Capítulo 31
Que o medo de cair mais uma vez não te impeça de viver mais uma linda história de amor.
Pelo seu ar de pânico, Della percebeu que ele havia escutado toda a conversa e caminhou em sua direção. Mas Demétrio recuou com um olhar acusador e, então, correu para fora da casa aos soluços. Sentindo-se mais do que nunca insegura e incompetente, ela apoiou a testa na parede e começou a chorar.
Levou um bom tempo para se controlar, embora continuasse trêmula. Deixou os recibos sobre a televisão e saiu à procura de seu filho mais velho. Não havia sinal dele no pátio e Della sentiu um arrepio de apreensão. Correu até o campo vizinho, esperando encontrá-lo sentado sob alguma árvore, mas o lugar estava completamente deserto. Cada vez mais preocupada, voltou para casa, mas não entrou.
Assim que contornou o pátio, parou de repente e seu alívio foi tão intenso que a imobilizou.
As três crianças estavam sentadas nos degraus da varanda, silenciosas e com a tensão refletida nos rostinhos pequenos. Régis levantou a cabeça assim que a viu.
— Vamos ter de voltar para aquela fazenda horrível?
Forçando um sorriso tranquilizador, Della sentou-se junto com eles e segurou as mãos de Régis.
— Não, querido. Não há motivo para vocês se preocuparem, está bem? Não é nada que eu não possa resolver.
— Papai fez uma coisa ruim, não foi? Ele roubou aquele homem?... — Demétrio indagou; tão chocado que todo seu corpo tremia.
— Sim. Infelizmente ele fez isso mesmo. — Della o segurou pelo queixo e fez com que a encarasse. — Mas isso não tem nada a ver com você, Demétrio. Não quero que fique preocupado. O Sr. Basurto foi muito justo e nós daremos um jeito. Ele também foi vitima das maldades de seu pai e lembre-se, você não é igual a ele, nenhum de vocês é na verdade. —Afirmou os beijando e abraçando fortemente.
Ele enxugou os olhos, esforçando-se para se comportar como um pequeno homem.
— Mas é muito dinheiro. Sozinha você não vai conseguir!
— É verdade. Mas eu prometo que a mamãe vai dar um jeito!
— Como você vai pagar? Indagou Régis nervoso.
— Pensarei em alguma coisa, querido. Esqueça isso por enquanto... — Ela respondeu, sorrindo de novo para acalmá-lo. — Confie em mim e pare de se preocupar, está bem? Não vou deixar que nada de ruim aconteça a vocês. — Della inclinou-se e deu-lhe um beijo na testa. — Agora vamos entrar para jantar.
Demétrio fez um sinal afirmativo com a cabeça e levantou-se. Seus irmãos o seguiram para dentro da casa. Mas os irmãos tinham outro plano e mente e só precisavam esperar a mãe adormecer.
Della os observou por um instante, depois respirou fundo e foi atrás deles. O mais importante naquele momento era dar assistência emocional a suas crianças.
Assim que entrou na sala, Nádia a chamou.
— Mamãe?
— Sim, meu anjo.
— Alessandro falou que ficou muito contente de me ver. Ele disse que sentiu saudade de mim e que nós ama muito. Você o ama também?
Della sentiu um aperto no coração e teve de controlar-se para não demonstrar sua reação à filha.
— Que ótimo; meu anjo. Eu também amo muito ele e...
— Eu disse a ele que também senti saudade. E que a senhora sente muita saudades dele também. Ele chorou mamãe!... O nosso pai nunca chorou por nós. Chorar faz bem, não é mesmo? Você me disse que chorar significa amor!
— É isso mesmo, chorar significa amor!
Nádia afastou-se pulando de alegria e Della precisou virar-se de costas para dar vazão à dor quase insuportável.
Depois de colocar as crianças na cama naquela noite, Della espalhou os recibos sobre a mesa da cozinha e experimentou um novo choque de incredulidade diante do que Estevão havia feito.
