava praticamente nivelada e Della levantou-se para observar a obra com satisfação.
— Foi uma melhora e tanto!
— É pena que eu não possa dizer o mesmo de você. Esta repleta de terra da cabeça aos pés. — Ele brincou, examinando os cabelos desalinhados e o rosto sujo de Della.
— Muito obrigada!
— De nada. Agora, vamos ao bolo caseiro.
— Diga, por favor. — Ela revidou, usando seu melhor tom maternal.
A voz dele permanecia bem-humorada, mas havia algo de sério no tom grave com que Alessandro respondeu.
— Não, Della. Eu nunca digo, por favor.
Della tentou decifrar o que ele queria dizer, mas, naquele momento, não estava em condições de empreender grandes esforços de concentração. Enquanto caminhavam para a casa, ela sentia tão intensamente a proximidade de Alessandro que mal podia respirar.
Em vez de render-se ao cansaço pelo trabalho na varanda, parecia que, de repente, encontrava-se leve com uma pluma.
2440 Palavras
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