Como pudera ter sido tão cega assim? E durante tantos anos...
Determinada, examinou cada recibo e constatou que a soma chegava a quase a duzentos mil reais. E esses recibos eram apenas de poucos meses. Havia um recado do gerente do banco e da cooperativa avisando que havia documentos mais antigos em nome de seu falecido marido e da mulher do senhor Basurto.
Recostou-se na cadeira, olhando fixamente para os papéis. Pensou em procurar José Luis Almonte, o advogado de sua avó, mas rejeitou a idéia quase de imediato. Acreditava que não podia ser legalmente responsabilizada por aquilo, porém, pela traição declarada de Estevão à confiança do patrão e para preservar sua própria integridade, sentia que moralmente devia assumir o problema.
Isso a deixava numa situação quase impossível de arrumar o dinheiro. Tinha as avaliações da mobília antiga, que cobririam parte da dívida, mas precisaria fazer um empréstimo para pagar o restante. Por outro lado, se usasse a casa como garantia, talvez obtivesse um empréstimo da quantia total e, podendo pagar as prestações num prazo longo, era possível que conseguisse arcar com a despesa. Se não, iria vendendo a mobília pouco a pouco. Essa lhe parecia à única solução lógica no momento.
Della cruzou os braços sobre a mesa e pousou a cabeça neles, tão exausta que já nem podia raciocinar direito.
— O que foi mamãe?
Ela levantou a cabeça e viu Demétrio parado à porta do quarto com uma expressão ansiosa.
Della forçou um sorriso.
— Nada, querido. Só estou cansada. Vim até a cozinha e pensei em tomar um copo de leite morno.
Ele veio até a mesa e pegou um dos recibos. Sem dizer nada, Della tirou o papel da mão do filho, juntou-o aos demais e os prendeu com um clipe. Depois se levantou e os guardou na gaveta onde mantinha as outras contas e o caderno do orçamento doméstico.
— Quer um copo de leite também, Demétrio?
— Não. Eu não consigo dormir. É só. Mas vou voltar pro meu quarto.
Della agachou em frente ao filho e procurou tranquilizá-lo.
— Não quero que se preocupe com isso, Demétrio. Vou ao banco arrumar o dinheiro amanhã e resolveremos esse assunto.
Ele a ouviu atentamente. Depois baixou os olhos e começou a enrolar a bainha do pijama.
— Está bem.
— Então que tal voltar para a cama? É muito tarde e você não vai conseguir levantar de manhã pra ir para a escola. — Ela afagou-lhe o cabelo e ficou em pé.
— Mamãe?
— Sim, querido?
— Alessandro não vem mais aqui, por que? Vocês dois não estavam namorando?
Della o fitou por um segundo e, então, ocupou-se em limpar qualquer coisa na pia.
— Acho que não. Bem, eu e ele... É complicado!
— Por quê?
— Porque ele tem sua própria vida, Demétrio. Tem outras coisas para fazer.
— Ah... Você não gosta mais dele?
Após um breve silêncio, Della virou-se e encarou-o.
— Agora é melhor ir para a cama.
Ele tomou a direção do quarto, mas parou no meio do caminho e a fitou com uma expressão teimosa.
— Eu não sou mais um bebê. E aprovo o seu namoro com o senhor Montserrat. Ele a respeita e cuida da gente. Ou ele fez alguma coisa ruim com a senhora e...
— Claro que não. Alessandro jamais faria algo ruim contra nós ou qualquer outra pessoa. — Ela sorriu com afeto. — Quando você era bebê não podia sair da cama na hora em que sentisse vontade, não é mesmo?...
Demétrio dirigiu-lhe um sorriso travesso e virou-se outra vez na direção do quarto.
— Boa noite, mamãe.
A manhã seguinte foi angustiante para Della. A idéia de ter de contar para alguém, mesmo que fosse o gerente de uma instituição financeira, que precisava de um empréstimo a fazia estremecer. Quando chegou ao banco naquela tarde, sentia-se tão nervosa que mal conseguia falar.
Porém o gerente era bem mais simpático do que ela imaginara. Quando lhe contou que acabara de descobrir as dívidas deixadas pelo marido, ele ouviu com naturalidade, sem qualquer comentário, e simplesmente lhe entregou um formulário onde deveria relacionar seus bens e dívidas.
Ele permaneceu sentado, coçando distraidamente o rosto, enquanto lia as informações dela no requerimento de empréstimo. Ela o fitava com um frio no estômago, tão tensa que as mãos suavam.
O gerente colocou o papel sobre a mesa e encarou-a.
— Parece estar tudo em ordem, Sra. Gianciti.
— Se for necessário mostrar a escritura da casa eu posso trazê-la e...
— Não, não será preciso. Estas avaliações de sua mobília antiga serão suficientes. Se puder passar por aqui amanhã de manhã, poderá assinar o contrato de empréstimo e pegar o cheque.
Respirando aliviada, Della recostou-se na cadeira. Não esperava que aquela conversa pudesse ser tão amigável. Quando ela e Estevão foram pedir um empréstimo para pagar o caminhão, o gerente os enchera de perguntas e tiveram de prestar contas de praticamente cada centavo que gastavam.
Daquela vez, sua declaração de renda mal fora examinada e não fora indagada sobre as despesas mensais. Della imaginou se seria apenas uma diferença entre orientações do banco ou sorte.
O gerente se levantou e estendeu a mão para Della.
— Se tiver algum problema, não hesite em entrar em contato conosco.
— Obrigada. O senhor foi muito simpático.
— Estamos aqui para isso. — Ele deu a volta na mesa e acompanhou Della até a porta. — Como já disse, não hesite em nos procurar.
Della saiu do escritório e atravessou o amplo saguão perdida em pensamentos. Por um lado, estava aliviada por ter conseguido levantar o dinheiro de que precisava. Por outro, preocupava-se porque agora teria de enfrentar três anos de prestações sem poder contar com rendimentos certos.
Abriu a porta de vidro para sair e foi quase abalroada por alguém que entrava. Foi segura pelo braço e ela levantou os olhos, deparando-se com a expressão surpresa de Alessandro Montserrat. Era a primeira vez que o via desde a última discussão e o efeito foi devastador. Imobilizada pelo encontro inesperado, conseguiu apenas ficar olhando para ele. Os sentimentos que tentara com tanto esforço manter adormecidos voltaram a assaltá-la e ela sentiu uma solidão tão intensa que mal podia conter as lágrimas.
Ele não moveu um músculo, apenas continuou a fitá-la com o olhar fixo. Uma eternidade pareceu se passar antes que Alessandro lhe soltasse o braço. Della queria dizer alguma coisa, mas encontrava-se tão abalada que não conseguia articular qualquer palavra. Alessandro lhe dirigiu um último olhar impessoal e passou por ela, entrando no banco.
Della fechou os olhos, procurando conter a dor profunda em seu peito. Foi naquele instante que soube, com certeza, que estava mesmo tudo acabado.
E, se não houvesse encarado o fato naquele momento, teria de enfrentá-lo naquela noite quando Demétrio lhe entregou um bilhete lacônico de Alessandro avisando-a de que não precisava mais de seus serviços.
Della pendurou os vestidos de cetim lilás das damas de honra em cabides forrados e cobriu-os com plástico. Passara as duas últimas semanas costurando quase por tempo integral e havia retalhos de tecido por toda parte. Porém, apesar do cansaço, sentiu uma profunda satisfação ao ver o trabalho pronto.
Havia sugerido à noiva algumas modificações nos trajes dos vestidos e tudo saíra perfeito. As meninas que iam usá-los no casamento ficariam parecendo princesas, mas com um toque bastante moderno. Lindalva e a mãe haviam gostado tanto do resultado que deram a Della carta branca para a confecção do vestido de noiva. Ela própria admitia que se superara nessa última tarefa. Decidira costurar tiras diagonais de renda no cetim branco da longa cauda e o efeito ficara tão surpreendente que a noiva optara por não usar nenhum véu, apenas pequeninas flores de laranjeira em suas longas tranças.
As provas finais haviam sido feitas na noite anterior e Della terminara os últimos acertos naquela manhã, antes de as crianças se levantarem.
Acabara de colocar os plásticos protetores sobre os vestidos, quando a porta do galpão se abriu e Domingas enfiou a cabeça para dentro.
— Posso entrar?
— Por que não poderia? Por acaso está com alguma doença contagiosa?
Domingas entrou depressa para fugir do frio e desabotoou o casaco feito de tricô.
— Bem, eu não sabia se uma costureira famosa como você iria querer se misturar aos plebeus.
— Do que está falando, Domingas? Acordou de bom humor hoje?
— Eu fui até a cidade pegar minha correspondência e me encontrei com a Sra. Pontes e Valverde. Ela estava extasiada com suas maravilhosas criações. Do jeito que falava de você, Della, alguém poderia pensar que você é uma nova Channel brasileira.
— Não a leve tão a sério... — Della comentou, rindo. — Elas são muito expansivas, e estão empolgadas pelos eventos.
— Posso dar uma olhada no vestido da noiva?
— Não.
— Mas que amiga você é!
— Lindalva me pediu sigilo. Além disso, você foi convidada para o casamento e pode ver o vestido lá. Por enquanto, vou lhe dar um café e bolinhos quentes para você esquecer a curiosidade.
— Bem, se você quer assim...
— Os bolinhos têm recheio especial.
Della levou a amiga para a cozinha e pôs água para ferver. Depois se virou para Domingas com um olhar divertido.
— Qual foi à crise que a arrancou de casa tão cedo esta manhã?
Domingas passou a mão pela toalha da mesa, pensativa, e então encarou Della com seriedade.
— Você se importaria de me contar o que está havendo entre você e Alessandro?
Uma terrível sensação de vazio dominou Della e ela virou-se para a pia e começou a despejar o pó de café com gestos automáticos.
— Della?
— Sim?
— Você vai me contar?
— Não!... — Ela respondeu, sem se virar.
— Por que não? Você não confia em mim? Não somos amigas por acaso?
Aquela pergunta despertou lembranças muito dolorosas em Della e, por um instante, ela não pôde responder. Por fim, olhou para a amiga e falou com voz instável.
— Não é isso, Domingas. Apenas não posso falar sobre o assunto.
— Você está com uma aparência péssima. Parece que não dorme há dias, está emagrecendo e não pára de trabalhar um instante. Não pode continuar se maltratando assim. E o Alessandro está do mesmo jeito, ele não tem ânimo nem para trabalhar direito.
— Eu vou superar isso.
— Ah, é? Como? Se machucando e ferindo o homem que acredito que você deva amar?
Boas perguntas, Della pensou, sorrindo com amargura.
Domingas encarou a amiga e suspirou.
— Eu vim aqui porque Alessandro acabou de passar lá em casa para falar com Joaquim. — Ela explicou.
Della empalideceu e segurou-se na pia. Sabia que ia ouvir algo que preferia não escutar.
— E daí?
— Ele pediu a Joaquim para cuidar da oficina por uns tempos e queria saber se eu daria uma olhada na casa dele; parece que vai ficar fora da cidade quase todo o inverno e pretende partir depois de amanhã. Algumas pessoas estão dizendo por aí que ele vai embora da nossa cidade, que alguma mulher voltou a brincar com os sentimentos dele novamente.
Della a fitou em pânico. Alessandro estava indo embora, saindo de sua vida. Virou-se para o armário sem acreditar no que Domingas lhe dizia.
— Compreendo! — Murmurou.
Domingas a observou com tristeza e compaixão.
— Será que compreende mesmo o que isso pode significar pra você e seus filhos?
2465 Palavras
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